1. 1
“DOMINAR O QUE OS DOMINANTES DOMINAM” – A
CONTRIBUIÇÃO DA PEDAGOGIA HISTÓRICO-CRÍTICA PARA
A EDUCAÇÃO ESCOLAR.
Clarice Simão Pereira1
Sônia da Cunha Urt2
Universidade Federal de Mato Grosso do Sul
Neste artigo buscamos evidenciar a contribuição da Pedagogia Histórico-Crítica para a
educação escolar. Considerando que entre seus principais pressupostos está a
socialização do saber historicamente acumulado a todos os homens, entendemos que
esta teoria traz consigo o elemento essencial na formação humana: a apropriação do
conhecimento. Na contramão das tendências atuais, que mais valorizam a experiência e
as competências do indivíduo, a Pedagogia Histórico-Crítica preocupa-se em garantir o
acesso ao saber elaborado pelas gerações ao longo da história. Este estudo faz parte de
uma pesquisa em andamento, intitulada “O processo de aprendizagem na educação
escolar”. Ressaltamos neste trabalho, que as atuais tendências pedagógicas vêm
buscando retirar o clássico da escola, resultando em um processo de esvaziamento de
conteúdo e consequente formação deficitária. Neste contexto, os processos alienantes se
sobressaem aos princípios de humanização. Defendemos que a Pedagogia Histórico-
Crítica contribui com a educação escolar, na valorização do saber objetivo como
essencial elemento na formação humana.
Introdução
Neste trabalho, apresentamos a contribuição da Pedagogia Histórico-Crítica para
a educação escolar. A citação de Dermeval Saviani (2007), que nomina este trabalho
“dominar o que os dominantes dominam” traz consigo o tema sobre o qual pretendemos
tecer algumas considerações: a importância do domínio do conhecimento científico,
artístico e filosófico, historicamente acumulado pelo gênero humano, transmitido via
educação escolar.
1
Mestranda em Educação pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS). Membro do Grupo
de Estudos e Pesquisa em Psicologia e Educação da UFMS. www.geppe.ufms.br E-mail:
clarice_simao@hotmail.com.
2
Doutora em Educação pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e pós-doutorado em
Educação pela Unicamp-SP, com Estágios na Universidade de Alcalá de Henares - Espanha e na
Universidade de Lisboa - Portugal. Professora associada da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul
(UFMS). Coordenadora do Grupo de Estudos e Pesquisa em Psicologia e Educação da UFMS.
www.geppe.ufms.br - E-mail: surt@terra.com.br.
2. 2
Inicialmente situamos a Pedagogia Histórico-Crítica, o contexto de sua
formulação e apontamos alguns de seus princípios.
Na sequência, discutimos a tendência educacional do “aprender a aprender”,
apontando o esvaziamento dos conteúdos escolares e o esgotamento do trabalho
educativo.
Apresentamos a Pedagogia Histórico-Crítica na contramão da tendência
educacional hegemônica, e sua contribuição para a educação escolar no processo de
formação humana.
1. Sobre a Pedagogia Histórico-Crítica – alguns apontamentos
Formulada por Dermeval Saviani, a Pedagogia Histórico-Crítica surge como
referencial para a compreensão da questão educacional, com base no desenvolvimento
histórico objetivo. Fundada nos princípios do materialismo histórico dialético, traz a
compreensão da história a partir da determinação das condições materiais da existência
humana (SAVIANI, 2003).
Em sua obra “Pedagogia Histórico-Crítica – primeiras aproximações”, Saviani
(2003) expõe o contexto da formulação desta teoria, apontando que no final da década
de 1970, havia uma necessidade histórica, especialmente no caso brasileiro, de se fazer
a crítica da pedagogia oficial, evidenciando seu caráter reprodutor.
Na virada dos anos 1970 para os anos 1980, a crítica contestadora
tendeu a ser substituída por uma crítica superadora, dado o anseio em
orientar-se a prática educativa numa direção transformadora das
desigualdades que vêm marcando a sociedade brasileira. É nesse
contexto que emerge a pedagogia histórico-crítica como uma teoria que
procura compreender os limites da educação vigente e, ao mesmo
tempo, superá-los (SAVIANI, 2003, 119).
Esta teoria traz em sua essência o compromisso com a transformação da
sociedade capitalista. Entre os princípios fundantes que a caracterizam, apontamos três.
O primeiro diz respeito a historicidade humana, o segundo se refere a socialização dos
conteúdos clássicos e o terceiro, a mediação do professor.
1.1. O homem é um ser histórico, constituído nas relações sociais.
A experiência humana acumulada ao longo da história, propicia aos homens o
desenvolvimento das capacidades que lhes permitem representar o mundo e agir sobre
ele. Isto significa que, “[...] cada indivíduo aprende a ser um homem. O que a natureza
3. 3
lhe dá quando nasce não lhe basta para viver em sociedade. É-lhe, ainda, preciso
adquirir o que foi alcançado no decurso do desenvolvimento histórico da sociedade
humana” (LEONTIEV, 1978, p. 267). Nesse sentido, o homem é o resultado da
apropriação dos conhecimentos produzidos historicamente, os quais não são
transmitidos por hereditariedade, mas de forma mediatizada pelos outros homens.
Para Marx & Engels (1996), a existência de indivíduos humanos é a condição
primeira para que haja história. Nesse sentido, ao relacionar-se aos instrumentos que
vão sendo produzidos, o homem vai se transformando e ampliando suas
potencialidades. O ato de produzir esses instrumentos, por sua vez, produz novas
necessidades.
[...] o primeiro pressuposto de toda a existência humana e de toda a
história, é que os homens devem estar em condições de viver para
poderem “fazer história”. Mas, para viver, é preciso antes de tudo
comer, beber, ter habitação e algumas coisas mais. O primeiro ato
histórico é, portanto, a produção dos meios que permitam a satisfação
dessas necessidades. [...] O segundo ponto é que, satisfeita essa
primeira necessidade, a ação de satisfazê-la e o instrumento de
satisfação já adquirido conduzem a novas necessidades – e esta
produção de novas necessidades é o primeiro ato histórico. (MARX
& ENGELS, 1996, pp. 39-40)
Entre essas novas necessidades, destaca-se o conhecimento, que vai se
desenvolvendo. O homem é o que é, em dado momento da história.
1.2. A socialização dos conteúdos clássicos3
- o acesso ao saber elaborado
Para a Pedagogia Histórico-crítica, o acesso ao saber elaborado deve ser a
atividade nuclear da escola.
A apropriação do conhecimento científico via educação escolar é fundamental
para o desenvolvimento do ser humano. Entretanto, grande parte da humanidade não
têm acesso aos conteúdos clássicos, isso é alienação.
Há um grande distanciamento entre os indivíduos e a riqueza produzida pela
humanidade “(...) uma ruptura entre, por um lado, as gigantescas possibilidades
desenvolvidas pelo homem e, por outro, a pobreza e a estreiteza de desenvolvimento
que, se bem que em graus diferentes, é a parte que cabe aos homens concretos”
(LEONTIEV, 1978, p. 280).
3
Clássico na escola é a transmissão do saber sistematizado. Este é o fim a atingir (Saviani, 2003, p. 18).
4. 4
O saber científico faz parte da cultura universal humana, que é patrimônio de
toda a humanidade, porém, os “dominantes” se apropriam de uma cultura que deveria
ser de todos. Entendemos que essa cultura pode tornar-se uma cultura geral, de acesso a
todos os homens.
A principal função da escola deve ser a divulgação desta cultura. A educação
escolar precisa trabalhar com o que há de mais desenvolvido no ser humano. Para tanto,
faz-se necessária uma formação política, como consciência do funcionamento das leis
que regem a estrutura social da sociedade – consciência de classe, com vistas a
transformação.
Seguramente, a teoria por si só não dá conta desta transformação, conforme
explica Martins (2011),
A ênfase na transmissão dos conhecimentos clássicos, tal como
postulado pela pedagogia histórico-crítica, não perde de vista que a
teoria, por si mesma, não transforma a realidade. Mas também não
perde de vista que essa transformação exige a formação de indivíduos
aptos a fazê-lo. Se, por um lado, a construção do conhecimento está
diretamente ligada à atividade, esta, por si mesma, não é suficiente
para engendrar a formação daquele. A atividade cognoscitiva e
teleológica requer o registro e conservação das objetivações históricas
e, ao mesmo tempo, a comunicação educativa entre os homens pelas
quais se realizam as apropriações de tais objetivações. Ou seja,
demanda condições sociais de transmissão, demanda ensino!
(MARTINS, 2011, p. 12).
1.3. Em se tratando de ensino e aprendizagem escolar, o professor é o
mediador do processo
É o professor que vai viabilizar a apreensão do conhecimento que se
desenvolveu socialmente (SAVIANI, 2003). Esta mediação é fundamental, pois
considerando que o homem é constituído nas relações sociais,
[...] está fora de questão que a experiência individual de um homem,
por mais rica que seja, baste para produzir a formação de um
pensamento lógico ou matemático abstrato e sistemas conceituais
correspondentes. Seria preciso não uma vida, mas mil. De fato, o
mesmo pensamento e o saber de uma geração formam-se a partir da
apropriação dos resultados da atividade cognitiva das gerações
precedentes (LEONTIEV, 1978, p. 266).
Neste sentido,
[...] é papel do professor garantir que o conhecimento seja adquirido,
às vezes mesmo contra a vontade imediata da criança, que
espontaneamente não tem condições de enveredar para a realização
dos esforços necessários à aquisição dos conteúdos mais ricos e sem
5. 5
os quais ela não terá chance de participar da sociedade (SAVIANI,
2006).
Desse modo, para a Pedagogia Histórico-Crítica o professor, enquanto mediador,
assume o compromisso com o processo de aprendizagem dos alunos, numa perspectiva
crítica e revolucionária, propiciando a compreensão das relações sociais existentes, com
vistas à transformação desta sociedade.
2. O modismo do “aprender a aprender” e o esvaziamento de conteúdos
Em análise das tendências educacionais, Duarte (2003), afirma que predominam
as pedagogias do “aprender a aprender”4
, que defendem a valorização do “aprender
sozinho”, em grau de maior importância que o aprendizado com o auxílio do outro.
Tais tendências apontam para um descaso intencional e ideológico para com os
conteúdos escolares, conforme destaca Nagel (2003),
[...] textos isolados uns dos outros, fragmentos literários, notícias de
jornal, partes de poesia, frases soltas, substituíram, nos currículos
escolares, o ensino que buscava conhecer as necessidades e
possibilidades dos homens no interior de sua civilização ou que
buscava conhecer o desenvolvimento histórico, cultural da sociedade
(NAGEL, 2003, p. 37).
O discurso sedutor do “aprender a aprender” sob o pretexto de trazer avanços
para o campo educacional vem aniquilando a base sólida da educação escolar – a
socialização do conhecimento científico, artístico e filosófico, historicamente
acumulado pelos homens.
As políticas em torno do lema “aprender a aprender” são encontradas em grande
número. Ao longo da história, documentos e tratados foram assinados, entre os quais: a
Declaração Mundial sobre Educação para Todos (1993), resultante da Conferência
Mundial de Educação para Todos5
, realizada em Jontien, Tailândia, em 1990.
Mais recentemente, o “aprender a aprender” se fez presente no Relatório da
Comissão Internacional para a Educação do Século XXI”, intitulado “Educação: um
tesouro a descobrir”, organizado por Jacques Delors (1998), o qual expõe o seguinte:
4
Segundo Newton Duarte (2003), as “pedagogias do aprender a aprender” fazem parte de um conjunto de
diversas correntes pedagógicas, entre as quais, a pedagogia das competências e o escolanovismo.
5
Anunciando a igualdade de acesso para todos, o debate acerca da universalização do ensino é
reinventado, e a partir daí, surgem as chamadas pedagogias das competências, ou “pedagogias do
aprender a aprender”.
6. 6
[...] em todos os países, mesmo naqueles em que todas as crianças estão
inscritas no ensino básico, é preciso prestar particular atenção à qualidade do
ensino. A educação básica é, ao mesmo tempo, uma preparação para a vida e
o melhor momento para aprender a aprender (DELORS, 1998, p. 127).
Desse modo, caberia a educação proporcionar as condições para aprender a
aprender, com base em quatro pilares: aprender a conhecer, aprender a fazer, aprender a
viver juntos (DELORS, 1998, p. 101-102).
Esses quatro pilares, embasaram as chamadas “competências e habilidades”, que
tendo como seu maior representante Philipe Perrenoud, entraram no Brasil com grande
aceitação por parte dos educadores, sendo amplamente disseminadas.
De acordo com Duarte (2004), a “pedagogia das competências e habilidades”
remete a uma necessidade emergente de desenvolver nos indivíduos a criatividade, a
capacidade de resolver problemas imediatos, e a flexibilidade diante dos desafios postos
pela modernização da sociedade, tarefa esta, delegada à educação escolar.
[...] não discordamos da afirmação de que a educação escolar deva
desenvolver no indivíduo a capacidade e a iniciativa de buscar por si
mesmo novos conhecimentos, a autonomia intelectual, a liberdade de
pensamento e de expressão. Nosso ponto de discordância reside na
valoração, contida no “aprender a aprender”, das aprendizagens que o
indivíduo realiza sozinho como mais desejáveis do que aquelas que
ele realiza por meio da transmissão de conhecimentos por outras
pessoas. Não concordamos que o professor, ao ensinar, ao transmitir
conhecimento, esteja cerceando o desenvolvimento da autonomia e da
criatividade dos alunos (DUARTE, 2004, 35).
Nessa direção, essa tendência do “aprender a aprender” estaria ligada a
formação de sujeitos capazes de se adequar ao sistema produtivo desta sociedade,
[...] o lema “aprender a aprender” passa a ser revigorado nos meios
educacionais, pois preconiza que à escola não caberia a tarefa de
transmitir o saber objetivo, mas sim a de preparar os indivíduos para
aprenderem aquilo que deles for exigido pelo processo de sua
adaptação às alienadas e alienantes relações sociais que presidem o
capitalismo contemporâneo. A essência do lema “aprender a
aprender” é exatamente o esvaziamento do trabalho educativo escolar,
transformando-o num processo sem conteúdo (DUARTE, 2004, p. 8).
3. A contribuição da Pedagogia Histórico-Crítica na contramão das teorias
pedagógicas hegemônicas
O esvaziamento do trabalho educativo relaciona-se estritamente a retirada dos
conteúdos clássicos da educação escolar.
7. 7
Entendemos com Saviani que,
Os conteúdos são fundamentais e, sem conteúdos relevantes,
conteúdos significativos, a aprendizagem deixa de existir, ela se
transforma num arremedo, ela se transforma numa farsa. Parece-me,
pois, fundamental que se entenda isso e que, no interior da escola, nós
atuemos segundo essa máxima: a prioridade de conteúdos, que é a
única forma de lutar contra a farsa do ensino. Por que esses conteúdos
são prioritários? Justamente porque o domínio da cultura constitui
instrumento indispensável para a participação política das massas. Se
os membros das camadas populares não dominam os conteúdos
culturais, eles não podem fazer valer os seus interesses, porque ficam
desarmados contra os dominadores, que se servem exatamente desses
conteúdos culturais para legitimar e consolidar a sua dominação. Eu
costumo, às vezes, enunciar isso da seguinte forma: o dominado não
se liberta se ele não vier a dominar aquilo que os dominantes
dominam. Então dominar o que os dominantes dominam é condição
de libertação (SAVIANI, 2007, p. 61).
A “dominação” a que o autor se refere, tem relação direta com a apropriação do
conhecimento, do saber objetivo construído historicamente. Os “dominantes” mantém
seu domínio mediante a apropriação dos bens culturais que deveriam ser de todos.
Nesse sentido, a escola não pode transitar nos limites da empiria, ela tem uma
função específica na socialização do conhecimento.
A escola existe, pois, para propiciar a aquisição dos instrumentos que
possibilitam o acesso ao saber elaborado (ciência), bem como o
próprio acesso aos rudimentos desse saber. As atividades da escola
básica devem organizar-se a partir dessa questão. (SAVIANI, 2003,
p.15).
Diante das tendências pedagógicas atuais, o esgotamento do trabalho educativo
vem sendo acentuado e a garantia do saber objetivo cada vez menos valorizado.
Tomamos como exemplo, a entrevista de Fernando José de Almeida6
, feita pela
Revista Nova Escola em 2010. O autor trata desta garantia como “coisa do passado”:
Não é de hoje que os educadores de diversos países se perguntam o
que as crianças e os jovens devem aprender em sala de aula.
Antigamente não havia dúvida: era preciso transmitir aos alunos os
saberes que a humanidade acumulou nos últimos 10 mil anos em
Ciências, Matemática, Literatura, Arte e as demais áreas do
conhecimento. Sim, era uma grande pretensão, mas ninguém duvidava
de que esse era o papel da escola. Na contemporaneidade, essas
certezas ruíram (ALMEIDA, 2010).
O mesmo autor aponta como função da escola a formação de habilidades e
indica que os conteúdos do currículo estão sujeitos às necessidades imediatas dos
alunos. À escola caberia, portanto,
6
Fernando José de Almeida é filósofo, docente da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-
SP) e vice-presidente da TV Cultura - Fundação Padre Anchieta.
8. 8
[...] pinçar, do leque de conteúdos, aqueles que trarão a maior
possibilidade de a criança aprender e formar habilidades aliadas à
cidadania, ao senso crítico e ao sentido de ética e estética. Cabe à
escola optar por um programa que contemple as necessidades dos
estudantes e as características da comunidade em que eles vivem,
afinando-o ainda com as diretrizes dos currículos nacionais
(ALMEIDA, 2010).
Desse modo, os conteúdos escolares estariam sujeitos a formação das
habilidades e assuntos relacionados ao cotidiano dos alunos. É como já afirmou Saviani
(2003, p. 16), “facilmente, o secundário pode tomar o lugar daquilo que é principal,
deslocando-se, em consequência, para o âmbito do acessório aquelas atividades que
constituem a razão de ser da escola”.
Na contramão da assertiva do entrevistado, Saviani (2003, p. 145) assevera que
“os conteúdos históricos sempre serão importantes e, de certo ângulo, determinantes,
porque é pelo caminho deles que se apreende a perspectiva histórica, o modo de situar-
se historicamente”.
Para a Pedagogia Histórico-Crítica, reafirmamos, permanece atual a
preocupação com a socialização do conhecimento científico, artístico e filosófico, em
suas formas mais elevadas.
Evidentemente não é por acaso que a concepção pedagógica dominante desta
sociedade se respalda na desvalorização do arcabouço teórico cultural acumulado
historicamente, com ênfase nas pedagogias do “aprender sozinho”, considerando este
superior, em relação ao aprendizado com a mediação do outro e reduzindo o papel do
professor a mero facilitador do processo de ensino e aprendizagem. Essa negação do
conhecimento tem uma intencionalidade específica de manter a ignorância do povo.
Conforme Sacristán (2007, p.58), “persistem a ignorância e os ignorantes”.
Não por acaso se levantam bandeiras a favor de um aprendizado superficial,
imediato, cotidiano.
Essa metodologia do aqui e agora, do texto sem contexto social, do
presente sem passado e sem futuro, ilumina uma concepção de homem
sem dívidas para com as gerações que o precederam e confirma a
despreocupação com o trabalho social, enquanto elo integrador dos
indivíduos em sociedade (NAGEL, 2003, p. 37).
Nesta direção, Mészaros (2005, p. 48), ressalta que “[...] apenas a mais ampla
das concepções de educação nos pode ajudar a perseguir o objetivo de uma mudança
verdadeiramente radical, proporcionando instrumentos de pressão que rompam com a
lógica do capital”.
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É preciso buscar reverter essa “lógica perversa que compromete o esforço da
humanização”, Severino (2010, p. 155) afirma que,
É preciso contribuir para a construção de uma contra-ideologia como
ideologia universalizante, que coloca os produtos do conhecimento a
serviço dos interesses da totalidade dos homens [...] Educar
contraideologicamente é utilizar, com a devida competência e
criticidade, as ferramentas do conhecimento, as únicas de que
efetivamente o homem dispõe para dar sentido às suas práticas
mediadoras de sua existência real (SEVERINO, 2010, p.156).
Com respaldo nos princípios da Pedagogia Histórico-Crítica, almejamos uma
educação, que amplie os horizontes culturais desses alunos, mediante a apropriação dos
conhecimentos científicos, produzindo novas necessidades, novos carecimentos e tendo
como meta o desenvolvimento humano (DUARTE, 2004).
Contrariando as pedagogias do “aprender a aprender”, que enfatizam o ensino de
habilidades e competências, em detrimento do saber elaborado, a Pedagogia Histórico-
Crítica defende uma educação preocupada com a formação humana, em que o domínio
de conteúdos seja primordial, com vistas a emancipação do homem.
A Pedagogia Histórico-Crítica contribui com a educação escolar na proposição
de assegurar o domínio dos conhecimentos produzidos pelo gênero humano como
ferramenta eficaz contra a alienação e a ideologia dominante, não se admitindo,
portanto, uma educação “esvaziada de conteúdos”. A transmissão do saber objetivo via
conteúdos escolares, pelas instituições de ensino precisa ser garantida.
“Dominar o que os dominantes dominam”, pode constituir-se em instrumento de
luta e transformação (Saviani, 2003). Luta esta, que possibilite “abolir os entraves que a
forma social capitalista vem impondo ao desenvolvimento plenamente livre e universal
do ser humano e de sua formação” (DUARTE; SAVIANI, 2012, p. 34).
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