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DO GAÚCHO AO TRADICIONALISTA: IMAGEM, IDENTIDADE E REPRESENTAÇÃO




                      JOSÉ AUGUSTO FIORIN                          2
DO GAÚCHO AO TRADICIONALISTA: IMAGEM, IDENTIDADE E REPRESENTAÇÃO

©2009
Ijuí – RS – Brasil

Capa: Carga de cavalaria, de Litran (Museu Júlio de Castilhos, Porto
Alegre, RS)




                     Catalogação na Publicação

                 FIORIN, José Augusto. Do gaúcho ao
                 tradicionalista: imagem, identidade e
                 representação. Ijuí: Sapiens Virtual, 2009.

                 1. História Cultural 2. Tradicionalismo 3.
                 Gaúcho




         José Augusto Fiorin, é professor e pesquisador. Trabalha
         na área das Ciências Humanas e Sociais. Graduado em
         História, Pós-graduado em Ciências Sociais: especialista em
         Sociologia, dedica-se a pesquisa no campo das identidades
         culturais e das representações.




                      Contatos: www.professorfiorin.rg3.net


                               JOSÉ AUGUSTO FIORIN                          3
DO GAÚCHO AO TRADICIONALISTA: IMAGEM, IDENTIDADE E REPRESENTAÇÃO




APRESENTAÇÃO

       O tema central dessa pesquisa é a construção
da identidade do tradicionalista rio-grandense do
século XX. Para isso verifica-se como ele apropria-se
da identidade do gaúcho do século XIX, através de
representações      de    um    passado,     exaltando,
heroicizando e ressignifcando seu caráter histórico.
       A investigação ocorre tendo por base a história
cultural, onde as noções de identidade, representação,
imagem e apropriação propiciam a fundamentação
teórica da pesquisa. Nesse contexto, é desenvolvida
uma abordagem referente a imagem criada pelos
cronistas que visitam e descrevem a Província do Rio
Grande de São Pedro durante o século XIX e a imagem
criada pelo pintor Jean Baptiste Debret.
       Trata-se dos elementos que conduzem a
apropriação dessa identidade. Com isso, destaca-se a
literatura platina, o romantismo brasileiro de José de
Alencar e a expressão dos rio-grandenses Apolinário
Porto Alegre e Simões Lopes Neto.
       Outro aspecto está na visão da historiografia
rio-grandense, na polêmica discussão em torno da
matriz do gaúcho rio-grandense x gaucho platino.
Nesse contexto o discurso de Moysés Vellinho, o maior
defensor de um gaúcho lusitano, sobressai.
Verificamos como ocorre a representação do gaúcho
idealizado    que,    posteriormente   será    exaltado
constituindo o modelo do tradicionalista.
       No entanto, o caráter saudosista na tentativa de
reviver o passado nos parece ser a premissa inicial na
constituição desse movimento. Ocorrendo assim, um
processo de apropriação de uma identidade cultural. O
tradicionalista do século XX tenta reviver o gaúcho do
século XIX em sua totalidade de manifestações através
de um movimento saudosista, doutrinário e
conservador.


                         JOSÉ AUGUSTO FIORIN                          4
DO GAÚCHO AO TRADICIONALISTA: IMAGEM, IDENTIDADE E REPRESENTAÇÃO




                               SUMÁRIO

Introdução..........................................................08

                     Capítulo I
 Noções de cultura na história cultural.................13

  As Representações e a Apropriação......................14
  A Identidade e a Tradição.....................................26

                     Capítulo II
Narrativas: escritos e imagéticas ..........................33

  Escritos: Arsène, Dreys e Hilaire..........................36
  Imagética do Gaúcho: Debret e Molina.................45

                             Capítulo III
O processo de construção de uma identidade.......67

  A Influência Literária: Platina e Brasileira...........71
  Primeiras entidades nativistas e o Positivismo.....79
  Visão dos historiadores.......................................83

                   Capítulo IV
A construção da identidade do tradicionalista.......95

  Processo histórico na formação............................99
  O sentido e o valor do Tradicionalismo................107
  A Carta de Princípios..........................................114

Conclusão...........................................................121
Referências.........................................................124
Anexos ...............................................................130




                          JOSÉ AUGUSTO FIORIN                                5
DO GAÚCHO AO TRADICIONALISTA: IMAGEM, IDENTIDADE E REPRESENTAÇÃO




INTRODUÇÃO



             Na construção de um projeto de modernidade
muitas sociedades visam espelhar-se em um passado
representado como tradicional, cujo espelhamento possa lhe
condicionar os       parâmetros         necessários      a   atuação     no
cotidiano. Embora hoje, alguns teóricos apontam um
processo de desconstrução dessas identidades, por conta de
uma instância maior, instituída por uma “mundialização da
cultura”, há o antagônico papel desempenhado por aqueles
que visam rememorar o passado, enaltecendo-o, cujo culto
remete a um fator importante de análise.


             Com isso, podemos destacar que o Rio Grande do
Sul, por se constituir historicamente em um estado de
fronteira, aponta peculiaridades em suas manifestações
culturais. A cultura possui um significado expressivo nas
manifestações        da      sociedade           rio-grandense.       Alguns
habitantes      do        estado      visam        identificar-se      como
tradicionalistas e buscam no passado elementos que
venham consolidar e justificar essa manifestação.


             Hoje, verificamos que houve uma construção
daquilo que tornou-se um dos referenciais da identidade rio-

                           JOSÉ AUGUSTO FIORIN                             6
DO GAÚCHO AO TRADICIONALISTA: IMAGEM, IDENTIDADE E REPRESENTAÇÃO



grandense, com a simbologia do gaúcho: seja na sua
imagem ou na expressão gentílica. Esse trabalho visa
analisar se houve a apropriação da identidade do gaúcho
histórico do século XIX pelo tradicionalista do século XX. A
reflexão   sobre     esse      assunto      surge   na     tentativa      de
caracterizar e demonstrar a que contexto histórico e modelo
de sociedade gaúcho e tradicionalista pertencem.


            Para     enfatizar       o    pressuposto     levantado,       a
abordagem será constituída pela via da cultura, onde a
ênfase e a discussão serão construídas com base na história
cultural e nos estudos culturais. No entanto, analisar a
construção do gaúcho histórico defrontando-o com o
tradicionalista atual torna possível verificar pontos distintos
entre ambos.


            E esse caráter de diferenciação é que nos faz
compreender como o gaúcho é (re)inventado e (re)significado
no transcorrer na história. Seja pelos discursos, seja pela
prática política ou pela literatura.


            Ao desenvolver esse trabalho, tomou-se como
preocupação      inicial     em     não    desenvolver     uma        crítica
contundente aos ditames e aos propósitos do movimento
tradicionalista. Isso porque, entendemos que esse possui
uma importante função social e por ser uma manifestação
cultural merece ser respeitado e analisado.


            Porém, é justamente nesse contexto de análise
que verificamos como ele se apropria de um passado
inexistente condicionando uma representação da imagem
passada, cujo significado será alterado na sociedade atual. A
criação de uma nova imagem a esse tipo social está


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DO GAÚCHO AO TRADICIONALISTA: IMAGEM, IDENTIDADE E REPRESENTAÇÃO



correlacionada a necessidade da criação de um elemento
mítico, que venha possuir um papel de significância.


       No primeiro capítulo são tratadas questões teóricas
que   remete     a   compreensão           de   que     conceitos     serão
abordados      na    pesquisa.        As   noções       expressas     estão
direcionadas a perspectiva geral do trabalho. Com isso,
tentou-se estabelecer determinadas noções de identidade,
cultura, representação e apropriação. Essa conceituação
possui um caráter significado.


       É a partir desses pressupostos teóricos, que a
reflexão acerca da identidade, da imagem e da representação
do gaúcho do século XIX se desenvolvem. Assim, dentro da
perspectiva     da    história     cultural     buscou-se       construir
elementos     enfocando       o   discursos      tantos      verbais    ou
imagéticos que visam representar o tipo social em questão.


       Para     caracterizar      a    imagem       e    a   conseqüente
identidade do gaúcho do século XIX, no segundo capítulo
optou-se por realizar uma análise dos escritos que os
viajantes europeus do século XIX desenvolveram sobre o
tipo social do gaúcho, bem como a imagética representada
por Jean Baptiste Debret.


       A discussão sobre os discursos de europeus que
visitaram a Província do Rio Grande de São Pedro durante o
século XIX, somado a visão que a pintura de Debret e
Molina expressaram sobre o gaúcho rio-grandense e platino
demonstram e caracterizam um tipo social com atribuições
distintas daquilo que o movimento cultural da segunda
metade do século XX tenta evocar. Assim, nesse capítulo
temos uma dimensão sob a perspectiva dos europeus, sobre


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DO GAÚCHO AO TRADICIONALISTA: IMAGEM, IDENTIDADE E REPRESENTAÇÃO



o habitante deste território no período delimitado pela
pesquisa.


       Para compreender o tipo de identidade criada pelo
tradicionalista do século XX, e, por conseguinte, o próprio
movimento que este irá idolatrar, fez-se necessário enfocar
no capítulo terceiro alguns aspectos que conduzem a
construção dessa identidade tradicional.


       Nesse contexto encontramos vários elementos e
manifestações que dão indício e talvez, nos conduzam a
uma compreensão dos condicionantes ao surgimento de um
movimento que visa “preservar a cultura”. Assim tentou-se
compreender aspectos de um processo de transformação do
gaúcho na formulação de um mito romantizado pela
literatura.


       A influência literária pode ser considerada um dos
fatores que levam a construção de um outro significado ao
gaúcho. Além disso, o positivismo tão presente na sociedade
rio-grandense durante a República Velha também torna-se
um dos fatores caracterizantes ao culto de uma tradição do
passado.


       Além disso, há uma outra equivalência. Trata-se da
construção da identidade regional. Partindo das condições
geradas pela Revolução de 1930 onde sobressai a identidade
do gaúcho, somada a visão que os intelectuais da Revista
Província de São Pedro, principalmente na perspectiva de
Moysés      Vellinho,    vamos       compreender         como         foi   se
construindo outra imagem, aos poucos edificando o sentido
gentílico a expressão: gaúcho rio-grandense.



                         JOSÉ AUGUSTO FIORIN                                 9
DO GAÚCHO AO TRADICIONALISTA: IMAGEM, IDENTIDADE E REPRESENTAÇÃO



       E    por    fim,    buscou-se      a     constituição     de   uma
identidade do tradicionalista. No capitulo quarto, há a
tentativa da reconstrução de aspectos importantes da
história do tradicionalismo no Rio Grande do Sul, dando
ênfase às principais linhas de ações, teses e princípios que
norteiam o movimento tradicionalista.


       Nesse      contexto,     optou-se        por   discutir   aspectos
ligados a problemática em questão que se diz respeito a
apropriação       ou   não    da    identidade        do   gaúcho     pelo
tradicionalista. Assim, o enfoque veio ao encontro à
identidade do gaúcho histórico do século XIX, pontuando a
representação e a apropriação de uma cultura do passado,
bem como o saudosismo expresso nela.




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DO GAÚCHO AO TRADICIONALISTA: IMAGEM, IDENTIDADE E REPRESENTAÇÃO




NOÇÕES DE CULTURA
            NA HISTÓRIA
                CULTURAL




                      JOSÉ AUGUSTO FIORIN                          11
DO GAÚCHO AO TRADICIONALISTA: IMAGEM, IDENTIDADE E REPRESENTAÇÃO




AS REPRESENTAÇÕES E A APROPRIAÇÃO


           A cultura pode ser entendida como uma mediação
para o mundo. Ela representa as maneiras de sentir e
pensar dos grupos presentes na sociedade. A noção de
cultura é um tema interessante que merece discussão
acentuada. Partindo de seus postulados percebemos a
grande representação que ela possui perpassando pelos
conceitos de unidade e diversidade. A noção de cultura é
construída a partir de nossa diversidade e com isso, constrói
a noção de identidade. A sociedade é então a base para a
existência da cultura, e a cultura só se desenvolve pela
interação social.


           A aquisição e a perpetuação da cultura, é uma
processo    social,     resultante      da     aprendizagem.          Cada
sociedade transmite às novas gerações o patrimônio cultural
que recebeu de seus antepassados. Cada sociedade, elabora
a sua própria cultura ao longo da história e recebe
influências de outras culturas.


           Ela pode também ser entendida como um estilo de
vida particular que as sociedades desenvovlvem e que


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DO GAÚCHO AO TRADICIONALISTA: IMAGEM, IDENTIDADE E REPRESENTAÇÃO



caracterizam cada uma delas. Assim os individuos que
compartilham da mesma cultura apresentam o que se
chamamos de identidade cultural. É essa identidade que faz
com que a pessoa se sinta pertencente ao grupo, é por meio
dela que se desenvolve o sentimento de pertencimento.


            A antropologia no Brasil tem dificuldade em definir
o que é cultura brasileira. Pensamos a cultura brasileira
fragmentada, em uma unidade ou em várias culturas? Para
entender como ocorre parte desse processo de constituição
cultural, examinaremos           a   contrução de         uma cultura
apresentada como gaúcha, predominante no estado do Rio
Grande do Sul, cujas origens remetem à identidade platina.


           Para isso, fazer-se-á necessário destacar dois
distintos momentos de manifestação cultural. O gaúcho –
que configura na campanha do Rio Grande do Sul nos
séculos XVII e XVIII, e o tradicionalista, criado pelo
Movimento Tradicionalista Gaúcho no transcorrer do século
XX. Assim, é pertinente enfocar como o tradicionalista tenta
apropriar-se da identidade do gaúcho e por conseguinte
construir    um     movimento        de   preservação       da    cultura
passada.


           Para preservar a identidade de uma cultura frente
à possível difusão de preceitos de outras culturas surge o
etnocentrismo. E é com esse intuíto que o tradicionalista
visa manter o entendimento e relação com outras culturas,
servindo justamente no sentido de manutenção de sua
identidade cultural. Então, a etnologia, por sua vez, vai
tentar dar uma resposta objetiva à velha questão da
diversidade humana.



                         JOSÉ AUGUSTO FIORIN                            13
DO GAÚCHO AO TRADICIONALISTA: IMAGEM, IDENTIDADE E REPRESENTAÇÃO



                 O etnocentrismo é o termo técnico para esta
                 visão de coisas onde segundo a qual o nosso
                 próprio grupo é centro de todas as coisas e
                 todos os grupos são medidos e avaliados em
                 relação à ele. Cada grupo apresenta seu
                 próprio orgulho e vaidade, considera-se
                 superior, exalta suas próprias divindades e
                 olha com desprezo às estrangeiras. Cada
                 grupo pensa que seus próprios costumes
                 (folkways) são os únicos válidos e ele observa
                 que os outros grupos têm outros costumes,
                 encara-os com desdém 1 . (SIMON apud
                 CUCHE, 2002, p.46)



           Considerando que a cultura nas ciências sociais
apresenta-se de uma forma bastante complexa, devemos
nos remeter a noção de cultura no que refere-se à produção
histórica. Para Balandier (1955) se a cultura não é um dado,
uma herança que se transmite imutável de geração em
geração, é porque ela é uma produção histórica, isto é, uma
construção que se inscreve na história, e mais precisamente
na história das relações dos grupos sociais entre si. 2


           É importante perceber que o homem em relação ao
social vai construindo essa perspectiva de cultura. O
cultural não pode ser estudado separado do social, pois
ambos possuem caráter de historicidade. Em relação ao
gaúcho e ao tradicionalista, considerando os distintos
momentos históricos que ambos situam-se, devemos partir
da premissa de que nos apropriamos do que é pronto, ou


1SIMON, Pierre-Jean. Ethnocentrisme. Pluriel-recherces, cachier n.1,p.57-
63. apud CUCHE, Denys. A noção de cultura nas ciências sociais.
Tradução de Viviane Ribeiro. 2 ed. Bauru: EDUSC, 2002.

2 BALANDIER, Georges. La nocion de “situation” cloniale. In: Sociologie
actuelle de l’Afrique noire. Paris: PUF, 1955.

                          JOSÉ AUGUSTO FIORIN                           14
DO GAÚCHO AO TRADICIONALISTA: IMAGEM, IDENTIDADE E REPRESENTAÇÃO



construímos o que é nos dado? Será que absorvemos a
cultura de geração em geração? Ou ela é imposta pelo grupo
de convívio?


          Burke (2000) deixa evidente que a história cultural
ainda não está estabelecida de maneira muito sólida, pelo
menos no sentido institucional.              Segundo ele não é fácil
responder à pergunta: o que é cultura? Tudo isso porque a
concepção de cultura para historiadores de meados do
século XIX é de que ela era algo que as sociedades tinham
(ou, mais exatamente, que alguns grupos em algumas
sociedades tinham), embora faltasse a outros 3 .


          A concepção universalista de cultura nos remete ao
pensamento de Tylor. Ele enfatiza que a cultura é a
expressão da totalidade da vida social do homem. Ela se
caracteriza por sua dimensão coletiva. Enfim, a cultura é
adquirida e não depende da hereditariedade biológica 4 . Já
Boas vai defender uma concepção particularista da cultura
destacando que ela é uma tentativa de pensar a diferença.
Para ele o fundamental entre os grupos humanos é de
ordem cultural e não racial 5 .


          Segundo a afirmação de Peter Burke, de que há
dificuldade ao definir o que é cultura, tentamos trazer aqui a
análise     funcionalista       da     cultura,      desenvolvida      por
Malinovski. Segundo Cuche (2000), Malinovski se opôs a
qualquer tentativa de escrever a história das culturas de


3 BURKE, Peter. Unidade e variedade na história cultural. In. Variedades
de História Cultural. Trad. Alda Porto. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 2000.
4 CUCHE, Denys. A noção de cultura nas ciências sociais. Tradução de

Viviane Ribeiro. 2 ed.Bauru:EDUSC,2002. p.36
5 Idem. p.41.



                          JOSÉ AUGUSTO FIORIN                            15
DO GAÚCHO AO TRADICIONALISTA: IMAGEM, IDENTIDADE E REPRESENTAÇÃO



tradição oral. Para ele, é preciso se ater à observação direta
das culturas em seu estado presente, sem buscar a volta de
suas origens, o que representaria um ilusório, pois não
suscetível de prova científica. Com isso, nos remetemos à
funcionalidade       do   movimento        tradicionalista      que     visa
retornar ao passado para dar sustentabilidade à sua forma
de manifestação cultural no presente.


         Para    entender       como     ocorre     esta    tentativa    de
apropriação da identidade do gaúcho pelo tradicionalista,
neste contexto, é fundamental destacar os elementos que os
aproximam. Para isso, partimos do postulado da Nova
História Cultural. Peter Burke 6 (2005) explica a emergência,
a partir da década de 1970, de um modo peculiar de
compreender a história, tomando os aspectos culturais do
comportamento         humano       como         centro   privilegiado    do
conhecimento histórico. Esta emergência vincula, segundo
ele, ao que chama de “virada cultural”: uma guinada sofrida
pelos estudos históricos, abandonando um esquema teórico
generalizante e movendo-se em direção aos valores de
grupos particulares, em locais e períodos específicos.


           A história cultural surge com uma proposta de
pensar     novos      objetos     e    paradigmas.         Romper       com
determinadas postulações também faz parte                        de suas
proposições, pois Chartier (1990) nos diz que durante esse
período demasiado longo, a história da história foi habitada
por “essas seqüências de conceitos saídos de inteligências
desencarnadas”, denunciadas por Lucien Febvre como o
pior defeito da antiga história das idéias. Não obstante, a



6 BURKE,Peter. O que é História Cultural?Rio de Janeiro: Jorge Zahar
Editor 2005, 192p.

                          JOSÉ AUGUSTO FIORIN                              16
DO GAÚCHO AO TRADICIONALISTA: IMAGEM, IDENTIDADE E REPRESENTAÇÃO



história cultural surge como “uma outra maneira de pensar
as evoluções e oposições intelectuais”.          7




           Então, a possibilidade de se opor ao pensamento
estabelecido pelo Movimento Tradicionalista, principalmente
no que concerne ao que é histórico e o que é tradicional,
torna-se um objeto interessante de estudo. A história
cultural tal como entendemos, tem como principal objeto
identificar o modo como em diferentes lugares e momentos
uma determinada realidade social é construída, pensada,
dada a ler 8 .


        É importante destacar o que Burke enfatiza. Segundo
ele, as linhas teóricas defendidas pela Nova História
Cultural não são apenas uma nova moda, mas respostas a
fraquezas palpáveis de paradigmas anteriores 9 . Sobre essa
mesma idéia, Chartier defende que:


                 O que toda história cultural deve pensar é
                 portanto, indissociavelmente, a diferença pela
                 qual todas as sociedades, por meio de figuras
                 variáveis, separaram. Do quotidiano um
                 domínio particular da atividade humana, e as
                 dependências que inscrevem de múltiplas
                 maneiras a invenção estética e intelectual em
                 suas      condições     de    possibilidade 10 .
                 (CHARTIER, 1994, p.8)



7 CHARTIER, Roger. A história cultural: entre práticas e representações.
Lisboa: Difel; Rio de Janeiro: Bertand do Brasil, 1990. p.16.
8 Idem. p.17.
9 BURKE, Peter. Unidade e variedade na história cultural. In. Variedades

de História Cultural. Trad. Alda Porto. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 2000. p.251.
10 CHARTIER, Roger. A história hoje: dúvidas, desafios, propostas. In:

Revista Estudos Históricos, Rio de Janeiro, vol. 7, n. 13, 1994, p. 97-113.


                          JOSÉ AUGUSTO FIORIN                             17
DO GAÚCHO AO TRADICIONALISTA: IMAGEM, IDENTIDADE E REPRESENTAÇÃO



            Outro     aspecto      importante       na    Nova      História
Cultural, que merece ser mencionado é reservado para o
estudo das representações. Este por sua vez, torna-se um
conceito central. Chartier desenvolve a idéia sobre o
deslocamento da história social da cultura para a história
cultural da sociedade, especialmente a partir da década de
1980.


            Assim, a idéia da Nova História Cultural, nos
indica algumas indagações. Como são construídas as
representações do gaúcho? Como a tradição é construída
através das idéias e imagens? Certamente essas premissas
nos condicionam a pensar a sociedade rio-grandense no
momento da conquista/disputa do território pelos reinos
Ibéricos. Momento esse em que consolida-se enquanto
individuo social a imagem do gaúcho. No entanto, em
meados do século XX, o movimento tradicionalista, busca a
idéia    de    (re)construção,      com     base     em    um     passado,
construindo assim a representação desse gaúcho através do
tradicionalista.


            Chartier (1990) deixa explicito que o objeto de uma
história cultural levada a repensar completamente a relação
tradicionalmente postulada entre o social, identificado com
um      real   bem     real,   existindo      por    si   próprio,      e   as
representações        supostas      como     refletido-o     ou    dele     se
desviando. 11


            Pensar qual seria a ideologia do grupo de jovens
criadores do Movimento Tradicionalista na década de 1940 é


11  CHARTIER, Roger. A história cultural: entre práticas e
representações. Lisboa: Difel; Rio de Janeiro: Bertand do Brasil, 1990.
p.27.

                           JOSÉ AUGUSTO FIORIN                               18
DO GAÚCHO AO TRADICIONALISTA: IMAGEM, IDENTIDADE E REPRESENTAÇÃO



refletir como se dá a representação do mundo social, pois
Roger Chartier nos diz que essas representações são sempre
determinadas pelos interesses do grupo que as forjam. Neste
caso a representação do tradicionalismo atinge o interesse
de criação e invenção de um grupo de jovens oriundos do
meio rural que buscam na capital do estado, por puro
saudosismo, reviver um passado que não existiu em sua
totalidade.


          No Rio Grande do Sul do século XX ocorre o
surgimento um movimento cuja tentativa é a reprodução de
valores forjados pelos antepassados. Devido a isso, a
identidade gaúcha apresenta-se de forma fragmentada, pois
nunca se expressou como uma totalidade. Essa ocorrência é
devido à forma de resgate cultural de um passado presente
no imaginário, porque há a procura da formação de uma
identidade     no     espaço      urbano,       cuja     construção    e
ideologização será de um movimento tradicionalista.


          Com isso, ocorrem alguns equívocos na construção
desse     paradigma       de      preservação       do     passado.   A
característica dominante de uma identidade “tradicional” -
em uma sociedade moderna é a diluição da noção de tempo
histórico e do espaço. Onde há a tentativa de viver no núcleo
urbano, a vida ocorrida no campo em um momento onde há
uma reelaboração do passado como o lugar de uma
sociedade     tradicional.      Entretanto,        historicamente,     a
sociedade de tipo tradicional nunca existiu no Rio Grande
do Sul.


          Na tentativa de construir um modelo tradicional de
preservação     dos     valores     passados,       os    ideólogos   do
movimento buscam a invenção de um lugar - o pago. Isto


                         JOSÉ AUGUSTO FIORIN                           19
DO GAÚCHO AO TRADICIONALISTA: IMAGEM, IDENTIDADE E REPRESENTAÇÃO



ocorre, porque visam formar um padrão cultural onde as
bases do passado possam construir uma identidade no
presente.      Um      paradigma         criado        pelo     Movimento
Tradicionalista. Assim, o tradicionalismo é a expressão de
um dos segmentos da modernidade.


            A funcionalidade deste movimento tradicionalista
está   enquadrada         em   determinações           que    vêm      exercer
dominação aos tradicionalistas filiados, onde a adequação
do tradicionalista à um código de ética e princípios
estabelecidos estão inteiramente ligados a uma tradição oral
de respeitabilidade. Isso se dá devido ao discurso proferido e
enaltecido dentro das entidades tradicionalistas, onde o
gaúcho do passado – visto agora como herói – sempre
representou estar dentro dos padrões de conduta da
sociedade. Sobre isso, Chartier (1990) ressalta que esta
investigação sobre as representações supõe como estando
sempre colocadas num campo de concorrências e de
competições cujos desafios se enunciam em termos de poder
e   dominação. 12       Segundo       ele,      para    compreender          os
mecanismos pelo qual um grupo impõe, ou tenta impor, a
sua concepção de um mundo social, os valores que são seus
e o seu domínio 13 .


            Outro aspecto essencial, para compreender como
ocorre     essa     forma      de     dominação          do     movimento
tradicionalista     aos    seus     simpatizantes,       está       ligado   à
simbologia. Vários são os ícones representativos dessa
forma visionária de resgate do passado. Cassier define esta a
função simbólica como:


12   CHARTIER, Roger. A história cultural: entre práticas                     e
representações. Lisboa: Difel; Rio de Janeiro: Bertand do Brasil, 1990.
13 Idem. p. 17.



                          JOSÉ AUGUSTO FIORIN                                 20
DO GAÚCHO AO TRADICIONALISTA: IMAGEM, IDENTIDADE E REPRESENTAÇÃO




                 ...uma função mediadora que informa as
                 diferentes modalidades de apreensão do real,
                 quer opere por meio dos signos lingüísticos,
                 das figuras mitológicas e da religião, ou dos
                 conceitos do conhecimento cientifico.(...)
                 forma simbólica todas as categorias e todos os
                 processo que constroem       o mundo como
                 representação. (CASSIRER, apud CHARTIER
                 p.19) 14

        A idéia de representar um passado que nunca existiu
–   funcionalidade        do    movimento        tradicionalista       –   é
justamente tentar fazer com que o tradicionalista tenha a
imagem de um gaúcho. Mesmo equivocando-se com o tempo
histórico e com o espaço pelo qual a tradição está sendo
cultuada tal movimento expressa-se em uma ideologização
cujo aparato é evocar a representação como algo ausente.
Assim a idéia de representação fica evidente pois


                 ... a representação como dando a ver uma
                 coisa ausente, o que supõe uma distinção
                 radical entre aquilo que representa e aquilo
                 que é representado; por outro lado, a
                 representação como exibição de uma
                 presença, como apresentação publica de algo
                 ou de alguém. A representação é um
                 instrumento de um conhecimento mediato
                 que faz por um objeto ausente através de sua
                 substituição por uma imagem, capaz de
                 reconstruir em memória e de o figurar tal
                 como ele é. 15 (CHARTIER, 1990, p. 22)


14 CASSIRER, Ernst. La filosophie desenvolvimento formes symboliques.

Paris: Minuit, 1972. apud. CHARTIER, Roger. A história cultural: entre
práticas e representações. Lisboa: Difel; Rio de Janeiro: Bertand do
Brasil, 1990. p. 19.
15  CHARTIER, Roger. A história cultural: entre práticas e
representações. Lisboa: Difel; Rio de Janeiro: Bertand do Brasil, 1990.
p.22.

                          JOSÉ AUGUSTO FIORIN                              21
DO GAÚCHO AO TRADICIONALISTA: IMAGEM, IDENTIDADE E REPRESENTAÇÃO




            Assim, a representação é relacionamento de uma
imagem presente e de um objeto ausente. Fato esse que
pode se estender a representação dada ao Movimento
Tradicionalista Gaúcho e ao gaúcho histórico, pois há uma
grande      distinção        entre    representação        e    representado,
identificado por Chartier como sendo esta distinção algo
fundamental, pois entre signo e significado é pervertida
pelas formas de teatralização da vida social. (...) Todas elas
têm em vista fazer com que a identidade do ser não seja
outra coisa senão a aparência da representação. 16


            O       Movimento            Tradicionalista          seria   um
condicionante às manifestações de representações coletivas?
Sobre essa perspectiva, em importante artigo intitulado “A
história    hoje:      dúvidas,       desafios,     propostas” 17    Chartier
ressaltará que as representações coletivas que incorporam
nos indivíduos as divisões do mundo social e estruturam os
esquemas de percepção e de apreciação a partir dos quais
estes classificam, julgam e agem.


         Se por um lado há a evidência do tradicionalista
representar o que o gaúcho constitui, por outro, há a
tentativa de um processo que visa a apropriação da
identidade desse gaúcho. É importante destacar como o
tradicionalista        e     o   próprio    Movimento          Tradicionalista
orientam        suas       práticas    sociais.     Tudo   isso     porque   a
apropriação define o consumo cultural como uma operação
de produção que embora não fabrique nenhum objeto,




16Idem. p.21.
17 CHARTIER, Roger. A história hoje: dúvidas, desafios, propostas. In:
Revista Estudos Históricos, Rio de Janeiro, vol. 7, n. 13, 1994, p. 97-113.

                              JOSÉ AUGUSTO FIORIN                            22
DO GAÚCHO AO TRADICIONALISTA: IMAGEM, IDENTIDADE E REPRESENTAÇÃO



assinala a sua presença a partir de maneiras de utilizar os
produtos que lhe são impostos.


       Como      um       segmento      urbano,      constituído      pelos
tradicionalistas, se apropria da idéia e da imagem do gaúcho
habitante da região da campanha, e cria outro significado?


       Conforme           Chartier      em      “O      mundo         como
representação”     18 ,   o sentido que Michel Foucault dá ao
conceito, ao tomar "a apropriação social dos discursos"
como um dos procedimentos maiores através dos quais os
discursos são dominados e confiscados pelos indivíduos ou
instituições. Com isso, há uma facilidade maior de um
determinado controle. E o Movimento Tradicionalista, por
suas vez, adotará essas formas de controle de maneira
especifica aos seus filiados e simpatizantes.


       De acordo com essa idéia, podemos destacar a
afirmação de Chartier 19 que a apropriação, a nosso ver, visa
uma história social dos usos e das interpretações, referidas
a suas determinações fundamentais e inscritas nas práticas
específicas que as produzem.


       Assim, a história que o Movimento Tradicionalista
constrói é uma história voltada às interpretações dos
ideólogos do movimento, que buscam representar, e,
consequentemente apropriar-se somente daquilo que julgam
como válido e significativo no resgate e preservação de uma
identidade. Certamente, não concebem a história como uma
construção coletiva e uma manifestação cultural muito mais


18 CHARTIER, Roger. O mundo como representação. Estudos Avançados,

v.11, n.5,p.173-191,1991.
19 Idem. p. 6.



                          JOSÉ AUGUSTO FIORIN                             23
DO GAÚCHO AO TRADICIONALISTA: IMAGEM, IDENTIDADE E REPRESENTAÇÃO



ampla do que seus paradigmas de enaltecimentos heróicos e
desvinculações temporais.


A IDENTIDADE E A TRADIÇÃO


           A construção do movimento tradicionalista somente
será possível no momento em que possibilita-se as bases
para essa construção. Para isso, um conceito inicial é o de
que    o    tradicionalista      tem     uma      idéia    centrada,   com
elementos         cartesianos    e   modelos       pré-estabelecidos.    O
tradicionalismo tenta criar uma idéia de unidade para assim
desenvolver um processo que visa construir uma identidade.


           Para     desenvolvermos        tais    idéias    referentes   à
identidade, buscamos em Stuart Hall alguns indicativos,
pois   em         sua    obra    “Identidades       Culturais    na    pós-
modernidade” 20 ,       ele discute a questão da identidade cultural
na chamada modernidade tardia, buscando responder
algumas perguntas como: se há ou não há uma “crise” de
identidade, em que ela consiste e quais suas conseqüências.
Para isso, o autor traz a mudança do conceito de sujeito e
identidade no século XX.


           Qual seria a identidade do gaúcho? Os elementos
que constituem a identidade desse habitante histórico do
Rio Grande do Sul seriam os mesmos apresentados pelos
tradicionalistas do século XX? E perante o contexto dessa
modernidade tardia, ou pós-modernidade, qual o lugar da
identidade do tradicionalista no século XXI? Conseguirá
manter pura e genuinamente um conceito de tradição,


20    HALL,      Stuart.   A   identidade   cultural     na    pós-
modernidade.Tradução:Tomaz Tadeu da Silva, Guaracira Lopes Louro. 4.
ed. Rio de Janeiro:DP&A. 2000.

                            JOSÉ AUGUSTO FIORIN                           24
DO GAÚCHO AO TRADICIONALISTA: IMAGEM, IDENTIDADE E REPRESENTAÇÃO



apoiando-se no passado, sem absorver as manifestações
culturais produzidas pela sociedade do presente? Tais
indagações nos remetem a várias reflexões no que diz
respeito às funções históricas e sociológicas desenvolvida
pelo Movimento Tradicionalista no Rio Grande do Sul.


         Na      tentativa     de    compreender         esse     processo,
percebemos a complexidade que é tentar definir identidade.
Para      Hall     (2001),      o    conceito       de     identidade    é
demasiadamente complexo, muito pouco desenvolvido e
muito pouco compreendido na ciência social contemporânea
para ser definitivamente posto à prova 21 .


         Outro importante aspecto que merece destaque é o
fato que


                  ... a identidade é formada, ao longo do tempo,
                  através de processos inconscientes, e não algo
                  inato, existente na consciência do momento
                  do nascimento. Existe sempre algo tão
                  “imaginário” ou fantasiado sobre sua unidade.
                  Ela permanece sempre incompleta, esta
                  sempre “em processo”, sempre “sendo
                  formada” 22 . (HALL, 2001,p.38)



         Apesar disso, deve-se destacar o alerta que Cuche
faz. Segundo ele, não se pode, pura e simplesmente
confundir as noções de cultura e de identidade cultural
ainda que as duas tenham uma grande ligação 23 . O que



21HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. Rio de
Janeiro: DP&A. 2000. p.8.
22 Idem p.38.
23    CUCHE,    Denys.    A  noção   de   cultura  nas   ciências
sociais.Bauru:EDUSC,2002. p.176.

                           JOSÉ AUGUSTO FIORIN                            25
DO GAÚCHO AO TRADICIONALISTA: IMAGEM, IDENTIDADE E REPRESENTAÇÃO



ocorre no Rio Grande do Sul, na constituição e consolidação
do Movimento Tradicionalista, é justamente essa confusão.
Confundem         cultura     com     identidade.    É    imposto,     pelo
Movimento Tradicionalista Gaúcho, a construção de uma
identidade, com base na cultura gaúcha, tomando como
referência o passado, enaltecendo-o como heróico.


         A postura que o movimento tradicionalista adotará
será   um        postura    de    dominação.      Esse    domínio      será
estabelecido por conta de seus manuais, teses, leis e códigos
estabelecidos aos tradicionalistas. Ou seja, ao querer
identificar-se como tradicionalista o individuo deverá aceitar
as normas impostas pelo movimento. Para dessa forma,
manter a identidade cultural do gaúcho. Sobre isso é
importante destacar que há uma história das relações de
força simbólicas, uma história da aceitação ou da rejeição
pelos dominados dos princípios inculcados, das identidades
impostas         que   visam     a    assegurar     e    perpetuar     sua
dominação 24 .


         A identidade permite que o indivíduo se localize
dentro da sociedade. Parece que, para o movimento
tradicionalista a identidade, apresenta-se de uma forma
permanente. Assim, de acordo Cuche, esses tradicionalistas
concebem a identidade como um dado que definiria de uma
vez por todas o individuo e que o marcaria de maneira quase
indelével 25 .




24CHARTIER, Roger. A história hoje, dúvidas, desafios, propostas. In:

Revista Estudos Históricos, Rio de Janeiro, vol. 7, n. 13, 1994, p. 9.
25 CUCHE, Denys. A noção de cultura nas ciências

sociais.Bauru:EDUSC,2002. p.178.

                            JOSÉ AUGUSTO FIORIN                           26
DO GAÚCHO AO TRADICIONALISTA: IMAGEM, IDENTIDADE E REPRESENTAÇÃO



         Se    a    identidade      define       o   individuo,    como   o
tradicionalista visa identificar-se como gaúcho?


                   A identidade é vista como uma condição
                   imanente do indivíduo, definindo-o de
                   maneira estável e definitiva.(...) O individuo é
                   levado a interiorizar os modelos culturais que
                   lhe são impostos, até o ponto de se identificar
                   com seu grupo de origem. (CUCHE, 2002,
                   p.179)

         Talvez, seja importante enfatizar a representação do
mito gaúcho, já que não se pode reivindicar uma identidade
cultural autêntica. Para Stuart Hall, o mito fundacional tem
funcionalidade em uma história que localiza a origem da
nação, do povo e de seu caráter nacional num passado tão
distante que eles perdem nas brumas do tempo, não do
tempo “real”, mas do tempo “mítico” 26 . Além disso, expõe
com muita clareza e propriedade de que não tem qualquer
nação que seja composta de apenas um único povo, uma
única cultura ou etnia. As nações modernas são, todas,
híbridas culturais.


         Com isso, percebemos como ocorre a diluição do
tempo histórico. Os tradicionalistas tentam reviver um
passado que não nunca existiu na forma como interpretam.
Assim, ocorre uma série de equívocos na constituição da
identidade do tradicionalista rio-grandense.


         Anthony Giddens 27 descreve que há uma expressiva
a distinção entre sociedades tradicionais e modernas. Ou


26 HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. Rio de
Janeiro: DP&A. 2000. p.55.
27 GIDDENS, Anthony apud HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-

modernidade. Rio de Janeiro: DP&A. 2000.

                           JOSÉ AUGUSTO FIORIN                            27
DO GAÚCHO AO TRADICIONALISTA: IMAGEM, IDENTIDADE E REPRESENTAÇÃO



seja, o gaúcho pertence a uma sociedade tradicional,
enquanto que o tradicionalista pertence a uma sociedade
moderna. Assim, nas sociedades tradicionais, o passado é
venerado e os símbolos são valorizados porque contêm e
perpetuam a experiência de gerações. A tradição é um meio
de lidar com o tempo e com o espaço, inserindo qualquer
atividade ou experiência particular na continuidade do
passado, presente e futuro, os quais por sua vez, são
estruturados por práticas sociais recorrentes.


         No Rio Grande do Sul, com o surgimento do
movimento tradicionalista, ocorre o processo de construção
da tradição gaúcha. Essa tradição será exaltada no sentido
de reviver o que já fora vivido. A transmissão de geração à
geração é fator indispensável na construção da tradição.


         Burke em “Variedade de História Cultural” nos diz
que a fachada da tradição talvez massacre a inovação e que
é praticamente impossível escrever a história cultural sem
tradição. Contudo está mais do que na hora de se
abandonar o que se pode chamar de noção tradicional de
tradição, modificando-a para levar em consideração à
adaptação assim como o reconhecimento, e recorrendo às
idéias de teoria da recepção 28 .



         A idéia de construção da tradição é central para
Hobsbawn e Ranger no livro “A Invenção das Tradições 29 ”.
Livro que ajudou a renovar uma das mais tradicionais



28 BURKE, Peter. Unidade e variedade na história cultural. In. Variedades
de História Cultural. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2000. p.240-1
29 HOBSBAWN, E. (org.). A Invenção das tradições. São Paulo: Paz e

Terra, 1997.

                           JOSÉ AUGUSTO FIORIN                            28
DO GAÚCHO AO TRADICIONALISTA: IMAGEM, IDENTIDADE E REPRESENTAÇÃO



formas de história cultural, a história da própria tradição.
Provocou grande impacto ao afirmar na introdução que as
tradições “ que parecem ou se apresentam como antigas são
muitas vezes bastante recentes em suas origens, e algumas
vezes são inventadas 30 .”


          Seria a tradição gaúcha uma tradição inventada?
Sobre isso, Hobsbawn (1997) contextualiza que “por tradição
inventada entende-se um conjunto de práticas normalmente
reguladas por regras tácita ou abertamente aceitas; tais
práticas, de natureza ritual ou simbólica, visam inculcar
certos valores e normas de comportamento através da
repetição,     o    que      implica       automaticamente,           uma
continuidade em relação ao        passado” 31 .




30 HOBSBAWN, E. (org.). A Invenção das tradições. São Paulo: Paz e

Terra, 1997.p. 8.
31 Ibidem. p.9.




                         JOSÉ AUGUSTO FIORIN                            29
DO GAÚCHO AO TRADICIONALISTA: IMAGEM, IDENTIDADE E REPRESENTAÇÃO




           NARRATIVAS:
             ESCRITOS E
IMAGÉTICAS SOBRE O
                   GAÚCHO




                      JOSÉ AUGUSTO FIORIN                          30
DO GAÚCHO AO TRADICIONALISTA: IMAGEM, IDENTIDADE E REPRESENTAÇÃO




NARRATIVAS:         ESCRITOS         E   IMAGÉTICAS          SOBRE O
GAÚCHO


         No transcurso do século XV, considerando uma crise
que afetava várias instâncias da sociedade européia, incide
a tentativa da superação desta, com a aventura da
conquista de novos territórios. Nesse contexto ocorre a
chegada dos europeus na América. Evidentemente que o
choque     cultural    procede      de    uma      forma      expressiva,
considerando o antagonismo existente entre europeus e
americanos.


         Os Reinos Ibéricos adotam, através de um processo
de exploração das novas colônias, um pacto entre as
colônias americanas e as metrópoles européias. A retirada
das riquezas aqui existentes era fator predominante para
dar sustentabilidade econômica a sociedade européia.
Contudo, os elementos e os padrões culturais europeus são
impostos aos colonizados, devido o fato dos europeus julgar-
se culturalmente superior.


         Neste contexto, a chegada dos portugueses ao Brasil
e a conseqüente apropriação do território no início do século


                         JOSÉ AUGUSTO FIORIN                            31
DO GAÚCHO AO TRADICIONALISTA: IMAGEM, IDENTIDADE E REPRESENTAÇÃO



XVI fez com que, uma nova dinâmica fosse impregnada. A
atuação dos europeus ocorria quase que exclusivamente em
regiões,     que     aos      seus      olhos,     fossem        atrativas
economicamente.


          O Rio Grande do Sul, por sua vez, situado em uma
zona limítrofe, entre as colônias espanholas e a colônia
portuguesa, sofrerá um processo diferenciado na sua
constituição. O interesse pelas terras onde situa-se, decorre
mais que um século após a chegada dos primeiros europeus
no continente. As razões que levam a tal justificativa, está
no fator de não existir madeira ou minérios de fácil extração,
como em outras regiões da América ocorria.


          Após um longo período de desinteresse por não
possuir     atrativos   aos    colonizadores,       viviam     os     povos
indígenas organizados em torno de seus elementos culturais
e rituais. Com isso, o interesse pela ocupação do território
onde hoje situa-se o Rio Grande do Sul, procede a partir da
importância que a pecuária representará, junto ao processo
de catequese desenvolvido pelos padres da Companhia de
Jesus nas terras onde hoje é a Região das Missões. É a
partir desse contexto e, considerando a importância que o
rio da Prata possuía como escoadouro dos minérios
retirados na região de Potosí, é que Portugal e Espanha
passam a olhar com outros olhos o território do Rio Grande
do Sul.


          O fato de localizar-se em uma região de constante
disputa entre os reinos que ambicionavam seu território faz
com que insurja um tipo social, produto dessa região de
convergência. Esse tipo social por sua vez adotará uma



                         JOSÉ AUGUSTO FIORIN                              32
DO GAÚCHO AO TRADICIONALISTA: IMAGEM, IDENTIDADE E REPRESENTAÇÃO



postura significativa na construção de uma identidade
cultural.


         Para entendermos como ocorre a constituição do tipo
social      do   gaúcho        predominante        no     século      XIX,
examinaremos que tipo de relato os viajantes, provenientes
da Europa, desenvolvem acerca de sua imagem. Com isso,
há a pertinência de se destacar aqui os depoimentos
contidos nas viagens realizadas ao Rio Grande do Sul do
século XIX, do naturalista Auguste de Saint Hilaire, de
Arsène      Isabelle   e    Nicolau      Dreys.   Além      disso,    uma
abordagem da imagética sobre o gaúcho, representada na
obra de Jean Baptiste Debret.


         É importante destacar que a leitura que esses
viajantes fizeram, em relação ao que viam no Rio Grande do
Sul, representa a construção de uma visão própria daquela
realidade, resultado de um contexto histórico o qual viveram
e viviam naquele momento. Trata-se, dessa forma, de um
discurso não oficial, mas ainda é um discurso, portanto
deve ser analisado pela historiografia como um depoimento
legítimo de uma visão de mundo. Nesse sentido, entendemos
os depoimentos dos viajantes como efeito de um contexto
histórico e, sob esta ótica, se constituindo em fonte para a
compreensão da sociedade de certo período histórico.


         Que visões esses viajantes terão do Rio Grande do
Sul? E sobre o tipo social do gaúcho? Certamente o que é
relatado possui dimensões opostas aquilo, que por meio da
representação, tenta-se viver em meados no século XX no
Rio Grande do Sul, que é um movimento tradicionalista e a
expressão gentílica de gaúcho, ao habitante do estado.



                           JOSÉ AUGUSTO FIORIN                           33
DO GAÚCHO AO TRADICIONALISTA: IMAGEM, IDENTIDADE E REPRESENTAÇÃO



ESCRITOS: ARSÈNE, DREYS E HILAIRE


       Durante o século XIX alguns viajantes provindos da
Europa irão visitar as terras onde hoje situa-se o Rio Grande
do Sul. Seus testemunhos tornam-se importantes na
reconstrução do cenário rio-grandense durante este período.
O olhar desses viajantes sob a perspectiva do homem que
habitava essa região é marcado por uma descrição analítica
sobre o tipo social e cultural que predominava na Província.


       Ao fazer a abordagem do tipo social do gaúcho sob o
olhar dos viajantes, é importante destacar que tanto Hilaire,
Isabelle e Dreys são apenas “homens de seu tempo”, cujas
abstrações mentais e representações que fazem do mundo
que os cerca estão relacionadas com o seu contexto
histórico-social.


       Arsène       de   Isabelle     era      um   viajante      francês.
Naturalista, muito interessado ao estudo da fauna e da
flora, veio para a América às suas próprias custas. Em
1830, viajou para a região do Prata com o desejo de
descrever os aspectos geográficos, geológicos, zoológicos e
botânicos desta região. Viagem essa, que possibilitou os
primeiros escritos sobre o elemento social do gaúcho.


       Esteve primeiro no Uruguai e depois dirigiu-se para
Buenos Aires. Nesta cidade, perdeu todo seu capital em
maus negócios financeiros, sendo obrigado a abrir uma
pequena indústria têxtil para depois seguir com sua
expedição pelo interior. Sem alcançar a prosperidade
almejada, deslocou-se para o Uruguai, cruzando pelas terras
rio-grandenses em 1833 e 1834. Retornou à França em



                         JOSÉ AUGUSTO FIORIN                             34
DO GAÚCHO AO TRADICIONALISTA: IMAGEM, IDENTIDADE E REPRESENTAÇÃO



1835, ocasião em que publicou seus relatos de viagem na
obra Voyage à Buenos Ayres et à Porto Alegre.


         Em seu livro Voyage a Buenos-Ayres et a Porto-Alegre
Arsène 32   relata a excursão que fez ao Rio Grande entre 1830
e 1834. Ali estão contidas suas impressões sobre a província
do sul, retratando os costumes e as características do povo
da    época, inclusive        numa       rápida    passagem        sobre   a
Revolução Farroupilha no Estado.


         Segundo seu relato, a visão que possui do gaúcho é
algo peculiar. Para ele:


                  ... os gaúchos ou habitantes do campo são,
                  em relação a Buenos Aires, o que são os
                  tártaros em relação à China ou os beduínos
                  em relação a Argel. Foi um chefe gaúcho que
                  triunfou do partido de Lavalle e serão os
                  gaúchos que dominarão sempre a cidade,
                  opondo-se a toda inovação útil ao país, até
                  que se ponha em prática o plano de
                  Rivadávia, que consistia em favorecer aos
                  estrangeiros e induzí-los a formar colônias no
                  interior (...) agora, percebo que estou mais
                  próximo dos ´pampas` que da praça da
                  Vitória 33 . (ARSÈNE, p. 94)

         Nicolau Dreys, também era francês, depois de
prestar serviço militar deixa seu país e em 1817 aporta no
Brasil. Percorreu várias Províncias do Império. Antes de
falecer em 1843, nos deixou vários depoimentos sobre sua
visão das províncias brasileiras. Destacamos aqui a Notícia



32 ISABELLE, A. A Viagem ao Rio da Prata e ao Rio Grande do Sul. Rio de

Janeiro: Livraria Editora Zélio Valverde S.A, 1979.
33 ISABELLE, A. A Viagem ao Rio da Prata e ao Rio Grande do Sul. Rio de

Janeiro: Livraria Editora Zélio Valverde S.A, 1979, p. 94.

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DO GAÚCHO AO TRADICIONALISTA: IMAGEM, IDENTIDADE E REPRESENTAÇÃO



descritiva da Província do Rio Grande de São Pedro do Sul,
quando faz, sob seu olhar, uma exposição escrita daquilo
que lhe chama atenção no Rio Grande do Sul, considerando
aspectos geográficos, humanos e sociais.


        O    que     é   pertinente      ressaltar,     tomando        como
referência os viajantes já citados é que Dreys desenvolverá
uma crítica a obra, e consequentemente à visão que Arsène
terá da província. Segundo Dreys 34 não é assim que uma
imaginação judiciosa recebe e transmite as impressões;
infeliz do viajante que, depois de alguns anos de observação,
não lacerou suas primeiras notas; arrisca-se a enganar-se a
si mesmo e enganar os outros.


        No entanto, sobre o habitante da Província e mais
especificadamente sobre o tipo social do gaúcho é no
capitulo terceiro, onde discorre sobre a população, que
Nicolau Dreys (1961) nos dá o melhor fruto das suas
observações. Depois de descrever, aquilo nomeado por ele
como população regular, seja o rio-grandense do meio rural
ou das cidades, já nas últimas páginas da Notícia Descritiva,
traça um retrato compreensivo dos famosos “gaúchos de
vida sôlta, ainda não assimilados e em pleno viço de sua
aventura histórica”.


        Segundo Augusto Meyer, na nota introdutória da
edição da Notícia Descritiva da Província do Rio Grande de
São Pedro do Sul, de 1961, editado pelo Instituto Estadual
do Livro, não escapou a Dreys o “traço aculturativo dessa
aventura, e neste passo leva sem dúvida grande vantagem



34 DREYS, Nicolau. Notícia descritiva da Província do Rio Grande de São

Pedro do Sul. Porto Alegre: Instituto Estadual do Livro, 1961.

                          JOSÉ AUGUSTO FIORIN                             36
DO GAÚCHO AO TRADICIONALISTA: IMAGEM, IDENTIDADE E REPRESENTAÇÃO



sôbre a intransigência preconceitual que podemos notar em
tantos autores inclusive Saint Hilaire” 35 .


        Ao descrever sua visão sobre a província, Dreys 36
terá impressões não somente do território como também do
elemento social que predomina no Rio Grande do Sul, nesse
contexto. Para ele


                 ...o homem do Rio Grande é geralmente alto,
                 robusto, bem apessoado, e suas feições viris
                 nada perdem por serem quase sempre
                 acompanhadas de uma cor alva, que faz
                 sobressair a preta capilária e o avermelhado
                 das faces, assemelhando-se a primeira vista
                 aos habitantes das regiões montuosas do
                 centro da França. (DREYS, 1961, p.11)

        Com isso, Saint Hilaire confirmando as primeiras
impressões, irá concordar plenamente com Dreys. Para
Hilaire 37 les hommes étaient généralement très blancs et
avaient des cheveuxet des yeux de la même couleur que les
femmes ; ils étaient grands, bien faits ; ils avaient de
l’aisance, et rien de cette molesse qui caractérise les
Mineurs.


        Já Arséne, irá destacar em seu relato que os homens
habitantes      dessa      região     tinham      uma       característica
significativa de ser apreciada. Na composição desse tipo
social, segundo seu relato, a vestimenta dos homens da



35 MEYER, Augusto. In: Notícia Descritiva da Província do Rio Grande

de São Pedro do Sul. Porto Alegre: Instituto Estadual do Livro, 1961.Nota
introdutória.
36 DREYS, Nicolau. Notícia Descritiva da Província do Rio Grande de

São Pedro do Sul. Porto Alegre: Instituto Estadual do Livro, 1961.p.11.
37 SAINT HILAIRE. Viagem ao Rio Grande do Sul. Rio de Janeiro: Ariel

Editora, 1936.

                          JOSÉ AUGUSTO FIORIN                            37
DO GAÚCHO AO TRADICIONALISTA: IMAGEM, IDENTIDADE E REPRESENTAÇÃO



campanha é mais rica que a dos gaúchos argentinos e
orientais. Consiste de sólidas botas, largas bombachas de
veludo azul-celeste, uma jaqueta de pano azul, um amplo
manto de pano e um chapéu de abas muito largas
levantadas dos lados, preso sob o queixo por um barbicacho
que termina em duas borlas. 38


        Em importante obra sobre a construção social do
gaúcho, intitulada História de uma Palavra, Augusto Meyer
irá dizer que:


                  Sintomática, por exemplo, é sua reação diante
                  dos gaúchos de vida livre que vagueavam
                  pelos campos da fronteira. Eram na maioria
                  índios ou mestiços e viviam à margem da
                  sociedade organizada, sem moral e sem
                  religião. Muitos brancos haviam adotado os
                  seus costumes, e na Capela de Alegrete, o
                  modo de vida dos proprietários pouco diferia
                  da vida sôlta desses mesmos Garruchos, ou
                  Garuchos, ou Gahuchos, conforme a sua
                  grafia. Mas o seu testemunho parece muito
                  vago, as observações são imprecisas,
                  refletindo certa incompreensão preconceitual
                  do homem histórico e do meio 39 . (MEYER,
                  1957, p. 55-57)

        O que levanta-se é que o surgimento do tipo social do
gaúcho somente será possível, dentro de um processo de
colonização americana. Os traços culturais predominantes
nos nativos, reais habitantes do território, somando aos
elementos        culturais      trazidos,       principalmente         pelos


38 ISABELLE, Arsène. Viagem ao Rio da Prata e ao Rio Grande do Sul.

Tradução de Teodomiro Tostes. Rio de Janeiro: Editora Zélio Valverde,1949.
p. 279.
39 MEYER, Augusto. História de uma palavra. Porto Alegre: Instituto

Estadual do Livro, 1957. p. 55.

                          JOSÉ AUGUSTO FIORIN                              38
DO GAÚCHO AO TRADICIONALISTA: IMAGEM, IDENTIDADE E REPRESENTAÇÃO



espanhóis,       é    que       constitui        os   traços     culturais
predominantes no gaúcho.


          Nesse contexto, considerando o livre trânsito na
fronteira, é que surge uma identidade cultural desse tipo
social.    O   fato   de     existir   abundância       em     pastagens,
possibilitou que o gado, remanescente do período de
destruição das missões, fosse proliferando em abundância.


          Na perspectiva de Nicolau Dreys, é importante
destacar o que, sob seu ponto de vista, chama sua atenção,
nesse caso na definição do habitante do território.


                 ... os gaúchos aparecem geralmente sem
                 mulheres e manifestam mesmo pouca atração
                 para elas, felizmente para seus vizinhos, a
                 quem sua multiplicação, acompanhada de
                 desejos    tumultuosos,   poderia    causar
                 desassossêgo: formados origináriamente do
                 contato com a raça branca com os indígenas,
                 eles se recrutam incessantemente dos
                 mesmos produtos, e ainda de todos os
                 indivíduos que nessas imediações nascem,
                 sem ordem e sem destino, com gôsto tão geral
                 de uma fácil e de perfeita liberdade. 40
                 (DREYS, 1961, p.160)

          Com isso, Dreys trás presente o traço aculturativo na
formação do gaúcho, a pouca atração para as mulheres e,
principalmente, a idéia de liberdade. A imagem de gaúcho
aqui representada por Dreys torna-se interessante. A vida
desprendida e o pouco apego e interesse com as mulheres,
vem confrontar com a concepção criada em torno do mito


40 DREYS, Nicolau. Notícia descritiva da Província do Rio Grande de São

Pedro do Sul. Porto Alegre: Instituto Estadual do Livro, 1961.p.160.


                           JOSÉ AUGUSTO FIORIN                           39
DO GAÚCHO AO TRADICIONALISTA: IMAGEM, IDENTIDADE E REPRESENTAÇÃO



gaúcho. A literatura regionalista, por exemplo, promove a
exaltação desse mito, colocando-se dentro da noção de uma
sociedade patriarcal, que fora desenvolvida no Rio Grande
do Sul, onde o gaúcho é apresentado como homem viril.
Assim percebe-se o conflito que há entre a descrição de
Dreys e aquilo com que o tradicionalista do século XX tenta
demonstrar como padrão de masculinidade.


        Além disso, Dreys segue dizendo que sem chefes,
sem leis, sem polícia, os gaúchos não têm da moral social,
senão idéias vulgares e, sobretudo uma sorte da probidade
condicional      que    os    leva    a    respeitar     a   propriedade
condicional que os leva a respeitar a propriedade de quem
os emprega, ou neles deposita confiança: entregues ao jogo
com furor, êsse vício, que parecem praticar como um meio
de encher o vácuo de seus dias, é a fonte dos roubos, e às
vezes das mortes que cometem. Joga o gaúcho tudo que
possui, dinheiro, cavalo, armas, vestidos, e sai do jogo
inteiramente ou quase nu 41 . Nesse parâmetro fica evidente o
arquétipo de liberdade vivido pelo gaúcho. A carência da
instituição de normatizações que regulamente a vida na
Província também deve ser enfatizada. Isso ocorre porque
sem    lei   a moral social do            gaúcho é        relacionada à
vulgarização de suas idéias bem como a atração por roubos
e constantes contrabandos na fronteira Brasil, Argentina e
Uruguai.


        Auguste de Saint Hilaire, de 1816 a 1822, percorreu
o centro e o sul do Brasil, registrando em seus relatos de
viagens, publicados a partir de 1830, os costumes e as



41 DREYS, Nicolau. Notícia descritiva da Província do Rio Grande de São

Pedro do Sul. Porto Alegre: Instituto Estadual do Livro, 1961.p.160.

                          JOSÉ AUGUSTO FIORIN                          40
DO GAÚCHO AO TRADICIONALISTA: IMAGEM, IDENTIDADE E REPRESENTAÇÃO



condições de vida no Brasil. Chega ao Rio Grande do Sul em
meados de 1820 trazendo uma carta de apresentação da
corte, dirigida às autoridades locais, que lhe conferia o posto
de coronel, prerrogativa de que pouco se valeu, mas poderia,
dada as circunstâncias da época, ter sido de muita utilidade
ao longo roteiro que iria cumprir percorrendo 1.500
quilômetros, de carreta ou a cavalo durante nove meses.


        Ao chegar ao Rio Grande do Sul, em sua viagem pela
Província, Hilaire irá dizer que “dada conhecida índole dos
gaúchos,      é    possível      imaginar        que,    proclamada     a
independência, aproveitaram-se os primeiros momentos de
desordem      para     a    pilhagem       do    gado    nas     estâncias
portuguesas, e os portugueses a seu turno promoviam
arreadas nas estâncias espanholas” 42 .


        Muitos estudos surgiram em torno da presença de
Saint Hilaire na Província. Sem dúvida, que seus relatos
foram imprescindíveis não só para conhecer aspectos da
flora rio-grandense, como para conhecer as configurações,
que sob seu olhar, esse território possuía. Sobre o tipo social
do gaúcho, ele desenvolverá um conceito interessante de ser
analisado. Ao relatar o contato que teve com um habitante
do território, e posteriormente sua impressão sobre o fato,
Hilaire 43 descreveu:


                  Talvez tenha ele julgado que esse seria o
                  melhor meio de se ver livre de mim; talvez
                  tenha sido leviandade, falta de reflexão,
                  negligência, e sou tentado a acreditar que



42 SAINT HILAIRE. Auguste Viagem ao Rio Grande do Sul. Rio de Janeiro:

Ariel Editora, 1936, p.77.
43 Idem, p. 78.



                           JOSÉ AUGUSTO FIORIN                           41
DO GAÚCHO AO TRADICIONALISTA: IMAGEM, IDENTIDADE E REPRESENTAÇÃO



                 esse homem, apesar de ser branco, pertence
                 aos habitantes dessa região que têm
                 costumes semelhantes ao dos gaúchos.
                 (HILAIRE, 1936, p. 78)

        Outro      depoimento,        onde      estão     expressas    as
primeiras impressões registradas sobre o tipo social do
gaúcho, é do viajante europeu, Felix de Azara, que por volta
de 1780 descreveu o tipo social platino. Madaline Nichols 44 ,
que estudou a obra de Azara, dirá que:


                 Além do dito povo, há naquela região, e
                 principalmente     nas     proximidades    de
                 Montevidéu e Maldonado, uma outra classe
                 de gente, mui apropriadamente chamados
                 gaúchos ou gaudérios. (...)Sua nudez, suas
                 barbas    crescidas,   seu    cabelo  sempre
                 despenteado, sua sujeira e brutalidade de sua
                 aparência os tornam horríveis de ver. Por
                 nenhum motivo ou interesse querem eles
                 trabalhar para alguém, e além de serem
                 ladrões, também raptam mulheres. E essas
                 levam para os matos e vivem com elas em
                 choças, abatendo gado bravio para seu
                 sustento. (NICHOLS, 1953, p. 30).

        Partindo da visão que Félix Azara desenvolverá sobre
o gaúcho, o que há de notoriedade é a representação de um
outro modelo de imagem, com alguns elementos que
aproximam o gaúcho platino do gaúcho rio-grandense. O
caráter depreciativo , em torno do tipo social do gaúcho
exposto por Nichols nos remonta a idéia de um elemento
social incivilizado, cujos traços característicos de barbárie
aparecem naturalmente. Porém, se considerarmos o relato



44 NICHOLS, Madaline Wallis. El Gaucho. Buenos Aires. Ediciones Peuser,

1953, p. 30.

                          JOSÉ AUGUSTO FIORIN                           42
DO GAÚCHO AO TRADICIONALISTA: IMAGEM, IDENTIDADE E REPRESENTAÇÃO



que    os     viajantes      fizeram       da     Província,      e     mais
detalhadamente, a forma como caracterizaram a imagem do
tipo social do gaúcho, vamos perceber que o gaúcho aqui
apresentado        como     histórico      é     diferente   do       gaúcho
representado como tradicionalista.


IMAGÉTICA DO GAÚCHO: DEBRET E MOLINA


        A representação do gaúcho do século XIX está
presente nos discursos escritos dos viajantes europeus, que
estando na Província, retrataram o modo de organização e
vida desse       habitante. Além disso, um outro                       modelo
representativo, passando pela via da imagética, torna-se
imprescindível e deve ser analisado. A imagem construída
do gaúcho através da pintura nós dá outra dimensão
simbólica e cultural da representação desse tipo social.


        Na perspectiva da História Cultural, Canabarro 45
(2004) ressaltará que esta trabalha com as diferentes formas
de apropriação dos discursos de textos (verbais e não
verbais) e da produção do sentido, sendo diferenciado pelas
posições     que    os    atores     ocupam         socialmente.        Nesta
perspectiva, nos mostrando algumas dependências da vida
cultural,    que      aparecem       nas        diferentes   formas        de
apropriação, mediadas pela representação. Assim torna-se
claro o que os elementos descritos pelos viajantes do século
XIX queriam retratar e representar sobre o Rio Grande do
Sul.




45 CANABARRO, Ivo dos Santos. A construção da cultura fotográfica no

sul do Brasil: imagens de uma sociedade de imigração. 2004, 314 f. tese
(Doutorado em História) – Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2004.
p. 17.

                          JOSÉ AUGUSTO FIORIN                               43
DO GAÚCHO AO TRADICIONALISTA: IMAGEM, IDENTIDADE E REPRESENTAÇÃO



         Embora      constituindo um            texto não verbal, as
imagéticas sobre o gaúcho também são representadas nesse
contexto. Um elemento que merece destaque, considerando
essa noção, cujos escritos nos remetem a reconstruir a
identidade e a imagem do gaúcho sob a perspectiva dos
viajantes europeus, é justamente buscar qual a imagética
que o gaúcho representa. Para isso, buscamos na vasta obra
do pintor francês Jean Baptiste Debret, os pressupostos e
elementos que permitem-nos aproximar de uma forma mais
especifica e redirecionar o olhar sobre o gaúcho rio-
grandense, e na obra de Florêncio Molina Campos sobre o
gaucho platino. Porém, também se fará necessário investigar
como ocorre a evolução da indumentária rio-grandense. Isso
porque, a imagem e a conseqüente identidade do gaúcho,
estão ligadas a esta construção histórica e imagética.


         A imagética que Debret nos dará sobre o gaúcho é
expressiva. Foi um pintor que esteve no Brasil com a Missão
Artística Francesa 46 . Chegou ao Rio de Janeiro em 1816,
dedicando-se ao ensino das artes e à organização da
Academia de Belas Artes, onde figura entre os alunos
fundadores da classe de pintura. Voltou à França em 1831,
onde pouco tempo depois publicou Viagem pitoresca e
histórica ao Brasil. Contribuiu de modo decisivo para uma
história pictórica do Brasil urbano e escravocrata do início
do século XIX.


                  As fontes imagéticas permitem ir muito além
                  das meras descrições, porque trazem



46 Missão Artística Francesa, grupo de pintores, escultores e arquitetos que

dom João VI trouxe da França, em 1816, com a finalidade de desenvolver
as atividades artísticas no Brasil e fundar uma escola de ciências, artes e
ofícios.

                          JOSÉ AUGUSTO FIORIN                              44
DO GAÚCHO AO TRADICIONALISTA: IMAGEM, IDENTIDADE E REPRESENTAÇÃO



                  expressões de realidades vividas em outros
                  tempos. Da mesma forma, devido a
                  diversidade de informações que as fotografias
                  apresentam, uma vez que estas registram
                  distintas situações de vivências dos atores
                  individuais e coletivos, possibilitam o
                  entendimento das diferenças sociais dos
                  grupos, revelando questões que dizem
                  respeito à sua atuação em um determinado
                  contexto histórico 47 . (CANABARRO, 2004, pg.
                  17).

        Em suas telas, Debret retratou não apenas a
paisagem,        mas     sobretudo,       a     sociedade       brasileira,
destacando a forte presença dos escravos. Ao regressar à
França em 1831, logo publicou o álbum Voyage pittoresque
et historique au Brésil, ou Séjour d’un artiste français au
Brásil depuis 1816 jusqu’en 1831 (1834-1839).


        A seguir, algumas imagens coletadas da obra de
Debret, que visam representar imageticamente o tipo social
do gaúcho 48 .




ÍNDIO GUARANI CIVILIZADO




                                                  FIGURA 1
47 CANABARRO, Ivo dos Santos. A construção da cultura fotográfica no

sul do Brasil: imagens de uma sociedade de imigração. 2004, 314 f. tese
(Doutorado em História) – Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2004.
p. 17.
48 Obras disponíveis em DEBRET, Jean Baptiste. Viagem pitoresca e

histórica ao Brasil. Belo Horizonte, Itatiaia; São Paulo, Edusp, l989, v.2.


                          JOSÉ AUGUSTO FIORIN                             45
DO GAÚCHO AO TRADICIONALISTA: IMAGEM, IDENTIDADE E REPRESENTAÇÃO




                 CHARRUA CIVILIZADO




                         FIGURA 2




            VIAJANTES DA PROVÍNCIA DO RIO




                         FIGURA 3


                      JOSÉ AUGUSTO FIORIN                          46
DO GAÚCHO AO TRADICIONALISTA: IMAGEM, IDENTIDADE E REPRESENTAÇÃO




                  ARMAZÉM DE CARNE SECA




                              FIGURA 4

       As aquarelas de Debret, representadas aqui pela
imagética que o mesmo constrói sobre o gaúcho, vêm de
encontro    com     os   depoimentos           descritos   pelos      outros
viajantes europeus. Assim, a similaridade do gaucho platino
e do gaúcho lusitano é nítida em virtude da indefinição
fronteiriça e da semelhança do modelo econômico.


       Na figura 1, percebemos que no centro da cena se
encontra um índio da tribo Guarani, que Debret, optou por
designar a imagem de “Índio Guarani Civilizado”. A idéia de
civilidade perpassa o fator aculturativo. Ou seja, o nativo
estar trajando vestes seguindo o padrão europeu e o modelo
imposto pelos colonizadores. Além disso, essa imagem
também      representa,       de     como         o   cavalo       torna-se


                         JOSÉ AUGUSTO FIORIN                               47
DO GAÚCHO AO TRADICIONALISTA: IMAGEM, IDENTIDADE E REPRESENTAÇÃO



indispensável às atividades cotidianas. Algo curioso que está
nesta representação é o fato do índio estar com vestes de
estancieiro. Não era comum um nativo estar vestindo-se
dessa maneira durante o século XIX. O indicativo é que, o
Guarani representado, seja uma espécie de peão de
confiança        de     algum     estancieiro,       considerando        suas
habilidades e destreza com a montaria.


          O cavalo torna-se fundamental na constituição
econômica da Província. Ele que havia se proliferado em
abundância, fora trazido pelos espanhóis no processo de
colonização. Assim, também na figura 2 vamos perceber que
o cavalo se faz presente. Ainda é visível a quantidade de
adereços junto aos índios charruas. Boleadeiras, laços,
esporas, pala, etc. O detalhe está no chapéu de feltro que
até     então     era    usado      somente        pelos   estancieiros     e
charqueadores. Percebe-se que em segundo plano, os aperos
de montaria estão ao chão e o cavalo está pastando
provavelmente cansado de mais um dia de serviço. Ao fundo
outros índios peões levando o gado a algum lugar.


          Nessas imagens a percepção que temos sobre o tipo
social do gaúcho rio-grandense é que sob a visão de Debret,
esse elemento se constitui com base indígena. A imagem
representada é de um individuo trabalhador, interessado
com as atividades econômicas.                     De acordo Leenhardt 49
(2006) enquanto documentarista Debret se revela ótimo,
mas como pintor ele não consegue captar e representar a
coerência do todo.



49 LEENHARDT, Jacques. Imagem e história em uma viagem pitoresca e

histórica ao Brasil, de Jean Baptiste Debret: o enterro de um filho de um
rei negro. In: LOPES, Antônio Herculano. História e linguagens: texto
imagem, oralidade e representações. Rio de Janeiro: 7 letras, 2006. p. 126.

                            JOSÉ AUGUSTO FIORIN                             48
DO GAÚCHO AO TRADICIONALISTA: IMAGEM, IDENTIDADE E REPRESENTAÇÃO




       O que Debret vai enfocar na figura 3 é passagem de
alguns viajantes pela Província. Aqui fica evidente a
condição social como determinante. O tipo de chapéu usado
pelos indivíduos que estão acompanhando a senhora,
usando vestido longo à moda européia, é diferente dos
chapéus representados nas figuras 1 e 2. Outro fator é a
pessoa que vem logo atrás não estar montando um cavalo e
sim uma mula, diferente daquelas que aparecem em
primeiro plano.


       A precisão das estruturas que organizam o ambiente
da figura 4 é interessante. À frente encontra-se um
indivíduo de origem indígena. Porém o que é representado
por Debret é uma espécie de venda. Pode-se perceber a
presença     de     inúmeros       mantimentos            necessários   à
subsistência dos habitantes da Província, principalmente o
produto impulsionador da economia rio-grandense durante
o século XIX: o charque.


       Outro fator que merece destaque, diz respeito à
indumentária do tipo social predominante no Rio Grande do
Sul. Tendo a idéia da representação imagética de Debret
sobre a Província, faz-se necessário destacar como o tipo
social do gaúcho veste-se.


       Um dos elementos constituidores da imagem e
conseqüentemente da identidade do tipo social do gaúcho,
perpassa pelo seu modo de vestir. A história cultural por
sua vez busca representar esse padrão de vestimenta como
elemento    importante        de    investigação      e     interpretação




                         JOSÉ AUGUSTO FIORIN                            49
DO GAÚCHO AO TRADICIONALISTA: IMAGEM, IDENTIDADE E REPRESENTAÇÃO



histórica. De acordo com Fagundes 50 (1985) na “evolução da
Indumentária       Gaúcha”,       há     trajes       fundamentais       que
constroem uma identificação ao gaúcho, e, a cada um deles
corresponde uma indumentária feminina.


         Na figura 5, vamos perceber o tipo de vestimenta que
alguns índios após o primeiro contato com os europeus
passaram a utilizar. Há clareza nos traços aculturativos
dessa imagem. Ou seja, o índio já possui o laço e as
boleadeiras como instrumento de trabalho. Já a índia,
aparece nessa representação com roupas seguindo modelo
europeu. Isso demonstra a proximidade com a cultura
européia dominadora aos povos nativos na América. Outro
aspecto     que    merece     destaque         está    no    elemento     do
cristianismo presente. A cruz ao peito representa a aceitação
de um deus com moldes cristão/catolicista. Ainda é
interessante verificar a utilização do chiripá pelo homem.
Era uma espécie de saia, constituída por um retângulo de
pano enrolado na cintura, até os joelhos. Isso ajudava na
montaria.


         Assim,     podemos       ressaltar       que       de   peças   da
indumentária ibérica, de peças da indumentária indígena, o
gaúcho     foi    constituindo     sua     própria       indumentária. E
inevitavelmente a construção de sua identidade cultural
está diretamente ligada a construção de sua imagem.


         Segundo     Fagundes        (1985),      os    Missioneiros      se
vestiam, conforme severa moral jesuítica. Passaram a usar
os calções europeus e em seguida a camisa, introduzida nas


50 FAGUNDES, Antônio Augusto. Indumentária Gaúcha. Porto Alegre:

Martins Livreiro Editor, 1985.


                         JOSÉ AUGUSTO FIORIN                               50
DO GAÚCHO AO TRADICIONALISTA: IMAGEM, IDENTIDADE E REPRESENTAÇÃO



missões pelo Padre Antônio Sepp. Usavam, ainda, uma peça
de indumentária não européia, proximamente indígena - "el
poncho". Essa peça de indumentária não existia no Rio
Grande do Sul antes da chegada do branco, pois os nossos
índios pré-missioneiros não teciam e nem fiavam.


        A seguir apresentam-se imagens coletadas, que
abordam a evolução das vestimentas no estado do Rio
Grande do Sul, onde as mesmas aparecem em seqüência 51 .




                       TRAJE INDÍGENA




                          FIGURA 5




51 Iconografia disponível em FAGUNDES, Antônio Augusto. Indumentária

Gaúcha. Porto Alegre: Martins Livreiro Editor,1985.

                         JOSÉ AUGUSTO FIORIN                          51
DO GAÚCHO AO TRADICIONALISTA: IMAGEM, IDENTIDADE E REPRESENTAÇÃO



   CHARQUEADOR E                                  PATRÃO DAS VACARIAS E
 ESTANCIEIRA GAÚCHA                                      ESPOSA
     (1750-1820)                                       (1750-1820)




       FIGURA 6                                          FIGURA 7



PEÃO DAS VACARIAS E CHINA                          GAÚCHO COM CHIRIPÁ
      DAS VACARIAS                                FARROUPILHA E MULHER
       (1750-1820)                                  GAÚCHA (1820-1865)




       FIGURA 8                                         FIGURA 9
                            JOSÉ AUGUSTO FIORIN                          52
DO GAÚCHO AO TRADICIONALISTA: IMAGEM, IDENTIDADE E REPRESENTAÇÃO




        A evolução da imagem do gaúcho varia de acordo
com a adaptação das vestes. Considerando a influência
européia e, posteriormente a condição econômica e social
predominante no Rio Grande do Sul da época, é que vamos
perceber algumas variáveis. A primeira variável está nas
figuras 6 e 7. Possuímos nessas imagens a representação da
elite estancieira do Rio Grande do Sul. Homens e mulheres
com modelos europeus, adaptados socialmente ao clima e ao
elemento econômico preponderante na Província.

        Compreendemos             que     evidentemente,         o     fator
econômico do Charqueador e do denominado Patrão das
Vacarias      sobressai      no     que     concerne       à     imagética
representada. Trajava-se basicamente à européia, com a
braga e as ceroulas de crivo. Segundo Fagundes 52 (1985),
passou a usar também a bota de garrão de potro 53 , invenção
gauchesca típica. Igualmente o cinturão-guaiaca, o lenço de
pescoço, o pala indígena, a tira de pano prendendo os
cabelos, o chapéu de pança de burro, etc. Em relação à
figura feminina, Fagundes segue dizendo que a mulher
desse rico estancieiro, usava botinhas fechadas, meias
brancas ou de cor, longos vestidos de seda ou veludo,
botinhas fechadas, mantilha, chale ou sobrepeliz, grande



52 FAGUNDES, Antônio Augusto. Indumentária Gaúcha. Porto Alegre:

Martins Livreiro Editor,1985.
53 As botas mais comuns eram as de garrão-de-potro, que eram retiradas de

vacas, burros e éguas (raramente era usado o couro de potro, que lhe deu o
nome). Essas botas eram lonqueadas ou perdiam o pêlo com o uso. Em
uso, as botas não duravam mais de 2 meses. Normalmente, eram feitas
com o couro das pernas traseiras do animal que dão botas maiores. As que
eram tiradas das patas dianteiras, muitas vezes eram cortadas na ponta e
no calcanhar, ficando o usuário com os dedos do pé e o calcanhar de fora.
Acima da barriga da perna, era ajustada por meio de tranças ou tentos.

                          JOSÉ AUGUSTO FIORIN                              53
DO GAÚCHO AO TRADICIONALISTA: IMAGEM, IDENTIDADE E REPRESENTAÇÃO



travessa prendendo os cabelos enrolados e o infaltável leque.
Ou seja, os padrões europeus preponderaram na construção
dessa imagem de gaúcho.

        Porém ressalta-se que esse tipo de vestimenta e
conseqüente imagem criada, é restringida a um número
mínimo de rio-grandenses. Um elemento que vem em
contraposição      a    condição      social    já   apresentada       é   a
representação do peão. O peão é o responsável pelo trabalho
diário com o gado, dando fundamentação econômica à
Província. Nesse contexto a figura 8 nos mostra que tipo de
imagem esse peão representa. Segundo Fagundes, o traje do
peão das vacarias destinava-se a proteger o usuário e a não
atrapalhar a sua atividade - caçar o gado e cavalgar.
Normalmente, este gaúcho só usava o chiripá primitivo 54 e
um pala enfiado na cabeça.

        E segue descrevendo que o chiripá, em pouco tempo,
assumiria uma cor indistinta de múgria - cor de esfregão. À
cintura, faixa larga, negra, ou cinturão de bolsas, tipo
guaiaca, adaptado para levar moedas, palhas e fumo e, mais
tarde, cédulas, relógio e até pistola. Ainda à cintura, as
infaltáveis armas desse homem: as boleadeiras, a faca
flamenga ou a adaga e, mais raramente, o facão. E sempre à
mão, a lança - de peleia ou de trabalho. Em relação à
camisa, quando contava com uma, era de algodão branco ou
riscado, sem botões, apenas com cadarços nos punhos, com
gola   imensa      e    mangas       largas.    Pala 55 ,   não    faltava,



54 Pano enrolado como saia, até os joelhos, meio aberto na frente, para

facilitar a equitação e mesmo o caminhar do homem.
55 Tem origem indígena. Pode ser de lã ou algodão, quando proteje contra o

frio, ou de seda, quando proteje contra o calor. É sempre retangular com
franjas nos quatro lados. A gola do pala é um simples talho, por onde o
homem enfia o pescoço.

                          JOSÉ AUGUSTO FIORIN                              54
DO GAÚCHO AO TRADICIONALISTA: IMAGEM, IDENTIDADE E REPRESENTAÇÃO



comumente, o de lã - chamado "bichará" - em cores
naturais, e mais raramente o de algodão e o de seda que aos
poucos vão aparecendo. Logo, também surge o poncho 56
redondo, de cor azul e forrado de baeta vermelha.

         O peão das vacarias, representado na figura 8, não
era de muito luxo. Só usava ceroulas de crivo nas
aglomerações urbanas. Ademais, andava de pernas nuas
como os índios. À cabeça, usava a fita dos índios, prendendo
os cabelos - que os platinos chamam "vincha" - e também o
lenço, como touca, atado à nuca.

         Como podemos perceber nessa mesma imagem, a
mulher vestia-se pobremente: nada mais que uma saia
comprida, rodada, de cor escura e blusa clara ou desbotada
com o tempo. Pés e pernas descobertas, na maioria das
vezes. Por baixo, apenas usava bombachinhas, que eram as
calças femininas da época.

         De acordo com Antônio Augusto Fagundes há uma
outra variante no século XIX, em relação à constituição da
indumentária rio-grandense. Segundo ele, será abdicado os
padrões de vestimentas já relatados e incorporado ao que ele
chamará de “Traje Gaúcho”. Isso ocorrerá no contexto da
Revolução Farroupilha. Ou seja, o homem utilizando Chiripá
Farroupilha 57      e   a    mulher      Saia     e   Casaquinho       como



56 Tem origem inteiramente gauchesca. É feito, invariavelmente, de lã

grossa. Quase sempre é azul escuro, forrado de baeta vermelha, mas
também existem de outras combinações de cores. O poncho tem a forma
circular ou ovalada. Só preteje contra o frio e a chuva. A gola é alta,
abotoada e há um peitilho na frente do poncho.
57 Cabe ressaltar que as botas são, ainda, a bota forte, comum, a bota

russilhona e a bota de garrão, inteira ou de meio pé. À cintura, faixa preta e
guaiaca, de uma ou duas fivelas. Camisa sem botões, de gola, e mangas
largas. Usavam jaleco, de lã ou mesmo veludo, e às vezes, a jaqueta, com

                            JOSÉ AUGUSTO FIORIN                              55
DO GAÚCHO AO TRADICIONALISTA: IMAGEM, IDENTIDADE E REPRESENTAÇÃO



verificamos na figura 9. Este período é dominado por um
chiripá que substituiu o anterior, que não é adequado à
equitação, mas para o homem que anda a pé. O chiripá
dessa nova fase é em forma de grande fralda, passada por
entre as pernas. Este adapta-se bem ao ato de cavalgar e
essa é certamente a explicação para o seu aparecimento.
Com isso, fica claro que o Chiripá Primitivo era de origem
indígena.

       A mulher, nesta época, usava saia e casaquinho com
discretas rendas e enfeites. Tinham as pernas cobertas com
meias. Usavam cabelo solto ou trançado, para as solteiras e
em coque para as senhoras. Os sapatos eram fechados e
discretos. Como jóias apenas um camafeu ou broche. Ao
pescoço vinha muitas vezes o fichú.

       Assim, podemos perceber como ocorre a tentativa da
construção de uma imagem de gaúcho, seja pela visão que
Debret obtém do Rio Grande do Sul ou pela transformação
que a indumentária gaúcha obteve através do tempo. Fica
evidente que, os elementos que ajudarão na construção da
imagem de gaúcho rio-grandense, perpassam pelo fator
aculturativo de índios e europeus, ajudando a construir a
sua identidade.

       Após analisado a visão que Debret possui da
Província e, como evolui a imagem do gaúcho rio-grandense
em relação a sua indumentária, dentro desse contexto
torna-se interessante verificar brevemente como se constitui




gola e manga de casaco, terminando na cintura, fechado à frente por
grandes botões ou moedas.

                         JOSÉ AUGUSTO FIORIN                          56
DO GAÚCHO AO TRADICIONALISTA: IMAGEM, IDENTIDADE E REPRESENTAÇÃO



o    tipo    social    do     gaucho      platino,      considerando    as
proximidades da fronteiras e a mesma matriz cultural.

                            GAUCHO EM FINAIS DO SÉCULO




    FIGURA 10




         O     gaucho       platino     por       sua   vez   apresentará
semelhanças culturais ao gaúcho rio-grandense conforme a
figura anterior 58 . Segundo Ibáñez, 59 (1964), gaucho fruto de
la mezcla de sangres española e indígena, comenzó a forjar
su original personalidad en las primitivas vaquerías de la
colonia. Allí aprendió a desempeñar las tareas de ganadería
con singular destreza y fundió su cuerpo con el de su
inseparable compañero: el caballo. Pasaba la mayor parte de
su vida sobre el lomo de su pingo, por eso siempre detestó la
agricultura, que lo obligaba a estar de pie.




58 Iconografia disponível em IBAÑEZ, José C. Historia Argentina. Buenos

Aires: Editorial Troquel, 1964 p. 59.
59IBAÑEZ, José C. Historia Argentina. Buenos Aires: Editorial Troquel,

1964. pg.48.

                            JOSÉ AUGUSTO FIORIN                           57
DO GAÚCHO AO TRADICIONALISTA: IMAGEM, IDENTIDADE E REPRESENTAÇÃO



        A impressão desenvolvida em relação a sua conduta
social complementa os depoimentos dos viajantes europeus
no Rio Grande do Sul.


                 La extensión de la llanura pampeana fue la
                 que terminó de moldear su conducta. Es
                 independiente, de vida errante y costumbres
                 sencillas. Esa libertad con que enfrenta la
                 vida le traería aparejados muchos disgustos.
                 Por mucho tiempo se lo marginó, llegándole
                 su reivindicación con el paso del tiempo, al
                 punto de convertirse la palabra gaucho en
                 sinónimo de rectitud de carácter y nobleza de
                 corazón 60 . (IBANEZ, 1964,p.56)



        A representação imagética sobre o gaúcho platino
está presente na obra de Florencio Molina Campos 61 . Fue
un dibujante y pintor conocido por sus típicos dibujos
costumbristas de la pampa argentina. Sus dibujos y
pinturas rememoran con un toque humorístico típicas
viñetas gauchescas. De aire caricaturesco y, a menudo,
"naif", su dibujo, inspirado principalmente en el mundo
gauchesco, refleja a un observador agudo de la realidad
nacional.




60 IBAÑEZ, José C. Historia Argentina. Buenos Aires: Editorial Troquel,

1964. pg.56.
61 Disponível em http://www.molinacampos.org



                          JOSÉ AUGUSTO FIORIN                          58
DO GAÚCHO AO TRADICIONALISTA: IMAGEM, IDENTIDADE E REPRESENTAÇÃO



        Na seqüência, algumas representações da obra de
Florencio Molina Campos, onde constrói uma imagem do
gaucho platino 62 .


                   JINETEANDO




                                                              FIGURA 11




                                               P'AL POBLAO




FIGURA 12




62Iconografia disponível em

http://www.me.gov.ar/efeme/tradicion/lamela.html
http://www.molinacamposzg.com.ar/obrasdispo.htm


                         JOSÉ AUGUSTO FIORIN                              59
DO GAÚCHO AO TRADICIONALISTA: IMAGEM, IDENTIDADE E REPRESENTAÇÃO




 YO TAMBIÉN FUÍ COMO ESE LOCO




                                                               FIGURA 13




                                         HUAMPELEN




FIGURA 14




                          JOSÉ AUGUSTO FIORIN                              60
DO GAÚCHO AO TRADICIONALISTA: IMAGEM, IDENTIDADE E REPRESENTAÇÃO




          De acordo Vellinho 63 (1970) pontos de parecença
entre tipos sociais do gaúcho rio-grandense e do gaúcho
platino     existem,      sem   dúvida,     mas     se   restringem    às
peculiaridades decorrentes do mesmo sistema básico de
atividades – o pastoreio, desenvolvido em um cenário físico
semelhante e parcialmente fundado, em ambos os lados, na
experiência e nas práticas do campeador nativo.


          Reverbel 64 ,   também       destaca      os    elementos    de
proximidade e disparidade entre o gaúcho rio-grandense e o
gaúcho platino. Para ele


                  Não há identidade entre o gaúcho rio-
                  grandense e o gaúcho platino. Trata-se de
                  tipos     sociais    diferenciados,   histórica,
                  sociológica e culturalmente. Mas há pontos de
                  aproximação, aspectos semelhantes, contatos,
                  interpenetrações. Afinal, a família é a mesma.
                  Ambos se formaram e dependem da sociedade
                  pastoris,       geograficamente      contíguas.
                  (REVERBEL, 1996, p.103)



          Os depoimentos dos viajantes, com explicações e
aparato crítico adequados, contribuem para uma melhor e
mais enriquecida compreensão do passado. A representação
imagética de Debret remete a forma, que ele, viu e
interpretou. A imagem que Molina Campos representa do
gaucho platino, nada mais é do que produto de sua
perspectiva artística. Temos que cuidar, porém, para não



63 VELLINHO, Moysés. Capitania d’el Rei. Porto Alegre: globo, 1970, p.

144. 2 ed.
64 REVERBEL, Carlos. O gaúcho: aspectos de sua formação no Rio Grande

e no Rio da Prata. Porto Alegre: L&PM,1996, p. 103.

                           JOSÉ AUGUSTO FIORIN                          61
DO GAÚCHO AO TRADICIONALISTA: IMAGEM, IDENTIDADE E REPRESENTAÇÃO



cairmos na armadilha de aceitarmos as suas descrições e
informações como sendo a própria e única realidade.


       Elas se constituem de representações, reinvenções de
realidades, produzidas a partir da visão de um sujeito. São
imagens que se constituem em representações do real,
elaboradas a partir de componentes ideológicos de pessoas
dotadas de equipamentos culturais próprios e que trazem
um patrimônio anterior que condiciona o modo de observar
e entender o empírico.


       Na visão dos viajantes, no Rio Grande do Sul, como
um todo, era motivo de estranhamento. As diferentes regiões
eram vistas através do filtro de sua própria cultura, mas
eles escreveram crônicas sobre os aspectos vistos ou vividos
bastante significativos para pensar o contexto do período.


       Esses relatos foram muitas vezes desprezados pelos
historiadores por não serem construídos cientificamente,
por não apresentarem provas documentais. Entretanto, nos
últimos anos, passou-se a valorizar estes depoimentos como
testemunhos de época. Assim, os relatos dos viajantes, base
desta discussão, foram escolhidos por apresentarem pontos
de vista semelhantes, porém com significados claros com
relação ao gaúcho.


       A imagética que Debret e Molina Campos constroem
sobre o gaúcho e as crônicas escritas por Saint Hilaire,
Arsène Isabelle e Nicolau Dreys mostram a visão de homens
oriundos de uma outra realidade. Referendados por outros
parâmetros de historicidade, que mostram no exterior certa
imagem da região meridional da América do Sul e levam as
discussões e debates sobre as condições de trabalho, de


                         JOSÉ AUGUSTO FIORIN                          62
DO GAÚCHO AO TRADICIONALISTA: IMAGEM, IDENTIDADE E REPRESENTAÇÃO



cultura e do desenvolvimento do Rio Grande do Sul . Dessa
forma o gaúcho constrói sua representação. Tal simbolismo
se fortalecerá tornando-se ainda mais significativo, a partir
da segunda metade do século XX, quando busca-se através
de uma tentativa saudosista reviver o passado através de
um movimento tradicionalista ocorrendo uma reinvenção do
gaúcho.




                         JOSÉ AUGUSTO FIORIN                          63
DO GAÚCHO AO TRADICIONALISTA: IMAGEM, IDENTIDADE E REPRESENTAÇÃO




      O PROCESSO DE
CONSTRUÇÃO DE UMA
IDENTIDADE GAÚCHA




                      JOSÉ AUGUSTO FIORIN                          64
                                                                   64
DO GAÚCHO AO TRADICIONALISTA: IMAGEM, IDENTIDADE E REPRESENTAÇÃO




O PROCESSO DE CONSTRUÇÃO DE UMA IDENTIDADE
GAÚCHA



       Dentre as perspectivas da história cultural, a noção
de identidade possui um papel importante. A abrangência
de seu significado, entre tantos aspectos, demonstra como
ela define os indivíduos.               A construção identitária de
determinado      povo      e,     por     conseguinte,      determinada
sociedade, vem representar elementos característicos de
suas manifestações culturais. Então, cultura e identidade
possuem     um       vínculo    específico       no   que   se   refere   à
construção de um modelo social.


       No caso do Rio Grande do Sul, ocorre de forma
emblemática      a    tentativa    de     (re)   surgimento      de   uma
identificação com o passado. Essa edificação vem de
encontro com os postulados que nos levam a refletir sobre a
origem e essência do gaúcho histórico. Este, porém,




                         JOSÉ AUGUSTO FIORIN                              65
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Gaucho Ao Tradicionalista

  • 1.
  • 2. DO GAÚCHO AO TRADICIONALISTA: IMAGEM, IDENTIDADE E REPRESENTAÇÃO JOSÉ AUGUSTO FIORIN 2
  • 3. DO GAÚCHO AO TRADICIONALISTA: IMAGEM, IDENTIDADE E REPRESENTAÇÃO ©2009 Ijuí – RS – Brasil Capa: Carga de cavalaria, de Litran (Museu Júlio de Castilhos, Porto Alegre, RS) Catalogação na Publicação FIORIN, José Augusto. Do gaúcho ao tradicionalista: imagem, identidade e representação. Ijuí: Sapiens Virtual, 2009. 1. História Cultural 2. Tradicionalismo 3. Gaúcho José Augusto Fiorin, é professor e pesquisador. Trabalha na área das Ciências Humanas e Sociais. Graduado em História, Pós-graduado em Ciências Sociais: especialista em Sociologia, dedica-se a pesquisa no campo das identidades culturais e das representações. Contatos: www.professorfiorin.rg3.net JOSÉ AUGUSTO FIORIN 3
  • 4. DO GAÚCHO AO TRADICIONALISTA: IMAGEM, IDENTIDADE E REPRESENTAÇÃO APRESENTAÇÃO O tema central dessa pesquisa é a construção da identidade do tradicionalista rio-grandense do século XX. Para isso verifica-se como ele apropria-se da identidade do gaúcho do século XIX, através de representações de um passado, exaltando, heroicizando e ressignifcando seu caráter histórico. A investigação ocorre tendo por base a história cultural, onde as noções de identidade, representação, imagem e apropriação propiciam a fundamentação teórica da pesquisa. Nesse contexto, é desenvolvida uma abordagem referente a imagem criada pelos cronistas que visitam e descrevem a Província do Rio Grande de São Pedro durante o século XIX e a imagem criada pelo pintor Jean Baptiste Debret. Trata-se dos elementos que conduzem a apropriação dessa identidade. Com isso, destaca-se a literatura platina, o romantismo brasileiro de José de Alencar e a expressão dos rio-grandenses Apolinário Porto Alegre e Simões Lopes Neto. Outro aspecto está na visão da historiografia rio-grandense, na polêmica discussão em torno da matriz do gaúcho rio-grandense x gaucho platino. Nesse contexto o discurso de Moysés Vellinho, o maior defensor de um gaúcho lusitano, sobressai. Verificamos como ocorre a representação do gaúcho idealizado que, posteriormente será exaltado constituindo o modelo do tradicionalista. No entanto, o caráter saudosista na tentativa de reviver o passado nos parece ser a premissa inicial na constituição desse movimento. Ocorrendo assim, um processo de apropriação de uma identidade cultural. O tradicionalista do século XX tenta reviver o gaúcho do século XIX em sua totalidade de manifestações através de um movimento saudosista, doutrinário e conservador. JOSÉ AUGUSTO FIORIN 4
  • 5. DO GAÚCHO AO TRADICIONALISTA: IMAGEM, IDENTIDADE E REPRESENTAÇÃO SUMÁRIO Introdução..........................................................08 Capítulo I Noções de cultura na história cultural.................13 As Representações e a Apropriação......................14 A Identidade e a Tradição.....................................26 Capítulo II Narrativas: escritos e imagéticas ..........................33 Escritos: Arsène, Dreys e Hilaire..........................36 Imagética do Gaúcho: Debret e Molina.................45 Capítulo III O processo de construção de uma identidade.......67 A Influência Literária: Platina e Brasileira...........71 Primeiras entidades nativistas e o Positivismo.....79 Visão dos historiadores.......................................83 Capítulo IV A construção da identidade do tradicionalista.......95 Processo histórico na formação............................99 O sentido e o valor do Tradicionalismo................107 A Carta de Princípios..........................................114 Conclusão...........................................................121 Referências.........................................................124 Anexos ...............................................................130 JOSÉ AUGUSTO FIORIN 5
  • 6. DO GAÚCHO AO TRADICIONALISTA: IMAGEM, IDENTIDADE E REPRESENTAÇÃO INTRODUÇÃO Na construção de um projeto de modernidade muitas sociedades visam espelhar-se em um passado representado como tradicional, cujo espelhamento possa lhe condicionar os parâmetros necessários a atuação no cotidiano. Embora hoje, alguns teóricos apontam um processo de desconstrução dessas identidades, por conta de uma instância maior, instituída por uma “mundialização da cultura”, há o antagônico papel desempenhado por aqueles que visam rememorar o passado, enaltecendo-o, cujo culto remete a um fator importante de análise. Com isso, podemos destacar que o Rio Grande do Sul, por se constituir historicamente em um estado de fronteira, aponta peculiaridades em suas manifestações culturais. A cultura possui um significado expressivo nas manifestações da sociedade rio-grandense. Alguns habitantes do estado visam identificar-se como tradicionalistas e buscam no passado elementos que venham consolidar e justificar essa manifestação. Hoje, verificamos que houve uma construção daquilo que tornou-se um dos referenciais da identidade rio- JOSÉ AUGUSTO FIORIN 6
  • 7. DO GAÚCHO AO TRADICIONALISTA: IMAGEM, IDENTIDADE E REPRESENTAÇÃO grandense, com a simbologia do gaúcho: seja na sua imagem ou na expressão gentílica. Esse trabalho visa analisar se houve a apropriação da identidade do gaúcho histórico do século XIX pelo tradicionalista do século XX. A reflexão sobre esse assunto surge na tentativa de caracterizar e demonstrar a que contexto histórico e modelo de sociedade gaúcho e tradicionalista pertencem. Para enfatizar o pressuposto levantado, a abordagem será constituída pela via da cultura, onde a ênfase e a discussão serão construídas com base na história cultural e nos estudos culturais. No entanto, analisar a construção do gaúcho histórico defrontando-o com o tradicionalista atual torna possível verificar pontos distintos entre ambos. E esse caráter de diferenciação é que nos faz compreender como o gaúcho é (re)inventado e (re)significado no transcorrer na história. Seja pelos discursos, seja pela prática política ou pela literatura. Ao desenvolver esse trabalho, tomou-se como preocupação inicial em não desenvolver uma crítica contundente aos ditames e aos propósitos do movimento tradicionalista. Isso porque, entendemos que esse possui uma importante função social e por ser uma manifestação cultural merece ser respeitado e analisado. Porém, é justamente nesse contexto de análise que verificamos como ele se apropria de um passado inexistente condicionando uma representação da imagem passada, cujo significado será alterado na sociedade atual. A criação de uma nova imagem a esse tipo social está JOSÉ AUGUSTO FIORIN 7
  • 8. DO GAÚCHO AO TRADICIONALISTA: IMAGEM, IDENTIDADE E REPRESENTAÇÃO correlacionada a necessidade da criação de um elemento mítico, que venha possuir um papel de significância. No primeiro capítulo são tratadas questões teóricas que remete a compreensão de que conceitos serão abordados na pesquisa. As noções expressas estão direcionadas a perspectiva geral do trabalho. Com isso, tentou-se estabelecer determinadas noções de identidade, cultura, representação e apropriação. Essa conceituação possui um caráter significado. É a partir desses pressupostos teóricos, que a reflexão acerca da identidade, da imagem e da representação do gaúcho do século XIX se desenvolvem. Assim, dentro da perspectiva da história cultural buscou-se construir elementos enfocando o discursos tantos verbais ou imagéticos que visam representar o tipo social em questão. Para caracterizar a imagem e a conseqüente identidade do gaúcho do século XIX, no segundo capítulo optou-se por realizar uma análise dos escritos que os viajantes europeus do século XIX desenvolveram sobre o tipo social do gaúcho, bem como a imagética representada por Jean Baptiste Debret. A discussão sobre os discursos de europeus que visitaram a Província do Rio Grande de São Pedro durante o século XIX, somado a visão que a pintura de Debret e Molina expressaram sobre o gaúcho rio-grandense e platino demonstram e caracterizam um tipo social com atribuições distintas daquilo que o movimento cultural da segunda metade do século XX tenta evocar. Assim, nesse capítulo temos uma dimensão sob a perspectiva dos europeus, sobre JOSÉ AUGUSTO FIORIN 8
  • 9. DO GAÚCHO AO TRADICIONALISTA: IMAGEM, IDENTIDADE E REPRESENTAÇÃO o habitante deste território no período delimitado pela pesquisa. Para compreender o tipo de identidade criada pelo tradicionalista do século XX, e, por conseguinte, o próprio movimento que este irá idolatrar, fez-se necessário enfocar no capítulo terceiro alguns aspectos que conduzem a construção dessa identidade tradicional. Nesse contexto encontramos vários elementos e manifestações que dão indício e talvez, nos conduzam a uma compreensão dos condicionantes ao surgimento de um movimento que visa “preservar a cultura”. Assim tentou-se compreender aspectos de um processo de transformação do gaúcho na formulação de um mito romantizado pela literatura. A influência literária pode ser considerada um dos fatores que levam a construção de um outro significado ao gaúcho. Além disso, o positivismo tão presente na sociedade rio-grandense durante a República Velha também torna-se um dos fatores caracterizantes ao culto de uma tradição do passado. Além disso, há uma outra equivalência. Trata-se da construção da identidade regional. Partindo das condições geradas pela Revolução de 1930 onde sobressai a identidade do gaúcho, somada a visão que os intelectuais da Revista Província de São Pedro, principalmente na perspectiva de Moysés Vellinho, vamos compreender como foi se construindo outra imagem, aos poucos edificando o sentido gentílico a expressão: gaúcho rio-grandense. JOSÉ AUGUSTO FIORIN 9
  • 10. DO GAÚCHO AO TRADICIONALISTA: IMAGEM, IDENTIDADE E REPRESENTAÇÃO E por fim, buscou-se a constituição de uma identidade do tradicionalista. No capitulo quarto, há a tentativa da reconstrução de aspectos importantes da história do tradicionalismo no Rio Grande do Sul, dando ênfase às principais linhas de ações, teses e princípios que norteiam o movimento tradicionalista. Nesse contexto, optou-se por discutir aspectos ligados a problemática em questão que se diz respeito a apropriação ou não da identidade do gaúcho pelo tradicionalista. Assim, o enfoque veio ao encontro à identidade do gaúcho histórico do século XIX, pontuando a representação e a apropriação de uma cultura do passado, bem como o saudosismo expresso nela. JOSÉ AUGUSTO FIORIN 10
  • 11. DO GAÚCHO AO TRADICIONALISTA: IMAGEM, IDENTIDADE E REPRESENTAÇÃO NOÇÕES DE CULTURA NA HISTÓRIA CULTURAL JOSÉ AUGUSTO FIORIN 11
  • 12. DO GAÚCHO AO TRADICIONALISTA: IMAGEM, IDENTIDADE E REPRESENTAÇÃO AS REPRESENTAÇÕES E A APROPRIAÇÃO A cultura pode ser entendida como uma mediação para o mundo. Ela representa as maneiras de sentir e pensar dos grupos presentes na sociedade. A noção de cultura é um tema interessante que merece discussão acentuada. Partindo de seus postulados percebemos a grande representação que ela possui perpassando pelos conceitos de unidade e diversidade. A noção de cultura é construída a partir de nossa diversidade e com isso, constrói a noção de identidade. A sociedade é então a base para a existência da cultura, e a cultura só se desenvolve pela interação social. A aquisição e a perpetuação da cultura, é uma processo social, resultante da aprendizagem. Cada sociedade transmite às novas gerações o patrimônio cultural que recebeu de seus antepassados. Cada sociedade, elabora a sua própria cultura ao longo da história e recebe influências de outras culturas. Ela pode também ser entendida como um estilo de vida particular que as sociedades desenvovlvem e que JOSÉ AUGUSTO FIORIN 12
  • 13. DO GAÚCHO AO TRADICIONALISTA: IMAGEM, IDENTIDADE E REPRESENTAÇÃO caracterizam cada uma delas. Assim os individuos que compartilham da mesma cultura apresentam o que se chamamos de identidade cultural. É essa identidade que faz com que a pessoa se sinta pertencente ao grupo, é por meio dela que se desenvolve o sentimento de pertencimento. A antropologia no Brasil tem dificuldade em definir o que é cultura brasileira. Pensamos a cultura brasileira fragmentada, em uma unidade ou em várias culturas? Para entender como ocorre parte desse processo de constituição cultural, examinaremos a contrução de uma cultura apresentada como gaúcha, predominante no estado do Rio Grande do Sul, cujas origens remetem à identidade platina. Para isso, fazer-se-á necessário destacar dois distintos momentos de manifestação cultural. O gaúcho – que configura na campanha do Rio Grande do Sul nos séculos XVII e XVIII, e o tradicionalista, criado pelo Movimento Tradicionalista Gaúcho no transcorrer do século XX. Assim, é pertinente enfocar como o tradicionalista tenta apropriar-se da identidade do gaúcho e por conseguinte construir um movimento de preservação da cultura passada. Para preservar a identidade de uma cultura frente à possível difusão de preceitos de outras culturas surge o etnocentrismo. E é com esse intuíto que o tradicionalista visa manter o entendimento e relação com outras culturas, servindo justamente no sentido de manutenção de sua identidade cultural. Então, a etnologia, por sua vez, vai tentar dar uma resposta objetiva à velha questão da diversidade humana. JOSÉ AUGUSTO FIORIN 13
  • 14. DO GAÚCHO AO TRADICIONALISTA: IMAGEM, IDENTIDADE E REPRESENTAÇÃO O etnocentrismo é o termo técnico para esta visão de coisas onde segundo a qual o nosso próprio grupo é centro de todas as coisas e todos os grupos são medidos e avaliados em relação à ele. Cada grupo apresenta seu próprio orgulho e vaidade, considera-se superior, exalta suas próprias divindades e olha com desprezo às estrangeiras. Cada grupo pensa que seus próprios costumes (folkways) são os únicos válidos e ele observa que os outros grupos têm outros costumes, encara-os com desdém 1 . (SIMON apud CUCHE, 2002, p.46) Considerando que a cultura nas ciências sociais apresenta-se de uma forma bastante complexa, devemos nos remeter a noção de cultura no que refere-se à produção histórica. Para Balandier (1955) se a cultura não é um dado, uma herança que se transmite imutável de geração em geração, é porque ela é uma produção histórica, isto é, uma construção que se inscreve na história, e mais precisamente na história das relações dos grupos sociais entre si. 2 É importante perceber que o homem em relação ao social vai construindo essa perspectiva de cultura. O cultural não pode ser estudado separado do social, pois ambos possuem caráter de historicidade. Em relação ao gaúcho e ao tradicionalista, considerando os distintos momentos históricos que ambos situam-se, devemos partir da premissa de que nos apropriamos do que é pronto, ou 1SIMON, Pierre-Jean. Ethnocentrisme. Pluriel-recherces, cachier n.1,p.57- 63. apud CUCHE, Denys. A noção de cultura nas ciências sociais. Tradução de Viviane Ribeiro. 2 ed. Bauru: EDUSC, 2002. 2 BALANDIER, Georges. La nocion de “situation” cloniale. In: Sociologie actuelle de l’Afrique noire. Paris: PUF, 1955. JOSÉ AUGUSTO FIORIN 14
  • 15. DO GAÚCHO AO TRADICIONALISTA: IMAGEM, IDENTIDADE E REPRESENTAÇÃO construímos o que é nos dado? Será que absorvemos a cultura de geração em geração? Ou ela é imposta pelo grupo de convívio? Burke (2000) deixa evidente que a história cultural ainda não está estabelecida de maneira muito sólida, pelo menos no sentido institucional. Segundo ele não é fácil responder à pergunta: o que é cultura? Tudo isso porque a concepção de cultura para historiadores de meados do século XIX é de que ela era algo que as sociedades tinham (ou, mais exatamente, que alguns grupos em algumas sociedades tinham), embora faltasse a outros 3 . A concepção universalista de cultura nos remete ao pensamento de Tylor. Ele enfatiza que a cultura é a expressão da totalidade da vida social do homem. Ela se caracteriza por sua dimensão coletiva. Enfim, a cultura é adquirida e não depende da hereditariedade biológica 4 . Já Boas vai defender uma concepção particularista da cultura destacando que ela é uma tentativa de pensar a diferença. Para ele o fundamental entre os grupos humanos é de ordem cultural e não racial 5 . Segundo a afirmação de Peter Burke, de que há dificuldade ao definir o que é cultura, tentamos trazer aqui a análise funcionalista da cultura, desenvolvida por Malinovski. Segundo Cuche (2000), Malinovski se opôs a qualquer tentativa de escrever a história das culturas de 3 BURKE, Peter. Unidade e variedade na história cultural. In. Variedades de História Cultural. Trad. Alda Porto. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2000. 4 CUCHE, Denys. A noção de cultura nas ciências sociais. Tradução de Viviane Ribeiro. 2 ed.Bauru:EDUSC,2002. p.36 5 Idem. p.41. JOSÉ AUGUSTO FIORIN 15
  • 16. DO GAÚCHO AO TRADICIONALISTA: IMAGEM, IDENTIDADE E REPRESENTAÇÃO tradição oral. Para ele, é preciso se ater à observação direta das culturas em seu estado presente, sem buscar a volta de suas origens, o que representaria um ilusório, pois não suscetível de prova científica. Com isso, nos remetemos à funcionalidade do movimento tradicionalista que visa retornar ao passado para dar sustentabilidade à sua forma de manifestação cultural no presente. Para entender como ocorre esta tentativa de apropriação da identidade do gaúcho pelo tradicionalista, neste contexto, é fundamental destacar os elementos que os aproximam. Para isso, partimos do postulado da Nova História Cultural. Peter Burke 6 (2005) explica a emergência, a partir da década de 1970, de um modo peculiar de compreender a história, tomando os aspectos culturais do comportamento humano como centro privilegiado do conhecimento histórico. Esta emergência vincula, segundo ele, ao que chama de “virada cultural”: uma guinada sofrida pelos estudos históricos, abandonando um esquema teórico generalizante e movendo-se em direção aos valores de grupos particulares, em locais e períodos específicos. A história cultural surge com uma proposta de pensar novos objetos e paradigmas. Romper com determinadas postulações também faz parte de suas proposições, pois Chartier (1990) nos diz que durante esse período demasiado longo, a história da história foi habitada por “essas seqüências de conceitos saídos de inteligências desencarnadas”, denunciadas por Lucien Febvre como o pior defeito da antiga história das idéias. Não obstante, a 6 BURKE,Peter. O que é História Cultural?Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor 2005, 192p. JOSÉ AUGUSTO FIORIN 16
  • 17. DO GAÚCHO AO TRADICIONALISTA: IMAGEM, IDENTIDADE E REPRESENTAÇÃO história cultural surge como “uma outra maneira de pensar as evoluções e oposições intelectuais”. 7 Então, a possibilidade de se opor ao pensamento estabelecido pelo Movimento Tradicionalista, principalmente no que concerne ao que é histórico e o que é tradicional, torna-se um objeto interessante de estudo. A história cultural tal como entendemos, tem como principal objeto identificar o modo como em diferentes lugares e momentos uma determinada realidade social é construída, pensada, dada a ler 8 . É importante destacar o que Burke enfatiza. Segundo ele, as linhas teóricas defendidas pela Nova História Cultural não são apenas uma nova moda, mas respostas a fraquezas palpáveis de paradigmas anteriores 9 . Sobre essa mesma idéia, Chartier defende que: O que toda história cultural deve pensar é portanto, indissociavelmente, a diferença pela qual todas as sociedades, por meio de figuras variáveis, separaram. Do quotidiano um domínio particular da atividade humana, e as dependências que inscrevem de múltiplas maneiras a invenção estética e intelectual em suas condições de possibilidade 10 . (CHARTIER, 1994, p.8) 7 CHARTIER, Roger. A história cultural: entre práticas e representações. Lisboa: Difel; Rio de Janeiro: Bertand do Brasil, 1990. p.16. 8 Idem. p.17. 9 BURKE, Peter. Unidade e variedade na história cultural. In. Variedades de História Cultural. Trad. Alda Porto. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2000. p.251. 10 CHARTIER, Roger. A história hoje: dúvidas, desafios, propostas. In: Revista Estudos Históricos, Rio de Janeiro, vol. 7, n. 13, 1994, p. 97-113. JOSÉ AUGUSTO FIORIN 17
  • 18. DO GAÚCHO AO TRADICIONALISTA: IMAGEM, IDENTIDADE E REPRESENTAÇÃO Outro aspecto importante na Nova História Cultural, que merece ser mencionado é reservado para o estudo das representações. Este por sua vez, torna-se um conceito central. Chartier desenvolve a idéia sobre o deslocamento da história social da cultura para a história cultural da sociedade, especialmente a partir da década de 1980. Assim, a idéia da Nova História Cultural, nos indica algumas indagações. Como são construídas as representações do gaúcho? Como a tradição é construída através das idéias e imagens? Certamente essas premissas nos condicionam a pensar a sociedade rio-grandense no momento da conquista/disputa do território pelos reinos Ibéricos. Momento esse em que consolida-se enquanto individuo social a imagem do gaúcho. No entanto, em meados do século XX, o movimento tradicionalista, busca a idéia de (re)construção, com base em um passado, construindo assim a representação desse gaúcho através do tradicionalista. Chartier (1990) deixa explicito que o objeto de uma história cultural levada a repensar completamente a relação tradicionalmente postulada entre o social, identificado com um real bem real, existindo por si próprio, e as representações supostas como refletido-o ou dele se desviando. 11 Pensar qual seria a ideologia do grupo de jovens criadores do Movimento Tradicionalista na década de 1940 é 11 CHARTIER, Roger. A história cultural: entre práticas e representações. Lisboa: Difel; Rio de Janeiro: Bertand do Brasil, 1990. p.27. JOSÉ AUGUSTO FIORIN 18
  • 19. DO GAÚCHO AO TRADICIONALISTA: IMAGEM, IDENTIDADE E REPRESENTAÇÃO refletir como se dá a representação do mundo social, pois Roger Chartier nos diz que essas representações são sempre determinadas pelos interesses do grupo que as forjam. Neste caso a representação do tradicionalismo atinge o interesse de criação e invenção de um grupo de jovens oriundos do meio rural que buscam na capital do estado, por puro saudosismo, reviver um passado que não existiu em sua totalidade. No Rio Grande do Sul do século XX ocorre o surgimento um movimento cuja tentativa é a reprodução de valores forjados pelos antepassados. Devido a isso, a identidade gaúcha apresenta-se de forma fragmentada, pois nunca se expressou como uma totalidade. Essa ocorrência é devido à forma de resgate cultural de um passado presente no imaginário, porque há a procura da formação de uma identidade no espaço urbano, cuja construção e ideologização será de um movimento tradicionalista. Com isso, ocorrem alguns equívocos na construção desse paradigma de preservação do passado. A característica dominante de uma identidade “tradicional” - em uma sociedade moderna é a diluição da noção de tempo histórico e do espaço. Onde há a tentativa de viver no núcleo urbano, a vida ocorrida no campo em um momento onde há uma reelaboração do passado como o lugar de uma sociedade tradicional. Entretanto, historicamente, a sociedade de tipo tradicional nunca existiu no Rio Grande do Sul. Na tentativa de construir um modelo tradicional de preservação dos valores passados, os ideólogos do movimento buscam a invenção de um lugar - o pago. Isto JOSÉ AUGUSTO FIORIN 19
  • 20. DO GAÚCHO AO TRADICIONALISTA: IMAGEM, IDENTIDADE E REPRESENTAÇÃO ocorre, porque visam formar um padrão cultural onde as bases do passado possam construir uma identidade no presente. Um paradigma criado pelo Movimento Tradicionalista. Assim, o tradicionalismo é a expressão de um dos segmentos da modernidade. A funcionalidade deste movimento tradicionalista está enquadrada em determinações que vêm exercer dominação aos tradicionalistas filiados, onde a adequação do tradicionalista à um código de ética e princípios estabelecidos estão inteiramente ligados a uma tradição oral de respeitabilidade. Isso se dá devido ao discurso proferido e enaltecido dentro das entidades tradicionalistas, onde o gaúcho do passado – visto agora como herói – sempre representou estar dentro dos padrões de conduta da sociedade. Sobre isso, Chartier (1990) ressalta que esta investigação sobre as representações supõe como estando sempre colocadas num campo de concorrências e de competições cujos desafios se enunciam em termos de poder e dominação. 12 Segundo ele, para compreender os mecanismos pelo qual um grupo impõe, ou tenta impor, a sua concepção de um mundo social, os valores que são seus e o seu domínio 13 . Outro aspecto essencial, para compreender como ocorre essa forma de dominação do movimento tradicionalista aos seus simpatizantes, está ligado à simbologia. Vários são os ícones representativos dessa forma visionária de resgate do passado. Cassier define esta a função simbólica como: 12 CHARTIER, Roger. A história cultural: entre práticas e representações. Lisboa: Difel; Rio de Janeiro: Bertand do Brasil, 1990. 13 Idem. p. 17. JOSÉ AUGUSTO FIORIN 20
  • 21. DO GAÚCHO AO TRADICIONALISTA: IMAGEM, IDENTIDADE E REPRESENTAÇÃO ...uma função mediadora que informa as diferentes modalidades de apreensão do real, quer opere por meio dos signos lingüísticos, das figuras mitológicas e da religião, ou dos conceitos do conhecimento cientifico.(...) forma simbólica todas as categorias e todos os processo que constroem o mundo como representação. (CASSIRER, apud CHARTIER p.19) 14 A idéia de representar um passado que nunca existiu – funcionalidade do movimento tradicionalista – é justamente tentar fazer com que o tradicionalista tenha a imagem de um gaúcho. Mesmo equivocando-se com o tempo histórico e com o espaço pelo qual a tradição está sendo cultuada tal movimento expressa-se em uma ideologização cujo aparato é evocar a representação como algo ausente. Assim a idéia de representação fica evidente pois ... a representação como dando a ver uma coisa ausente, o que supõe uma distinção radical entre aquilo que representa e aquilo que é representado; por outro lado, a representação como exibição de uma presença, como apresentação publica de algo ou de alguém. A representação é um instrumento de um conhecimento mediato que faz por um objeto ausente através de sua substituição por uma imagem, capaz de reconstruir em memória e de o figurar tal como ele é. 15 (CHARTIER, 1990, p. 22) 14 CASSIRER, Ernst. La filosophie desenvolvimento formes symboliques. Paris: Minuit, 1972. apud. CHARTIER, Roger. A história cultural: entre práticas e representações. Lisboa: Difel; Rio de Janeiro: Bertand do Brasil, 1990. p. 19. 15 CHARTIER, Roger. A história cultural: entre práticas e representações. Lisboa: Difel; Rio de Janeiro: Bertand do Brasil, 1990. p.22. JOSÉ AUGUSTO FIORIN 21
  • 22. DO GAÚCHO AO TRADICIONALISTA: IMAGEM, IDENTIDADE E REPRESENTAÇÃO Assim, a representação é relacionamento de uma imagem presente e de um objeto ausente. Fato esse que pode se estender a representação dada ao Movimento Tradicionalista Gaúcho e ao gaúcho histórico, pois há uma grande distinção entre representação e representado, identificado por Chartier como sendo esta distinção algo fundamental, pois entre signo e significado é pervertida pelas formas de teatralização da vida social. (...) Todas elas têm em vista fazer com que a identidade do ser não seja outra coisa senão a aparência da representação. 16 O Movimento Tradicionalista seria um condicionante às manifestações de representações coletivas? Sobre essa perspectiva, em importante artigo intitulado “A história hoje: dúvidas, desafios, propostas” 17 Chartier ressaltará que as representações coletivas que incorporam nos indivíduos as divisões do mundo social e estruturam os esquemas de percepção e de apreciação a partir dos quais estes classificam, julgam e agem. Se por um lado há a evidência do tradicionalista representar o que o gaúcho constitui, por outro, há a tentativa de um processo que visa a apropriação da identidade desse gaúcho. É importante destacar como o tradicionalista e o próprio Movimento Tradicionalista orientam suas práticas sociais. Tudo isso porque a apropriação define o consumo cultural como uma operação de produção que embora não fabrique nenhum objeto, 16Idem. p.21. 17 CHARTIER, Roger. A história hoje: dúvidas, desafios, propostas. In: Revista Estudos Históricos, Rio de Janeiro, vol. 7, n. 13, 1994, p. 97-113. JOSÉ AUGUSTO FIORIN 22
  • 23. DO GAÚCHO AO TRADICIONALISTA: IMAGEM, IDENTIDADE E REPRESENTAÇÃO assinala a sua presença a partir de maneiras de utilizar os produtos que lhe são impostos. Como um segmento urbano, constituído pelos tradicionalistas, se apropria da idéia e da imagem do gaúcho habitante da região da campanha, e cria outro significado? Conforme Chartier em “O mundo como representação” 18 , o sentido que Michel Foucault dá ao conceito, ao tomar "a apropriação social dos discursos" como um dos procedimentos maiores através dos quais os discursos são dominados e confiscados pelos indivíduos ou instituições. Com isso, há uma facilidade maior de um determinado controle. E o Movimento Tradicionalista, por suas vez, adotará essas formas de controle de maneira especifica aos seus filiados e simpatizantes. De acordo com essa idéia, podemos destacar a afirmação de Chartier 19 que a apropriação, a nosso ver, visa uma história social dos usos e das interpretações, referidas a suas determinações fundamentais e inscritas nas práticas específicas que as produzem. Assim, a história que o Movimento Tradicionalista constrói é uma história voltada às interpretações dos ideólogos do movimento, que buscam representar, e, consequentemente apropriar-se somente daquilo que julgam como válido e significativo no resgate e preservação de uma identidade. Certamente, não concebem a história como uma construção coletiva e uma manifestação cultural muito mais 18 CHARTIER, Roger. O mundo como representação. Estudos Avançados, v.11, n.5,p.173-191,1991. 19 Idem. p. 6. JOSÉ AUGUSTO FIORIN 23
  • 24. DO GAÚCHO AO TRADICIONALISTA: IMAGEM, IDENTIDADE E REPRESENTAÇÃO ampla do que seus paradigmas de enaltecimentos heróicos e desvinculações temporais. A IDENTIDADE E A TRADIÇÃO A construção do movimento tradicionalista somente será possível no momento em que possibilita-se as bases para essa construção. Para isso, um conceito inicial é o de que o tradicionalista tem uma idéia centrada, com elementos cartesianos e modelos pré-estabelecidos. O tradicionalismo tenta criar uma idéia de unidade para assim desenvolver um processo que visa construir uma identidade. Para desenvolvermos tais idéias referentes à identidade, buscamos em Stuart Hall alguns indicativos, pois em sua obra “Identidades Culturais na pós- modernidade” 20 , ele discute a questão da identidade cultural na chamada modernidade tardia, buscando responder algumas perguntas como: se há ou não há uma “crise” de identidade, em que ela consiste e quais suas conseqüências. Para isso, o autor traz a mudança do conceito de sujeito e identidade no século XX. Qual seria a identidade do gaúcho? Os elementos que constituem a identidade desse habitante histórico do Rio Grande do Sul seriam os mesmos apresentados pelos tradicionalistas do século XX? E perante o contexto dessa modernidade tardia, ou pós-modernidade, qual o lugar da identidade do tradicionalista no século XXI? Conseguirá manter pura e genuinamente um conceito de tradição, 20 HALL, Stuart. A identidade cultural na pós- modernidade.Tradução:Tomaz Tadeu da Silva, Guaracira Lopes Louro. 4. ed. Rio de Janeiro:DP&A. 2000. JOSÉ AUGUSTO FIORIN 24
  • 25. DO GAÚCHO AO TRADICIONALISTA: IMAGEM, IDENTIDADE E REPRESENTAÇÃO apoiando-se no passado, sem absorver as manifestações culturais produzidas pela sociedade do presente? Tais indagações nos remetem a várias reflexões no que diz respeito às funções históricas e sociológicas desenvolvida pelo Movimento Tradicionalista no Rio Grande do Sul. Na tentativa de compreender esse processo, percebemos a complexidade que é tentar definir identidade. Para Hall (2001), o conceito de identidade é demasiadamente complexo, muito pouco desenvolvido e muito pouco compreendido na ciência social contemporânea para ser definitivamente posto à prova 21 . Outro importante aspecto que merece destaque é o fato que ... a identidade é formada, ao longo do tempo, através de processos inconscientes, e não algo inato, existente na consciência do momento do nascimento. Existe sempre algo tão “imaginário” ou fantasiado sobre sua unidade. Ela permanece sempre incompleta, esta sempre “em processo”, sempre “sendo formada” 22 . (HALL, 2001,p.38) Apesar disso, deve-se destacar o alerta que Cuche faz. Segundo ele, não se pode, pura e simplesmente confundir as noções de cultura e de identidade cultural ainda que as duas tenham uma grande ligação 23 . O que 21HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. Rio de Janeiro: DP&A. 2000. p.8. 22 Idem p.38. 23 CUCHE, Denys. A noção de cultura nas ciências sociais.Bauru:EDUSC,2002. p.176. JOSÉ AUGUSTO FIORIN 25
  • 26. DO GAÚCHO AO TRADICIONALISTA: IMAGEM, IDENTIDADE E REPRESENTAÇÃO ocorre no Rio Grande do Sul, na constituição e consolidação do Movimento Tradicionalista, é justamente essa confusão. Confundem cultura com identidade. É imposto, pelo Movimento Tradicionalista Gaúcho, a construção de uma identidade, com base na cultura gaúcha, tomando como referência o passado, enaltecendo-o como heróico. A postura que o movimento tradicionalista adotará será um postura de dominação. Esse domínio será estabelecido por conta de seus manuais, teses, leis e códigos estabelecidos aos tradicionalistas. Ou seja, ao querer identificar-se como tradicionalista o individuo deverá aceitar as normas impostas pelo movimento. Para dessa forma, manter a identidade cultural do gaúcho. Sobre isso é importante destacar que há uma história das relações de força simbólicas, uma história da aceitação ou da rejeição pelos dominados dos princípios inculcados, das identidades impostas que visam a assegurar e perpetuar sua dominação 24 . A identidade permite que o indivíduo se localize dentro da sociedade. Parece que, para o movimento tradicionalista a identidade, apresenta-se de uma forma permanente. Assim, de acordo Cuche, esses tradicionalistas concebem a identidade como um dado que definiria de uma vez por todas o individuo e que o marcaria de maneira quase indelével 25 . 24CHARTIER, Roger. A história hoje, dúvidas, desafios, propostas. In: Revista Estudos Históricos, Rio de Janeiro, vol. 7, n. 13, 1994, p. 9. 25 CUCHE, Denys. A noção de cultura nas ciências sociais.Bauru:EDUSC,2002. p.178. JOSÉ AUGUSTO FIORIN 26
  • 27. DO GAÚCHO AO TRADICIONALISTA: IMAGEM, IDENTIDADE E REPRESENTAÇÃO Se a identidade define o individuo, como o tradicionalista visa identificar-se como gaúcho? A identidade é vista como uma condição imanente do indivíduo, definindo-o de maneira estável e definitiva.(...) O individuo é levado a interiorizar os modelos culturais que lhe são impostos, até o ponto de se identificar com seu grupo de origem. (CUCHE, 2002, p.179) Talvez, seja importante enfatizar a representação do mito gaúcho, já que não se pode reivindicar uma identidade cultural autêntica. Para Stuart Hall, o mito fundacional tem funcionalidade em uma história que localiza a origem da nação, do povo e de seu caráter nacional num passado tão distante que eles perdem nas brumas do tempo, não do tempo “real”, mas do tempo “mítico” 26 . Além disso, expõe com muita clareza e propriedade de que não tem qualquer nação que seja composta de apenas um único povo, uma única cultura ou etnia. As nações modernas são, todas, híbridas culturais. Com isso, percebemos como ocorre a diluição do tempo histórico. Os tradicionalistas tentam reviver um passado que não nunca existiu na forma como interpretam. Assim, ocorre uma série de equívocos na constituição da identidade do tradicionalista rio-grandense. Anthony Giddens 27 descreve que há uma expressiva a distinção entre sociedades tradicionais e modernas. Ou 26 HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. Rio de Janeiro: DP&A. 2000. p.55. 27 GIDDENS, Anthony apud HALL, Stuart. A identidade cultural na pós- modernidade. Rio de Janeiro: DP&A. 2000. JOSÉ AUGUSTO FIORIN 27
  • 28. DO GAÚCHO AO TRADICIONALISTA: IMAGEM, IDENTIDADE E REPRESENTAÇÃO seja, o gaúcho pertence a uma sociedade tradicional, enquanto que o tradicionalista pertence a uma sociedade moderna. Assim, nas sociedades tradicionais, o passado é venerado e os símbolos são valorizados porque contêm e perpetuam a experiência de gerações. A tradição é um meio de lidar com o tempo e com o espaço, inserindo qualquer atividade ou experiência particular na continuidade do passado, presente e futuro, os quais por sua vez, são estruturados por práticas sociais recorrentes. No Rio Grande do Sul, com o surgimento do movimento tradicionalista, ocorre o processo de construção da tradição gaúcha. Essa tradição será exaltada no sentido de reviver o que já fora vivido. A transmissão de geração à geração é fator indispensável na construção da tradição. Burke em “Variedade de História Cultural” nos diz que a fachada da tradição talvez massacre a inovação e que é praticamente impossível escrever a história cultural sem tradição. Contudo está mais do que na hora de se abandonar o que se pode chamar de noção tradicional de tradição, modificando-a para levar em consideração à adaptação assim como o reconhecimento, e recorrendo às idéias de teoria da recepção 28 . A idéia de construção da tradição é central para Hobsbawn e Ranger no livro “A Invenção das Tradições 29 ”. Livro que ajudou a renovar uma das mais tradicionais 28 BURKE, Peter. Unidade e variedade na história cultural. In. Variedades de História Cultural. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2000. p.240-1 29 HOBSBAWN, E. (org.). A Invenção das tradições. São Paulo: Paz e Terra, 1997. JOSÉ AUGUSTO FIORIN 28
  • 29. DO GAÚCHO AO TRADICIONALISTA: IMAGEM, IDENTIDADE E REPRESENTAÇÃO formas de história cultural, a história da própria tradição. Provocou grande impacto ao afirmar na introdução que as tradições “ que parecem ou se apresentam como antigas são muitas vezes bastante recentes em suas origens, e algumas vezes são inventadas 30 .” Seria a tradição gaúcha uma tradição inventada? Sobre isso, Hobsbawn (1997) contextualiza que “por tradição inventada entende-se um conjunto de práticas normalmente reguladas por regras tácita ou abertamente aceitas; tais práticas, de natureza ritual ou simbólica, visam inculcar certos valores e normas de comportamento através da repetição, o que implica automaticamente, uma continuidade em relação ao passado” 31 . 30 HOBSBAWN, E. (org.). A Invenção das tradições. São Paulo: Paz e Terra, 1997.p. 8. 31 Ibidem. p.9. JOSÉ AUGUSTO FIORIN 29
  • 30. DO GAÚCHO AO TRADICIONALISTA: IMAGEM, IDENTIDADE E REPRESENTAÇÃO NARRATIVAS: ESCRITOS E IMAGÉTICAS SOBRE O GAÚCHO JOSÉ AUGUSTO FIORIN 30
  • 31. DO GAÚCHO AO TRADICIONALISTA: IMAGEM, IDENTIDADE E REPRESENTAÇÃO NARRATIVAS: ESCRITOS E IMAGÉTICAS SOBRE O GAÚCHO No transcurso do século XV, considerando uma crise que afetava várias instâncias da sociedade européia, incide a tentativa da superação desta, com a aventura da conquista de novos territórios. Nesse contexto ocorre a chegada dos europeus na América. Evidentemente que o choque cultural procede de uma forma expressiva, considerando o antagonismo existente entre europeus e americanos. Os Reinos Ibéricos adotam, através de um processo de exploração das novas colônias, um pacto entre as colônias americanas e as metrópoles européias. A retirada das riquezas aqui existentes era fator predominante para dar sustentabilidade econômica a sociedade européia. Contudo, os elementos e os padrões culturais europeus são impostos aos colonizados, devido o fato dos europeus julgar- se culturalmente superior. Neste contexto, a chegada dos portugueses ao Brasil e a conseqüente apropriação do território no início do século JOSÉ AUGUSTO FIORIN 31
  • 32. DO GAÚCHO AO TRADICIONALISTA: IMAGEM, IDENTIDADE E REPRESENTAÇÃO XVI fez com que, uma nova dinâmica fosse impregnada. A atuação dos europeus ocorria quase que exclusivamente em regiões, que aos seus olhos, fossem atrativas economicamente. O Rio Grande do Sul, por sua vez, situado em uma zona limítrofe, entre as colônias espanholas e a colônia portuguesa, sofrerá um processo diferenciado na sua constituição. O interesse pelas terras onde situa-se, decorre mais que um século após a chegada dos primeiros europeus no continente. As razões que levam a tal justificativa, está no fator de não existir madeira ou minérios de fácil extração, como em outras regiões da América ocorria. Após um longo período de desinteresse por não possuir atrativos aos colonizadores, viviam os povos indígenas organizados em torno de seus elementos culturais e rituais. Com isso, o interesse pela ocupação do território onde hoje situa-se o Rio Grande do Sul, procede a partir da importância que a pecuária representará, junto ao processo de catequese desenvolvido pelos padres da Companhia de Jesus nas terras onde hoje é a Região das Missões. É a partir desse contexto e, considerando a importância que o rio da Prata possuía como escoadouro dos minérios retirados na região de Potosí, é que Portugal e Espanha passam a olhar com outros olhos o território do Rio Grande do Sul. O fato de localizar-se em uma região de constante disputa entre os reinos que ambicionavam seu território faz com que insurja um tipo social, produto dessa região de convergência. Esse tipo social por sua vez adotará uma JOSÉ AUGUSTO FIORIN 32
  • 33. DO GAÚCHO AO TRADICIONALISTA: IMAGEM, IDENTIDADE E REPRESENTAÇÃO postura significativa na construção de uma identidade cultural. Para entendermos como ocorre a constituição do tipo social do gaúcho predominante no século XIX, examinaremos que tipo de relato os viajantes, provenientes da Europa, desenvolvem acerca de sua imagem. Com isso, há a pertinência de se destacar aqui os depoimentos contidos nas viagens realizadas ao Rio Grande do Sul do século XIX, do naturalista Auguste de Saint Hilaire, de Arsène Isabelle e Nicolau Dreys. Além disso, uma abordagem da imagética sobre o gaúcho, representada na obra de Jean Baptiste Debret. É importante destacar que a leitura que esses viajantes fizeram, em relação ao que viam no Rio Grande do Sul, representa a construção de uma visão própria daquela realidade, resultado de um contexto histórico o qual viveram e viviam naquele momento. Trata-se, dessa forma, de um discurso não oficial, mas ainda é um discurso, portanto deve ser analisado pela historiografia como um depoimento legítimo de uma visão de mundo. Nesse sentido, entendemos os depoimentos dos viajantes como efeito de um contexto histórico e, sob esta ótica, se constituindo em fonte para a compreensão da sociedade de certo período histórico. Que visões esses viajantes terão do Rio Grande do Sul? E sobre o tipo social do gaúcho? Certamente o que é relatado possui dimensões opostas aquilo, que por meio da representação, tenta-se viver em meados no século XX no Rio Grande do Sul, que é um movimento tradicionalista e a expressão gentílica de gaúcho, ao habitante do estado. JOSÉ AUGUSTO FIORIN 33
  • 34. DO GAÚCHO AO TRADICIONALISTA: IMAGEM, IDENTIDADE E REPRESENTAÇÃO ESCRITOS: ARSÈNE, DREYS E HILAIRE Durante o século XIX alguns viajantes provindos da Europa irão visitar as terras onde hoje situa-se o Rio Grande do Sul. Seus testemunhos tornam-se importantes na reconstrução do cenário rio-grandense durante este período. O olhar desses viajantes sob a perspectiva do homem que habitava essa região é marcado por uma descrição analítica sobre o tipo social e cultural que predominava na Província. Ao fazer a abordagem do tipo social do gaúcho sob o olhar dos viajantes, é importante destacar que tanto Hilaire, Isabelle e Dreys são apenas “homens de seu tempo”, cujas abstrações mentais e representações que fazem do mundo que os cerca estão relacionadas com o seu contexto histórico-social. Arsène de Isabelle era um viajante francês. Naturalista, muito interessado ao estudo da fauna e da flora, veio para a América às suas próprias custas. Em 1830, viajou para a região do Prata com o desejo de descrever os aspectos geográficos, geológicos, zoológicos e botânicos desta região. Viagem essa, que possibilitou os primeiros escritos sobre o elemento social do gaúcho. Esteve primeiro no Uruguai e depois dirigiu-se para Buenos Aires. Nesta cidade, perdeu todo seu capital em maus negócios financeiros, sendo obrigado a abrir uma pequena indústria têxtil para depois seguir com sua expedição pelo interior. Sem alcançar a prosperidade almejada, deslocou-se para o Uruguai, cruzando pelas terras rio-grandenses em 1833 e 1834. Retornou à França em JOSÉ AUGUSTO FIORIN 34
  • 35. DO GAÚCHO AO TRADICIONALISTA: IMAGEM, IDENTIDADE E REPRESENTAÇÃO 1835, ocasião em que publicou seus relatos de viagem na obra Voyage à Buenos Ayres et à Porto Alegre. Em seu livro Voyage a Buenos-Ayres et a Porto-Alegre Arsène 32 relata a excursão que fez ao Rio Grande entre 1830 e 1834. Ali estão contidas suas impressões sobre a província do sul, retratando os costumes e as características do povo da época, inclusive numa rápida passagem sobre a Revolução Farroupilha no Estado. Segundo seu relato, a visão que possui do gaúcho é algo peculiar. Para ele: ... os gaúchos ou habitantes do campo são, em relação a Buenos Aires, o que são os tártaros em relação à China ou os beduínos em relação a Argel. Foi um chefe gaúcho que triunfou do partido de Lavalle e serão os gaúchos que dominarão sempre a cidade, opondo-se a toda inovação útil ao país, até que se ponha em prática o plano de Rivadávia, que consistia em favorecer aos estrangeiros e induzí-los a formar colônias no interior (...) agora, percebo que estou mais próximo dos ´pampas` que da praça da Vitória 33 . (ARSÈNE, p. 94) Nicolau Dreys, também era francês, depois de prestar serviço militar deixa seu país e em 1817 aporta no Brasil. Percorreu várias Províncias do Império. Antes de falecer em 1843, nos deixou vários depoimentos sobre sua visão das províncias brasileiras. Destacamos aqui a Notícia 32 ISABELLE, A. A Viagem ao Rio da Prata e ao Rio Grande do Sul. Rio de Janeiro: Livraria Editora Zélio Valverde S.A, 1979. 33 ISABELLE, A. A Viagem ao Rio da Prata e ao Rio Grande do Sul. Rio de Janeiro: Livraria Editora Zélio Valverde S.A, 1979, p. 94. JOSÉ AUGUSTO FIORIN 35
  • 36. DO GAÚCHO AO TRADICIONALISTA: IMAGEM, IDENTIDADE E REPRESENTAÇÃO descritiva da Província do Rio Grande de São Pedro do Sul, quando faz, sob seu olhar, uma exposição escrita daquilo que lhe chama atenção no Rio Grande do Sul, considerando aspectos geográficos, humanos e sociais. O que é pertinente ressaltar, tomando como referência os viajantes já citados é que Dreys desenvolverá uma crítica a obra, e consequentemente à visão que Arsène terá da província. Segundo Dreys 34 não é assim que uma imaginação judiciosa recebe e transmite as impressões; infeliz do viajante que, depois de alguns anos de observação, não lacerou suas primeiras notas; arrisca-se a enganar-se a si mesmo e enganar os outros. No entanto, sobre o habitante da Província e mais especificadamente sobre o tipo social do gaúcho é no capitulo terceiro, onde discorre sobre a população, que Nicolau Dreys (1961) nos dá o melhor fruto das suas observações. Depois de descrever, aquilo nomeado por ele como população regular, seja o rio-grandense do meio rural ou das cidades, já nas últimas páginas da Notícia Descritiva, traça um retrato compreensivo dos famosos “gaúchos de vida sôlta, ainda não assimilados e em pleno viço de sua aventura histórica”. Segundo Augusto Meyer, na nota introdutória da edição da Notícia Descritiva da Província do Rio Grande de São Pedro do Sul, de 1961, editado pelo Instituto Estadual do Livro, não escapou a Dreys o “traço aculturativo dessa aventura, e neste passo leva sem dúvida grande vantagem 34 DREYS, Nicolau. Notícia descritiva da Província do Rio Grande de São Pedro do Sul. Porto Alegre: Instituto Estadual do Livro, 1961. JOSÉ AUGUSTO FIORIN 36
  • 37. DO GAÚCHO AO TRADICIONALISTA: IMAGEM, IDENTIDADE E REPRESENTAÇÃO sôbre a intransigência preconceitual que podemos notar em tantos autores inclusive Saint Hilaire” 35 . Ao descrever sua visão sobre a província, Dreys 36 terá impressões não somente do território como também do elemento social que predomina no Rio Grande do Sul, nesse contexto. Para ele ...o homem do Rio Grande é geralmente alto, robusto, bem apessoado, e suas feições viris nada perdem por serem quase sempre acompanhadas de uma cor alva, que faz sobressair a preta capilária e o avermelhado das faces, assemelhando-se a primeira vista aos habitantes das regiões montuosas do centro da França. (DREYS, 1961, p.11) Com isso, Saint Hilaire confirmando as primeiras impressões, irá concordar plenamente com Dreys. Para Hilaire 37 les hommes étaient généralement très blancs et avaient des cheveuxet des yeux de la même couleur que les femmes ; ils étaient grands, bien faits ; ils avaient de l’aisance, et rien de cette molesse qui caractérise les Mineurs. Já Arséne, irá destacar em seu relato que os homens habitantes dessa região tinham uma característica significativa de ser apreciada. Na composição desse tipo social, segundo seu relato, a vestimenta dos homens da 35 MEYER, Augusto. In: Notícia Descritiva da Província do Rio Grande de São Pedro do Sul. Porto Alegre: Instituto Estadual do Livro, 1961.Nota introdutória. 36 DREYS, Nicolau. Notícia Descritiva da Província do Rio Grande de São Pedro do Sul. Porto Alegre: Instituto Estadual do Livro, 1961.p.11. 37 SAINT HILAIRE. Viagem ao Rio Grande do Sul. Rio de Janeiro: Ariel Editora, 1936. JOSÉ AUGUSTO FIORIN 37
  • 38. DO GAÚCHO AO TRADICIONALISTA: IMAGEM, IDENTIDADE E REPRESENTAÇÃO campanha é mais rica que a dos gaúchos argentinos e orientais. Consiste de sólidas botas, largas bombachas de veludo azul-celeste, uma jaqueta de pano azul, um amplo manto de pano e um chapéu de abas muito largas levantadas dos lados, preso sob o queixo por um barbicacho que termina em duas borlas. 38 Em importante obra sobre a construção social do gaúcho, intitulada História de uma Palavra, Augusto Meyer irá dizer que: Sintomática, por exemplo, é sua reação diante dos gaúchos de vida livre que vagueavam pelos campos da fronteira. Eram na maioria índios ou mestiços e viviam à margem da sociedade organizada, sem moral e sem religião. Muitos brancos haviam adotado os seus costumes, e na Capela de Alegrete, o modo de vida dos proprietários pouco diferia da vida sôlta desses mesmos Garruchos, ou Garuchos, ou Gahuchos, conforme a sua grafia. Mas o seu testemunho parece muito vago, as observações são imprecisas, refletindo certa incompreensão preconceitual do homem histórico e do meio 39 . (MEYER, 1957, p. 55-57) O que levanta-se é que o surgimento do tipo social do gaúcho somente será possível, dentro de um processo de colonização americana. Os traços culturais predominantes nos nativos, reais habitantes do território, somando aos elementos culturais trazidos, principalmente pelos 38 ISABELLE, Arsène. Viagem ao Rio da Prata e ao Rio Grande do Sul. Tradução de Teodomiro Tostes. Rio de Janeiro: Editora Zélio Valverde,1949. p. 279. 39 MEYER, Augusto. História de uma palavra. Porto Alegre: Instituto Estadual do Livro, 1957. p. 55. JOSÉ AUGUSTO FIORIN 38
  • 39. DO GAÚCHO AO TRADICIONALISTA: IMAGEM, IDENTIDADE E REPRESENTAÇÃO espanhóis, é que constitui os traços culturais predominantes no gaúcho. Nesse contexto, considerando o livre trânsito na fronteira, é que surge uma identidade cultural desse tipo social. O fato de existir abundância em pastagens, possibilitou que o gado, remanescente do período de destruição das missões, fosse proliferando em abundância. Na perspectiva de Nicolau Dreys, é importante destacar o que, sob seu ponto de vista, chama sua atenção, nesse caso na definição do habitante do território. ... os gaúchos aparecem geralmente sem mulheres e manifestam mesmo pouca atração para elas, felizmente para seus vizinhos, a quem sua multiplicação, acompanhada de desejos tumultuosos, poderia causar desassossêgo: formados origináriamente do contato com a raça branca com os indígenas, eles se recrutam incessantemente dos mesmos produtos, e ainda de todos os indivíduos que nessas imediações nascem, sem ordem e sem destino, com gôsto tão geral de uma fácil e de perfeita liberdade. 40 (DREYS, 1961, p.160) Com isso, Dreys trás presente o traço aculturativo na formação do gaúcho, a pouca atração para as mulheres e, principalmente, a idéia de liberdade. A imagem de gaúcho aqui representada por Dreys torna-se interessante. A vida desprendida e o pouco apego e interesse com as mulheres, vem confrontar com a concepção criada em torno do mito 40 DREYS, Nicolau. Notícia descritiva da Província do Rio Grande de São Pedro do Sul. Porto Alegre: Instituto Estadual do Livro, 1961.p.160. JOSÉ AUGUSTO FIORIN 39
  • 40. DO GAÚCHO AO TRADICIONALISTA: IMAGEM, IDENTIDADE E REPRESENTAÇÃO gaúcho. A literatura regionalista, por exemplo, promove a exaltação desse mito, colocando-se dentro da noção de uma sociedade patriarcal, que fora desenvolvida no Rio Grande do Sul, onde o gaúcho é apresentado como homem viril. Assim percebe-se o conflito que há entre a descrição de Dreys e aquilo com que o tradicionalista do século XX tenta demonstrar como padrão de masculinidade. Além disso, Dreys segue dizendo que sem chefes, sem leis, sem polícia, os gaúchos não têm da moral social, senão idéias vulgares e, sobretudo uma sorte da probidade condicional que os leva a respeitar a propriedade condicional que os leva a respeitar a propriedade de quem os emprega, ou neles deposita confiança: entregues ao jogo com furor, êsse vício, que parecem praticar como um meio de encher o vácuo de seus dias, é a fonte dos roubos, e às vezes das mortes que cometem. Joga o gaúcho tudo que possui, dinheiro, cavalo, armas, vestidos, e sai do jogo inteiramente ou quase nu 41 . Nesse parâmetro fica evidente o arquétipo de liberdade vivido pelo gaúcho. A carência da instituição de normatizações que regulamente a vida na Província também deve ser enfatizada. Isso ocorre porque sem lei a moral social do gaúcho é relacionada à vulgarização de suas idéias bem como a atração por roubos e constantes contrabandos na fronteira Brasil, Argentina e Uruguai. Auguste de Saint Hilaire, de 1816 a 1822, percorreu o centro e o sul do Brasil, registrando em seus relatos de viagens, publicados a partir de 1830, os costumes e as 41 DREYS, Nicolau. Notícia descritiva da Província do Rio Grande de São Pedro do Sul. Porto Alegre: Instituto Estadual do Livro, 1961.p.160. JOSÉ AUGUSTO FIORIN 40
  • 41. DO GAÚCHO AO TRADICIONALISTA: IMAGEM, IDENTIDADE E REPRESENTAÇÃO condições de vida no Brasil. Chega ao Rio Grande do Sul em meados de 1820 trazendo uma carta de apresentação da corte, dirigida às autoridades locais, que lhe conferia o posto de coronel, prerrogativa de que pouco se valeu, mas poderia, dada as circunstâncias da época, ter sido de muita utilidade ao longo roteiro que iria cumprir percorrendo 1.500 quilômetros, de carreta ou a cavalo durante nove meses. Ao chegar ao Rio Grande do Sul, em sua viagem pela Província, Hilaire irá dizer que “dada conhecida índole dos gaúchos, é possível imaginar que, proclamada a independência, aproveitaram-se os primeiros momentos de desordem para a pilhagem do gado nas estâncias portuguesas, e os portugueses a seu turno promoviam arreadas nas estâncias espanholas” 42 . Muitos estudos surgiram em torno da presença de Saint Hilaire na Província. Sem dúvida, que seus relatos foram imprescindíveis não só para conhecer aspectos da flora rio-grandense, como para conhecer as configurações, que sob seu olhar, esse território possuía. Sobre o tipo social do gaúcho, ele desenvolverá um conceito interessante de ser analisado. Ao relatar o contato que teve com um habitante do território, e posteriormente sua impressão sobre o fato, Hilaire 43 descreveu: Talvez tenha ele julgado que esse seria o melhor meio de se ver livre de mim; talvez tenha sido leviandade, falta de reflexão, negligência, e sou tentado a acreditar que 42 SAINT HILAIRE. Auguste Viagem ao Rio Grande do Sul. Rio de Janeiro: Ariel Editora, 1936, p.77. 43 Idem, p. 78. JOSÉ AUGUSTO FIORIN 41
  • 42. DO GAÚCHO AO TRADICIONALISTA: IMAGEM, IDENTIDADE E REPRESENTAÇÃO esse homem, apesar de ser branco, pertence aos habitantes dessa região que têm costumes semelhantes ao dos gaúchos. (HILAIRE, 1936, p. 78) Outro depoimento, onde estão expressas as primeiras impressões registradas sobre o tipo social do gaúcho, é do viajante europeu, Felix de Azara, que por volta de 1780 descreveu o tipo social platino. Madaline Nichols 44 , que estudou a obra de Azara, dirá que: Além do dito povo, há naquela região, e principalmente nas proximidades de Montevidéu e Maldonado, uma outra classe de gente, mui apropriadamente chamados gaúchos ou gaudérios. (...)Sua nudez, suas barbas crescidas, seu cabelo sempre despenteado, sua sujeira e brutalidade de sua aparência os tornam horríveis de ver. Por nenhum motivo ou interesse querem eles trabalhar para alguém, e além de serem ladrões, também raptam mulheres. E essas levam para os matos e vivem com elas em choças, abatendo gado bravio para seu sustento. (NICHOLS, 1953, p. 30). Partindo da visão que Félix Azara desenvolverá sobre o gaúcho, o que há de notoriedade é a representação de um outro modelo de imagem, com alguns elementos que aproximam o gaúcho platino do gaúcho rio-grandense. O caráter depreciativo , em torno do tipo social do gaúcho exposto por Nichols nos remonta a idéia de um elemento social incivilizado, cujos traços característicos de barbárie aparecem naturalmente. Porém, se considerarmos o relato 44 NICHOLS, Madaline Wallis. El Gaucho. Buenos Aires. Ediciones Peuser, 1953, p. 30. JOSÉ AUGUSTO FIORIN 42
  • 43. DO GAÚCHO AO TRADICIONALISTA: IMAGEM, IDENTIDADE E REPRESENTAÇÃO que os viajantes fizeram da Província, e mais detalhadamente, a forma como caracterizaram a imagem do tipo social do gaúcho, vamos perceber que o gaúcho aqui apresentado como histórico é diferente do gaúcho representado como tradicionalista. IMAGÉTICA DO GAÚCHO: DEBRET E MOLINA A representação do gaúcho do século XIX está presente nos discursos escritos dos viajantes europeus, que estando na Província, retrataram o modo de organização e vida desse habitante. Além disso, um outro modelo representativo, passando pela via da imagética, torna-se imprescindível e deve ser analisado. A imagem construída do gaúcho através da pintura nós dá outra dimensão simbólica e cultural da representação desse tipo social. Na perspectiva da História Cultural, Canabarro 45 (2004) ressaltará que esta trabalha com as diferentes formas de apropriação dos discursos de textos (verbais e não verbais) e da produção do sentido, sendo diferenciado pelas posições que os atores ocupam socialmente. Nesta perspectiva, nos mostrando algumas dependências da vida cultural, que aparecem nas diferentes formas de apropriação, mediadas pela representação. Assim torna-se claro o que os elementos descritos pelos viajantes do século XIX queriam retratar e representar sobre o Rio Grande do Sul. 45 CANABARRO, Ivo dos Santos. A construção da cultura fotográfica no sul do Brasil: imagens de uma sociedade de imigração. 2004, 314 f. tese (Doutorado em História) – Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2004. p. 17. JOSÉ AUGUSTO FIORIN 43
  • 44. DO GAÚCHO AO TRADICIONALISTA: IMAGEM, IDENTIDADE E REPRESENTAÇÃO Embora constituindo um texto não verbal, as imagéticas sobre o gaúcho também são representadas nesse contexto. Um elemento que merece destaque, considerando essa noção, cujos escritos nos remetem a reconstruir a identidade e a imagem do gaúcho sob a perspectiva dos viajantes europeus, é justamente buscar qual a imagética que o gaúcho representa. Para isso, buscamos na vasta obra do pintor francês Jean Baptiste Debret, os pressupostos e elementos que permitem-nos aproximar de uma forma mais especifica e redirecionar o olhar sobre o gaúcho rio- grandense, e na obra de Florêncio Molina Campos sobre o gaucho platino. Porém, também se fará necessário investigar como ocorre a evolução da indumentária rio-grandense. Isso porque, a imagem e a conseqüente identidade do gaúcho, estão ligadas a esta construção histórica e imagética. A imagética que Debret nos dará sobre o gaúcho é expressiva. Foi um pintor que esteve no Brasil com a Missão Artística Francesa 46 . Chegou ao Rio de Janeiro em 1816, dedicando-se ao ensino das artes e à organização da Academia de Belas Artes, onde figura entre os alunos fundadores da classe de pintura. Voltou à França em 1831, onde pouco tempo depois publicou Viagem pitoresca e histórica ao Brasil. Contribuiu de modo decisivo para uma história pictórica do Brasil urbano e escravocrata do início do século XIX. As fontes imagéticas permitem ir muito além das meras descrições, porque trazem 46 Missão Artística Francesa, grupo de pintores, escultores e arquitetos que dom João VI trouxe da França, em 1816, com a finalidade de desenvolver as atividades artísticas no Brasil e fundar uma escola de ciências, artes e ofícios. JOSÉ AUGUSTO FIORIN 44
  • 45. DO GAÚCHO AO TRADICIONALISTA: IMAGEM, IDENTIDADE E REPRESENTAÇÃO expressões de realidades vividas em outros tempos. Da mesma forma, devido a diversidade de informações que as fotografias apresentam, uma vez que estas registram distintas situações de vivências dos atores individuais e coletivos, possibilitam o entendimento das diferenças sociais dos grupos, revelando questões que dizem respeito à sua atuação em um determinado contexto histórico 47 . (CANABARRO, 2004, pg. 17). Em suas telas, Debret retratou não apenas a paisagem, mas sobretudo, a sociedade brasileira, destacando a forte presença dos escravos. Ao regressar à França em 1831, logo publicou o álbum Voyage pittoresque et historique au Brésil, ou Séjour d’un artiste français au Brásil depuis 1816 jusqu’en 1831 (1834-1839). A seguir, algumas imagens coletadas da obra de Debret, que visam representar imageticamente o tipo social do gaúcho 48 . ÍNDIO GUARANI CIVILIZADO FIGURA 1 47 CANABARRO, Ivo dos Santos. A construção da cultura fotográfica no sul do Brasil: imagens de uma sociedade de imigração. 2004, 314 f. tese (Doutorado em História) – Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2004. p. 17. 48 Obras disponíveis em DEBRET, Jean Baptiste. Viagem pitoresca e histórica ao Brasil. Belo Horizonte, Itatiaia; São Paulo, Edusp, l989, v.2. JOSÉ AUGUSTO FIORIN 45
  • 46. DO GAÚCHO AO TRADICIONALISTA: IMAGEM, IDENTIDADE E REPRESENTAÇÃO CHARRUA CIVILIZADO FIGURA 2 VIAJANTES DA PROVÍNCIA DO RIO FIGURA 3 JOSÉ AUGUSTO FIORIN 46
  • 47. DO GAÚCHO AO TRADICIONALISTA: IMAGEM, IDENTIDADE E REPRESENTAÇÃO ARMAZÉM DE CARNE SECA FIGURA 4 As aquarelas de Debret, representadas aqui pela imagética que o mesmo constrói sobre o gaúcho, vêm de encontro com os depoimentos descritos pelos outros viajantes europeus. Assim, a similaridade do gaucho platino e do gaúcho lusitano é nítida em virtude da indefinição fronteiriça e da semelhança do modelo econômico. Na figura 1, percebemos que no centro da cena se encontra um índio da tribo Guarani, que Debret, optou por designar a imagem de “Índio Guarani Civilizado”. A idéia de civilidade perpassa o fator aculturativo. Ou seja, o nativo estar trajando vestes seguindo o padrão europeu e o modelo imposto pelos colonizadores. Além disso, essa imagem também representa, de como o cavalo torna-se JOSÉ AUGUSTO FIORIN 47
  • 48. DO GAÚCHO AO TRADICIONALISTA: IMAGEM, IDENTIDADE E REPRESENTAÇÃO indispensável às atividades cotidianas. Algo curioso que está nesta representação é o fato do índio estar com vestes de estancieiro. Não era comum um nativo estar vestindo-se dessa maneira durante o século XIX. O indicativo é que, o Guarani representado, seja uma espécie de peão de confiança de algum estancieiro, considerando suas habilidades e destreza com a montaria. O cavalo torna-se fundamental na constituição econômica da Província. Ele que havia se proliferado em abundância, fora trazido pelos espanhóis no processo de colonização. Assim, também na figura 2 vamos perceber que o cavalo se faz presente. Ainda é visível a quantidade de adereços junto aos índios charruas. Boleadeiras, laços, esporas, pala, etc. O detalhe está no chapéu de feltro que até então era usado somente pelos estancieiros e charqueadores. Percebe-se que em segundo plano, os aperos de montaria estão ao chão e o cavalo está pastando provavelmente cansado de mais um dia de serviço. Ao fundo outros índios peões levando o gado a algum lugar. Nessas imagens a percepção que temos sobre o tipo social do gaúcho rio-grandense é que sob a visão de Debret, esse elemento se constitui com base indígena. A imagem representada é de um individuo trabalhador, interessado com as atividades econômicas. De acordo Leenhardt 49 (2006) enquanto documentarista Debret se revela ótimo, mas como pintor ele não consegue captar e representar a coerência do todo. 49 LEENHARDT, Jacques. Imagem e história em uma viagem pitoresca e histórica ao Brasil, de Jean Baptiste Debret: o enterro de um filho de um rei negro. In: LOPES, Antônio Herculano. História e linguagens: texto imagem, oralidade e representações. Rio de Janeiro: 7 letras, 2006. p. 126. JOSÉ AUGUSTO FIORIN 48
  • 49. DO GAÚCHO AO TRADICIONALISTA: IMAGEM, IDENTIDADE E REPRESENTAÇÃO O que Debret vai enfocar na figura 3 é passagem de alguns viajantes pela Província. Aqui fica evidente a condição social como determinante. O tipo de chapéu usado pelos indivíduos que estão acompanhando a senhora, usando vestido longo à moda européia, é diferente dos chapéus representados nas figuras 1 e 2. Outro fator é a pessoa que vem logo atrás não estar montando um cavalo e sim uma mula, diferente daquelas que aparecem em primeiro plano. A precisão das estruturas que organizam o ambiente da figura 4 é interessante. À frente encontra-se um indivíduo de origem indígena. Porém o que é representado por Debret é uma espécie de venda. Pode-se perceber a presença de inúmeros mantimentos necessários à subsistência dos habitantes da Província, principalmente o produto impulsionador da economia rio-grandense durante o século XIX: o charque. Outro fator que merece destaque, diz respeito à indumentária do tipo social predominante no Rio Grande do Sul. Tendo a idéia da representação imagética de Debret sobre a Província, faz-se necessário destacar como o tipo social do gaúcho veste-se. Um dos elementos constituidores da imagem e conseqüentemente da identidade do tipo social do gaúcho, perpassa pelo seu modo de vestir. A história cultural por sua vez busca representar esse padrão de vestimenta como elemento importante de investigação e interpretação JOSÉ AUGUSTO FIORIN 49
  • 50. DO GAÚCHO AO TRADICIONALISTA: IMAGEM, IDENTIDADE E REPRESENTAÇÃO histórica. De acordo com Fagundes 50 (1985) na “evolução da Indumentária Gaúcha”, há trajes fundamentais que constroem uma identificação ao gaúcho, e, a cada um deles corresponde uma indumentária feminina. Na figura 5, vamos perceber o tipo de vestimenta que alguns índios após o primeiro contato com os europeus passaram a utilizar. Há clareza nos traços aculturativos dessa imagem. Ou seja, o índio já possui o laço e as boleadeiras como instrumento de trabalho. Já a índia, aparece nessa representação com roupas seguindo modelo europeu. Isso demonstra a proximidade com a cultura européia dominadora aos povos nativos na América. Outro aspecto que merece destaque está no elemento do cristianismo presente. A cruz ao peito representa a aceitação de um deus com moldes cristão/catolicista. Ainda é interessante verificar a utilização do chiripá pelo homem. Era uma espécie de saia, constituída por um retângulo de pano enrolado na cintura, até os joelhos. Isso ajudava na montaria. Assim, podemos ressaltar que de peças da indumentária ibérica, de peças da indumentária indígena, o gaúcho foi constituindo sua própria indumentária. E inevitavelmente a construção de sua identidade cultural está diretamente ligada a construção de sua imagem. Segundo Fagundes (1985), os Missioneiros se vestiam, conforme severa moral jesuítica. Passaram a usar os calções europeus e em seguida a camisa, introduzida nas 50 FAGUNDES, Antônio Augusto. Indumentária Gaúcha. Porto Alegre: Martins Livreiro Editor, 1985. JOSÉ AUGUSTO FIORIN 50
  • 51. DO GAÚCHO AO TRADICIONALISTA: IMAGEM, IDENTIDADE E REPRESENTAÇÃO missões pelo Padre Antônio Sepp. Usavam, ainda, uma peça de indumentária não européia, proximamente indígena - "el poncho". Essa peça de indumentária não existia no Rio Grande do Sul antes da chegada do branco, pois os nossos índios pré-missioneiros não teciam e nem fiavam. A seguir apresentam-se imagens coletadas, que abordam a evolução das vestimentas no estado do Rio Grande do Sul, onde as mesmas aparecem em seqüência 51 . TRAJE INDÍGENA FIGURA 5 51 Iconografia disponível em FAGUNDES, Antônio Augusto. Indumentária Gaúcha. Porto Alegre: Martins Livreiro Editor,1985. JOSÉ AUGUSTO FIORIN 51
  • 52. DO GAÚCHO AO TRADICIONALISTA: IMAGEM, IDENTIDADE E REPRESENTAÇÃO CHARQUEADOR E PATRÃO DAS VACARIAS E ESTANCIEIRA GAÚCHA ESPOSA (1750-1820) (1750-1820) FIGURA 6 FIGURA 7 PEÃO DAS VACARIAS E CHINA GAÚCHO COM CHIRIPÁ DAS VACARIAS FARROUPILHA E MULHER (1750-1820) GAÚCHA (1820-1865) FIGURA 8 FIGURA 9 JOSÉ AUGUSTO FIORIN 52
  • 53. DO GAÚCHO AO TRADICIONALISTA: IMAGEM, IDENTIDADE E REPRESENTAÇÃO A evolução da imagem do gaúcho varia de acordo com a adaptação das vestes. Considerando a influência européia e, posteriormente a condição econômica e social predominante no Rio Grande do Sul da época, é que vamos perceber algumas variáveis. A primeira variável está nas figuras 6 e 7. Possuímos nessas imagens a representação da elite estancieira do Rio Grande do Sul. Homens e mulheres com modelos europeus, adaptados socialmente ao clima e ao elemento econômico preponderante na Província. Compreendemos que evidentemente, o fator econômico do Charqueador e do denominado Patrão das Vacarias sobressai no que concerne à imagética representada. Trajava-se basicamente à européia, com a braga e as ceroulas de crivo. Segundo Fagundes 52 (1985), passou a usar também a bota de garrão de potro 53 , invenção gauchesca típica. Igualmente o cinturão-guaiaca, o lenço de pescoço, o pala indígena, a tira de pano prendendo os cabelos, o chapéu de pança de burro, etc. Em relação à figura feminina, Fagundes segue dizendo que a mulher desse rico estancieiro, usava botinhas fechadas, meias brancas ou de cor, longos vestidos de seda ou veludo, botinhas fechadas, mantilha, chale ou sobrepeliz, grande 52 FAGUNDES, Antônio Augusto. Indumentária Gaúcha. Porto Alegre: Martins Livreiro Editor,1985. 53 As botas mais comuns eram as de garrão-de-potro, que eram retiradas de vacas, burros e éguas (raramente era usado o couro de potro, que lhe deu o nome). Essas botas eram lonqueadas ou perdiam o pêlo com o uso. Em uso, as botas não duravam mais de 2 meses. Normalmente, eram feitas com o couro das pernas traseiras do animal que dão botas maiores. As que eram tiradas das patas dianteiras, muitas vezes eram cortadas na ponta e no calcanhar, ficando o usuário com os dedos do pé e o calcanhar de fora. Acima da barriga da perna, era ajustada por meio de tranças ou tentos. JOSÉ AUGUSTO FIORIN 53
  • 54. DO GAÚCHO AO TRADICIONALISTA: IMAGEM, IDENTIDADE E REPRESENTAÇÃO travessa prendendo os cabelos enrolados e o infaltável leque. Ou seja, os padrões europeus preponderaram na construção dessa imagem de gaúcho. Porém ressalta-se que esse tipo de vestimenta e conseqüente imagem criada, é restringida a um número mínimo de rio-grandenses. Um elemento que vem em contraposição a condição social já apresentada é a representação do peão. O peão é o responsável pelo trabalho diário com o gado, dando fundamentação econômica à Província. Nesse contexto a figura 8 nos mostra que tipo de imagem esse peão representa. Segundo Fagundes, o traje do peão das vacarias destinava-se a proteger o usuário e a não atrapalhar a sua atividade - caçar o gado e cavalgar. Normalmente, este gaúcho só usava o chiripá primitivo 54 e um pala enfiado na cabeça. E segue descrevendo que o chiripá, em pouco tempo, assumiria uma cor indistinta de múgria - cor de esfregão. À cintura, faixa larga, negra, ou cinturão de bolsas, tipo guaiaca, adaptado para levar moedas, palhas e fumo e, mais tarde, cédulas, relógio e até pistola. Ainda à cintura, as infaltáveis armas desse homem: as boleadeiras, a faca flamenga ou a adaga e, mais raramente, o facão. E sempre à mão, a lança - de peleia ou de trabalho. Em relação à camisa, quando contava com uma, era de algodão branco ou riscado, sem botões, apenas com cadarços nos punhos, com gola imensa e mangas largas. Pala 55 , não faltava, 54 Pano enrolado como saia, até os joelhos, meio aberto na frente, para facilitar a equitação e mesmo o caminhar do homem. 55 Tem origem indígena. Pode ser de lã ou algodão, quando proteje contra o frio, ou de seda, quando proteje contra o calor. É sempre retangular com franjas nos quatro lados. A gola do pala é um simples talho, por onde o homem enfia o pescoço. JOSÉ AUGUSTO FIORIN 54
  • 55. DO GAÚCHO AO TRADICIONALISTA: IMAGEM, IDENTIDADE E REPRESENTAÇÃO comumente, o de lã - chamado "bichará" - em cores naturais, e mais raramente o de algodão e o de seda que aos poucos vão aparecendo. Logo, também surge o poncho 56 redondo, de cor azul e forrado de baeta vermelha. O peão das vacarias, representado na figura 8, não era de muito luxo. Só usava ceroulas de crivo nas aglomerações urbanas. Ademais, andava de pernas nuas como os índios. À cabeça, usava a fita dos índios, prendendo os cabelos - que os platinos chamam "vincha" - e também o lenço, como touca, atado à nuca. Como podemos perceber nessa mesma imagem, a mulher vestia-se pobremente: nada mais que uma saia comprida, rodada, de cor escura e blusa clara ou desbotada com o tempo. Pés e pernas descobertas, na maioria das vezes. Por baixo, apenas usava bombachinhas, que eram as calças femininas da época. De acordo com Antônio Augusto Fagundes há uma outra variante no século XIX, em relação à constituição da indumentária rio-grandense. Segundo ele, será abdicado os padrões de vestimentas já relatados e incorporado ao que ele chamará de “Traje Gaúcho”. Isso ocorrerá no contexto da Revolução Farroupilha. Ou seja, o homem utilizando Chiripá Farroupilha 57 e a mulher Saia e Casaquinho como 56 Tem origem inteiramente gauchesca. É feito, invariavelmente, de lã grossa. Quase sempre é azul escuro, forrado de baeta vermelha, mas também existem de outras combinações de cores. O poncho tem a forma circular ou ovalada. Só preteje contra o frio e a chuva. A gola é alta, abotoada e há um peitilho na frente do poncho. 57 Cabe ressaltar que as botas são, ainda, a bota forte, comum, a bota russilhona e a bota de garrão, inteira ou de meio pé. À cintura, faixa preta e guaiaca, de uma ou duas fivelas. Camisa sem botões, de gola, e mangas largas. Usavam jaleco, de lã ou mesmo veludo, e às vezes, a jaqueta, com JOSÉ AUGUSTO FIORIN 55
  • 56. DO GAÚCHO AO TRADICIONALISTA: IMAGEM, IDENTIDADE E REPRESENTAÇÃO verificamos na figura 9. Este período é dominado por um chiripá que substituiu o anterior, que não é adequado à equitação, mas para o homem que anda a pé. O chiripá dessa nova fase é em forma de grande fralda, passada por entre as pernas. Este adapta-se bem ao ato de cavalgar e essa é certamente a explicação para o seu aparecimento. Com isso, fica claro que o Chiripá Primitivo era de origem indígena. A mulher, nesta época, usava saia e casaquinho com discretas rendas e enfeites. Tinham as pernas cobertas com meias. Usavam cabelo solto ou trançado, para as solteiras e em coque para as senhoras. Os sapatos eram fechados e discretos. Como jóias apenas um camafeu ou broche. Ao pescoço vinha muitas vezes o fichú. Assim, podemos perceber como ocorre a tentativa da construção de uma imagem de gaúcho, seja pela visão que Debret obtém do Rio Grande do Sul ou pela transformação que a indumentária gaúcha obteve através do tempo. Fica evidente que, os elementos que ajudarão na construção da imagem de gaúcho rio-grandense, perpassam pelo fator aculturativo de índios e europeus, ajudando a construir a sua identidade. Após analisado a visão que Debret possui da Província e, como evolui a imagem do gaúcho rio-grandense em relação a sua indumentária, dentro desse contexto torna-se interessante verificar brevemente como se constitui gola e manga de casaco, terminando na cintura, fechado à frente por grandes botões ou moedas. JOSÉ AUGUSTO FIORIN 56
  • 57. DO GAÚCHO AO TRADICIONALISTA: IMAGEM, IDENTIDADE E REPRESENTAÇÃO o tipo social do gaucho platino, considerando as proximidades da fronteiras e a mesma matriz cultural. GAUCHO EM FINAIS DO SÉCULO FIGURA 10 O gaucho platino por sua vez apresentará semelhanças culturais ao gaúcho rio-grandense conforme a figura anterior 58 . Segundo Ibáñez, 59 (1964), gaucho fruto de la mezcla de sangres española e indígena, comenzó a forjar su original personalidad en las primitivas vaquerías de la colonia. Allí aprendió a desempeñar las tareas de ganadería con singular destreza y fundió su cuerpo con el de su inseparable compañero: el caballo. Pasaba la mayor parte de su vida sobre el lomo de su pingo, por eso siempre detestó la agricultura, que lo obligaba a estar de pie. 58 Iconografia disponível em IBAÑEZ, José C. Historia Argentina. Buenos Aires: Editorial Troquel, 1964 p. 59. 59IBAÑEZ, José C. Historia Argentina. Buenos Aires: Editorial Troquel, 1964. pg.48. JOSÉ AUGUSTO FIORIN 57
  • 58. DO GAÚCHO AO TRADICIONALISTA: IMAGEM, IDENTIDADE E REPRESENTAÇÃO A impressão desenvolvida em relação a sua conduta social complementa os depoimentos dos viajantes europeus no Rio Grande do Sul. La extensión de la llanura pampeana fue la que terminó de moldear su conducta. Es independiente, de vida errante y costumbres sencillas. Esa libertad con que enfrenta la vida le traería aparejados muchos disgustos. Por mucho tiempo se lo marginó, llegándole su reivindicación con el paso del tiempo, al punto de convertirse la palabra gaucho en sinónimo de rectitud de carácter y nobleza de corazón 60 . (IBANEZ, 1964,p.56) A representação imagética sobre o gaúcho platino está presente na obra de Florencio Molina Campos 61 . Fue un dibujante y pintor conocido por sus típicos dibujos costumbristas de la pampa argentina. Sus dibujos y pinturas rememoran con un toque humorístico típicas viñetas gauchescas. De aire caricaturesco y, a menudo, "naif", su dibujo, inspirado principalmente en el mundo gauchesco, refleja a un observador agudo de la realidad nacional. 60 IBAÑEZ, José C. Historia Argentina. Buenos Aires: Editorial Troquel, 1964. pg.56. 61 Disponível em http://www.molinacampos.org JOSÉ AUGUSTO FIORIN 58
  • 59. DO GAÚCHO AO TRADICIONALISTA: IMAGEM, IDENTIDADE E REPRESENTAÇÃO Na seqüência, algumas representações da obra de Florencio Molina Campos, onde constrói uma imagem do gaucho platino 62 . JINETEANDO FIGURA 11 P'AL POBLAO FIGURA 12 62Iconografia disponível em http://www.me.gov.ar/efeme/tradicion/lamela.html http://www.molinacamposzg.com.ar/obrasdispo.htm JOSÉ AUGUSTO FIORIN 59
  • 60. DO GAÚCHO AO TRADICIONALISTA: IMAGEM, IDENTIDADE E REPRESENTAÇÃO YO TAMBIÉN FUÍ COMO ESE LOCO FIGURA 13 HUAMPELEN FIGURA 14 JOSÉ AUGUSTO FIORIN 60
  • 61. DO GAÚCHO AO TRADICIONALISTA: IMAGEM, IDENTIDADE E REPRESENTAÇÃO De acordo Vellinho 63 (1970) pontos de parecença entre tipos sociais do gaúcho rio-grandense e do gaúcho platino existem, sem dúvida, mas se restringem às peculiaridades decorrentes do mesmo sistema básico de atividades – o pastoreio, desenvolvido em um cenário físico semelhante e parcialmente fundado, em ambos os lados, na experiência e nas práticas do campeador nativo. Reverbel 64 , também destaca os elementos de proximidade e disparidade entre o gaúcho rio-grandense e o gaúcho platino. Para ele Não há identidade entre o gaúcho rio- grandense e o gaúcho platino. Trata-se de tipos sociais diferenciados, histórica, sociológica e culturalmente. Mas há pontos de aproximação, aspectos semelhantes, contatos, interpenetrações. Afinal, a família é a mesma. Ambos se formaram e dependem da sociedade pastoris, geograficamente contíguas. (REVERBEL, 1996, p.103) Os depoimentos dos viajantes, com explicações e aparato crítico adequados, contribuem para uma melhor e mais enriquecida compreensão do passado. A representação imagética de Debret remete a forma, que ele, viu e interpretou. A imagem que Molina Campos representa do gaucho platino, nada mais é do que produto de sua perspectiva artística. Temos que cuidar, porém, para não 63 VELLINHO, Moysés. Capitania d’el Rei. Porto Alegre: globo, 1970, p. 144. 2 ed. 64 REVERBEL, Carlos. O gaúcho: aspectos de sua formação no Rio Grande e no Rio da Prata. Porto Alegre: L&PM,1996, p. 103. JOSÉ AUGUSTO FIORIN 61
  • 62. DO GAÚCHO AO TRADICIONALISTA: IMAGEM, IDENTIDADE E REPRESENTAÇÃO cairmos na armadilha de aceitarmos as suas descrições e informações como sendo a própria e única realidade. Elas se constituem de representações, reinvenções de realidades, produzidas a partir da visão de um sujeito. São imagens que se constituem em representações do real, elaboradas a partir de componentes ideológicos de pessoas dotadas de equipamentos culturais próprios e que trazem um patrimônio anterior que condiciona o modo de observar e entender o empírico. Na visão dos viajantes, no Rio Grande do Sul, como um todo, era motivo de estranhamento. As diferentes regiões eram vistas através do filtro de sua própria cultura, mas eles escreveram crônicas sobre os aspectos vistos ou vividos bastante significativos para pensar o contexto do período. Esses relatos foram muitas vezes desprezados pelos historiadores por não serem construídos cientificamente, por não apresentarem provas documentais. Entretanto, nos últimos anos, passou-se a valorizar estes depoimentos como testemunhos de época. Assim, os relatos dos viajantes, base desta discussão, foram escolhidos por apresentarem pontos de vista semelhantes, porém com significados claros com relação ao gaúcho. A imagética que Debret e Molina Campos constroem sobre o gaúcho e as crônicas escritas por Saint Hilaire, Arsène Isabelle e Nicolau Dreys mostram a visão de homens oriundos de uma outra realidade. Referendados por outros parâmetros de historicidade, que mostram no exterior certa imagem da região meridional da América do Sul e levam as discussões e debates sobre as condições de trabalho, de JOSÉ AUGUSTO FIORIN 62
  • 63. DO GAÚCHO AO TRADICIONALISTA: IMAGEM, IDENTIDADE E REPRESENTAÇÃO cultura e do desenvolvimento do Rio Grande do Sul . Dessa forma o gaúcho constrói sua representação. Tal simbolismo se fortalecerá tornando-se ainda mais significativo, a partir da segunda metade do século XX, quando busca-se através de uma tentativa saudosista reviver o passado através de um movimento tradicionalista ocorrendo uma reinvenção do gaúcho. JOSÉ AUGUSTO FIORIN 63
  • 64. DO GAÚCHO AO TRADICIONALISTA: IMAGEM, IDENTIDADE E REPRESENTAÇÃO O PROCESSO DE CONSTRUÇÃO DE UMA IDENTIDADE GAÚCHA JOSÉ AUGUSTO FIORIN 64 64
  • 65. DO GAÚCHO AO TRADICIONALISTA: IMAGEM, IDENTIDADE E REPRESENTAÇÃO O PROCESSO DE CONSTRUÇÃO DE UMA IDENTIDADE GAÚCHA Dentre as perspectivas da história cultural, a noção de identidade possui um papel importante. A abrangência de seu significado, entre tantos aspectos, demonstra como ela define os indivíduos. A construção identitária de determinado povo e, por conseguinte, determinada sociedade, vem representar elementos característicos de suas manifestações culturais. Então, cultura e identidade possuem um vínculo específico no que se refere à construção de um modelo social. No caso do Rio Grande do Sul, ocorre de forma emblemática a tentativa de (re) surgimento de uma identificação com o passado. Essa edificação vem de encontro com os postulados que nos levam a refletir sobre a origem e essência do gaúcho histórico. Este, porém, JOSÉ AUGUSTO FIORIN 65