Este documento discute a deficiência visual, definindo termos como cegueira, baixa visão e visão subnormal. Ele explica as principais causas de problemas de visão e o impacto da perda da visão. O documento também descreve a importância das atividades da vida diária para promover a autonomia das pessoas com deficiência visual.
1. C A D E R N O S D A
Este Caderno complementa a série de vídeos da tv escola
Deficiência Visual
Marta Gil (Org.)
MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO
SECRETARIA DE EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA
N. 1/2000
3. Programa 1 5
CONVERSAS SOBRE
DEFICIÊNCIA VISUAL
uitos consideram que a palavra ‘deficiente’ tem
M um significado muito forte, carregado de valo-
res morais, contrapondo-se a ‘eficiente’. Levaria
a supor que a pessoa deficiente não é capaz; e, sendo
assim, então é preguiçosa, incompetente e sem inteligên-
cia. A ênfase recai no que falta, na limitação, no ‘defeito’,
gerando sentimentos como desprezo, indiferença, chaco-
ta, piedade ou pena.
Esses sentimentos, por sua vez, provocam atitudes
carregadas de paternalismo e de assistencialismo, volta-
das para uma pessoa considerada incapaz de estudar, de
se relacionar com os demais, de trabalhar e de consti-
tuir família.
No entanto, à medida que vamos conhecendo uma
pessoa com deficiência, e convivendo com ela, cons-
tatamos que ela não é incapaz. Pode ter dificuldades
para realizar algumas atividades mas, por outro lado,
em geral tem extrema habilidade em outras. Exatamen-
te como todos nós. Todos nós temos habilidades e ta-
lentos característicos; nas pessoas com deficiência,
essas manifestações são apenas mais visíveis e mais
acentuadas.
Diante disso, hoje em dia se recomenda o uso do
termo ‘pessoa portadora de deficiência’, referindo-se, em
primeiro lugar, a uma pessoa, um ser humano, que pos-
sui entre suas características (magra, morena, brasileira
4. 6 Programa 1 Conversas sobre deficiência visual 7
etc.) uma deficiência – mental, física (ou de locomo- Foram desenvolvidas técnicas para trabalhar o
ção), auditiva ou visual. resíduo visual assim que é constatada a deficiência.
Isso melhora significativamente a qualidade de vida,
Deficiência visual: conceitos mesmo sem eliminar a deficiência.
Usando auxílios ópticos (como óculos, lupas etc.),
Os graus de visão abrangem um amplo espectro de
a pessoa com baixa visão apenas distingue vultos, a
possibilidades: desde a cegueira total, até a visão per-
claridade, ou objetos a pouca distância. A visão se
feita, também total. A expressão ‘deficiência visual’ se
apresenta embaçada, diminuída, restrita em seu cam-
refere ao espectro que vai da cegueira até a visão
po visual ou prejudicada de algum modo.
subnormal.
Chama-se visão subnormal (ou baixa visão, como Recursos ou auxílios ópticos para visão subnormal são
preferem alguns especialistas) à alteração da capaci- lentes especiais ou dispositivos formados por um con-
dade funcional decorrente de fatores como rebaixa- junto de lentes, geralmente de alto poder, que se utili-
mento significativo da acuidade visual, redução im- zam do princípio da magnificação da imagem, para que
portante do campo visual e da sensibilidade aos con- possa ser reconhecida e discriminada pelo portador
de baixa visão. Os auxílios ópticos estão divididos em
trastes e limitação de outras capacidades.
dois tipos, de acordo com sua finalidade: recursos
Entre os dois extremos da capacidade visual es- ópticos para perto e recursos ópticos para longe.
tão situadas patologias como miopia, estrabismo, (Braga, 1997, p. 12)
astigmatismo, ambliopia, hipermetropia, que não
constituem necessariamente deficiência visual, mas A importância da visão
que na infância devem ser identificadas e tratadas o
mais rapidamente possível, pois podem interferir no A visão é o canal mais importante de relacionamento
processo de desenvolvimento e na aprendizagem. do indivíduo com o mundo exterior. Tal como a audi-
Uma definição simples de visão subnormal é a ção, ela capta registros próximos ou distantes e per-
incapacidade de enxergar com clareza suficiente para mite organizar, no nível cerebral, as informações
contar os dedos da mão a uma distância de 3 metros, trazidas pelos outros órgãos dos sentidos.
à luz do dia; em outras palavras, trata-se de uma pes- Estudos recentes revelam que enxergar não é
soa que conserva resíduos de visão. uma habilidade inata, ou seja, ao nascer ainda não
Até recentemente, não se levava em conta a exis- sabemos enxergar: é preciso aprender a ver. Não é
tência de resíduos visuais; a pessoa era tratada como um processo consciente. Embora nem pensemos nis-
se fosse cega, aprendendo a ler e escrever em braille, so, estamos ensinando um bebê a enxergar, ao
movimentar-se com auxílio de bengala etc. Hoje em carregá-lo no colo e ir mostrando: Olha o gatinho;
dia, oftalmologistas, terapeutas e educadores traba- Onde está seu irmão?
lham no sentido de aproveitar esse potencial visual nas O desenvolvimento das funções visuais ocorre nos
atividades educacionais, na vida cotidiana e no lazer. primeiros anos de vida. Graças a testes de acuidade
5. 8 Programa 1 Conversas sobre deficiência visual 9
visual recentemente desenvolvidos, hoje é possível basta fechar os olhos e tentar reproduzir o comporta-
fazer a avaliação funcional da visão de um recém-nas- mento de um cego pois, tendo memória visual, a pes-
cido, ainda no berçário. soa tem consciência do que não está vendo.
Nós todos temos diversos ‘sistemas-guia’, for-
mas muito pessoais que usamos para nos orientar Causas dos defeitos de visão
no espaço, em geral sem tomar consciência disso. As causas mais freqüentes de cegueira e visão
Por exemplo: para aprender um caminho, há quem subnormal são:
se oriente por uma casa diferente, um prédio, ou
Retinopatia da prematuridade causada pela imaturi-
outro marco de referência. Outros têm uma boa
dade da retina, em decorrência de parto prematuro
noção dos pontos cardeais (norte, sul), usando-a
ou de excesso de oxigênio na incubadora.
como orientação.
A visão constitui um desses sistemas-guia – pro- Catarata congênita em conseqüência de rubéola ou
vavelmente, o mais poderoso deles. Assim, os cegos de outras infecções na gestação.
precisam recorrer a outros tipos de sistema-guia. Al- Glaucoma congênito que pode ser hereditário ou cau-
guns, por exemplo, usam como referência o tipo de sado por infecções.
calçamento das ruas (asfalto, paralelepípedos etc.), ou Atrofia óptica.
as curvas e esquinas das ruas de seu trajeto. Outros
Degenerações retinianas e alterações visuais
recorrem a pistas olfativas (uma fábrica de bolachas,
corticais.
por exemplo), ou auditivas (ruídos de uma praça
movimentada). A cegueira e a visão subnormal podem também re-
sultar de doenças como diabetes, descolamento de
O que significa a perda da visão? retina ou traumatismos oculares.
A cegueira, ou perda total da visão, pode ser adqui- O impacto da deficiência visual (congênita ou ad-
rida, ou congênita (desde o nascimento). O indiví- quirida) sobre o desenvolvimento individual e psi-
duo que nasce com o sentido da visão, perdendo-o cológico varia muito entre os indivíduos. Depende
mais tarde, guarda memórias visuais, consegue se da idade em que ocorre, do grau da deficiência, da
lembrar das imagens, luzes e cores que conheceu, dinâmica geral da família, das intervenções que fo-
e isso é muito útil para sua readaptação. Quem nasce rem tentadas, da personalidade da pessoa – enfim,
sem a capacidade da visão, por outro lado, jamais de uma infinidade de fatores.
pode formar uma memória visual, possuir lembran- Além da perda do sentido da visão, a cegueira
ças visuais. adquirida acarreta também outras perdas: emocionais;
Para quem enxerga, é impossível imaginar a vida das habilidades básicas (mobilidade, execução das
sem qualquer forma visual ou sem cor, porque as ima- atividades diárias); da atividade profissional; da co-
gens e as cores fazem parte de nosso pensamento. Não municação; e da personalidade como um todo. Trata-
6. 10 Programa 1 Conversas sobre deficiência visual 11
se de uma experiência traumática, que exige acompa- ência visual já incorporam a seus programas um tra-
nhamento terapêutico cuidadoso para a pessoa e para balho voltado para as atividades de vida diária e para
sua família. a orientação e a mobilidade.
Quando a deficiência visual acontece na infância, Desde cedo, as pessoas que enxergam vão apren-
pode trazer prejuízos ao desenvolvimento dendo a lidar com as mais diversas situações corri-
neuropsicomotor, com repercussões educacionais, queiras, observando o ambiente a seu redor e relacio-
emocionais e sociais, que podem perdurar ao longo nando-se com as pessoas. É preciso possibilitar essa
de toda a vida, se não houver um tratamento adequa- mesma relação com o meio à pessoa que não enxer-
do, o mais cedo possível. ga, ou que enxerga pouco.
Nos programas de atendimento a pessoas por-
tadoras de deficiência visual esse aprendizado é
Atividades da vida diária:
caminho para a autonomia conhecido como ‘atividades da vida diária’, ou
apenas ‘AVD’.
Durante muitos anos, uma pessoa cega que falasse
bem, tivesse desempenho acadêmico satisfatório e O Programa de Atividades da Vida Diária é uma pre-
bom nível de informação e verbalização deslumbra- paração para a vida; capacita para o prazer da auto-
va e maravilhava a todos. Nada mais se esperava suficiência, liberta da ajuda e da proteção excessivas
dela, em termos de autonomia e de independência. e motiva para o crescimento pessoal, por meio de
Assim, a educação de uma criança portadora de de- atitudes e valores positivos.
ficiência visual se voltava basicamente para seus
êxitos intelectuais. A independência alcançada graças a um bom
Essa reação demonstrava a expectativa geral quan- programa de Atividades da Vida Diária vai muito
to às possibilidades de uma pessoa deficiente visual: além das necessidades pessoais básicas, como hi-
o preconceito impedia que ela fosse considerada ca- giene, alimentação, hábitos à mesa e etiqueta, cui-
paz de executar toda a gama de atividades que faz dados com a casa e atividades sociais. Significa de-
parte do cotidiano – deslocar-se com independência, senvolvimento da autoconfiança e valorização das
cuidar-se e vestir-se com adequação, alimentar-se, próprias capacidades, aquisição de naturalidade,
interagir socialmente de forma prática e adequada, eficiência e desenvoltura no universo social e uma
competir no mercado de trabalho, casar-se, enfim, atitude que favorece a conscientização da socieda-
exercer seu papel de cidadão que conta com o respeito de em relação às potencialidades do portador de de-
da sociedade e é aceito. ficiência.
Felizmente, as coisas estão mudando. Talvez não Há crianças que, além da deficiência visual,
com a rapidez que seria desejável, mas muitos servi- apresentam outros comprometimentos – da fala, da
ços de atendimento às crianças portadoras de defici- audição etc. Por isso, o primeiro passo em qual-
7. 12 Programa 1 Conversas sobre deficiência visual 13
quer atendimento consiste em uma avaliação glo-
bal, feita por uma equipe interdisciplinar compos- O desenvolvimento das habilidades de orientação e
ta por oftalmologista, pedagogo, fonoaudiólogo e mobilidade, parte essencial do processo educacional
outros profissionais, para decidir qual é o caminho de qualquer criança deficiente visual, precisa come-
a seguir. çar desde cedo, em casa, com o apoio dos pais. De-
A partir do diagnóstico, é elaborado um progra- pois, o treinamento continuará na escola, com o pro-
ma de Educação Precoce, que inclui atividades fessor especializado.
lúdicas de acordo com a idade. Sua aplicação depen-
de, em primeiro lugar, da efetiva participação da fa- Nos programas de estimulação precoce, orien-
mília. tação e mobilidade, há técnicas especializadas para
Para as crianças com visão subnormal se desen- desenvolver o sentido de orientação usando o tato,
volve um Programa de Estimulação Visual, também a audição e o olfato para se relacionar com os ob-
baseado em jogos e brincadeiras, criados ou adapta- jetos significativos que estão no ambiente. Assim,
dos para as mais diferentes ocasiões. Essas ativida- a criança vai aprendendo a usar seus outros siste-
des se destinam a estimular a visão residual (quando mas-guia.
há), e também os outros sentidos. O treinamento da orientação e da mobilidade per-
mite que a pessoa se movimente e se oriente com
Orientação e mobilidade segurança na escola, em casa, no trânsito, em locais
públicos etc., de acordo com sua idade.
A deficiência visual, em qualquer grau, comprome-
te a capacidade da pessoa de se orientar e de se O papel da família
movimentar no espaço com segurança e indepen-
dência. À família, base do desenvolvimento do ser huma-
Na idade pré-escolar, quando a criança está desen- no, cabe a tarefa de oferecer ao portador de defici-
volvendo sua capacidade de socialização, isso preju- ência visual condições para seu crescimento como
dica (ou até mesmo impede) o conhecimento do indivíduo, tornando-o capaz de ser feliz e produti-
mundo a seu redor e seu relacionamento com outras vo, dentro de sua realidade, de suas potencialidades
pessoas. É um momento em que ela gosta de ter ami- e de seus limites.
gos, brincar junto e compartilhar os brinquedos. Se Embora nem sempre seja fácil, a família precisa
estiver impossibilitada de desempenhar esses papéis, entender que o portador de deficiência é, antes de
ficará insatisfeita e isolada, e isso trará prejuízos a sua mais nada e acima de tudo, uma pessoa total, evitan-
aprendizagem. do focalizar a atenção na cegueira, ou na baixa capa-
Para alguns autores, a limitação na orientação e cidade visual.
na mobilidade pode ser considerada o efeito mais A primeira atitude importante consiste em acre-
grave da cegueira. ditar nas potencialidades da criança, considerando-
8. 14 Programa 1 Conversas sobre deficiência visual 15
a capaz de estudar, de ser independente, de traba- • idade em que aconteceu;
lhar, praticar esportes e tantas outras coisas que • associação (ou não) com outras deficiências;
seus amigos fazem. Para muitos portadores de de-
• aspectos hereditários;
ficiência, a maior dificuldade está na falta de opor-
• aspectos ambientais;
tunidades.
• tratamento recebido.
A troca de experiências, sentimentos e informações
nos ajuda a compreender a necessidade que crianças A criança portadora de deficiência visual (cegueira ou
ou adultos com deficiência, pais e profissionais, têm baixa visão) deve ser avaliada por profissionais da
de um espaço para construir juntos novos valores e área da saúde e da educação, num trabalho conjunto,
significados. para identificar suas necessidades específicas e sua
potencialidade.
No Brasil ainda predomina, em relação à deficiên- O sucesso de um programa de reabilitação de-
cia, uma concepção assistencialista, permeada de bar- pende da atuação da equipe de profissionais jun-
reiras sociais. Na maioria das vezes, o portador de to à criança e à família, desde o momento do diag-
deficiência e sua família se sentem isolados, impoten- nóstico.
tes, à espera de instituições, serviços médicos ou pro- Com freqüência são erroneamente consideradas
fissionais que possam miraculosamente curar ou ‘con- deficientes mentais, por sua dificuldade em realizar
sertar’ a deficiência. certas tarefas, crianças cuja deficiência visual não foi
Muitas famílias prolongam seus momentos de diagnosticada.
angústia, ansiedade, conflitos, negação, sublimação, A maioria das crianças com deficiência visual
frustração e até mesmo desesperança por não dispor possui algum grau residual de visão: poucas são
de informações e não encontrar interlocutores para totalmente cegas. Infelizmente, muitas das que
discutir sua problemática e para se identificar. Eles têm algum grau de visão são consideradas cegas
precisam contar com locais e pessoas com quem e tratadas como tal; dessa forma, perdem os be-
possam conversar e compartilhar não só os sofri- nefícios que o uso da visão residual poderia tra-
mentos, mas também os momentos de alegria, as zer a seu processo de desenvolvimento e à sua
conquistas e vitórias. qualidade de vida.
O desenvolvimento da criança Quanto antes as crianças com deficiência visual fo-
portadora de deficiência visual rem encaminhadas a serviços de atendimento,
maiores serão suas possibilidades de desenvolver
Para entender e avaliar o que acontece com o proces-
seu potencial.
so de desenvolvimento da criança com deficiência
visual é preciso considerar, entre outros fatores:
9. 16 Programa 1 Conversas sobre deficiência visual 17
Qual é o papel da escola? necessário acompanhá-lo nesse trajeto percorrido
E da sociedade? pelo seu corpo, prestando atenção ao referencial
perceptual que ele irá revelar, que não é o da visão.
Além da família, a escola e a sociedade também podem
Partindo dos próprios caminhos perceptuais dos
(e devem) contribuir no sentido de ajudar a enfrentar
deficientes visuais, o educador pode oferecer-lhes
os obstáculos colocados pela deficiência. A escola é uma
oportunidades para entrarem em contato com novos
das grandes aliadas na luta pela integração. Nesse es-
objetos, pessoas e situações e, assim, saber (ou
paço, as questões relacionadas a preconceitos, mitos e
aprender).
estigmas podem ser debatidas e analisadas por todos:
professores, alunos e funcionários.
Aprender é aqui entendido como a capacidade humana
de receber, colaborar, organizar novas informações e, a
Ao abrir suas portas igualmente para os que enxer- partir desse conhecimento transformado, agir de forma
gam e os que não enxergam, a escola deixa de repro- diferente do que se fazia antes. Aprende-se numa relação
duzir a separação entre deficientes e não-deficientes com o outro ser humano e/ou com as coisas a seu redor.
que há na sociedade. (Masini, 1993)
Os portadores de deficiência freqüentemente fi- O convívio com pessoas portadoras de deficiência (de
cam segregados, escondidos, e a maioria das pessoas qualquer tipo) contribui para facilitar a quebra de ta-
não entra em contato direto com eles. Por isso, ao bus e de estigmas, favorecendo a plena inclusão do
encontrar uma pessoa com deficiência, esses indiví- portador de deficiência na sociedade e auxiliando a
duos ficam inseguros, sem saber o que fazer, e às ve- família a lidar com essa deficiência.
zes acabam tomando atitudes defensivas e
preconceituosas. Todos os que rodeiam o deficiente visual precisam se
Ao se tornar um espaço de inclusão, a escola pro- conscientizar de que suas relações interpessoais po-
move trocas enriquecedoras para toda a equipe esco- dem ser saudáveis e baseadas na reciprocidade, pois
lar, incluindo os alunos e suas famílias. ele é uma pessoa total e capaz.
A fonte de informações mais importante para o
educador traçar sua diretriz de ação junto ao edu- Porém, como bem lembra Renata Neves, profes-
cando é saber como ele é (como percebe, age, pen- sora de dança e fonoaudióloga, é preciso tomar cui-
sa, fala e sente). O deficiente visual percebe a reali- dado para não minimizar as potencialidades e a con-
dade que está a sua volta por meio de seu corpo, na dição de ser do indivíduo.
sua maneira própria de ter contato com o mundo A cooperação das famílias e a mobilização da co-
que o cerca. munidade em busca de melhor qualidade de vida,
Para conhecer o deficiente visual e seus significa- educação e participação social das pessoas com defi-
dos (interesses e conhecimentos) e habilidades, é ciência anuncia novos tempos, de combate às atitu-
10. 18 Programa 1 Conversas sobre deficiência visual 19
des discriminatórias, de disseminação do conhecimen- mundial, das potencialidades da pessoa com defici-
to e, principalmente, com a criação de uma sociedade ência, da música produzida por Johann Sebastian
mais acolhedora e solidária. Bach, da obra literária de Jorge Luis Borges, da músi-
ca de Ray Charles, Stevie Wonder, Andréa Bocelli e
Mitos, crendices e superstições muitos outros.
A crescente participação de pessoas portadoras de
Devido à ignorância de suas causas, a cegueira com
deficiência na vida social, em escolas, clubes, empre-
freqüência despertou medo e superstição nas pesso-
sas ou igrejas, favorece a todos: a diversidade estimu-
as, ao longo dos séculos.
la e enriquece nossa percepção.
Na antiga Grécia, a palavra ‘estigma’ se referia a
sinais corporais, associados a uma condição moral
As pessoas com deficiência são como você: têm os
inferior; a pessoa marcada por um estigma devia ser
mesmos direitos, sentimentos, sonhos e vontades.
evitada, principalmente em locais públicos. A ceguei-
Ter uma deficiência não torna a pessoa melhor ou
ra, como outras deficiências, estava entre os estig-
pior. O portador de deficiência não é um anjo, nem
mas denunciadores de péssimo caráter – seus porta-
um modelo de virtudes: é uma pessoa.
dores eram marginalizados, excluídos do convívio
social. Já na Idade Média, a cegueira era vista como
Se você se relaciona com uma pessoa deficiente,
um castigo divino.
evite agir como se a deficiência não existisse, pois isso
Por outro lado, houve sociedades em que o cego
implicaria ignorar uma característica pessoal impor-
era considerado um favorito dos deuses: com sua
tante. Aja com naturalidade; se acontecer algo emba-
‘visão para dentro’, ele veria coisas que escapavam
raçoso, uma dose de delicadeza, sinceridade e bom
aos demais. Isso fazia dele um ser superior, um pri-
humor nunca falha.
vilegiado.
À medida que a ciência foi identificando as cau- Quantos brasileiros
sas e os mecanismos da perda de visão, essas concep- têm deficiência visual?
ções fantasiosas foram mudando gradualmente.
Porém, muitas pessoas ainda se perturbam dian- A Organização Mundial de Saúde estima que, nos
te de uma pessoa com deficiência. De certa forma, é países em desenvolvimento, como o Brasil, de 1 a 1,5
natural que se sintam desconfortáveis diante do ‘di- por cento da população é portadora de deficiência
ferente’. Mas esse desconforto diminui, ou até desa- visual. Assim, no Brasil haveria cerca de 1,6 milhão de
parece, quando se abre a possibilidade de um conví- pessoas com algum tipo de deficiência visual, sendo
vio mais freqüente com pessoas deficientes e de um a maioria delas com baixa visão.
maior conhecimento da dimensão do problema. Calcula-se ainda que, a cada 3 mil crianças, uma
A civilização moderna em muito se beneficia dos é cega, e que a cada quinhentas crianças, uma tem
feitos de Helen Keller como divulgadora, em escala visão subnormal.
11. 20 Programa 2 21
Pelos dados do Censo Escolar, em 1998 havia
337.326 alunos com necessidades especiais matricu- O COMEÇO DA VIDA:
lados em escolas de todo o país. Destes, 15.473 (ou 0 A 3 ANOS
4,6 por cento) apresentavam deficiência visual; a
maioria deles (9.907) cursava o ensino fundamental
em escolas da rede pública estadual.
Os especialistas estimam que os casos de deficiência
visual poderiam ser reduzidos em até 50 por cento se ários autores identificam como ‘sensório-motor’
fossem adotadas medidas preventivas eficientes nas
áreas de saúde e educação e se houvesse mais infor-
V o período que vai do nascimento até os 3 anos
de idade, pois é a fase da construção do siste-
mação disponível. ma de significação, do desenvolvimento cognitivo e da
interação com o meio ambiente.
Cabe à sociedade oferecer oportunidades para que Nessa fase, tenham ou não deficiência visual, os
as pessoas com limitações em seu relacionamento recém-nascidos desenvolvem todos os seus sentidos
visual com o mundo possam desenvolver toda sua (olhando, cheirando, pegando e experimentando
capacidade física e mental e usufruir dela. Há, ainda, tudo), e também seu sistema motor: aprendem a sus-
muito a ser feito, mas é preciso reconhecer que já tentar a cabeça, rolar, engatinhar, andar, correr, pu-
ocorreram muitas conquistas e avanços. lar, em um processo intenso e dinâmico. Nos primei-
ros meses de vida eles captam fundamentalmente as
sensações de calor, frio, dor, contato, pressão – for-
mas simples de percepção tátil.
É assim que a criança vai construindo seu conhe-
cimento, interagindo com o meio, com as pessoas ao
redor, comunicando-se e recebendo em troca informa-
ções de todo tipo.
A criança deficiente visual (cega ou com baixa vi-
são) desde o início sofre limitações em suas possi-
bilidades de apreensão do mundo externo e de adap-
tação ao meio. Ela precisa contar com pessoas dis-
poníveis para ajudá-la a explorar o mundo e a ela-
borar suas próprias informações, usando os demais
órgãos dos sentidos – audição, olfato, tato e paladar –
para ganhar autoconfiança e senso de equilíbrio.
12. 22 Programa 2 O começo da vida: 0 a 3 anos 23
Bebês com deficiência visual Assim sendo, os adultos devem se preocupar
em desenvolver atividades variadas de estimulação,
Todos nós utilizamos uma variedade de recursos para de forma gostosa, como brincadeiras, várias vezes
nos orientar no espaço; a visão é um deles. O bebê por dia.
que enxerga é dotado de um potencial biológico para
compreender gradualmente o ambiente e se adaptar É importante observar o bebê, para perceber o mo-
a ele, usando todos os sentidos. Já o bebê sem o sen- mento em que está pronto para experimentar no-
tido da visão precisa integrar e sintetizar os dados e vos movimentos e posições, sem jamais forçar uma
as informações captados no ambiente usando os ou- situação.
tros canais de percepção sensorial.
Quanto mais cedo forem iniciadas as atividades e
É importante que o bebê deficiente visual apren- quanto mais interessantes elas forem, mais satisfeito
da a usar seus outros sentidos o mais cedo possí- ficará o bebê e mais motivado para tentar novas po-
vel, para se localizar e reconhecer seu espaço, evi- sições. Se desde cedo for mudado de posição freqüen-
tando atrasos em atividades como engatinhar e temente (com a barriguinha para baixo, de lado e de
andar. Trata-se de uma questão de aprendizado, costas), ele poderá se sentir confortável em qualquer
pois ele possui o mesmo potencial dos bebês do- uma, gostando das mudanças.
tados de visão.
Um caso que merece atenção especial é o dos bebês cuja
Sem poder reagir a estímulos visuais – um brin- deficiência visual resulta de retinopatia da
quedo com cores fortes, o vestido da mãe, a lâmpada prematuridade, situação em que a retina não atinge o
que se acende –, o bebê não tem motivações para amadurecimento completo devido ao parto prematuro,
erguer a cabeça, rolar de lado, tentar alcançar alguma ou a um excesso de oxigênio na incubadora. Essa mes-
coisa. Como se mexe pouco, seus músculos não se ma prematuridade provoca também o desenvolvimento
desenvolvem e ele não se prepara para sentar, insuficiente da musculatura, que não amadurece comple-
engatinhar e, depois, andar. tamente no útero, prejudicando a motricidade.
Freqüentemente, os bebês com baixa visão prefe-
rem ficar em um ambiente constante e familiar, te- Se não forem estimulados, os bebês com defici-
mendo as mudanças – mesmo que seja apenas uma ência visual tendem a ficar ‘grudados’ no colchão,
mudança de posição. Alguns, por exemplo, querem mantendo a maior parte possível do corpo em conta-
permanecer de costas, escolhendo a estabilidade e a to com a superfície. Com isso, acabam fortalecendo os
imobilidade para se proteger do desconhecido mun- músculos errados, o que bloqueia a capacidade de re-
do ameaçador. Mas eles precisam aprender a aceitar laxamento e tensiona os músculos, dificultando, en-
as mudanças. fim, o futuro desenvolvimento motor.
13. 24 Programa 2 O começo da vida: 0 a 3 anos 25
Mãos: ferramentas preciosas ção preênsil (tirar, colocar, abrir, fechar, tampar,
empilhar etc.).
Há milhares de anos, quando o homem começou a
Com as mãos, o bebê compreende que um obje-
andar em posição ereta, libertou suas mãos da ta-
to existe e pode entender para que serve. É a mão
refa da locomoção. Assim, as mãos puderam evoluir
que lhe dá as informações necessárias para locali-
e se tornaram o principal instrumento para agir e
zar, analisar e conhecer os brinquedos e outros ob-
dominar o ambiente, além de ser um meio de ex-
jetos. Com as mãos, ele descobre a forma e percebe
pressão e de comunicação, e também um órgão de
o calor do rosto da mãe, adquire conceitos espaciais,
percepção.
entende a relação entre os objetos, integra seu es-
Se as mãos têm tamanha importância para o ser
quema corporal etc.
humano, é fácil imaginar seu papel na vida das pes-
Durante toda a vida da pessoa com deficiência vi-
soas com deficiência visual. As informações chegam
sual, a mão é um recurso privilegiado de conhecimen-
a elas por dois canais principais: a linguagem – pois
to. Mas nos primeiros anos de vida, enquanto a lin-
ouvem e falam – e a exploração tátil, que depende
guagem está num estágio incipiente, ela desempenha
especialmente das mãos.
um papel ainda mais relevante.
As mãos são os olhos das pessoas com deficiência
visual. O uso das mãos como instrumento de percep-
Estimulação precoce
ção deve ser intensamente estimulado, incentivado Em um processo trabalhoso, mas também muito inte-
e aprimorado. ressante, os adultos que acompanham a criança com
deficiência visual têm a função de ajudá-la a utilizar as
O adulto que nasceu deficiente visual, ou adquiriu mãos para descobrir o mundo e se interessar por ele.
essa deficiência mais tarde, sempre pode aprender mui- Esse trabalho recebe o nome de estimulação precoce.
to graças à linguagem oral e gestual, ao pensamento abs-
trato, aos símbolos etc. Mas o bebê com deficiência vi- O conceito de estimulação precoce adotado pelo Mi-
sual precisa percorrer um longo caminho antes de dis- nistério da Educação (Série Diretrizes no 3, Secretaria
por desses recursos, que se desenvolvem com a idade. de Educação Especial, 1995) é o seguinte:
Desde o nascimento, é preciso despertar na crian-
ça cega o desejo de conhecer e aprender. Os pais de- Conjunto dinâmico de atividades e de recursos humanos
e ambientais incentivadores, destinados a proporcionar
vem conversar mais com um recém-nascido portador
à criança, nos seus primeiros anos de vida, experiências
de deficiência visual do que se faz geralmente com os significativas para alcançar pleno desenvolvimento no seu
não-deficientes. processo evolutivo.
Cada vez mais, a principal adaptação requerida
pela cegueira consiste em transformar a mão em um A estimulação precoce é uma ação facilitadora para
órgão também de percepção, sem perder sua fun- a construção do conhecimento, por meio da interação e
14. 26 Programa 2 O começo da vida: 0 a 3 anos 27
da comunicação com o outro. Trata-se de um processo trabalham em ‘equipe’, o resultado final da pesquisa
que procura despertar a curiosidade e o interesse pela se torna impossível. Exercícios como bater palmas,
descoberta do mundo, estimulando a iniciativa e a au- segurar a mamadeira com as duas mãos, bater dois
tonomia da criança com deficiência visual. objetos entre si horizontalmente, ou bater num pan-
Cada atividade de estimulação pode envolver várias deiro são ótimos para desenvolver a coordenação
funções ao mesmo tempo. Por exemplo: se jogamos bimanual.
uma bola com guizos para a criança, estamos trabalhan- Inicialmente, o bebê cego não está interessado
do a coordenação ouvido/mão, a exploração da forma em tatear os objetos; seu interesse se concentra em
e da textura da bola, seu uso, sua função, a permanên- sensações de calor, na maciez do rosto das pesso-
cia do objeto e a compreensão da organização espacial. as, em sua chupeta, no lençol do berço, no ato de
O deficiente visual vivencia o mundo por meio do ser balançado. Brincar com essas sensações é um
tato. Essa percepção permite à criança compreender bom começo.
que existe algo fora de si mesma, um mundo exterior Cabe aos pais, ou a outras pessoas que convi-
povoado de objetos e pessoas, cada um com seu vam com o bebê, aproximar os estímulos que estão
nome, sua forma e sua função próprias. fora de seu campo de percepção, facilitando a ex-
No entanto, para que o sentido do tato e seus prin- ploração e desenvolvendo seu interesse: orientar os
cipais agentes, as mãos, se coloquem a serviço do movimentos para que a criança acaricie os objetos
bebê cego, ou com visão residual, é preciso que ocor- com a palma da mão, com tempo para descobri-los
ram duas adaptações: e conhecê-los.
• A mão deve ser ‘educada’ para se transformar em
É fundamental perceber as necessidades, interes-
órgão de percepção, em instrumento de explo- ses e desejos da criança e brincar enquanto ela esti-
ração e de conhecimento. ver disposta, deixando tempo para que descanse,
coma, durma – e encerrando a atividade assim que
• A coordenação bimanual (das duas mãos) e a
observar sinais de cansaço.
coordenação ouvido/mão precisam substituir a
Uma intervenção invasiva ou excessiva pode tra-
coordenação olho/mão estabelecida pelas crian-
ças que enxergam. zer riscos. A receita é: estimular sem saturar, ajudar
sem invadir. Encontrar o equilíbrio entre esses dois
extremos depende da relação e da sintonia que esta-
É nossa tarefa ajudar a criança deficiente visual a
belecemos com o bebê.
encontrar caminhos eficazes e alegres para alcançar
essas adaptações. Brincar é a forma mais simples e
Brincando com as mãos
mais efetiva de interação com a criança.
Entre 12 e 16 meses de idade ocorre uma mudança
A coordenação de ambas as mãos é indispensá- significativa na forma de os bebês se aproximarem
vel para a criança perceber as coisas; se as mãos não dos objetos. É o momento em que a criança cega
15. 28 Programa 2 O começo da vida: 0 a 3 anos 29
começa a utilizar mais suas mãos, explorando cuida- • Colocar a criança sentada, com objetos entre suas
dosamente os objetos para identificá-los e dar-lhes pernas, ou bem perto dela, na sua frente ou a
um uso funcional. Mas, antes de usar as mãozinhas seu lado.
para fazer uma exploração detalhada, o bebê brinca • Em um espaço aberto, incentivar a criança a
com os objetos e gosta de colocá-los na boca. engatinhar, atraindo-a com objetos sonoros.
Se retirarmos um objeto das mãos de um bebê
cego de menos de 8 meses de idade, ele não vai ten-
O tato e o mundo sonoro
tar resgatá-lo. Para ele, as coisas aparecem e desa-
parecem de seu campo tátil, sem que entenda a ra- O desenvolvimento psicológico do bebê deficiente
zão, pois não vê o movimento do objeto, ao cair ou visual é especialmente vulnerável. Os recursos funda-
ser retirado. mentais de que dispõe para ajudar a integrar as in-
O único meio de o bebê compreender a existên- formações recolhidas no ambiente são a percepção
cia de realidades exteriores fora de seu campo tátil e a sonora, além da afetividade.
perceptivo táctil é a experimentação. Para tanto, o O tato permite analisar um objeto de forma par-
adulto deve dirigir as mãos da criança para os obje- celada e gradual. A visão, ao contrário, é sintética e
tos, levando-a a deduzir que as coisas permanecem globalizadora. Assim, as informações parciais
por perto e poderão ser alcançadas, se ela quiser. Di- fornecidas pelo tato precisam ser integradas, para
versas atividades colaboram nesse sentido: chegar a uma conclusão global.
• Brincar com o rosto ou com as mãos dos pais. Quando se interessa por alguma coisa, o bebê
Encostamos na criança e afastamo-nos um deficiente visual pode permanecer pesquisando du-
pouquinho, de modo que o menor movimento rante longo tempo. Os adultos muitas vezes ficam
dela permita o encontro. impacientes, sem entender que a demora equivale ao
tempo necessário para conhecer o objeto, pois a crian-
• Movimentar objetos, com a mão da criança
ça está iniciando seu processo de abstração.
apoiada sobre a nossa ou sobre algum de seus
objetos favoritos.
A tarefa de explorar e conhecer um objeto requer
• Colocar objetos sobre o peito da criança, para
grande esforço da criança portadora de deficiência
que ela possa senti-los e procurá-los com as
visual. Por isso, ela precisa contar com situações ade-
mãozinhas.
quadas de aprendizagem, sem precipitação nem im-
• Colocar objetos junto ao corpo do bebê, em paciência.
posições variadas.
• Colocar objetos, de preferência sonoros, bem A percepção auditiva ajuda a criança portadora de
perto de seus braços, para que sejam percebidos deficiência visual a compreender que existe uma rea-
ao menor movimento. lidade exterior, separada dela. No entanto, ela ainda
16. 30 Programa 2 O começo da vida: 0 a 3 anos 31
precisa aprender o significado dos sons. Por exemplo: A voz e o toque são as melhores formas de tran-
ao ouvir a batida de uma porta, não sabe como é a qüilizar e confortar a criança. É importante desenvol-
porta, para que serve, e nem que é feita de madeira. A ver quaisquer atividades de forma lenta e suave, por
aquisição do significado do mundo dos sons é um pouco tempo de cada vez. Dedicar alguns minutos,
processo lento. várias vezes ao dia, é a melhor forma de estimulá-la,
Objetos sonoros em geral são bem aceitos por sem deixá-la cansada ou irritada.
bebês com deficiência visual. Já a preferência por
texturas varia muito: alguns não gostam do conta- O domínio do corpo
to com a pelúcia; outros, rejeitam objetos de bor-
racha. A mãe logo aprende as preferências de seu Muitas vezes, a criança deficiente visual demora mui-
filho. to tempo para se sentir confiante e segura o suficien-
te para andar sozinha. Afinal de contas, é assustador
Desenvolvimento afetivo andar sem conseguir dominar a situação, sem ver o
ambiente em que se desloca.
O desenvolvimento afetivo é fundamental para garan- Mas os adultos não devem desanimar; vale a pena
tir à criança cega o desenvolvimento normal de seus ser paciente e insistir. Se ela for aprendendo a andar
conhecimentos e a formação de uma personalidade com apoio, vai chegar a hora em que possa andar
harmônica. Embora isso seja verdadeiro para todas as sozinha. A prática aumenta sua competência e também
crianças, com ou sem deficiência, é ainda mais impor- a confiança nela e nos adultos.
tante para aquelas que possuem alguma deficiência. Por outro lado, essa criança não tarda a perceber
Desde cedo, a criança com deficiência visual que está cercada por muitos perigos, e isso restringe
manifesta uma forte preferência por pessoas, en- seus movimentos. E com freqüência os pais podem
quanto seu interesse por objetos demora mais a se deixá-la ainda mais medrosa, insegura e sem iniciati-
manifestar, em comparação com as crianças que en- va, ao impedir que se desenvolva como as outras cri-
xergam. As pessoas de quem ela gosta são muito sig- anças – que caiam, ralem o joelho, se machuquem,
nificativas e determinantes. Essa relação de víncu- mas aprendam a usar o corpo, a fortalecer os múscu-
lo deve ir evoluindo, abrindo lugar para o interesse los e a descobrir o mundo.
por objetos, por outras pessoas e pelo mundo exte- O trabalho feito para estimular o desenvolvimen-
rior em geral. to motor deve promover experiências multissenso-
riais, combinando movimentos com panos, bolas e
Na relação com o bebê portador de deficiência vi- bambolês e estímulos sonoros, como músicas e ins-
sual, é bom não esquecer estas palavras: conversar trumentos musicais, incentivando com brincadeiras
e acariciar. o uso do corpo.
17. 32 Programa 3 33
Família, escola e profissionais EDUCAÇÃO PRÉ-ESCOLAR:
Na escola de educação infantil ocorre um movimento 4 A 6 ANOS
de interação entre a criança e o ambiente que a ro-
deia, um trabalho conjunto envolvendo a família e a
comunidade (principalmente a comunidade escolar),
para auxiliar a criança com deficiência visual a inter-
pretar e assimilar o mundo.
O papel da comunidade escolar consiste em apoiar, ntre os 4 e os 6 anos, toda criança aprende a cal-
orientar e dar suporte à família, para que esta aprenda
a lidar adequadamente com sua criança, pois é com ela E çar sapatos, se vestir, tomar banho e adquire
várias outras habilidades, se encaminhando
que se dá a maior convivência. para a autonomia. Ao mesmo tempo, constrói concei-
Os programas de Intervenção Precoce, Educação tos e utiliza formas de expressão que serão funda-
Infantil e Escolar, adotados em escolas públicas par- mentais para o futuro aprendizado da leitura e da
ticulares e instituições especializadas, cuidam das escrita. Mas, para isso, ela precisa ser orientada e es-
necessidades da criança, ouvem os pais e escutam timulada. A ausência de estímulos vindos da família
suas prioridades e desejos, considerando o contexto e do grupo social e a limitação da aquisição de expe-
social em que vivem. riências por meio da privação de um dos órgãos dos
sentidos prejudica o desenvolvimento.
O programa de Educação Precoce deve possibilitar a No caso da criança com deficiência visual, é mais im-
integração da criança com deficiência visual na famí- portante ainda desenvolver os órgãos dos sentidos de que
lia, na escola e na comunidade, pela interação com ela dispõe, já que lhe falta a visão, principal canal de apre-
crianças e adultos. ensão do mundo exterior. Ela não pode ser superprotegida
e ficar em uma redoma de vidro: deve ser incentivada a
O ideal é realizar um trabalho conjunto, no qual pro- desenvolver seu potencial e sua curiosidade. Se levar tom-
fissionais e famílias possam se reunir e trocar informa- bos, arranhões, ralar o joelho, ficar suja, isso deve ser vis-
ções. Na prática, infelizmente, nem sempre é possível: em to com naturalidade – afinal, é uma criança!
algumas localidades não há esse tipo de serviço; outras Nessa etapa da vida (de 4 a 6 anos), a aprendiza-
vezes, a família não tem recursos para matricular o filho gem significativa e conceitual passa pelas vivências
em escolas especializadas, ou mesmo ignora a existência corporais no espaço e no tempo; daí a importância de
desses recursos, achando que nada há a fazer. brincadeiras e jogos que estimulem a imaginação, de
atividades lúdicas e recreativas. A criança gosta de
ouvir histórias e de ter amiguinhos, por isso as ativi-
dades em grupo são muito mais enriquecedoras.
18. 34 Programa 3 Educação pré-escolar: 4 a 6 anos 35
As atividades lúdicas e exploratórias, os jogos e as As situações de integração são variadas: algumas
brincadeiras, ajudam a reconhecer as potencialidades escolas têm salas de apoio ou de recursos pedagógi-
de cada um, a desenvolver o raciocínio, a usar os ges- cos, com professores especializados; outras recebem
tos para exprimir idéias, pensamentos e emoções e a visita de professores itinerantes. Em outros casos, a
permitem que a criança entre em contato com seu criança com deficiência freqüenta duas escolas: uma
próprio corpo e com suas possibilidades de movimen- comum e outra especializada. E há famílias que pre-
tação, desenvolvendo assim sua consciência corporal ferem pagar um professor particular.
e seu autoconhecimento. Alguns municípios estão promovendo a inclusão
de crianças com deficiência já na fase de creche, e os
Ao acreditar em si mesma, a criança passa a resultados têm sido muito positivos: crianças que
confiar mais nos outros e aprende a brincar e a convivem com a diversidade desde pequenas tendem
atuar em grupo, trocando o isolamento por novas a crescer com menor carga de preconceitos e a acei-
amizades. tar com naturalidade as diferenças.
O processo de aceitação da criança com deficiên-
cia depende do trabalho conjunto de profissionais
O primeiro dia na pré-escola especializados e da equipe escolar, com a participa-
Muitas crianças, com deficiência ou não, começam a fre- ção da família.
qüentar a escola por volta dos 4 anos. Em geral, as difi- A adequação e a adaptação das atividades para
culdades de adaptação são superadas com naturalida- incluir a criança com deficiência visual serão fei-
de nas primeiras semanas, tanto pela criança quanto por tas, sempre que possível, de acordo com a
seus pais. No entanto, quando a criança é portadora de estruturação e a organização do cotidiano da esco-
uma deficiência, isso pode ser mais difícil, e às vezes la. Para isso, é indispensável que o professor de
frustrante, para ela e para os pais. Assim, esse processo apoio e o professor da classe comum trabalhem em
precisa ser seguido com atenção. conjunto.
Desde que tenha condições mínimas de comuni-
cação e de interação, de explorar o meio e de se orga- A integração escolar é um processo gradual e dinâmi-
nizar para compreender o ambiente que a rodeia, a co, que assume diferentes formas segundo as neces-
criança com deficiência visual pode e deve ser inte- sidades e as características de cada aluno e o contex-
grada à pré-escola comum (ou seja, com crianças não- to da escola.
deficientes).
No Brasil, a integração de crianças com deficiên- Para colher resultados positivos do processo de
cia visual e não-deficientes na pré-escola é recente e inclusão, é preciso que toda a equipe escolar esteja
se manifesta em ações isoladas e assistemáticas, sen- preparada para acolher a criança portadora de de-
do mais freqüente nas grandes cidades. ficiência, desde o porteiro até o diretor, passando pe-
19. 36 Programa 3 Educação pré-escolar: 4 a 6 anos 37
los colegas de classe e pelas demais crianças. gicos, de novos métodos e técnicas, deve ser preo-
Quando a escola desenvolve um processo de cupação de todos os que rodeiam a criança deficien-
sensibilização e de acolhimento da criança com defi- te visual.
ciência, os resultados costumam ser positivos, pois
todos se beneficiam: as crianças aprendem a exercer A parceria família/escola
a solidariedade e a conviver com o diferente; os pro-
fessores desenvolvem novas técnicas de ensino e A participação da família é fundamental para todo o
pesquisam novos materiais didáticos. processo de atendimento à criança portadora de de-
ficiência visual. Os pais precisam entender as dificul-
Aspectos positivos da integração dades do filho portador de deficiência, comunicando-
se com ele em uma atitude positiva diante dos desa-
O processo de integração pré-escolar, além de favo- fios impostos pela deficiência.
recer o desenvolvimento integral – motor, intelectual O trabalho de integração na escola depende cen-
e emocional – do aluno com deficiência visual, tam- tralmente da colaboração dos pais, aos quais cabe
bém contribui para o desenvolvimento de uma auto- fornecer informações a respeito das condições visuais
imagem positiva e para o enriquecimento e a amplia- (cegueira/visão subnormal) do aluno, do eventual
ção de conhecimentos, graças às experiências parti- uso da visão residual, de aspectos de seu desenvolvi-
lhadas com o grupo. mento global, da necessidade de adaptação do mate-
rial, da utilização de recursos ópticos, não-ópticos e
Requisitos da integração tecnológicos.
• Reavaliar a prática pedagógica, levando em conta o Os colegas da classe também devem ser informa-
potencial da criança portadora de deficiência visual, dos a respeito do colega portador de deficiência. O
o fato de ela apresentar uma perda (a ausência da ideal é que o professor crie situações em que a parti-
visão), e os fatores sociais e culturais do grupo a cipação e a cooperação ocorram espontaneamente –
que ela pertence; por exemplo, no trabalho em grupo –, sem que a crian-
• Utilizar os recursos específicos disponíveis (lentes ça com deficiência seja exposta a situações difíceis ou
especiais, máquina de escrever braille, jogos adap- constrangedoras.
tados, equipamentos de informática, softwares es- É preciso avaliar se as atividades propostas con-
pecíficos etc.). tribuem de fato para criar relações de amizade, evi-
tando a rejeição e/ou a superproteção. O professor
A proposta pedagógica da pré-escola enfatiza as- pode propor um rodízio para os companheiros aju-
pectos do desenvolvimento afetivo, cognitivo, social darem a criança com deficiência visual, quando ne-
e físico, privilegiando o atendimento das necessida- cessário, dentro e fora da sala de aula.
des da criança e envolvendo a família, sempre que É importante procurar dar oportunidades a todos
possível. A procura constante de recursos pedagó- de exercer a solidariedade e de perder o medo dos
20. 38 Programa 4 39
‘diferentes’, que ocorre naturalmente entre as crianças.
Com o tempo, os pais de todos os alunos perce- O ENSINO FUNDAMENTAL:
berão que a inclusão de crianças com deficiência traz 7 A 11 ANOS
um ganho para a classe. O professor, por sua vez, tam-
bém enriquece seu trabalho, ao se ver diante da ne-
cessidade de diversificar e tornar mais concretos os
conceitos e o material didático utilizados.
Defasagens no processo ntre os 7 e os 11 anos, mais ou menos, a principal
de desenvolvimento
Nessa faixa etária, é natural que a criança com defici-
E atividade da criança consiste em estudar. A escola
constitui o foco de seu mundo, local de aprendi-
zagem e de socialização, determinante de toda a rotina e
ência visual severa, ou cegueira, apresente defasagens
do ritmo de sua vida. Ela aprende a ler e a escrever e vê
de desenvolvimento em relação às videntes (que en-
se abrirem novos horizontes. Tudo isso é verdadeiro para
xergam). Ela começa a compensar as discrepâncias a
todas as crianças, inclusive as portadoras de deficiência
partir dos 6 ou 7 anos, com o estabelecimento da lin-
– talvez até com mais ênfase para estas.
guagem conceitual, que lhe torna possível verificar as
A leitura e a escrita ocupam um papel central em
hipóteses cognitivas.
nossa sociedade, convertendo-se em habilidade in-
dispensável, mesmo para quem não enxerga, mas dis-
A escola pode tomar diversas medidas com o objeti-
põe de técnicas diferentes, como o braille.
vo de capacitar os professores e a comunidade esco-
lar para lidar com as diferenças, como por exemplo:
Diferentes processos
• promover reuniões para discutir as dificuldades; de desenvolvimento
• convidar especialistas para fazer palestras a pro-
Mesmo antes de aprender a ler e a escrever, a criança
fessores e alunos;
vidente (que vê) incorpora muitas noções a respeito
• distribuir literatura e exibir vídeos a respeito do
da escrita: ela observa as embalagens, vê cartazes na
assunto;
rua, anúncios na televisão, folheia livros, revistas e
• convidar pais de crianças portadoras de deficiên- jornais, vê as pessoas lendo e escrevendo. Sem per-
cia, ou professores que já tiveram essa experiên- ceber, ela vai incorporando assistematicamente hábi-
cia, para dar depoimentos. tos de leitura e escrita; mesmo as menores fingem ‘es-
crever’: fazem rabiscos no papel, desenham, brincam
de escolinha.
Esse contato constante com a palavra escrita cria
motivações para a alfabetização, pois a criança perce-
21. 40 Programa 4 O ensino fundamental: 7 a 11 anos 41
be o objetivo e o significado da leitura. A experiência e o aprendizado das crianças porta-
Logo que o aluno chega à escola, o professor pro- doras de deficiência visual dependem muito de seus
cura avaliar cuidadosamente seu desenvolvimento outros órgãos dos sentidos, já que não contam (total
psicomotor e cognitivo, buscando também conhecer ou parcialmente) com a visão. A falta de estímulos e
suas habilidades sensoriais (táteis, auditivas e vi- experiências que mobilizam os sentidos disponíveis
suais), pois tudo isso é importantes para o processo pode prejudicar a compreensão das relações espaciais
de alfabetização. e temporais e a aquisição de conceitos necessários ao
A aprendizagem das técnicas de leitura e escrita processo de alfabetização.
depende do desenvolvimento simbólico e conceitual Porém, não se pode deixar de considerar que cada
do aluno, de sua maturidade mental, psicomotora e criança tem uma história de vida peculiar e, conse-
emocional. Esse processo não acontece de forma es- qüentemente, desenvolve habilidades e características
pontânea: resulta da orientação e do estímulo ofere- muito pessoais. Assim, o mais importante é que o
cidos pelo professor, que escolhe um método e um professor procure conhecer e entender cada aluno de
processo de alfabetização, bem como técnicas adequa- sua sala.
das para desenvolver seu trabalho.
Logo de início, o aluno com deficiência visual (seja Não há uma receita pronta e infalível para educar essa
cegueira ou baixa visão) apresenta uma desvantagem ou aquela criança. O alfabetizador precisa conhecer
básica: a perda (ou a redução) da visão. De modo o aluno que está sob seus cuidados.
genérico, podemos destacar algumas características de
seu processo de desenvolvimento:
• ele precisa mais tempo para assimilar determina- Braille ou tipos ampliados?
dos conceitos, especialmente os mais abstratos;
O portador de visão subnormal deve utilizar auxílios
• requer estimulação contínua; ópticos adequados e materiais adaptados a suas ne-
• mostra dificuldade de interação, apreensão, ex- cessidades especiais, como por exemplo os textos com
ploração e domínio do meio físico; letras ampliadas. Na sala de aula, o professor precisa
• desenvolve mais lentamente a consciência cor- estar atento para planejar a melhor posição (localiza-
poral. ção da carteira em relação à lousa, à janela etc.) do
aluno, de forma a facilitar sua aprendizagem.
São muitas as carências da criança portadora de Não há uma regra única: tudo vai depender do
deficiência visual. É importante que o professor e grau de visão da criança e do tipo de patologia que
a família levem em conta as inevitáveis diferenças ela tem. Dependendo do grau de visão, o aluno apren-
em relação à criança que enxerga, evitando fazer derá o sistema braille, ou disporá de textos com le-
comparações. tras escritas em tamanho maior que o comum (tipos
ampliados) e com maior espaço entre as linhas.
22. 42 Programa 4 O ensino fundamental: 7 a 11 anos 43
Um pouco de história O sistema braille, inscrito em relevo, é explorado por
meio do tato. Cada ‘cela’ é formada por um conjunto
A primeira tentativa conhecida no sentido de desenvolver
de seis pontos, permitindo 63 diferentes combinações
um sistema de leitura para pessoas sem visão ocorreu em
para obter todos os sinais necessários à escrita: letras
1580, quando letras do alfabeto romano foram gravadas
do alfabeto, sinais de pontuação, maiúsculas e minús-
em baixo-relevo, sobre pedacinhos de madeira.
culas, símbolos de Matemática, Física, Química e no-
Em 1825, Louis Braille inventou um eficiente sis-
tação musical.
tema de leitura e escrita para cegos, que leva seu nome
Os seis pontos são dispostos em duas co- 1 4
e ainda hoje é usado no mundo inteiro.
lunas, com três pontos em cada uma, forman- 2 5
do um retângulo, ou ‘cela’ de 6 milímetros de 3 6
O alfabeto braille
altura por 2 de largura. Para facilitar sua iden-
a b c d e tificação, os pontos são numerados.
O sistema braille pode ser escrito com dois tipos
de equipamento: o conjunto manual de reglete e
punção e a máquina de datilografia (Perkins-Braille),
f g h i j que começou a ser produzida no Brasil em 1999.
Alfabetização da criança
com deficiência visual
k l m n o Ao contrário da criança que enxerga, a cega demora a
conceber a idéia de leitura e escrita. Muitas vezes, só
entra em contato com esse universo no período esco-
lar, e isso inevitavelmente retarda seu processo de al-
fabetização.
p q r s t
O material braille não é tão atraente ao tato
como os livros coloridos são para a visão; por isso,
não é tão fácil despertar o interesse da criança.
Outro fator que interfere na motivação para a apren-
u v x y z dizagem está no estímulo familiar. Bem poucas pes-
soas conhecem o sistema braille. Assim, não só o
acompanhamento em casa se torna mais complica-
do, como também fica difícil para os adultos ava-
liar e valorizar os esforços do estudante e os pro-
23. 44 Programa 4 O ensino fundamental: 7 a 11 anos 45
gressos que ele faz. Dificilmente um cego poderá O aluno que tem visão parcial suficiente para ler e
ouvir frases de estímulo como: Que letra bonita você escrever com materiais comuns precisa ficar sentado
tem!, ou: Deixe-me ver seu caderno?. perto do quadro negro e utilizar recursos ópticos (ócu-
los com lentes próprias, lupas etc.). Dependendo do
Cabe à escola abrir frentes de conhecimento, suprir grau de deficiência, ele precisará usar tipos amplia-
lacunas e minimizar as carências. A educação precisa dos e escrever em cadernos especiais, com maior es-
investir com vigor no desenvolvimento integral da paço entre as linhas.
criança, utilizando técnicas e recursos específicos para
promover a aprendizagem pelo sistema braille. Como é a leitura no sistema braille?
As pessoas com deficiência visual nem sempre con-
O aprendizado da leitura e da escrita em braille seguem ter suficiente velocidade de leitura para con-
requer um elevado desenvolvimento das habilida- seguir ler de forma eficiente e prazerosa. A velocida-
des motoras finas, além de flexibilidade nos punhos de da leitura em braille depende da idade em que a
e agilidade nos dedos. Se possível, a escola deve pessoa aprendeu a ler, e também do grau de desen-
oferecer treinamento para desenvolver tais habili- volvimento do tato: quanto maiores forem as oportu-
dades, em situações concretas. Se a escola não dis- nidades para pesquisar e explorar o ambiente e quan-
puser de meios para isso, a família precisará bus- to antes se iniciar o processo de alfabetização, melhor
car auxílio especializado. será a qualidade da leitura.
Se tiver um aluno cego em sua sala, o professor Para o cego, a atividade de leitura envolve dificul-
precisa sempre: dades bem peculiares. Por exemplo: a pessoa vidente
• falar em voz alta o que está escrito no quadro pode ler durante horas, sem parar; já a pessoa cega é
negro; obrigada a interromper a leitura após algum tempo,
• sempre que possível, passar para esse aluno es- pois os dedos indicadores (os mais utilizados para ler)
pecial a mesma lição dada aos outros, em classe vão perdendo a sensibilidade e se torna difícil iden-
ou para casa; tificar as palavras e as letras.
• buscar apoio com o professor especializado (da Pesquisas comprovam que a leitura tátil é três vezes
sala de recursos, de apoio pedagógico ou do en- mais fatigante que a leitura visual.
sino itinerante), que ensinará à criança o siste-
ma braille e acompanhará o processo de apren- Também são cansativos os movimentos das duas
dizagem e de desenvolvimento do raciocínio; mãos e a posição em que se precisa manter os braços. A
• a partir do momento em que a criança estiver temperatura ambiente é outro fator adverso; no tempo
alfabetizada, orientá-la para que anote todas as frio, é comum a sensação de amortecimento nos dedos,
tarefas. o que prejudica o tato.
24. 46 Programa 4 O ensino fundamental: 7 a 11 anos 47
Assim, o professor não precisa mudar seus procedi-
Como facilitar a leitura em braille
mentos quando tem um aluno portador de deficiência
Algumas medidas simples contribuem para facilitar a
visual em sua sala, mas apenas intensificar o uso de
leitura em braille, como por exemplo:
materiais concretos, para ajudar a abstrair os conceitos.
• distribuir o texto de forma lógica no espaço do pa- O sorobã, ou ábaco, é fundamental para o ensino
pel; se ele estiver ‘espalhado’, fica difícil a localiza- da Matemática. Seu manuseio é fácil e aprender a usá-
ção pelo tato e, conseqüentemente, a leitura se tor- lo é útil mesmo para o professor de classe comum.
na cansativa; Outra técnica complementar indispensável para o
• um resumo colocado antes do texto completo des- aprendizado do aluno com deficiência visual é o cálculo
perta o interesse e aumenta a segurança, pois a pes- mental, que precisa ser estimulado desde o início e será
soa tem uma idéia do conteúdo. de grande valia, entre outras coisas, no estudo da álgebra.
Resultados esperados A tecnologia na educação
Ao final do processo de alfabetização, a criança deve-
do aluno deficiente visual
rá ter desenvolvido habilidades para: O enorme avanço na área da informática tem pro-
• expressar seus pensamentos por escrito com cla- porcionado recursos valiosos para o processo de
reza, espontaneidade e criatividade; ensino-aprendizagem do portador de deficiência
• ler com fluidez, entonação e ritmo; visual.
Há dois tipos de sistema de ampliação de letras
• compreender e interpretar pequenos textos;
para as pessoas com visão reduzida:
• escrever orações e pequenos textos de estrutura sim- • softwares especiais, como o programa Lentepro,
ples, com palavras de seu vocabulário cotidiano. desenvolvido pelo Núcleo de Computação Ele-
trônica da Universidade Federal do Rio de Janei-
O aprendizado da Matemática ro, entre outros;
O aluno com deficiência visual tem as mesmas condições • sistemas que permitem a ampliação direta do
de um vidente para aprender Matemática, acompanhan- texto, como os circuitos fechados de televisão.
do idênticos conteúdos. No entanto, se faz necessário Para pessoas com cegueira, há softwares que, com um
adaptar as representações gráficas e os recursos didáticos. sintetizador de voz, fazem a leitura do que aparece
Com freqüência, ao criar recursos didáticos especiais escrito na tela do microcomputador. No Brasil, temos
para o aprendizado de alunos com necessidades espe- alguns programas com essa tecnologia, como por
ciais, o professor acaba beneficiando toda a classe, pois exemplo o Dosvox, desenvolvido pelo Núcleo de
recorre a materiais concretos, facilitando para todos a Computação Eletrônica da Universidade Federal do
compreensão dos conceitos. Rio de Janeiro; e o Virtual Vision, desenvolvido pela
25. Sorobã
48
O sorobã, ou ábaco, é um instrumento usado tradicionalmente no Japão para fazer cálculos ma-
temáticos (muito antes das maquininhas eletrônicas). Ele torna possível realizar as operações
matemáticas (adição, subtração, multiplicação, divisão, radiciação e potenciação) com rapidez e
eficiência. Além de tudo, é um objeto de baixo custo e grande durabilidade. No Brasil, o sorobã
foi adaptado para o uso de deficientes visuais em 1949, e é hoje adotado em todo o país.
1 2
5
6
Programa 4
3 4 7
1. Moldura, assentada sobre suportes de borracha sete espaços.
na base, para evitar o deslizamento. 5. Parte superior, com 1 conta em cada haste.
2. Régua, que divide as partes inferior e superior. 6. Parte inferior, com 4 contas em cada haste.
3. Eixos ou hastes, ao longo dos quais as contas 7. Borracha que se apóia na base da moldura do
são movimentadas. sorobã, evitando que as contas deslizem livre-
4. Pontos salientes, que dividem a régua em mente, sem ser movidas pelo operador.
Valores:
• Na parte superior cada conta vale 5 unidades. espaço delimita o conjunto seguinte de hastes que
• Na parte inferior cada conta vale 1 unidade. correspondem ao milhar: unidade, dezena e cen-
O ensino fundamental: 7 a 11 anos
• As três primeiras hastes formam a classe das uni- tena de milhar. E assim por diante. No sorobã é
dades simples: unidades, dezenas e centenas. O possível registrar até quintilhões.
Exemplo 1 Exemplo 2 - Representação de uma soma: 36 + 12.
1. Registrar a primeira parcela (36).
2. Adicionar 1 dezena (do número 12) às 3 de-
zenas registradas e 2 unidades às 6 unidades já
2 2 3 2 2
registradas.
Aqui o sorobã está
registrando o nú-
mero 22.322. 3. Total registrado: 48.
quantidade registrada.
49
quantidade acrescentada.
26. 50 Programa 4 O ensino fundamental: 7 a 11 anos 51
MicroPower, empresa do município de São Caetano do • classe especial nas escolas comuns;
Sul (SP). • centro de apoio pedagógico para atendimento a
Existem também equipamentos para imprimir o pessoas com deficiência visual;
texto em braille, tanto para uso individual quan-
• escolas e centros especializados.
to para a produção de grandes tiragens de livros
e revistas. Em geral, os alunos com deficiência visual são alfa-
Por enquanto, o microcomputador e a impressora betizados por professores especializados e em segui-
são os equipamentos de informática mais freqüen- da integrados às classes comuns do ensino regular. A
temente encontrados no Brasil. Porém, já há outros partir daí, freqüentam a classe comum em um turno e
disponíveis, como por exemplo: reglete de mesa, ter- a sala de recursos, ou outro tipo de assessoria, em
minal braille (display braille) e braille falado outro.
(minicomputador). No entanto, a integração nas salas de aula de en-
sino regular não deve ser uma imposição; deve-se
A política nacional respeitar a vontade dos portadores de deficiência vi-
de Educação Especial sual e de seus familiares. Só devem ser integrados na
sala de aula comum os alunos com condições de
Desde a década de 50 há salas de recursos para a
acompanhar a proposta curricular e cuja família te-
integração de crianças com deficiência visual nas es-
nha feito essa opção.
colas públicas do Brasil, fazendo de nosso país o pio-
Para os alunos portadores de deficiência visual
neiro nesse tipo de atendimento na América Latina.
terem acesso ao currículo de disciplinas como Edu-
cação física, Educação artística, Geografia, Matemáti-
As diretrizes atuais do Ministério da Educação reco-
ca etc. os professores dessas disciplinas precisam fa-
mendam que se dê prioridade ao atendimento esco-
zer algumas adaptações, em conjunto com os profes-
lar integrado aos portadores de necessidades
sores especializados.
educativas especiais.
O objetivo principal consiste em tornar mais con-
cretos os conceitos que serão ensinados. Por exem-
Em obediência a essas diretrizes, a rede pública
plo: é mais fácil ensinar acidentes geográficos (ilha,
oferece diversas modalidades de atendimento:
rio, estuário etc.) utilizando um mapa em relevo ou
• classe comum sem apoio da educação especial; um tabuleiro cheio de areia, no qual a professora
• classe comum com apoio de serviços especiali- pode ir jogando água e ‘construindo’ o relevo.
zados;
• sala de recursos nas escolas comuns; Embora a atual política educacional esteja preocu-
pada com a inclusão de crianças portadoras de de-
• ensino itinerante; ficiência no sistema comum de ensino em classes re-
• escolas integradoras/inclusivas; gulares, temos comprovado a falta de alternativas
27. 52 Programa 4 O ensino fundamental: 7 a 11 anos 53
pedagógicas que facilitem essa integração. No caso
específico de portadores de cegueira, uma das maio- Para que o processo de integração do aluno com ne-
res limitações é a precariedade de suporte pedagó-
cessidades especiais aconteça de modo positivo, toda
gico quanto ao acesso a informações escritas, tex-
tos literários, livros de literatura infantil, revistas e a comunidade escolar deve estar preparada: pais, pro-
outros. A falta de materiais impressos é um fessores, técnicos, funcionários de apoio da escola e,
dificultador da integração da criança no ensino re- especialmente, os alunos.
gular e, até mesmo, de uma aprendizagem bem-su-
cedida e, principalmente, prazerosa. Temos obser- O processo de integração na escola ajuda a per-
vado que essas crianças ficam restritas a materiais
ceber que as diferenças individuais são relativas –
didáticos com pouco ou nenhum espaço para a ima-
ginação, a criação e o aspecto lúdico da leitura. todos temos dificuldades e, ao mesmo tempo, quali-
(Garcia, 1998, pp. 31 e 32) dades, o que nos dá direito à igualdade e à diferença.
Assim, devemos centralizar nosso interesse na reso-
lução, e não no problema; na qualidade de vida, e não
Onde acontece a integração? na facilidade da segregação; na diversidade, e não na
homogeneidade; na atenção às necessidades indivi-
A integração da criança portadora de deficiência vi-
duais, e não na simplificação da educação.
sual não acontece apenas na sala de aula; é desejá-
No contato com os adultos, a criança precisa sen-
vel que ela aconteça na família, nos ambientes so-
tir que as limitações enfrentadas não são dela, mas da
ciais, religiosos e de lazer. Mesmo que não estude
própria deficiência. Isso contribui para dar-lhe segu-
em uma sala comum, a criança precisa estar integra-
rança e para que aprenda a expressar sem medo suas
da ao ambiente social em que vive – na praça, no
dificuldades e pedir auxílio, saindo da passividade e
parquinho, na festa de aniversário, na igreja, na lan-
da acomodação que, em geral, levam a uma auto-ima-
chonete…
gem negativa.
Antigamente, os educadores e profissionais espe-
O verdadeiro trabalho de integração consiste em
cializados enfatizavam apenas o diagnóstico e a rea-
criar situações estruturadas, que favoreçam a vivência
bilitação de aspectos específicos da deficiência. Nem
de experiências significativas, fortalecendo a auto-
sempre pensavam nas outras faces do desenvolvi-
imagem e ensinando o aluno a lidar com seus pró-
mento da criança – habilidades motoras, integração
prios limites e frustrações. Assim, ele vai se sentindo
social, vida emocional e afetiva etc.
como um indivíduo atuante, capaz de compreender as
Felizmente, hoje em dia o foco das atenções dos
diferenças e as semelhanças e de se relacionar bem
educadores está na recuperação da integridade do ser
com as outras pessoas.
humano. Compreende-se que somente pela reintegra-
ção dos aspectos físicos, emocionais, cognitivos e
sociais será possível alcançar um desenvolvimento
global e harmonioso.
28. Programa 5 55
ADOLESCÊNCIA, TEMPO DE
MUDANÇAS E DE ESCOLHAS
Entreaberto botão, entrecerrada rosa...
o ciclo vital humano, a adolescência correspon-
N de à transição entre a infância e a idade adulta.
Muitas são as questões e muitas as possibilida-
des de mudança, entre as quais sobressaem o despertar
da sexualidade e a escolha da profissão.
Para alguns autores, a puberdade é a primeira
fase da adolescência. Nos meninos, a voz muda, au-
menta o tamanho do pênis e começa a produção de
espermatozóides; aparecem pêlos, penugem e bar-
ba. Nas meninas ocorre a menarca (primeira mens-
truação); aparecem pêlos e seios, as formas se ar-
redondam.
Em ambos os sexos, os odores corporais mudam,
espinhas e cravos são comuns. Todas essas mudanças
são sinais evidentes do processo de amadurecimento
sexual, com aumento da produção hormonal. De modo
geral, as transformações hormonais, corporais e