SlideShare uma empresa Scribd logo
1 de 8
Baixar para ler offline
. . . I . . . 
Ainda estou meio adormecido quando sinto mãos for-tes 
me segurando. 
Tento espernear, mas parece que estou enroscado em roupas de 
cama, e, no minuto seguinte, sou suspenso e quem me carrega está 
andando depressa; bato bump-bump-bump em seu peito. 
Ele cheira a cerveja, cavalos e suor. E minha bochecha está so- 
cada contra um metal frio — um peitoral —, por isso, sei que é um 
soldado. 
Deve ser um dos rebeldes. Só que eu não achava que os rebeldes 
fossem soldados. Achava que eram uma horda de camponeses fe- 
dorentos da Cornualha, com facas de açougueiro e ferramentas de 
fazenda como armas. 
— Me largue! Me... 
O homem muda o aperto, uma luva comprime minha boca. 
13 
Ela cheira mal. 
— Uoou! Não reaja, senhor. Está perfeitamente a salvo. 
As palavras são um truque, é claro: sei que estou prestes a mor- 
rer. Os rebeldes vieram me buscar porque sou ( lho do rei e querem 
matar a mim e a meu irmão e a meu pai. Isso para que mais alguém 
seja rei. 
— Soffrr ednnf mefff! 
— Ordens de sua mãe, senhor. 
Oitavo-VIII.indd 13 31-Jul-14 2:07:02 PM
— Mmmttrr. 
— Não, não sou mentiroso, senhor, e precisa parar de espernear. 
Puta merda! Perdoe meu linguajar, senhor, mas seus dentes são meio 
a( ados. 
Na luta, o cobertor no qual estou enrolado cai da minha cabeça. 
O soldado me segura transpassado em seu corpo, olhando agora 
para frente, um dos braços agarrado em volta das minhas coxas, 
e o outro debaixo dos ombros, a mão franzindo minha boca, aper- 
tando mais que antes. Meus pés estão livres para chutar, mas estão 
fazendo contato com nada além de tapeçarias ou — dolorosamente 
— paredes, portas e colunas. 
Pelo menos, nos intervalos de esforço, posso ver aonde estamos 
indo. Estou na Coldharbour — a residência londrina de minha avó 
—, e o soldado me carrega pela grandiosa escadaria da frente abai- 
xo. Está escuro na casa, mas a espaçosa janela pela qual passamos 
irradia um azul suave: o amanhecer deve estar próximo. Quando 
chegamos ao pé da escada, vejo uma luz laranja saindo de tochas, 
passando pela porta, e entrando no grande salão, piscando, enquan- 
to ( guras escuras movem-se apressadamente por ali, bloqueando e 
desbloqueando a luz. Serão criados ou mais soldados? E onde estão 
minha avó e minha mãe? Será que também foram capturadas? 
— Estamos quase chegando — diz o soldado, ao virar para o cor- 
redor em direção aos fundos da casa. — Em um instante, estaremos 
lá fora, senhor. É realmente importante que ( que quieto. 
Portanto, inspiro pelo nariz, enchendo os pulmões o mais pro- 
fundamente que o pânico me permite, e em seguida — quando o 
soldado atravessa uma porta para o ar frio do pátio — grito o mais 
alto que consigo na mão silenciadora. 
— Soffrro! Sofrro! Almmmm mm ammm! 
Até mesmo eu sei que o som é pateticamente baixo, perdido no 
amplo espaço úmido. E — ah, misericórdia — ali fora, há soldados 
por toda a parte. 
Eles não vão me levar; não vão; torço o corpo e me debato o 
14 
quanto posso. 
— Ei, não chute o cavalo, senhor. Não é justo com o pobre animal. 
Oitavo-VIII.indd 14 31-Jul-14 2:07:02 PM
Por um momento, penso que vou ser arremessado de barriga 
em uma sela, o modo pelo qual, segundo Compton, prisioneiros 
ou cadáveres devem ser carregados, mas o soldado empurra minha 
perna para cima e caio sobre meu traseiro — severamente, mas do 
modo certo. 
Ouço o soldado dizer: 
— Sinto muito, senhora. Ele estava dormindo quando o apanhei. 
Ficou muito agitado. — Expira um pouco. — Forte para um peque- 
nino, não? 
E um braço me envolve ( rmemente pelo meio, puxando-me para 
trás contra um corpo, quente e ( rme, e uma voz me fala ao ouvido: 
— Acalme-se, Hal. Sou eu. Estamos com pressa, apenas isso. 
Minha mãe. 
Quero me aconchegar a ela e chorar aliviado. Não entendo o que 
está acontecendo, meu coração ainda bate forte, os pulmões e o es- 
tômago continuam inchados, mas, se posso me agarrar a ela, consi- 
go suportar. 
Enquanto minha mãe puxa rapidamente meu cobertor, cobrindo 
minha cabeça como um capuz e envolvendo-o ( rmemente em meu 
corpo, eu me sento, aturdido por um momento, olhando para os 
cavalos que lotam o pátio. Eles pisoteiam, relincham e sacodem a 
cabeça, os arreios tinindo. Cada um com um soldado na sela. 
Então pergunto, numa voz baixa e áspera que não soa como a 
15 
minha: 
— O que está acontecendo, mamãe? Estamos fugindo? 
— Não, meu bem. Apenas nos mudando para um lugar mais se- 
guro. Segure-se. Aqui. — Ela dá uma palmadinha na parte da frente 
da sela. Eu a agarro e olho para trás, tentando vê-la com o canto do 
olho. Mas minha cabeça vira e o capuz permanece onde está, de 
modo que consigo enxergar com apenas um olho, e nada mais que 
o contorno de seu rosto. 
Ela também está encapuzada, numa capa preta. Consigo ver a 
ponta de seu nariz e parte da face. Naquela luz estranha — ainda 
não amanheceu, mas não é propriamente noite —, a pele de minha 
mãe parece azul. 
Ao me virar, ela envolve meu corpo, para ajustar as rédeas, e diz: 
Oitavo-VIII.indd 15 31-Jul-14 2:07:02 PM
— Vamos, capitão. Passo ( rme. 
Cascos tropeiam nas pedras do pavimento quando soldados 
montados formam uma proteção à nossa volta. Então partimos, 
ocupando todo o portão do pátio ao sair e virando à direita, ala- 
meda acima, afastando-nos do rio. Embora seja verão, uma névoa 
abafadiça rasteja para a rua, vindo da água atrás de nós, e o ar tem 
gosto de umidade. 
A alameda é estreita e escura, comprimida entre paredes pretas. 
Os soldados que cavalgam à frente carregam tochas 8 amejantes. 
Quando viramos novamente à direita, para uma rua mais larga, eles 
se espalham para nos cercar. 
Há algo emocionante em estar na rua a esta hora, mas sei que 
ninguém se muda durante a noite por um motivo agradável. É a se- 
gunda vez que tivemos de nos mudar em apenas poucos dias. 
Primeiro, viemos de Eltham, arredores de Londres, para a 
casa da minha avó, aqui, porque ( ca dentro da proteção das mu- 
ralhas da Cidade de Londres. Agora, estamos nos mudando nova- 
mente. Da última vez, viajamos à luz dia. Agora mal amanheceu. E 
nem mesmo houve tempo de me vestir. 
Meus pés estão descalços e frios: empurro o esquerdo para trás, 
en( ando-o debaixo das saias de minha mãe, o direito se curva na 
direção do corpo quente do cavalo, tentando abraçá-la. 
Acima de minha cabeça, ouço minha mãe dizer severamente: 
— Não vamos mais depressa que isto. Atrairemos muita atenção. 
16 
Não quero espalhar pânico. 
A voz de um homem — um dos guardas — responde, mas não 
capto as palavras. 
Ela fala: 
— Disseram-me que o plano dos rebeldes era marchar ao ama- 
nhecer. Não estarão perto da Cidade de Londres por umas duas 
horas, certo? 
O homem torce as mãos nas rédeas, e seu cavalo vem para mais 
perto do nosso. 
— Basta apenas um, senhora, que tenha cavalgado à frente. 
Qualquer vão de porta, qualquer entrada de beco pode esconder 
um homem com... 
Oitavo-VIII.indd 16 31-Jul-14 2:07:02 PM
— Já entendi. 
Ela o interrompeu de propósito. Vejo-o me olhar de relance, em 
seguida deixa seu cavalo ( car novamente para trás. 
O homem deve ser o capitão da guarda; um instante depois, 
ouço a mesma voz vociferar uma ordem, e cada um dos cavalos 
apressa o passo. 
Embora batendo os dentes, consigo dizer: 
— N-Nós vamos ser mortos, mamãe? 
— Não, claro que não. — Ela parece ligeiramente impaciente. — 
Aonde estamos indo, ( caremos a salvo. 
Mas, como disse o homem, basta apenas um. 
Puxando o cobertor do rosto, mantenho vigilância — através de 
brechas entre os soldados de ambos os lados —, de olho em vãos de 
portas e entradas de becos. Em qualquer lugar onde a névoa se acu- 
mula e ( ca mais espessa: em qualquer lugar onde um homem con- 
segue se esconder. Aos passarmos por um monstruoso amontoa do 
em forma de prédio, a névoa engrossa numa forma que me parece 
humana, agachada num canto da parede. Meu coração sobe até a 
garganta. Devo gritar para minha mãe? Gritar para os guardas? Mas, 
então, a forma se movimenta e a( na, e desaparece no ar escuro. Ape- 
nas névoa, nada de assassino. Consigo respirar novamente. 
Uma abertura entre os prédios se escancara subitamente à di- 
reita: a entrada para o cais. O rio parece preto-oleoso e vasto; então 
desaparece, quando prédios novamente bloqueiam a visão. Ratos 
debandam de um monte de lixo quando passamos. Lojas e casas, 
agora, exibem frestas de luzes entre as venezianas dos pavimentos 
superiores, que se projetam para a rua; criados acendem lareiras 
nos quartos dos patrões, como Compton faz para mim. Mas pessoas 
maltrapilhas já estão nas ruas. Olho-as de relance: sujas como os 
ratos, deslizando por sarjetas limosas para se apertarem contra as 
paredes das casas quando passamos. Elas me metem medo, com 
seus olhares vazios e rostos enrugados. 
Um sino começa a tocar. Não para. Cachorros, acorrentados em 
pátios invisíveis, latem e ganem. Agora há outro sino, em algum 
lugar mais distante. E a voz de um homem, fraca no ar frio: 
— Todos os homens às armas! 
17 
Oitavo-VIII.indd 17 31-Jul-14 2:07:02 PM
Pés correndo, em algum lugar atrás de nós. Outra voz, mais 
18 
perto: 
— Às armas, às armas! Guarneçam as paredes. 
Minha mãe murmura alguma coisa que não capto. Ela usa o cabo 
do chicote, e nosso cavalo dá uma guinada adiante. Os guardas à 
volta igualam seu passo. 
A princípio, não o vejo: o homem que corre à nossa esquerda, 
direto por entre os cavaleiros, como se estivesse atravessando terre- 
no livre. Mas, quando viro a cabeça, um rosto assoma. Está perto o 
bastante para eu ver seus olhos injetados e a mão, que tenta agarrar, 
com unhas tisnadas, quebradas. Ele me alcança, dizendo algo ur- 
gente, aos berros. 
O cavalo de minha mãe agita a cabeça, assustado, e tenta mudar 
de direção. Agarro-me à sela, curvado, desesperado para não escor- 
regar. No mesmo momento, o soldado mais próximo ataca violenta- 
mente com a base de sua lança. 
O homem cai. Fica no chão, meio que pisoteado, e passamos por 
ele, já a meia dúzia de prédios adiante. 
— Quem era aquele? — guincho. 
— Um mendigo bêbado, senhor — diz o capitão. — Só isso. 
Mas me sinto tão aterrorizado que quero vomitar. 
Depois disso, os guardas cavalgam em formação mais fechada 
ao nosso redor. Finalmente, chegando ao ( m daquela longa rua, vi- 
ramos à esquerda e passamos por algumas velhas ruínas de pedra. 
O céu agora está listrado de rosa-alaranjado. Contra ele, à nossa 
direita, vejo muralhas cinzentas, camadas delas, erguendo-se uma 
atrás da outra, e, mais além, as torres de uma enorme fortaleza 
caiada. E sei onde estamos. Aquele é o mais antigo baluarte de Lon- 
dres: a Torre. 
Adiante de nós, a rua segue colina acima e se alarga em imensos 
espaços verdejantes. Viramos à direita, atravessamos as áreas mais 
baixas da encosta, então minha mãe declara: 
— Aqui. Graças a Deus. 
Chegamos a uma entrada feita de tijolos, as arestas ásperas e 
novas. Paramos. O capitão da guarda fala com os porteiros. Em se- 
guida, os cavalos movem-se novamente, e passamos por um peque- 
Oitavo-VIII.indd 18 31-Jul-14 2:07:02 PM
no espaço, até o portão seguinte. É mais velho, esse: um arco feito 
de imensos pedaços de pedra gasta, fechado por uma velha porta 
de madeira. 
— Está vendo como as paredes são grossas, Hal? — observa mi- 
nha mãe, quando a porta é arrastada para se abrir para nós. A voz 
dela soa mais leve, quase alegre. 
Olho. 
— Conte as pontes levadiças. Conte os portões. Ninguém pode 
19 
nos fazer mal aqui. 
Conto-os. No terceiro portão, há uma ponte levadiça abaixada, 
mas também estão abaixados os dois portais gradeados de ferro. 
Os guardas erguem apenas um de cada vez, e temos de esperar no 
espaço entre eles, enquanto, com fortes ruídos rangentes, as mani- 
velas são giradas — para fechar o portal gradeado atrás de nós e 
depois abrir o da frente. 
Portão número quatro. Parece uma enorme boca negra quan- 
do nos aproximamos — e imagino ser devorado por um monstro. 
Novamente, há uma ponte levadiça, novamente um portal grade- 
ado de ferro abaixado, protegendo uma grande porta guarnecida 
de tachões. Esperamos diante dela, e vejo através de suas frestas 
a luz laranja das tochas dos guardas ( car mais brilhante à medida 
que se aproximam pelo outro lado. Correntes chocalham, e enormes 
ferrolhos guincham e arranham quando são puxados — e arranham 
novamente quando são empurrados de volta às nossas costas. 
Ninguém pode nos fazer mal aqui, disse minha mãe. Acredito nela. 
Como é possível este lugar ser tomado? Minha mãe nada diz agora, 
mas, de algum modo, sei que ela ( ca mais feliz a cada portão que 
atravessamos. 
No quinto, ao esperarmos novamente por um portal ser levanta- 
do, ouço um rouco grasnido de pássaros e olho para cima. Enormes 
formas negras volteiam no céu que se ilumina. 
Então, de repente, a pele da minha nuca se arrepia. É como um 
instinto animal: sinto que estou sendo observado. Não por minha 
mãe, não pelos guardas — por alguém mais. 
Acima do centro pontudo do arco da passagem há uma janela. 
Antes de ter de fato olhado para ela, quando meus olhos desceram 
Oitavo-VIII.indd 19 31-Jul-14 2:07:02 PM
dos pássaros para o prédio, creio que vislumbrei alguma coisa: o 
borrão de um rosto pálido se movimentando; um oval branco con- 
tra a treliça. No momento em que olho diretamente para a janela, 
ele some. 
O portal sobe, e os cavalos começam a se mover, suas ruidosas 
passadas ecoando ao entrarmos sob o teto abobadado. Sinto-me rí- 
gido por ter agarrado a sela com tanta força e agora estou tremendo, 
o corpo todo arrepiado, o que torna difícil manter o equilíbrio. 
Não é apenas o frio que me faz tremer. Um pensamento assus- 
tador surge em minha cabeça: e se, a( nal de contas, o perigo não 
estiver lá fora? E se houver algo ali dentro esperando por minha 
chegada? E se os ferrolhos que se fecham atrás de mim estiverem 
me trancando aqui dentro com ele? 
20 
Oitavo-VIII.indd 20 31-Jul-14 2:07:02 PM

Mais conteúdo relacionado

Mais procurados

Desafio de C.J. Redwine
Desafio de C.J. RedwineDesafio de C.J. Redwine
Desafio de C.J. RedwineNanda Soares
 
Grimpow o eleito dos templarios - Rafael Abalos
Grimpow o eleito dos templarios - Rafael AbalosGrimpow o eleito dos templarios - Rafael Abalos
Grimpow o eleito dos templarios - Rafael AbalosIFMT - Pontes e Lacerda
 
Bestas homens-e-deuses-ferdinand-ossendowski
Bestas homens-e-deuses-ferdinand-ossendowskiBestas homens-e-deuses-ferdinand-ossendowski
Bestas homens-e-deuses-ferdinand-ossendowskiEduardo Baptista Cadu
 
Vampire kisses livro #07 amo mordidas ((ellen schreiber)
Vampire kisses livro #07   amo mordidas ((ellen schreiber)Vampire kisses livro #07   amo mordidas ((ellen schreiber)
Vampire kisses livro #07 amo mordidas ((ellen schreiber)Profester
 
Apresentação da antologia PULP FICTION PORTUGUESA no Fórum Fantástico 2011
Apresentação da antologia PULP FICTION PORTUGUESA no Fórum Fantástico 2011Apresentação da antologia PULP FICTION PORTUGUESA no Fórum Fantástico 2011
Apresentação da antologia PULP FICTION PORTUGUESA no Fórum Fantástico 2011tecnofantasia
 
Crystal soelis sanches_o_valor_da_vida
Crystal soelis sanches_o_valor_da_vidaCrystal soelis sanches_o_valor_da_vida
Crystal soelis sanches_o_valor_da_vidaJuliennerecepcoes
 
E-book de Gil Vicente, Auto da Índia
E-book de Gil Vicente, Auto da ÍndiaE-book de Gil Vicente, Auto da Índia
E-book de Gil Vicente, Auto da ÍndiaCarla Crespo
 
Capítulo 1 a vinganca de sete
Capítulo 1   a vinganca de seteCapítulo 1   a vinganca de sete
Capítulo 1 a vinganca de seteCarla Cardoso
 
"A Destinada" - Paula Ottoni (Cap. 1)
"A Destinada" - Paula Ottoni (Cap. 1)"A Destinada" - Paula Ottoni (Cap. 1)
"A Destinada" - Paula Ottoni (Cap. 1)paulaottoni
 

Mais procurados (18)

Desafio de C.J. Redwine
Desafio de C.J. RedwineDesafio de C.J. Redwine
Desafio de C.J. Redwine
 
Grimpow o eleito dos templarios - Rafael Abalos
Grimpow o eleito dos templarios - Rafael AbalosGrimpow o eleito dos templarios - Rafael Abalos
Grimpow o eleito dos templarios - Rafael Abalos
 
The collins vol 1
The collins vol 1 The collins vol 1
The collins vol 1
 
Bhdfo
BhdfoBhdfo
Bhdfo
 
Bestas homens-e-deuses-ferdinand-ossendowski
Bestas homens-e-deuses-ferdinand-ossendowskiBestas homens-e-deuses-ferdinand-ossendowski
Bestas homens-e-deuses-ferdinand-ossendowski
 
Cataclismo - Prólogo
Cataclismo - PrólogoCataclismo - Prólogo
Cataclismo - Prólogo
 
Cap 1
Cap 1Cap 1
Cap 1
 
Lua nova
Lua novaLua nova
Lua nova
 
Vampire kisses livro #07 amo mordidas ((ellen schreiber)
Vampire kisses livro #07   amo mordidas ((ellen schreiber)Vampire kisses livro #07   amo mordidas ((ellen schreiber)
Vampire kisses livro #07 amo mordidas ((ellen schreiber)
 
Apresentação da antologia PULP FICTION PORTUGUESA no Fórum Fantástico 2011
Apresentação da antologia PULP FICTION PORTUGUESA no Fórum Fantástico 2011Apresentação da antologia PULP FICTION PORTUGUESA no Fórum Fantástico 2011
Apresentação da antologia PULP FICTION PORTUGUESA no Fórum Fantástico 2011
 
Poe 2
Poe 2Poe 2
Poe 2
 
Lua nova
Lua novaLua nova
Lua nova
 
Crystal soelis sanches_o_valor_da_vida
Crystal soelis sanches_o_valor_da_vidaCrystal soelis sanches_o_valor_da_vida
Crystal soelis sanches_o_valor_da_vida
 
The Dead Zone
The Dead ZoneThe Dead Zone
The Dead Zone
 
E-book de Gil Vicente, Auto da Índia
E-book de Gil Vicente, Auto da ÍndiaE-book de Gil Vicente, Auto da Índia
E-book de Gil Vicente, Auto da Índia
 
Capítulo 1 a vinganca de sete
Capítulo 1   a vinganca de seteCapítulo 1   a vinganca de sete
Capítulo 1 a vinganca de sete
 
Cap 5
Cap 5Cap 5
Cap 5
 
"A Destinada" - Paula Ottoni (Cap. 1)
"A Destinada" - Paula Ottoni (Cap. 1)"A Destinada" - Paula Ottoni (Cap. 1)
"A Destinada" - Paula Ottoni (Cap. 1)
 

Semelhante a VII - H. M. Castor

O aprendiz de assassino robin hobb - vol i
O aprendiz de assassino   robin hobb - vol iO aprendiz de assassino   robin hobb - vol i
O aprendiz de assassino robin hobb - vol idantenero4
 
Capítulo 1 e 2 a vinganca de sete
Capítulo 1 e 2   a vinganca de seteCapítulo 1 e 2   a vinganca de sete
Capítulo 1 e 2 a vinganca de seteCarla Cardoso
 
O guinéu da coxa
O guinéu da coxaO guinéu da coxa
O guinéu da coxaMorganauca
 
SILENTIUM | Chapter 1
SILENTIUM | Chapter 1 SILENTIUM | Chapter 1
SILENTIUM | Chapter 1 heyitsjota
 
Bram stoker -_a_pele_vermelha
Bram stoker -_a_pele_vermelhaBram stoker -_a_pele_vermelha
Bram stoker -_a_pele_vermelhaAriovaldo Cunha
 
Alvo potter e a Batalha da Fortaleza
Alvo potter e a Batalha da FortalezaAlvo potter e a Batalha da Fortaleza
Alvo potter e a Batalha da FortalezaVictor Ignis
 
Arthur conan doyle a banda pintada
Arthur conan doyle   a banda pintadaArthur conan doyle   a banda pintada
Arthur conan doyle a banda pintadaJosé de Paula
 
Aula 1 Técnica CRI.pdf
Aula 1   Técnica CRI.pdfAula 1   Técnica CRI.pdf
Aula 1 Técnica CRI.pdfEdmarCarlos7
 
A Tempestade-William Shakespeare.pdf
A Tempestade-William Shakespeare.pdfA Tempestade-William Shakespeare.pdf
A Tempestade-William Shakespeare.pdfMarciaJulianaDiasdeA
 
Ana Cristina César / a teus pés
Ana Cristina César / a teus pésAna Cristina César / a teus pés
Ana Cristina César / a teus péssullbreda
 
O valente soldadinho de chumbo
O valente soldadinho de chumboO valente soldadinho de chumbo
O valente soldadinho de chumboJose Arnaldo Silva
 
Drácula bram stoker
Drácula bram stokerDrácula bram stoker
Drácula bram stokerLP Maquinas
 
Edgar Allan Poe CoraçãO Denunciador
Edgar Allan Poe   CoraçãO DenunciadorEdgar Allan Poe   CoraçãO Denunciador
Edgar Allan Poe CoraçãO DenunciadorKátia Coldi
 

Semelhante a VII - H. M. Castor (20)

Desafio trecho
Desafio trechoDesafio trecho
Desafio trecho
 
O aprendiz de assassino robin hobb - vol i
O aprendiz de assassino   robin hobb - vol iO aprendiz de assassino   robin hobb - vol i
O aprendiz de assassino robin hobb - vol i
 
Capítulo 1 e 2 a vinganca de sete
Capítulo 1 e 2   a vinganca de seteCapítulo 1 e 2   a vinganca de sete
Capítulo 1 e 2 a vinganca de sete
 
O guinéu da coxa
O guinéu da coxaO guinéu da coxa
O guinéu da coxa
 
SILENTIUM | Chapter 1
SILENTIUM | Chapter 1 SILENTIUM | Chapter 1
SILENTIUM | Chapter 1
 
Bram stoker -_a_pele_vermelha
Bram stoker -_a_pele_vermelhaBram stoker -_a_pele_vermelha
Bram stoker -_a_pele_vermelha
 
Lua Nova
Lua NovaLua Nova
Lua Nova
 
Alvo potter e a Batalha da Fortaleza
Alvo potter e a Batalha da FortalezaAlvo potter e a Batalha da Fortaleza
Alvo potter e a Batalha da Fortaleza
 
Arthur conan doyle a banda pintada
Arthur conan doyle   a banda pintadaArthur conan doyle   a banda pintada
Arthur conan doyle a banda pintada
 
Aula 1 Técnica CRI.pdf
Aula 1   Técnica CRI.pdfAula 1   Técnica CRI.pdf
Aula 1 Técnica CRI.pdf
 
A Tempestade-William Shakespeare.pdf
A Tempestade-William Shakespeare.pdfA Tempestade-William Shakespeare.pdf
A Tempestade-William Shakespeare.pdf
 
Ana Cristina César / a teus pés
Ana Cristina César / a teus pésAna Cristina César / a teus pés
Ana Cristina César / a teus pés
 
O valente soldadinho de chumbo
O valente soldadinho de chumboO valente soldadinho de chumbo
O valente soldadinho de chumbo
 
Drácula bram stoker
Drácula bram stokerDrácula bram stoker
Drácula bram stoker
 
Pausa - Moacyr Scliar
Pausa  - Moacyr ScliarPausa  - Moacyr Scliar
Pausa - Moacyr Scliar
 
Zeli pausa
Zeli pausaZeli pausa
Zeli pausa
 
Livro1 (1)
Livro1 (1)Livro1 (1)
Livro1 (1)
 
Edgar Allan Poe CoraçãO Denunciador
Edgar Allan Poe   CoraçãO DenunciadorEdgar Allan Poe   CoraçãO Denunciador
Edgar Allan Poe CoraçãO Denunciador
 
Coração denunciador
Coração denunciadorCoração denunciador
Coração denunciador
 
Bram stoker -_dracula
Bram stoker -_draculaBram stoker -_dracula
Bram stoker -_dracula
 

Mais de victorbrunosilva

Mais de victorbrunosilva (19)

O Primeiro Telefonema do Céu _ Trecho
O Primeiro Telefonema do Céu _ TrechoO Primeiro Telefonema do Céu _ Trecho
O Primeiro Telefonema do Céu _ Trecho
 
Capitulo 1 e 2 de "O Bicho-da-Seda"
Capitulo 1 e 2 de "O Bicho-da-Seda"Capitulo 1 e 2 de "O Bicho-da-Seda"
Capitulo 1 e 2 de "O Bicho-da-Seda"
 
Lançamentos Arqueiro/Sextante - Setembro
Lançamentos Arqueiro/Sextante - SetembroLançamentos Arqueiro/Sextante - Setembro
Lançamentos Arqueiro/Sextante - Setembro
 
Crimes de Guerra - Christine Golden
Crimes de Guerra - Christine GoldenCrimes de Guerra - Christine Golden
Crimes de Guerra - Christine Golden
 
Merlin anos perdidos_cap1
Merlin anos perdidos_cap1Merlin anos perdidos_cap1
Merlin anos perdidos_cap1
 
Cemiterios de dragoes primeiro capitulo
Cemiterios de dragoes primeiro capituloCemiterios de dragoes primeiro capitulo
Cemiterios de dragoes primeiro capitulo
 
Trecho - the100
Trecho - the100Trecho - the100
Trecho - the100
 
53d6a58c604a0 thewalkingdeadquedagovernadorparte2
53d6a58c604a0 thewalkingdeadquedagovernadorparte253d6a58c604a0 thewalkingdeadquedagovernadorparte2
53d6a58c604a0 thewalkingdeadquedagovernadorparte2
 
Outlander_trecho
Outlander_trechoOutlander_trecho
Outlander_trecho
 
golias_primeiro_capitulo
golias_primeiro_capitulogolias_primeiro_capitulo
golias_primeiro_capitulo
 
Beemote cap 1
Beemote cap 1Beemote cap 1
Beemote cap 1
 
Leviata trecho
Leviata trechoLeviata trecho
Leviata trecho
 
21.12 - Trecho
21.12 - Trecho21.12 - Trecho
21.12 - Trecho
 
53b5967f57ec7 inquebravel
53b5967f57ec7 inquebravel53b5967f57ec7 inquebravel
53b5967f57ec7 inquebravel
 
O codigo-do-apocalipse
O codigo-do-apocalipseO codigo-do-apocalipse
O codigo-do-apocalipse
 
medoprimeirocapitulo
medoprimeirocapitulomedoprimeirocapitulo
medoprimeirocapitulo
 
5385fa4197f85 barbanegra
5385fa4197f85 barbanegra5385fa4197f85 barbanegra
5385fa4197f85 barbanegra
 
Trono da noite
Trono da noiteTrono da noite
Trono da noite
 
Prólogo - Peculiar
Prólogo - PeculiarPrólogo - Peculiar
Prólogo - Peculiar
 

VII - H. M. Castor

  • 1. . . . I . . . Ainda estou meio adormecido quando sinto mãos for-tes me segurando. Tento espernear, mas parece que estou enroscado em roupas de cama, e, no minuto seguinte, sou suspenso e quem me carrega está andando depressa; bato bump-bump-bump em seu peito. Ele cheira a cerveja, cavalos e suor. E minha bochecha está so- cada contra um metal frio — um peitoral —, por isso, sei que é um soldado. Deve ser um dos rebeldes. Só que eu não achava que os rebeldes fossem soldados. Achava que eram uma horda de camponeses fe- dorentos da Cornualha, com facas de açougueiro e ferramentas de fazenda como armas. — Me largue! Me... O homem muda o aperto, uma luva comprime minha boca. 13 Ela cheira mal. — Uoou! Não reaja, senhor. Está perfeitamente a salvo. As palavras são um truque, é claro: sei que estou prestes a mor- rer. Os rebeldes vieram me buscar porque sou ( lho do rei e querem matar a mim e a meu irmão e a meu pai. Isso para que mais alguém seja rei. — Soffrr ednnf mefff! — Ordens de sua mãe, senhor. Oitavo-VIII.indd 13 31-Jul-14 2:07:02 PM
  • 2. — Mmmttrr. — Não, não sou mentiroso, senhor, e precisa parar de espernear. Puta merda! Perdoe meu linguajar, senhor, mas seus dentes são meio a( ados. Na luta, o cobertor no qual estou enrolado cai da minha cabeça. O soldado me segura transpassado em seu corpo, olhando agora para frente, um dos braços agarrado em volta das minhas coxas, e o outro debaixo dos ombros, a mão franzindo minha boca, aper- tando mais que antes. Meus pés estão livres para chutar, mas estão fazendo contato com nada além de tapeçarias ou — dolorosamente — paredes, portas e colunas. Pelo menos, nos intervalos de esforço, posso ver aonde estamos indo. Estou na Coldharbour — a residência londrina de minha avó —, e o soldado me carrega pela grandiosa escadaria da frente abai- xo. Está escuro na casa, mas a espaçosa janela pela qual passamos irradia um azul suave: o amanhecer deve estar próximo. Quando chegamos ao pé da escada, vejo uma luz laranja saindo de tochas, passando pela porta, e entrando no grande salão, piscando, enquan- to ( guras escuras movem-se apressadamente por ali, bloqueando e desbloqueando a luz. Serão criados ou mais soldados? E onde estão minha avó e minha mãe? Será que também foram capturadas? — Estamos quase chegando — diz o soldado, ao virar para o cor- redor em direção aos fundos da casa. — Em um instante, estaremos lá fora, senhor. É realmente importante que ( que quieto. Portanto, inspiro pelo nariz, enchendo os pulmões o mais pro- fundamente que o pânico me permite, e em seguida — quando o soldado atravessa uma porta para o ar frio do pátio — grito o mais alto que consigo na mão silenciadora. — Soffrro! Sofrro! Almmmm mm ammm! Até mesmo eu sei que o som é pateticamente baixo, perdido no amplo espaço úmido. E — ah, misericórdia — ali fora, há soldados por toda a parte. Eles não vão me levar; não vão; torço o corpo e me debato o 14 quanto posso. — Ei, não chute o cavalo, senhor. Não é justo com o pobre animal. Oitavo-VIII.indd 14 31-Jul-14 2:07:02 PM
  • 3. Por um momento, penso que vou ser arremessado de barriga em uma sela, o modo pelo qual, segundo Compton, prisioneiros ou cadáveres devem ser carregados, mas o soldado empurra minha perna para cima e caio sobre meu traseiro — severamente, mas do modo certo. Ouço o soldado dizer: — Sinto muito, senhora. Ele estava dormindo quando o apanhei. Ficou muito agitado. — Expira um pouco. — Forte para um peque- nino, não? E um braço me envolve ( rmemente pelo meio, puxando-me para trás contra um corpo, quente e ( rme, e uma voz me fala ao ouvido: — Acalme-se, Hal. Sou eu. Estamos com pressa, apenas isso. Minha mãe. Quero me aconchegar a ela e chorar aliviado. Não entendo o que está acontecendo, meu coração ainda bate forte, os pulmões e o es- tômago continuam inchados, mas, se posso me agarrar a ela, consi- go suportar. Enquanto minha mãe puxa rapidamente meu cobertor, cobrindo minha cabeça como um capuz e envolvendo-o ( rmemente em meu corpo, eu me sento, aturdido por um momento, olhando para os cavalos que lotam o pátio. Eles pisoteiam, relincham e sacodem a cabeça, os arreios tinindo. Cada um com um soldado na sela. Então pergunto, numa voz baixa e áspera que não soa como a 15 minha: — O que está acontecendo, mamãe? Estamos fugindo? — Não, meu bem. Apenas nos mudando para um lugar mais se- guro. Segure-se. Aqui. — Ela dá uma palmadinha na parte da frente da sela. Eu a agarro e olho para trás, tentando vê-la com o canto do olho. Mas minha cabeça vira e o capuz permanece onde está, de modo que consigo enxergar com apenas um olho, e nada mais que o contorno de seu rosto. Ela também está encapuzada, numa capa preta. Consigo ver a ponta de seu nariz e parte da face. Naquela luz estranha — ainda não amanheceu, mas não é propriamente noite —, a pele de minha mãe parece azul. Ao me virar, ela envolve meu corpo, para ajustar as rédeas, e diz: Oitavo-VIII.indd 15 31-Jul-14 2:07:02 PM
  • 4. — Vamos, capitão. Passo ( rme. Cascos tropeiam nas pedras do pavimento quando soldados montados formam uma proteção à nossa volta. Então partimos, ocupando todo o portão do pátio ao sair e virando à direita, ala- meda acima, afastando-nos do rio. Embora seja verão, uma névoa abafadiça rasteja para a rua, vindo da água atrás de nós, e o ar tem gosto de umidade. A alameda é estreita e escura, comprimida entre paredes pretas. Os soldados que cavalgam à frente carregam tochas 8 amejantes. Quando viramos novamente à direita, para uma rua mais larga, eles se espalham para nos cercar. Há algo emocionante em estar na rua a esta hora, mas sei que ninguém se muda durante a noite por um motivo agradável. É a se- gunda vez que tivemos de nos mudar em apenas poucos dias. Primeiro, viemos de Eltham, arredores de Londres, para a casa da minha avó, aqui, porque ( ca dentro da proteção das mu- ralhas da Cidade de Londres. Agora, estamos nos mudando nova- mente. Da última vez, viajamos à luz dia. Agora mal amanheceu. E nem mesmo houve tempo de me vestir. Meus pés estão descalços e frios: empurro o esquerdo para trás, en( ando-o debaixo das saias de minha mãe, o direito se curva na direção do corpo quente do cavalo, tentando abraçá-la. Acima de minha cabeça, ouço minha mãe dizer severamente: — Não vamos mais depressa que isto. Atrairemos muita atenção. 16 Não quero espalhar pânico. A voz de um homem — um dos guardas — responde, mas não capto as palavras. Ela fala: — Disseram-me que o plano dos rebeldes era marchar ao ama- nhecer. Não estarão perto da Cidade de Londres por umas duas horas, certo? O homem torce as mãos nas rédeas, e seu cavalo vem para mais perto do nosso. — Basta apenas um, senhora, que tenha cavalgado à frente. Qualquer vão de porta, qualquer entrada de beco pode esconder um homem com... Oitavo-VIII.indd 16 31-Jul-14 2:07:02 PM
  • 5. — Já entendi. Ela o interrompeu de propósito. Vejo-o me olhar de relance, em seguida deixa seu cavalo ( car novamente para trás. O homem deve ser o capitão da guarda; um instante depois, ouço a mesma voz vociferar uma ordem, e cada um dos cavalos apressa o passo. Embora batendo os dentes, consigo dizer: — N-Nós vamos ser mortos, mamãe? — Não, claro que não. — Ela parece ligeiramente impaciente. — Aonde estamos indo, ( caremos a salvo. Mas, como disse o homem, basta apenas um. Puxando o cobertor do rosto, mantenho vigilância — através de brechas entre os soldados de ambos os lados —, de olho em vãos de portas e entradas de becos. Em qualquer lugar onde a névoa se acu- mula e ( ca mais espessa: em qualquer lugar onde um homem con- segue se esconder. Aos passarmos por um monstruoso amontoa do em forma de prédio, a névoa engrossa numa forma que me parece humana, agachada num canto da parede. Meu coração sobe até a garganta. Devo gritar para minha mãe? Gritar para os guardas? Mas, então, a forma se movimenta e a( na, e desaparece no ar escuro. Ape- nas névoa, nada de assassino. Consigo respirar novamente. Uma abertura entre os prédios se escancara subitamente à di- reita: a entrada para o cais. O rio parece preto-oleoso e vasto; então desaparece, quando prédios novamente bloqueiam a visão. Ratos debandam de um monte de lixo quando passamos. Lojas e casas, agora, exibem frestas de luzes entre as venezianas dos pavimentos superiores, que se projetam para a rua; criados acendem lareiras nos quartos dos patrões, como Compton faz para mim. Mas pessoas maltrapilhas já estão nas ruas. Olho-as de relance: sujas como os ratos, deslizando por sarjetas limosas para se apertarem contra as paredes das casas quando passamos. Elas me metem medo, com seus olhares vazios e rostos enrugados. Um sino começa a tocar. Não para. Cachorros, acorrentados em pátios invisíveis, latem e ganem. Agora há outro sino, em algum lugar mais distante. E a voz de um homem, fraca no ar frio: — Todos os homens às armas! 17 Oitavo-VIII.indd 17 31-Jul-14 2:07:02 PM
  • 6. Pés correndo, em algum lugar atrás de nós. Outra voz, mais 18 perto: — Às armas, às armas! Guarneçam as paredes. Minha mãe murmura alguma coisa que não capto. Ela usa o cabo do chicote, e nosso cavalo dá uma guinada adiante. Os guardas à volta igualam seu passo. A princípio, não o vejo: o homem que corre à nossa esquerda, direto por entre os cavaleiros, como se estivesse atravessando terre- no livre. Mas, quando viro a cabeça, um rosto assoma. Está perto o bastante para eu ver seus olhos injetados e a mão, que tenta agarrar, com unhas tisnadas, quebradas. Ele me alcança, dizendo algo ur- gente, aos berros. O cavalo de minha mãe agita a cabeça, assustado, e tenta mudar de direção. Agarro-me à sela, curvado, desesperado para não escor- regar. No mesmo momento, o soldado mais próximo ataca violenta- mente com a base de sua lança. O homem cai. Fica no chão, meio que pisoteado, e passamos por ele, já a meia dúzia de prédios adiante. — Quem era aquele? — guincho. — Um mendigo bêbado, senhor — diz o capitão. — Só isso. Mas me sinto tão aterrorizado que quero vomitar. Depois disso, os guardas cavalgam em formação mais fechada ao nosso redor. Finalmente, chegando ao ( m daquela longa rua, vi- ramos à esquerda e passamos por algumas velhas ruínas de pedra. O céu agora está listrado de rosa-alaranjado. Contra ele, à nossa direita, vejo muralhas cinzentas, camadas delas, erguendo-se uma atrás da outra, e, mais além, as torres de uma enorme fortaleza caiada. E sei onde estamos. Aquele é o mais antigo baluarte de Lon- dres: a Torre. Adiante de nós, a rua segue colina acima e se alarga em imensos espaços verdejantes. Viramos à direita, atravessamos as áreas mais baixas da encosta, então minha mãe declara: — Aqui. Graças a Deus. Chegamos a uma entrada feita de tijolos, as arestas ásperas e novas. Paramos. O capitão da guarda fala com os porteiros. Em se- guida, os cavalos movem-se novamente, e passamos por um peque- Oitavo-VIII.indd 18 31-Jul-14 2:07:02 PM
  • 7. no espaço, até o portão seguinte. É mais velho, esse: um arco feito de imensos pedaços de pedra gasta, fechado por uma velha porta de madeira. — Está vendo como as paredes são grossas, Hal? — observa mi- nha mãe, quando a porta é arrastada para se abrir para nós. A voz dela soa mais leve, quase alegre. Olho. — Conte as pontes levadiças. Conte os portões. Ninguém pode 19 nos fazer mal aqui. Conto-os. No terceiro portão, há uma ponte levadiça abaixada, mas também estão abaixados os dois portais gradeados de ferro. Os guardas erguem apenas um de cada vez, e temos de esperar no espaço entre eles, enquanto, com fortes ruídos rangentes, as mani- velas são giradas — para fechar o portal gradeado atrás de nós e depois abrir o da frente. Portão número quatro. Parece uma enorme boca negra quan- do nos aproximamos — e imagino ser devorado por um monstro. Novamente, há uma ponte levadiça, novamente um portal grade- ado de ferro abaixado, protegendo uma grande porta guarnecida de tachões. Esperamos diante dela, e vejo através de suas frestas a luz laranja das tochas dos guardas ( car mais brilhante à medida que se aproximam pelo outro lado. Correntes chocalham, e enormes ferrolhos guincham e arranham quando são puxados — e arranham novamente quando são empurrados de volta às nossas costas. Ninguém pode nos fazer mal aqui, disse minha mãe. Acredito nela. Como é possível este lugar ser tomado? Minha mãe nada diz agora, mas, de algum modo, sei que ela ( ca mais feliz a cada portão que atravessamos. No quinto, ao esperarmos novamente por um portal ser levanta- do, ouço um rouco grasnido de pássaros e olho para cima. Enormes formas negras volteiam no céu que se ilumina. Então, de repente, a pele da minha nuca se arrepia. É como um instinto animal: sinto que estou sendo observado. Não por minha mãe, não pelos guardas — por alguém mais. Acima do centro pontudo do arco da passagem há uma janela. Antes de ter de fato olhado para ela, quando meus olhos desceram Oitavo-VIII.indd 19 31-Jul-14 2:07:02 PM
  • 8. dos pássaros para o prédio, creio que vislumbrei alguma coisa: o borrão de um rosto pálido se movimentando; um oval branco con- tra a treliça. No momento em que olho diretamente para a janela, ele some. O portal sobe, e os cavalos começam a se mover, suas ruidosas passadas ecoando ao entrarmos sob o teto abobadado. Sinto-me rí- gido por ter agarrado a sela com tanta força e agora estou tremendo, o corpo todo arrepiado, o que torna difícil manter o equilíbrio. Não é apenas o frio que me faz tremer. Um pensamento assus- tador surge em minha cabeça: e se, a( nal de contas, o perigo não estiver lá fora? E se houver algo ali dentro esperando por minha chegada? E se os ferrolhos que se fecham atrás de mim estiverem me trancando aqui dentro com ele? 20 Oitavo-VIII.indd 20 31-Jul-14 2:07:02 PM