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Tradução
marcelo barbão
DUSTIN
THOMASON
[2012]
Todos os direitos desta edição reservados à
editora schwarcz S.A.
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Telefone (11) 3707-3500
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A Editora Paralela é uma divisão da Editora Schwarcz S.A.
Grafia atualizada segundo o Acordo Ortográfico
da Língua Portuguesa de 1990, que entrou em vigor
no Brasil em 2009.
título original 12.21
Capa Will Staehle
Preparação Thais Pahl
Revisão Larissa Lino Barbosa, Juliane Kaori e
Renato Potenza Rodrigues
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (cip)
(Câmara Brasileira do Livro, sp, Brasil)
Thomason, Dustin
21.12 / Dustin Thomason ; tradução Marcelo Barbão. —
1a
ed. ­— São Paulo : Paralela, 2012.
Título original: 12.21
isbn 978-85-65530-12-5
1. Ficção norte-americana I. Título.
12-09904 cdd-813
Índice para catálogo sistemático:
1. Ficção : Literatura norte-americana 813
12.19.19.17.10
11 de dezembro de 2012
11
1
O apartamento do dr. Gabriel Stanton ficava no fim do calçadão em
frente à Venice Beach, antes do passeio se transformar na grama exuberante
em que os praticantes de tai chi se reuniam. Stanton não gostava muito de
seu modesto dúplex. Ele preferia algo com mais história. Mas nessa estra-
nha faixa da costa da Califórnia as únicas opções eram cabanas caídas e
apartamentos contemporâneos de pedra e vidro. Stanton saiu de casa pouco
depois das sete da manhã, pedalando sua velha Gary Fisher, e foi para o
sul com Dogma, seu labrador amarelo, correndo ao seu lado. Groundwork,
o melhor café de Los Angeles, ficava a apenas seis quarteirões, e lá Jillian
aprontaria rapidamente uma dose tripla de Black Gold no minuto em que
ele entrasse.
Dogma adorava as manhãs tanto quanto seu dono. Mas o cachorro não
podia entrar no Groundwork, então Stanton amarrava-o na porta, entrava
sozinho, acenava para Jillian, pegava sua caneca de café e dava uma olha-
da no ambiente. Muitos dos primeiros clientes eram surfistas cujas roupas
ainda estavam molhadas. Stanton normalmente acordava às seis, mas esses
caras já estavam de pé havia horas.
Sentado em sua mesa de sempre estava um dos moradores mais conhe-
cidos e estranhos de Venice. Ele tinha o rosto e a cabeça rapada cobertos
com complexos desenhos, assim como anéis, cravos e pequenas correntes
saindo dos lóbulos de seus ouvidos, nariz e lábios. Stanton geralmente ficava
pensando de onde teria vindo aquele homem que parecia o Monster. O que
tinha acontecido com ele na infância que o levara a tomar a decisão de cobrir
todo o seu corpo com arte? Por alguma razão, sempre que Stanton imaginava
as origens do homem, imaginava um sobrado perto de uma base militar —
exatamente o tipo de lugar em que ele tinha passado a infância.
“Como está indo o mundo lá fora?”, perguntou Stanton.
Monster levantou os olhos da tela do computador. Era um louco, ob-
cecado por notícias e, quando não estava trabalhando em sua loja de tatua-
gens ou entretendo turistas no Freak Show de Venice Beach, estava ali, no
Ground­work, postando comentários em blogs políticos.
“Sem contar o fato de que restam só duas semanas para o alinhamento ga-
láctico que vai fazer os polos magnéticos da Terra se inverterem?”, ele perguntou.
12
“Além disso.”
“Está um puta dia lindo lá fora.”
“Como está sua garota?”
“Eletrizante, obrigado.”
Stanton caminhou para a porta. “Se ainda estivermos aqui, a gente se vê
amanhã, Monster.”
Depois de beber seu Black Gold do lado de fora, Stanton e Dogma con-
tinuaram para o sul. Há cem anos, milhares de canais cortavam as ruas de
Venice, uma recriação da famosa cidade italiana, feita pelo magnata do tabaco
Abbot Kinney. Agora, quase todos os canais por onde os gondoleiros levavam
os residentes estavam pavimentados e cobertos com academias de ginástica
cheias de esteroides, barracas de comida engordurada e lojas de camiseta.
Nas últimas semanas, Stanton tinha visto surgir grafites lamentáveis
sobre o “apocalipse maia” e enfeites temáticos aparecerem por toda Venice,
além de vendedores tirando vantagem da nova moda. Stanton fora criado
como católico, mas havia anos que não entrava numa igreja e nem tinha pla-
nos de fazê-lo. Se as pessoas quisessem procurar o destino delas ou acreditar
em algum relógio antigo, podiam fazer o que quisessem; ele continuaria a
acreditar nas hipóteses testáveis do método científico.
Felizmente, parecia que nem todo mundo em Venice acreditava que 21
de dezembro traria o fim dos tempos; luzes vermelhas e verdes decoravam o
calçadão, caso os loucos estivessem errados. O solstício de inverno era uma
época estranha em Los Angeles: poucos migrantes entendiam como celebrar
os feriados de fim de ano a mais de vinte graus Celsius, mas Stanton adorava
aquele contraste — Papais Noel de chapéu sobre patins, surfistas com chifres
de alce na cabeça. Uma corrida pela praia na época do Natal era o mais espi-
ritual que Stanton alcançava hoje em dia.
Dez minutos depois, eles chegaram à ponta norte da Marina del Rey.
Passaram pelo velho farol, pelos veleiros e pelos barcos de pesca que se
moviam silenciosamente no cais. Stanton soltou Dogma de sua coleira e o
cão saiu correndo enquanto ele trotava atrás, ouvindo música. A mulher
que tinham ido encontrar ali era apaixonada por jazz e, quando o piano de
Bill Evans ou o trompete de Miles tocava mais alto que os barulhos da orla,
ela certamente estava por perto. Em boa parte dos últimos dez anos, Nina
Countner tinha sido a única mulher na vida de Stanton. Ele até saíra com
outras, mas nos últimos três anos desde que se separaram, nenhuma conse-
guira substituí-la.
Stanton seguiu Dogma até o cais da marina e ouviu ao longe o som triste
de um saxofone. O cachorro tinha chegado à ponta sul do píer onde ficava
o enorme McGray de dois motores de Nina. Eram sete metros de metal e
13
madeira apertados no fim do cais. Nina se agachou ao lado de Dogma, que já
se deitava de barriga para cima.
“Vocês me encontraram!”, ela falou.
“Numa marina, para variar”, disse Stanton.
Ele a beijou no rosto e sentiu seu perfume. Apesar de passar a maior
parte do tempo no mar, Nina sempre conseguia ter um perfume de água
de rosas. Stanton deu um passo para trás e a olhou. Tinha uma covinha no
queixo e incríveis olhos verdes, mas seu nariz era um pouco torto e a boca,
pequena. Muitas pessoas não viam sua beleza, mas para Stanton seu rosto era
perfeito.
“Você alguma vez vai me deixar conseguir um verdadeiro posto no cais
para você?”, ele perguntou.
Nina encarou-o. Ele já havia se oferecido para alugar uma vaga per-
manente para seu barco muitas vezes, esperando que isso a trouxesse com
mais frequência a Los Angeles, mas ela nunca tinha aceitado e ele sabia que
provavelmente nunca aceitaria. Seu trabalho como freelancer em revistas não
fornecia uma renda fixa, então ela aprendeu a dominar a arte de encontrar
vagas abertas, praias distantes e cais que poucas pessoas conheciam.
“Como está indo o experimento?”, ela perguntou enquanto Stanton su-
bia no barco. O deque do Plan A era bastante simples: só duas cadeiras dobrá-
veis, uma coleção de cds espalhada ao redor da cadeira do capitão e vasilhas
de comida e água para Dogma.
“Teremos mais resultados nessa manhã”, ele falou. “Devem ser interes-
santes.”
Nina se sentou na cadeira diante do volante do barco. Ela sempre ia di-
reto ao ponto. “Você parece cansado.”
Ele ficou pensando se era a idade que ela via em seu rosto, os pés de
galinha por baixo dos óculos. Mas Stanton tinha dormido sete horas seguidas
na noite anterior. Algo raro para ele.
“Eu me sinto bem.”
“O processo está acabado? De uma vez por todas?”
“Já faz algumas semanas. Vamos comemorar? Tenho um champanhe na
minha geladeira.”
“Eu e Skipper vamos para a Catalina”, falou Nina. Ela mexeu nos botões
e manivelas que Stanton nunca tinha se preocupado em entender, ligando o
sistema elétrico e de gps do barco.
A costa da ilha de Catalina era pouco visível da marina.
“E se eu for com você?”, perguntou Stanton.
“Enquanto espera pacientemente pelos resultados dos experimentos?
Por favor, Gabe.”
14
“Não me subestime, Nina.”
Ela se aproximou, segurando o queixo dele. “Não sou sua ex-mulher à
toa.”
A decisão tinha sido dela, mas Stanton se culpava, e parte dele nunca
tinha desistido de um futuro juntos. Durante os três anos em que estiveram
casados, seu trabalho o levara ao exterior por meses a fio, enquanto ela esca-
pava para o oceano, onde sempre morou seu coração. Ele a deixou escapar, e
parecia que ela era mais feliz desse jeito — navegando sozinha.
Um navio de carga tocou seu apito ao longe, deixando Dogma doido.
Ele latiu sem parar na direção do barulho antes de começar a perseguir seu
próprio rabo.
“Eu o trago de volta amanhã à noite”, disse Nina.
“Fique para jantar”, convidou Stanton. “Cozinho o que você quiser.”
Nina olhou para ele. “O que sua namorada vai achar de nós dois jantan-
do juntos?”
“Não tenho namorada.”
“O que aconteceu com... qual é o nome dela? A matemática.”
“Saímos quatro vezes.”
“E?”
“Tive que... examinar o cavalo de um homem.”
“Até parece.”
“É sério. Tive de ver um cavalo na Inglaterra que achavam que poderia
ter paraplexia, e ela me disse que eu não estava totalmente comprometido
com o relacionamento.”
“E ela estava certa?”
“Saímos só quatro vezes. Então, vamos jantar amanhã?”
Nina ligou o motor do Plan A enquanto Stanton descia do barco para
pegar sua bicicleta.
“Compre um vinho decente”, ela falou enquanto soltava as amarras. “Aí
veremos…”
O Centro Príon de Controle de Doenças ficava em Boyle Heights e tinha
sido o lar profissional de Stanton por quase dez anos. Quando ele se mudou
para a costa oeste na década de 2000 para ser o primeiro diretor do lugar, o
Centro ocupava apenas um pequeno laboratório num trailer móvel no Los
Angeles County  usc Medical Center. Agora, como resultado de seu incan-
sável lobby, o Centro se espalhava por todo o sexto andar do prédio principal
do lac  usc, o mesmo edifício que por mais de três décadas tinha sido o
cenário da novela General Hospital.
15
Stanton passou pelas portas e entrou naquele lugar que os estudantes
de pós-doutorado apelidaram de “caverna”. Um deles tinha pendurado luzes
de Natal ao redor do corredor principal, e Stanton acendeu-as junto com
os alógenos, lançando luzes verdes e vermelhas por todas as bancadas de
microscópios que se espalhavam pelo laboratório. Depois de deixar sua mo-
chila na mesa, Stanton pegou uma máscara e um par de luvas, e dirigiu-se
para o fundo. Essa era a primeira manhã que eles conseguiriam coletar os
resultados de um experimento em que sua equipe estava trabalhando havia
semanas. Stanton estava curioso.
A Sala de Animais do Centro era quase do tamanho de uma quadra de
basquete. O equipamento era do tipo mais moderno: cocheiras computadori-
zadas, centros de registro de dados com telas sensíveis ao toque, vivissecção
eletrônica e estações de autópsia. Stanton foi até a primeira das doze jaulas
na parede sul e olhou para dentro. Lá havia dois animais: uma cobra-coral de
cerca de sessenta centímetros, negra e laranja, e um pequeno rato cinza. À
primeira vista, parecia a coisa mais natural do mundo: uma cobra esperando
pelo momento certo para se alimentar. Mas na verdade algo atípico estava
acontecendo naquela jaula.
O rato estava cutucando tranquilamente a cabeça da cobra com seu nariz.
Mesmo quando a cobra fazia barulho, o rato continuava a cutucá-la sem
medo — não corria dali nem tentava escapar. Ele não temia a cobra como
aconteceria normalmente. A primeira vez que Stanton viu esse comporta-
mento, ele e sua equipe ficaram felizes. Usando engenharia genética, eles
removeram um conjunto de pequenas proteínas chamadas príons da super-
fície das células cerebrais do rato, erradicando seu medo inato da cobra. Foi
um passo crucial para entender as proteínas mortais, algo que era o trabalho
da vida de Stanton.
Príons existem em todos os cérebros animais, incluindo os humanos,
mas depois de décadas de pesquisa, nem Stanton, nem ninguém havia con-
seguido explicar por que eles existiam. Alguns colegas acreditavam que os
príons eram fundamentais para a memória ou para a formação da medula.
Ninguém tinha certeza.
Na maior parte do tempo, os príons se alocam benignamente na superfí-
cie dos neurônios. Mas em casos raros, essas proteínas podem “adoecer” e se
multiplicar. Como acontece em doenças como o mal de Alzheimer e o de Par­
kinson, as doenças priônicas atacam o tecido celular saudável e o substituem
por placas inúteis, destruindo a função regular do cérebro. Mas há uma dife-
rença central e aterrorizadora: enquanto doenças como o Alzheimer e o Par­
kinson são estritamente genéticas, certas doenças priônicas podem ser trans-
mitidas por carne contaminada. Por volta dos anos 1980, vacas com príons
16
mutantes chegaram ao fornecimento de comida local na Inglaterra. Foi quan-
do o mundo conheceu a infecção priônica. Por três décadas, a doença da vaca
louca matou duzentas mil cabeças de gado na Europa e se espalhou entre os
humanos. Os primeiros pacientes tinham dificuldade para caminhar e tre-
miam incontrolavelmente, depois perdiam a memória e a capacidade de iden-
tificar amigos e familiares. A morte cerebral vinha em seguida.
No começo de sua carreira, Stanton tinha se transformado em um dos
principais especialistas mundiais em vaca louca. Quando o Centro de Con-
trole de Doenças, o cdc, fundou o Centro Príon, ele era a escolha natural
para dirigi-lo. Na época, parecia a oportunidade de sua vida, e ele ficou emo-
cionado quando se mudou para a Califórnia; era o primeiro centro de pesqui-
sa dedicado ao estudo de príons e doenças priônicas nos Estados Unidos. Sob
a liderança de Stanton, o Centro foi criado para diagnosticar, estudar e lutar
contra os agentes infecciosos mais misteriosos na Terra.
Só que isso nunca aconteceu. No fim da década, a indústria da carne
lançou uma campanha bem-sucedida para mostrar que somente uma única
pessoa nos Estados Unidos tinha sido diagnosticada com a doença da vaca
louca. As verbas para o laboratório de Stanton diminuíram e, com menos ca-
sos também na Inglaterra, o público logo perdeu interesse. O orçamento do
Centro foi reduzido, e Stanton, forçado a demitir parte de sua equipe. Mas o
pior de tudo era que eles ainda não haviam conseguido encontrar uma cura
para a doença priônica. Foram anos testando várias drogas e outras terapias
que, uma após outra, produziram apenas falsas esperanças. Mas Stanton sem-
pre fora cabeça-dura e otimista e nunca desistiu da possibilidade de que as
respostas poderiam vir na próxima experiência.
Observando a jaula seguinte, ele encontrou outra cobra ameaçando sua
presa e outro pequeno rato entediado com a demonstração. Nesse experimen-
to, Stanton e sua equipe pretendiam entender o papel dos príons no controle
dos instintos, incluindo o medo. Os ratos não precisavam ser ensinados a te-
mer o barulho da grama que anunciava a aproximação do predador — o terror
estava programado em seus genes. Mas depois que seus príons foram genetica-
mente “nocauteados” os ratos passaram a agir de forma agressiva e irracional.
Assim, Stanton e sua equipe tinham começado a testar os efeitos diretos da
eliminação dos príons sobre os medos mais fundamentais dos animais.
O celular de Stanton vibrou no bolso do jaleco branco.
“Alô?”
“É o doutor Stanton?”
Era uma voz feminina que ele não reconheceu, mas devia ser uma mé-
dica ou enfermeira: só uma profissional de saúde não pediria desculpas por
ligar antes das oito da manhã.
17
“Em que posso ajudar?”
“Meu nome é Michaela Thane”, ela falou. “Sou residente do terceiro ano
no Hospital Presbiteriano do Leste de Los Angeles. O cdc me deu seu núme-
ro. Acho que temos um caso de doença priônica aqui.”
Stanton sorriu, ajeitou os óculos e, enquanto caminhava para a terceira
jaula, falou, irônico: “Certo”. Dentro da jaula, outro rato atacava irrespon-
savelmente o rabo de seu predador. A cobra parecia quase confusa por essa
reversão da natureza.
“Certo?”, perguntou Thane. “Só isso?”
“Mande as amostras para meu escritório e minha equipe vai dar uma
olhada”, ele disse. “Um doutor Davies vai retornar com os resultados.”
“Quando? Em uma semana? Talvez não tenha sido muito clara, doutor.
Às vezes falo rápido demais. Acho que temos um caso de doença priônica
aqui.”
“Entendo”, disse Stanton. “E os testes genéticos? Já tem os resultados?”
“Não, mas…”
“Ouça, doutora… Thane? Recebemos milhares de ligações por ano e pou-
quíssimas delas tratam realmente de doenças priônicas. Se os testes genéticos
forem positivos, entre em contato de novo.”
“Doutor, os sintomas indicam claramente um diagnóstico positivo para…”
“Deixe-me adivinhar. Seu paciente está tendo problemas para caminhar.”
“Não.”
“Perda de memória?”
“Não sabemos.”
Stanton deu um tapa no vidro de uma das jaulas, curioso para ver se
algum dos animais reagiria. Nenhum dos dois se mexeu.
“Então qual é o sintoma indicativo de doença priônica, doutora?”, ele
perguntou a Thane, sem prestar muita atenção.
“Demência e alucinações, comportamento errático, tremor e suor. Além
de um terrível caso de insônia.”
“Insônia?”
“Quando o paciente foi admitido, pensamos que era a abstinência de
álcool”, disse Thane. “Mas não havia deficiência de ácido fólico para indicar
alcoolismo, então fiz mais testes e acredito que pode ser uma Insônia Fami-
liar Fatal.”
Finalmente ela havia conseguido conquistar a atenção de Stanton.
“Quando ele foi admitido?”
“Há três dias.”
A Insônia Familiar Fatal, ou iff, é uma doença estranha, causada por um
gene mutante, que avança rapidamente sobre o paciente. É uma condição
18
estritamente genética, transmitida por um dos pais; uma das poucas doenças
priônicas genéticas. Stanton tinha visto apenas uma meia dúzia de casos de
iff em sua carreira. A maioria dos pacientes procurava ajuda médica por es-
tar suando constantemente e com problemas para dormir à noite. Em poucos
meses, a insônia era absoluta. Os pacientes ficavam impotentes, experimen-
tavam ataques de pânico, tinham dificuldade para caminhar. Presos entre um
estado de vigília alucinatória e alerta induzido pelo pânico, quase todos os
pacientes com iff morriam depois de algumas semanas de ausência total de
sono, e não havia nada que Stanton ou qualquer outro médico pudesse fazer
para ajudá-los.
“Não fique aflita”, Stanton disse. “A incidência mundial de iff é uma em
trinta e três milhões.”
“O que mais poderia causar insônia absoluta?”, perguntou Thane.
“Um vício não diagnosticado em metanfetamina.”
“Estamos no leste de Los Angeles, doutor. Tenho o desprazer de sentir o
cheiro de metanfetamina todos os dias. O exame toxicológico desse cara foi
negativo.”
“A iff afeta menos de quarenta famílias no mundo”, disse Stanton, con-
tinuando a caminhar diante das jaulas. “E se houvesse um histórico familiar,
você já teria me dito.”
“Na verdade, não conseguimos falar com ele, porque não conseguimos
entendê-lo. Ele parece latino, possivelmente indígena. Da América Central
ou sul-americano, talvez. Estamos tentando resolver o problema com um
serviço de tradução. Claro, na maioria dos dias, tem um cara aqui com uma
série de dicionários.”
Stanton olhou através do vidro de uma das jaulas. A cobra estava parada e
havia um pequeno rabo cinza saindo de sua boca. Nas próximas vinte e quatro
horas, quando as outras cobras ficassem famintas, isso aconteceria em todas
as jaulas da sala. Mesmo depois de tantos anos no laboratório, Stanton ainda
não se acostumara com o papel que desempenhava no futuro daqueles ratos.
“Quem levou o paciente até vocês?”, perguntou Stanton.
“De acordo com o relatório de internação, uma ambulância, mas não
consigo encontrar o registro de qual serviço foi.”
Isso combinava perfeitamente com tudo que Stanton sabia do Hospital
Presbiteriano, um dos mais lotados e com mais dificuldades financeiras do
leste de Los Angeles.
“Quantos anos tem o paciente?”, perguntou Stanton.
“Trinta e poucos, provavelmente. Sei que é incomum, mas li seu trabalho
sobre aberrações de idade nas doenças de príon, e achei que poderia ser o
caso.”
19
Thane estava fazendo bem seu trabalho em convencê-lo, mas sua di-
ligência não mudou os fatos. “Terei certeza quando tivermos os resultados
genéticos, aí tudo ficará claro”, Stanton falou. “Você pode ligar para o doutor
Davies mais tarde se tiver outras questões.”
“Espere, doutor. Não desligue ainda.”
Stanton admirou sua insistência; ele também era um chato em sua época
de residência. “O que foi?”
“Foi feito um estudo no ano passado sobre os níveis de amilase, sobre
como eles são indicadores da falta de sono.”
“Conheço esse estudo. E?”
“Os níveis de amilase do meu paciente estão em trezentas unidades por
mililitro, o que sugere que ele não dorme há mais de uma semana.”
Stanton saiu da frente da jaula. Uma semana sem dormir?
“Ele teve convulsões?”
“Há algumas evidências em sua tomografia”, respondeu Thane.
“E como estão as pupilas do paciente?”
“Muito pequenas.”
“O que acontece quando são estimuladas com luz?”
“Não respondem.”
Uma semana de insônia. Suor. Convulsões.
Pupilas muito pequenas.
Das poucas condições que poderiam causar essa combinação de sin-
tomas, as outras eram ainda mais raras que a iff. Stanton tirou suas luvas,
esquecendo-se dos ratos.
“Não deixe ninguém entrar no quarto enquanto eu não chegar aí.”

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21.12 - Trecho

  • 2. [2012] Todos os direitos desta edição reservados à editora schwarcz S.A. Rua Bandeira Paulista, 702, cj. 32 04532-002 — São Paulo — sp Telefone (11) 3707-3500 Fax (11) 3707-3501 www.editoraparalela.com.br atendimentoaoleitor@editoraparalela.com.br Copyright © 2012 by Dustin Thomason A Editora Paralela é uma divisão da Editora Schwarcz S.A. Grafia atualizada segundo o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990, que entrou em vigor no Brasil em 2009. título original 12.21 Capa Will Staehle Preparação Thais Pahl Revisão Larissa Lino Barbosa, Juliane Kaori e Renato Potenza Rodrigues Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (cip) (Câmara Brasileira do Livro, sp, Brasil) Thomason, Dustin 21.12 / Dustin Thomason ; tradução Marcelo Barbão. — 1a ed. ­— São Paulo : Paralela, 2012. Título original: 12.21 isbn 978-85-65530-12-5 1. Ficção norte-americana I. Título. 12-09904 cdd-813 Índice para catálogo sistemático: 1. Ficção : Literatura norte-americana 813
  • 4. 11 1 O apartamento do dr. Gabriel Stanton ficava no fim do calçadão em frente à Venice Beach, antes do passeio se transformar na grama exuberante em que os praticantes de tai chi se reuniam. Stanton não gostava muito de seu modesto dúplex. Ele preferia algo com mais história. Mas nessa estra- nha faixa da costa da Califórnia as únicas opções eram cabanas caídas e apartamentos contemporâneos de pedra e vidro. Stanton saiu de casa pouco depois das sete da manhã, pedalando sua velha Gary Fisher, e foi para o sul com Dogma, seu labrador amarelo, correndo ao seu lado. Groundwork, o melhor café de Los Angeles, ficava a apenas seis quarteirões, e lá Jillian aprontaria rapidamente uma dose tripla de Black Gold no minuto em que ele entrasse. Dogma adorava as manhãs tanto quanto seu dono. Mas o cachorro não podia entrar no Groundwork, então Stanton amarrava-o na porta, entrava sozinho, acenava para Jillian, pegava sua caneca de café e dava uma olha- da no ambiente. Muitos dos primeiros clientes eram surfistas cujas roupas ainda estavam molhadas. Stanton normalmente acordava às seis, mas esses caras já estavam de pé havia horas. Sentado em sua mesa de sempre estava um dos moradores mais conhe- cidos e estranhos de Venice. Ele tinha o rosto e a cabeça rapada cobertos com complexos desenhos, assim como anéis, cravos e pequenas correntes saindo dos lóbulos de seus ouvidos, nariz e lábios. Stanton geralmente ficava pensando de onde teria vindo aquele homem que parecia o Monster. O que tinha acontecido com ele na infância que o levara a tomar a decisão de cobrir todo o seu corpo com arte? Por alguma razão, sempre que Stanton imaginava as origens do homem, imaginava um sobrado perto de uma base militar — exatamente o tipo de lugar em que ele tinha passado a infância. “Como está indo o mundo lá fora?”, perguntou Stanton. Monster levantou os olhos da tela do computador. Era um louco, ob- cecado por notícias e, quando não estava trabalhando em sua loja de tatua- gens ou entretendo turistas no Freak Show de Venice Beach, estava ali, no Ground­work, postando comentários em blogs políticos. “Sem contar o fato de que restam só duas semanas para o alinhamento ga- láctico que vai fazer os polos magnéticos da Terra se inverterem?”, ele perguntou.
  • 5. 12 “Além disso.” “Está um puta dia lindo lá fora.” “Como está sua garota?” “Eletrizante, obrigado.” Stanton caminhou para a porta. “Se ainda estivermos aqui, a gente se vê amanhã, Monster.” Depois de beber seu Black Gold do lado de fora, Stanton e Dogma con- tinuaram para o sul. Há cem anos, milhares de canais cortavam as ruas de Venice, uma recriação da famosa cidade italiana, feita pelo magnata do tabaco Abbot Kinney. Agora, quase todos os canais por onde os gondoleiros levavam os residentes estavam pavimentados e cobertos com academias de ginástica cheias de esteroides, barracas de comida engordurada e lojas de camiseta. Nas últimas semanas, Stanton tinha visto surgir grafites lamentáveis sobre o “apocalipse maia” e enfeites temáticos aparecerem por toda Venice, além de vendedores tirando vantagem da nova moda. Stanton fora criado como católico, mas havia anos que não entrava numa igreja e nem tinha pla- nos de fazê-lo. Se as pessoas quisessem procurar o destino delas ou acreditar em algum relógio antigo, podiam fazer o que quisessem; ele continuaria a acreditar nas hipóteses testáveis do método científico. Felizmente, parecia que nem todo mundo em Venice acreditava que 21 de dezembro traria o fim dos tempos; luzes vermelhas e verdes decoravam o calçadão, caso os loucos estivessem errados. O solstício de inverno era uma época estranha em Los Angeles: poucos migrantes entendiam como celebrar os feriados de fim de ano a mais de vinte graus Celsius, mas Stanton adorava aquele contraste — Papais Noel de chapéu sobre patins, surfistas com chifres de alce na cabeça. Uma corrida pela praia na época do Natal era o mais espi- ritual que Stanton alcançava hoje em dia. Dez minutos depois, eles chegaram à ponta norte da Marina del Rey. Passaram pelo velho farol, pelos veleiros e pelos barcos de pesca que se moviam silenciosamente no cais. Stanton soltou Dogma de sua coleira e o cão saiu correndo enquanto ele trotava atrás, ouvindo música. A mulher que tinham ido encontrar ali era apaixonada por jazz e, quando o piano de Bill Evans ou o trompete de Miles tocava mais alto que os barulhos da orla, ela certamente estava por perto. Em boa parte dos últimos dez anos, Nina Countner tinha sido a única mulher na vida de Stanton. Ele até saíra com outras, mas nos últimos três anos desde que se separaram, nenhuma conse- guira substituí-la. Stanton seguiu Dogma até o cais da marina e ouviu ao longe o som triste de um saxofone. O cachorro tinha chegado à ponta sul do píer onde ficava o enorme McGray de dois motores de Nina. Eram sete metros de metal e
  • 6. 13 madeira apertados no fim do cais. Nina se agachou ao lado de Dogma, que já se deitava de barriga para cima. “Vocês me encontraram!”, ela falou. “Numa marina, para variar”, disse Stanton. Ele a beijou no rosto e sentiu seu perfume. Apesar de passar a maior parte do tempo no mar, Nina sempre conseguia ter um perfume de água de rosas. Stanton deu um passo para trás e a olhou. Tinha uma covinha no queixo e incríveis olhos verdes, mas seu nariz era um pouco torto e a boca, pequena. Muitas pessoas não viam sua beleza, mas para Stanton seu rosto era perfeito. “Você alguma vez vai me deixar conseguir um verdadeiro posto no cais para você?”, ele perguntou. Nina encarou-o. Ele já havia se oferecido para alugar uma vaga per- manente para seu barco muitas vezes, esperando que isso a trouxesse com mais frequência a Los Angeles, mas ela nunca tinha aceitado e ele sabia que provavelmente nunca aceitaria. Seu trabalho como freelancer em revistas não fornecia uma renda fixa, então ela aprendeu a dominar a arte de encontrar vagas abertas, praias distantes e cais que poucas pessoas conheciam. “Como está indo o experimento?”, ela perguntou enquanto Stanton su- bia no barco. O deque do Plan A era bastante simples: só duas cadeiras dobrá- veis, uma coleção de cds espalhada ao redor da cadeira do capitão e vasilhas de comida e água para Dogma. “Teremos mais resultados nessa manhã”, ele falou. “Devem ser interes- santes.” Nina se sentou na cadeira diante do volante do barco. Ela sempre ia di- reto ao ponto. “Você parece cansado.” Ele ficou pensando se era a idade que ela via em seu rosto, os pés de galinha por baixo dos óculos. Mas Stanton tinha dormido sete horas seguidas na noite anterior. Algo raro para ele. “Eu me sinto bem.” “O processo está acabado? De uma vez por todas?” “Já faz algumas semanas. Vamos comemorar? Tenho um champanhe na minha geladeira.” “Eu e Skipper vamos para a Catalina”, falou Nina. Ela mexeu nos botões e manivelas que Stanton nunca tinha se preocupado em entender, ligando o sistema elétrico e de gps do barco. A costa da ilha de Catalina era pouco visível da marina. “E se eu for com você?”, perguntou Stanton. “Enquanto espera pacientemente pelos resultados dos experimentos? Por favor, Gabe.”
  • 7. 14 “Não me subestime, Nina.” Ela se aproximou, segurando o queixo dele. “Não sou sua ex-mulher à toa.” A decisão tinha sido dela, mas Stanton se culpava, e parte dele nunca tinha desistido de um futuro juntos. Durante os três anos em que estiveram casados, seu trabalho o levara ao exterior por meses a fio, enquanto ela esca- pava para o oceano, onde sempre morou seu coração. Ele a deixou escapar, e parecia que ela era mais feliz desse jeito — navegando sozinha. Um navio de carga tocou seu apito ao longe, deixando Dogma doido. Ele latiu sem parar na direção do barulho antes de começar a perseguir seu próprio rabo. “Eu o trago de volta amanhã à noite”, disse Nina. “Fique para jantar”, convidou Stanton. “Cozinho o que você quiser.” Nina olhou para ele. “O que sua namorada vai achar de nós dois jantan- do juntos?” “Não tenho namorada.” “O que aconteceu com... qual é o nome dela? A matemática.” “Saímos quatro vezes.” “E?” “Tive que... examinar o cavalo de um homem.” “Até parece.” “É sério. Tive de ver um cavalo na Inglaterra que achavam que poderia ter paraplexia, e ela me disse que eu não estava totalmente comprometido com o relacionamento.” “E ela estava certa?” “Saímos só quatro vezes. Então, vamos jantar amanhã?” Nina ligou o motor do Plan A enquanto Stanton descia do barco para pegar sua bicicleta. “Compre um vinho decente”, ela falou enquanto soltava as amarras. “Aí veremos…” O Centro Príon de Controle de Doenças ficava em Boyle Heights e tinha sido o lar profissional de Stanton por quase dez anos. Quando ele se mudou para a costa oeste na década de 2000 para ser o primeiro diretor do lugar, o Centro ocupava apenas um pequeno laboratório num trailer móvel no Los Angeles County usc Medical Center. Agora, como resultado de seu incan- sável lobby, o Centro se espalhava por todo o sexto andar do prédio principal do lac usc, o mesmo edifício que por mais de três décadas tinha sido o cenário da novela General Hospital.
  • 8. 15 Stanton passou pelas portas e entrou naquele lugar que os estudantes de pós-doutorado apelidaram de “caverna”. Um deles tinha pendurado luzes de Natal ao redor do corredor principal, e Stanton acendeu-as junto com os alógenos, lançando luzes verdes e vermelhas por todas as bancadas de microscópios que se espalhavam pelo laboratório. Depois de deixar sua mo- chila na mesa, Stanton pegou uma máscara e um par de luvas, e dirigiu-se para o fundo. Essa era a primeira manhã que eles conseguiriam coletar os resultados de um experimento em que sua equipe estava trabalhando havia semanas. Stanton estava curioso. A Sala de Animais do Centro era quase do tamanho de uma quadra de basquete. O equipamento era do tipo mais moderno: cocheiras computadori- zadas, centros de registro de dados com telas sensíveis ao toque, vivissecção eletrônica e estações de autópsia. Stanton foi até a primeira das doze jaulas na parede sul e olhou para dentro. Lá havia dois animais: uma cobra-coral de cerca de sessenta centímetros, negra e laranja, e um pequeno rato cinza. À primeira vista, parecia a coisa mais natural do mundo: uma cobra esperando pelo momento certo para se alimentar. Mas na verdade algo atípico estava acontecendo naquela jaula. O rato estava cutucando tranquilamente a cabeça da cobra com seu nariz. Mesmo quando a cobra fazia barulho, o rato continuava a cutucá-la sem medo — não corria dali nem tentava escapar. Ele não temia a cobra como aconteceria normalmente. A primeira vez que Stanton viu esse comporta- mento, ele e sua equipe ficaram felizes. Usando engenharia genética, eles removeram um conjunto de pequenas proteínas chamadas príons da super- fície das células cerebrais do rato, erradicando seu medo inato da cobra. Foi um passo crucial para entender as proteínas mortais, algo que era o trabalho da vida de Stanton. Príons existem em todos os cérebros animais, incluindo os humanos, mas depois de décadas de pesquisa, nem Stanton, nem ninguém havia con- seguido explicar por que eles existiam. Alguns colegas acreditavam que os príons eram fundamentais para a memória ou para a formação da medula. Ninguém tinha certeza. Na maior parte do tempo, os príons se alocam benignamente na superfí- cie dos neurônios. Mas em casos raros, essas proteínas podem “adoecer” e se multiplicar. Como acontece em doenças como o mal de Alzheimer e o de Par­ kinson, as doenças priônicas atacam o tecido celular saudável e o substituem por placas inúteis, destruindo a função regular do cérebro. Mas há uma dife- rença central e aterrorizadora: enquanto doenças como o Alzheimer e o Par­ kinson são estritamente genéticas, certas doenças priônicas podem ser trans- mitidas por carne contaminada. Por volta dos anos 1980, vacas com príons
  • 9. 16 mutantes chegaram ao fornecimento de comida local na Inglaterra. Foi quan- do o mundo conheceu a infecção priônica. Por três décadas, a doença da vaca louca matou duzentas mil cabeças de gado na Europa e se espalhou entre os humanos. Os primeiros pacientes tinham dificuldade para caminhar e tre- miam incontrolavelmente, depois perdiam a memória e a capacidade de iden- tificar amigos e familiares. A morte cerebral vinha em seguida. No começo de sua carreira, Stanton tinha se transformado em um dos principais especialistas mundiais em vaca louca. Quando o Centro de Con- trole de Doenças, o cdc, fundou o Centro Príon, ele era a escolha natural para dirigi-lo. Na época, parecia a oportunidade de sua vida, e ele ficou emo- cionado quando se mudou para a Califórnia; era o primeiro centro de pesqui- sa dedicado ao estudo de príons e doenças priônicas nos Estados Unidos. Sob a liderança de Stanton, o Centro foi criado para diagnosticar, estudar e lutar contra os agentes infecciosos mais misteriosos na Terra. Só que isso nunca aconteceu. No fim da década, a indústria da carne lançou uma campanha bem-sucedida para mostrar que somente uma única pessoa nos Estados Unidos tinha sido diagnosticada com a doença da vaca louca. As verbas para o laboratório de Stanton diminuíram e, com menos ca- sos também na Inglaterra, o público logo perdeu interesse. O orçamento do Centro foi reduzido, e Stanton, forçado a demitir parte de sua equipe. Mas o pior de tudo era que eles ainda não haviam conseguido encontrar uma cura para a doença priônica. Foram anos testando várias drogas e outras terapias que, uma após outra, produziram apenas falsas esperanças. Mas Stanton sem- pre fora cabeça-dura e otimista e nunca desistiu da possibilidade de que as respostas poderiam vir na próxima experiência. Observando a jaula seguinte, ele encontrou outra cobra ameaçando sua presa e outro pequeno rato entediado com a demonstração. Nesse experimen- to, Stanton e sua equipe pretendiam entender o papel dos príons no controle dos instintos, incluindo o medo. Os ratos não precisavam ser ensinados a te- mer o barulho da grama que anunciava a aproximação do predador — o terror estava programado em seus genes. Mas depois que seus príons foram genetica- mente “nocauteados” os ratos passaram a agir de forma agressiva e irracional. Assim, Stanton e sua equipe tinham começado a testar os efeitos diretos da eliminação dos príons sobre os medos mais fundamentais dos animais. O celular de Stanton vibrou no bolso do jaleco branco. “Alô?” “É o doutor Stanton?” Era uma voz feminina que ele não reconheceu, mas devia ser uma mé- dica ou enfermeira: só uma profissional de saúde não pediria desculpas por ligar antes das oito da manhã.
  • 10. 17 “Em que posso ajudar?” “Meu nome é Michaela Thane”, ela falou. “Sou residente do terceiro ano no Hospital Presbiteriano do Leste de Los Angeles. O cdc me deu seu núme- ro. Acho que temos um caso de doença priônica aqui.” Stanton sorriu, ajeitou os óculos e, enquanto caminhava para a terceira jaula, falou, irônico: “Certo”. Dentro da jaula, outro rato atacava irrespon- savelmente o rabo de seu predador. A cobra parecia quase confusa por essa reversão da natureza. “Certo?”, perguntou Thane. “Só isso?” “Mande as amostras para meu escritório e minha equipe vai dar uma olhada”, ele disse. “Um doutor Davies vai retornar com os resultados.” “Quando? Em uma semana? Talvez não tenha sido muito clara, doutor. Às vezes falo rápido demais. Acho que temos um caso de doença priônica aqui.” “Entendo”, disse Stanton. “E os testes genéticos? Já tem os resultados?” “Não, mas…” “Ouça, doutora… Thane? Recebemos milhares de ligações por ano e pou- quíssimas delas tratam realmente de doenças priônicas. Se os testes genéticos forem positivos, entre em contato de novo.” “Doutor, os sintomas indicam claramente um diagnóstico positivo para…” “Deixe-me adivinhar. Seu paciente está tendo problemas para caminhar.” “Não.” “Perda de memória?” “Não sabemos.” Stanton deu um tapa no vidro de uma das jaulas, curioso para ver se algum dos animais reagiria. Nenhum dos dois se mexeu. “Então qual é o sintoma indicativo de doença priônica, doutora?”, ele perguntou a Thane, sem prestar muita atenção. “Demência e alucinações, comportamento errático, tremor e suor. Além de um terrível caso de insônia.” “Insônia?” “Quando o paciente foi admitido, pensamos que era a abstinência de álcool”, disse Thane. “Mas não havia deficiência de ácido fólico para indicar alcoolismo, então fiz mais testes e acredito que pode ser uma Insônia Fami- liar Fatal.” Finalmente ela havia conseguido conquistar a atenção de Stanton. “Quando ele foi admitido?” “Há três dias.” A Insônia Familiar Fatal, ou iff, é uma doença estranha, causada por um gene mutante, que avança rapidamente sobre o paciente. É uma condição
  • 11. 18 estritamente genética, transmitida por um dos pais; uma das poucas doenças priônicas genéticas. Stanton tinha visto apenas uma meia dúzia de casos de iff em sua carreira. A maioria dos pacientes procurava ajuda médica por es- tar suando constantemente e com problemas para dormir à noite. Em poucos meses, a insônia era absoluta. Os pacientes ficavam impotentes, experimen- tavam ataques de pânico, tinham dificuldade para caminhar. Presos entre um estado de vigília alucinatória e alerta induzido pelo pânico, quase todos os pacientes com iff morriam depois de algumas semanas de ausência total de sono, e não havia nada que Stanton ou qualquer outro médico pudesse fazer para ajudá-los. “Não fique aflita”, Stanton disse. “A incidência mundial de iff é uma em trinta e três milhões.” “O que mais poderia causar insônia absoluta?”, perguntou Thane. “Um vício não diagnosticado em metanfetamina.” “Estamos no leste de Los Angeles, doutor. Tenho o desprazer de sentir o cheiro de metanfetamina todos os dias. O exame toxicológico desse cara foi negativo.” “A iff afeta menos de quarenta famílias no mundo”, disse Stanton, con- tinuando a caminhar diante das jaulas. “E se houvesse um histórico familiar, você já teria me dito.” “Na verdade, não conseguimos falar com ele, porque não conseguimos entendê-lo. Ele parece latino, possivelmente indígena. Da América Central ou sul-americano, talvez. Estamos tentando resolver o problema com um serviço de tradução. Claro, na maioria dos dias, tem um cara aqui com uma série de dicionários.” Stanton olhou através do vidro de uma das jaulas. A cobra estava parada e havia um pequeno rabo cinza saindo de sua boca. Nas próximas vinte e quatro horas, quando as outras cobras ficassem famintas, isso aconteceria em todas as jaulas da sala. Mesmo depois de tantos anos no laboratório, Stanton ainda não se acostumara com o papel que desempenhava no futuro daqueles ratos. “Quem levou o paciente até vocês?”, perguntou Stanton. “De acordo com o relatório de internação, uma ambulância, mas não consigo encontrar o registro de qual serviço foi.” Isso combinava perfeitamente com tudo que Stanton sabia do Hospital Presbiteriano, um dos mais lotados e com mais dificuldades financeiras do leste de Los Angeles. “Quantos anos tem o paciente?”, perguntou Stanton. “Trinta e poucos, provavelmente. Sei que é incomum, mas li seu trabalho sobre aberrações de idade nas doenças de príon, e achei que poderia ser o caso.”
  • 12. 19 Thane estava fazendo bem seu trabalho em convencê-lo, mas sua di- ligência não mudou os fatos. “Terei certeza quando tivermos os resultados genéticos, aí tudo ficará claro”, Stanton falou. “Você pode ligar para o doutor Davies mais tarde se tiver outras questões.” “Espere, doutor. Não desligue ainda.” Stanton admirou sua insistência; ele também era um chato em sua época de residência. “O que foi?” “Foi feito um estudo no ano passado sobre os níveis de amilase, sobre como eles são indicadores da falta de sono.” “Conheço esse estudo. E?” “Os níveis de amilase do meu paciente estão em trezentas unidades por mililitro, o que sugere que ele não dorme há mais de uma semana.” Stanton saiu da frente da jaula. Uma semana sem dormir? “Ele teve convulsões?” “Há algumas evidências em sua tomografia”, respondeu Thane. “E como estão as pupilas do paciente?” “Muito pequenas.” “O que acontece quando são estimuladas com luz?” “Não respondem.” Uma semana de insônia. Suor. Convulsões. Pupilas muito pequenas. Das poucas condições que poderiam causar essa combinação de sin- tomas, as outras eram ainda mais raras que a iff. Stanton tirou suas luvas, esquecendo-se dos ratos. “Não deixe ninguém entrar no quarto enquanto eu não chegar aí.”