O homem acorda nu e precisa pegar pão deixado na porta, mas fica preso no elevador entre andares. Desesperado para voltar para o apartamento, acaba sendo visto pelos vizinhos, gerando grande confusão. Sua esposa só abre a porta depois que a situação sai de controle e a polícia é chamada, revelando no final que quem batia era apenas o cobrador da televisão.
2. Programação
Aula 1 | A Técnica C.R.I.
+ Desafio de Escrita
Aula 2 | A narrativa da
emoção
Aula 3 | A oficina do
conto + Instruções para
inscrição na formação
para contistas +
Revelação do vencedor
do Desafio
3. Por que eu gosto tanto
de contos?
• Possibilidade de sentir uma emoção profunda em pouco tempo
• Estrutura simples e eficaz
4. Por que você deve ler e estudar contos?
• Desenvolvimento de habilidades técnicas essenciais
• Experimentar diferentes gêneros
• Portifólio
• Revistas e Coletâneas
5. O que é o conto
• Narrativa breve
• Situação inicial + Escalada da situação inicial > Clímax
6. A estrutura do conto está presente nas narrativas
que consumimos diariamente
7. Para Cortázar, o conto está mais próximo do poema do que do romance.
“Tal como o poema, o conto é uma ‘síntese implacável de uma certa condição
humana’”.
8. "Vietnã", de Wislawa Szymborska
Mulher, como você se chama? - Não sei.
Quando você nasceu, de onde você vem? - Não sei.
Para que cavou uma toca na terra? - Não sei.
Desde quando está está aqui escondida? - Não sei.
Por que mordeu o meu dedo anular? Não sei.
Não sabe que não vamos te fazer nenhum mal? - Não sei.
De que lado você está? - Não sei.
É a guerra, você tem que escolher. - Não sei.
Tua aldeia ainda existe? - Não sei.
Esses são teus filhos? - São.
10. Coesão
Cortázar diz que um bom conto deve ter uma estrutura coesa, na qual cada parte
tenha uma função no edifício geral da obra.
11. Ritmo
O ritmo é a batida que dá vida ao seu conto. É ele que mantém os leitores presos e ansiosos por virar a próxima
página. É necessário criar uma cadência envolvente, alternando momentos de tensão e alívio, e sobretudo sabendo
levar a tensão dramática ao limite.
12. Impacto
Para Cortázar, um conto memorável é aquele capaz de projetar a imaginação do leitor
para além das palavras.
13. Refugiado no lanço da escada entre os andares, esperou que o elevador passasse, e voltou para a porta de
Ela estava em meio à multidão ondulante na estação da North Wall. Frank segurava a mão dela e ela notou
que ele estava falando, dizendo e redizendo alguma coisa sobre a passagem. A estação estava cheia de
soldados com bagagens marrons. Pelas amplas portas dos armazéns ela vislumbrou o vulto negro do barco,
parado ao lado do muro do cais com as vigias iluminadas. Ela não respondeu nada. Sentiu o rosto pálido e
frio e, em um labirinto de sofrimento, rezou a Deus para que a guiasse, para que indicasse o caminho do
dever. O barco soltou um longo apito triste em meio à neblina. Se fosse embora, amanhã estaria no mar
com Frank, deixando uma trilha de vapor a caminho de Buenos Aires. A passagem estava reservada. Será
que ainda seria possível mudar de ideia depois de tudo o que ele tinha feito? O sofrimento despertou-lhe
uma náusea no corpo e ela continuou movendo os lábios em uma ardorosa oração muda.
Um sino dobrou no peito dela. Sentiu quando Frank tomou-lhe a mão:
- Venha.
Todos os mares do mundo desaguavam no peito dela. Ele a puxava para o fundo: acabaria por afogá-la. Ela
se agarrou com as duas mãos à balaustrada de ferro.
- Venha!
Não! Não! Não! Era impossível. As mãos se agarravam desesperadas ao metal. Em meio aos mares ela
soltou um grito de angústia!
- Eveline! Evvy!
Frank tinha ultrapassado a barreira e naquele instante a chamava. Outras vozes gritavam para que andasse,
mas ele continuava a chamar. Ela voltou o semblante branco em direção a ele, passiva, como um animal
indefeso. Nos olhos dela não havia sinal de amor, despedida ou reconhecimento.
Trecho final de Eveline, de James Joyce
14. Todo dia, meu pai cavava em nosso terreno à procura de ouro.
Todo dia, toda semana, todo mês.
Desistimos de tentar convencê-lo de que aquilo era ridículo, e passamos a
ajudá-lo.
Demos a ele uma pá de dia dos pais, uma peneira de aniversário, grossas
luvas no natal.
Anos após sua morte, comecei a cavar, saudoso de seu jeito excêntrico.
E foi quando encontrei os corpos.
Microconto de Rodrigo Vataha
15. Um bom conto precisa ter...
1) Tensão e intensidade — O conto parte da noção de limite e, em primeiro lugar, de limite físico.
Assim, deve conter, compactar as situações, uma vez que os desenvolvimentos narrativos cabem mais à
novela e ao romance.
2) Significação — O conto, como a fotografia, “recorta um fragmento da realidade”, devendo,
portanto, ser “significativo”. Isto é, capaz de uma “abertura” que projete a inteligência e a sensibilidade do
leitor para além da história narrada.
18. Ao acordar, disse para a mulher:
— Escuta, minha filha: hoje é dia de pagar a prestação da televisão, vem aí o sujeito com a conta, na certa.
Mas acontece que ontem eu não trouxe dinheiro da cidade, estou a nenhum.
— Explique isso ao homem — ponderou a mulher.
— Não gosto dessas coisas. Dá um ar de vigarice, gosto de cumprir rigorosamente as minhas obrigações.
Escuta: quando ele vier a gente fica quieto aqui dentro, não faz barulho, para ele pensar que não tem
ninguém. Deixa ele bater até cansar — amanhã eu pago.
Pouco depois, tendo despido o pijama, dirigiu-se ao banheiro para tomar um banho, mas a mulher já se
trancara lá dentro. Enquanto esperava, resolveu fazer um café. Pôs a água a ferver e abriu a porta de serviço
para apanhar o pão. Como estivesse completamente nu, olhou com cautela para um lado e para outro
antes de arriscar-se a dar dois passos até o embrulhinho deixado pelo padeiro sobre o mármore do
parapeito. Ainda era muito cedo, não poderia aparecer ninguém. Mal seus dedos, porém, tocavam o pão, a
porta atrás de si fechou-se com estrondo, impulsionada pelo vento.
Aterrorizado, precipitou-se até a campainha e, depois de tocá-la, ficou à espera, olhando ansiosamente ao
redor. Ouviu lá dentro o ruído da água do chuveiro interromper-se de súbito, mas ninguém veio abrir. Na
certa a mulher pensava que já era o sujeito da televisão. Bateu com o nó dos dedos:
— Maria! Abre aí, Maria. Sou eu — chamou, em voz baixa. Quanto mais batia, mais silêncio fazia lá dentro.
Enquanto isso, ouvia lá embaixo a porta do elevador fechar-se, viu o ponteiro subir lentamente os andares...
Desta vez, era o homem da televisão! Não era.
Fernando Sabino | “O homem nu”
19. Refugiado no lanço da escada entre os andares, esperou que o elevador passasse, e voltou para a porta de seu apartamento, sempre a segurar nas mãos nervosas o embrulho de pão:
— Maria, por favor! Sou eu!
Desta vez não teve tempo de insistir: ouviu passos na escada, lentos, regulares, vindos lá de baixo... Tomado
de pânico, olhou ao redor, fazendo uma pirueta, e assim despido, embrulho na mão, parecia executar um
ballet grotesco e mal ensaiado. Os passos na escada se aproximavam, e ele sem onde se esconder. Correu
para o elevador, apertou o botão. Foi o tempo de abrir a porta e entrar, e a empregada passava, vagarosa,
encetando a subida de mais um lanço de escada. Ele respirou aliviado, enxugando o suor da testa com o
embrulho do pão.
Mas eis que a porta interna do elevador se fecha e ele começa a descer.
— Ah, isso é que não! — fez o homem nu, sobressaltado.
E agora? Alguém lá embaixo abriria a porta do elevador e daria com ele ali, em pêlo, podia mesmo ser
algum vizinho conhecido... Percebeu, desorientado, que estava sendo levado cada vez para mais longe de
seu apartamento, começava a viver um verdadeiro pesadelo de Kafka, instaurava-se naquele momento o
mais autêntico e desvairado Regime do Terror!
— Isso é que não — repetiu, furioso.
Agarrou-se à porta do elevador e abriu-a com força entre os andares, obrigando-o a parar. Respirou fundo,
fechando os olhos, para ter a momentânea ilusão de que sonhava. Depois experimentou apertar o botão do
seu andar. Lá embaixo continuavam a chamar o elevador. Antes de mais nada:
20. Refugiado no lanço da escada entre os andares, esperou que o elevador passasse, e voltou para a porta de seu apartamento, sempre a segurar nas mãos nervosas o embrulho de pão:
“Emergência: parar". Muito bem. E agora? Iria subir ou descer? Com cautela desligou a parada de
emergência, largou a porta, enquanto insistia em fazer o elevador subir.
O elevador subiu.
— Maria! Abre esta porta! — gritava, desta vez esmurrando a porta, já sem nenhuma cautela. Ouviu que
outra porta se abria atrás de si.
Voltou-se, acuado, apoiando o traseiro no batente e tentando inutilmente cobrir-se com o embrulho de
pão. Era a velha do apartamento vizinho:
— Bom dia, minha senhora — disse ele, confuso. — Imagine que eu... A velha, estarrecida, atirou os braços
para cima, soltou um grito:
— Valha-me Deus! O padeiro está nu!
E correu ao telefone para chamar a radiopatrulha:
— Tem um homem pelado aqui na porta!
Outros vizinhos, ouvindo a gritaria, vieram ver o que se passava:
— É um tarado! — Olha, que horror! — Não olha não! Já pra dentro, minha filha! Maria, a esposa do infeliz,
abriu finalmente a porta para ver o que era. Ele entrou como um foguete e vestiu-se precipitadamente, sem
nem se lembrar do banho. Poucos minutos depois, restabelecida a calma lá fora, bateram na porta.
— Deve ser a polícia — disse ele, ainda ofegante, indo abrir.
Não era: era o cobrador da televisão.