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HABITAÇÃO COLECTIVA NA ÁFRICA LUSÓFONA1
Projectar com os ventos dominantes
Collective Housing in Lusophne Africa – Project with the dominant winds
Ana Tostões 1 e Jessica Bonito 2
Prof. Ana Tostões
IST
Lisboa - Portugal
Arq. Jessica Bonito
IST
Lisboa - Portugal
1 Arquitecta, Professora Associada com Agregação, IST-UTL, Presidente do Docomomo Internacional, Av. Rovisco Pais 1,
1049-001 Lisboa, tostoes@civil.ist.utl.pt
2 Arquitecta estagiária, bolseira de investigação no IST-UTL, Av. Rovisco Pais 1, 1049-001 Lisboa, jessica.bonito@ist.utl.pt
Palavras-chave: Habitação colectiva, África Lusófona, Pancho Guedes, Vasco Vieira da Costa
Resumo
Depois do estudo da arquitectura do movimento moderno em Portugal focado no pós 2ª guerra,[2] da análise da
influência da moderna arquitectura brasileira, surgiu um interesse na investigação da arquitectura moderna e do
planeamento nas ex-colónias portuguesas em África. É o caso de Angola e Moçambique, grandes territórios da
África subsaariana que testemunharam um impulso desenvolvimentista significativo no período entre o final da 2ª
guerra mundial e a revolução democrática que transformou Portugal no 25 de Abril de 1974, conduzindo à
independência desses países no ano seguinte. Esta corrente apostada no desenvolvimento teve lugar num
processo de afirmação colonial desenvolvido no quadro do regime político do Estado Novo.
De facto, os pressupostos formais, tecnológicos e ideológicos do Movimento Moderno começaram a revelar-se
expressivamente em obras construídas na África Lusófona a partir de finais de 40. Personificando liberdade e
simbolizando esperança num futuro democrático, a afirmação da Arquitectura Moderna converteu-se num
objectivo, também ele político, num compromisso que pretendia não só resolver o problema da habitação como
ampliar a sua acção para o desenho da cidade e para o planeamento do território. Se por um lado, as colónias
africanas do hemisfério sul estavam geograficamente afastadas do controle repressivo da metrópole, por outro
lado, estes territórios também constituíam um novo mundo, em que a dimensão e a necessidade de
desenvolvimento promoveram um vasto campo de experimentação e inovação no campo do planeamento e da
construção. As Primeiras Jornadas de Engenharia de Moçambique, realizadas em Lourenço Marques entre 25 e
30 de Abril de 1965, são disso exemplo, designadamente a comunicação “O problema do conforto térmico em
climas tropicais e subtropicais” apresentada pelo Eng. Ruy José Gomes, chefe do Departamento de Edifícios do
então Laboratório de Engenharia Civil (LEC). Finalmente, defende-se que o léxico da arquitectura do movimento
moderno estimulou uma resposta criativa e especialmente apropriada para responder ao clima e ao ambiente
Habitação colectiva na África Lusófona – Análise de dois casos de estudo
Ana Tostões e Jessica Bonito
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tropical. Assim, o grande ideal do Movimento Moderno foi temperado pela experiência da construção da
arquitectura moderna no Brasil.3 De facto, os necessários meios para controlar as condições adversas dos climas
quentes estão já presentes em muitos tipos de estruturas arquitectónicas diferentes, de edifícios de serviços a
blocos de habitação social.
1. LUGAR, NATUREZA E CULTURA
Tendo em conta as particularidades climáticas das regiões em estudo e as acentuadas diferenças que se
verificam em relação ao clima de Portugal continental, o qual nos é mais familiar, foi necessária uma investigação
aprofundada sobre os aspectos próprios da arquitectura desenvolvida nas regiões tropicais.[4] A comunicação do
Eng. Ruy José Gomes[5] é confirmação dos estudos desenvolvidos pelo LNEC no quadro da procura do conforto
térmico das construções, não só para os imigrantes (já habituados ao clima, ou não) mas também para os
autóctones, concluindo que existem níveis diferentes de exigência e por isso soluções distintas. No entanto, o
seu pragmatismo leva-o a propor que as habitações para autóctones e imigrantes adaptados seguissem a
mesma solução, satisfatória para ambos, afastando-se assim dos ideais seguidos nas décadas anteriores que
marcavam profundamente a diferença entre habitações para indígenas e para colonos.[6]
No que diz respeito ao clima, os factores de maior influência no conforto humano são: a temperatura, a humidade
e o regime de ventos local. A temperatura e a humidade complementam-se, na medida em que, a noção sensível
de temperatura depende do grau de humidade. Assim, quanto mais elevada é a humidade maior será a sensação
de calor. Os climas tropicais podem ser classificados em grupos, variando de região para região conforme a sua
altitude, latitude, proximidade do mar, regime de ventos, chuvas, variações anuais e diurnas da temperatura.
Segundo o autor, as duas cidades em estudo, Luanda e Maputo, caracterizam-se por um clima quente e seco, o
que quer dizer que o elemento mais desfavorável para o conforto é a elevada temperatura diurna.
Os maiores desafios apresentados prendem-se com a procura de soluções capazes de tornar o ambiente no
interior dos edifícios mais agradável, e que têm a ver com: a correcta orientação do edifício, em relação ao sol
(fachadas principais orientadas a Norte e a Sul) e aos ventos, a colocação de dispositivos que o protejam da
incidência dos raios solares e a escolha de soluções construtivas e materiais de construção eficazes, sobretudo
no que diz respeito à sua inércia térmica.
O lugar e o clima revelaram-se fontes de inspiração para a criação de dispositivos reguladores bem imaginativos
e que simultaneamente constituíram álibis estimulantes para o fundamento e desenvolvimento de uma linguagem
moderna formalmente exuberante, plena de plasticidade nos jogos de volumes e efeitos claro-escuro.
A adaptação ao clima assentou em programas e soluções arquitectónicas desenvolvidas para potenciar o uso de
espaços ao “ar livre”, recorrendo por exemplo ao uso de galerias de acesso e circulação, e para potenciar a
introdução de dispositivos de controle da incidência solar como os brise-soleil utilizados quer na versão de palas
verticais ou horizontais, fixas ou amovíveis, mas também como grelhas pré-fabricadas de betão ou de cerâmica,
o combogó brasileiro.
O brise-soleil, feito de palas amovíveis em torno de um eixo central, foram inovadoramente utilizadas na fachada
norte do ministério da Educação a da Saúde no Rio de Janeiro (1936-1942). Depois disso, foram exaustivamente
empregues nos grandes edifícios públicos de Brasília a par de outras formas de sombreamento nomeadamente
as grelhas fixas feitas em módulos de betão ou de cerâmica prefabricados, designadas popularmente por
“combogó”.
Como demonstrou João Vieira Caldas7, o arquitecto angolano Vasco Vieira da Costa (1911-1982) levou mais
longe este conceito, e, tal como Le Corbusier fez em Chandigarh’s High Court Building, associou o conceito de
grelha com o de pala, concebendo inúmeras variações de grelhas de grandes dimensões coordenadas com palas
fixas de sombreamento em betão conseguindo assim combinar a protecção solar e a necessidade de ventilação.
Habitação colectiva na África Lusófona – Análise de dois casos de estudo
Ana Tostões e Jessica Bonito
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2. CASOS DE ESTUDO
Angola, uma versão da lição Corbusiana
A influência exercida por Le Corbusier foi decisiva sobre o grupo que se viria a designar por geração africana
sobretudo sobre a geração a que trabalhou no quadro Angolano, nomeadamente o caso do arquitecto Vasco
Vieira da Costa que estagiou no atelier da Rue de Sèvres em Paris e que apresentou o estudo de uma Cidade-
Satélite nº3 para Luanda como prova final de arquitecto, o CODA (Concurso para obtenção do título de
arquitecto) em 1948 na EBAP. Aí, Vasco Vieira da Costa revela uma hiper-consciência do potencial civilizador
contido na ideologia “democrática” e transformadora da arquitectura do movimento moderno: “compete, pois, ao
europeu criar no indígena necessidades de conforto e de uma vida mais elevada, impelindo-o assim ao trabalho
que o levará a fixar-se, e que facilitará a mão de obra mais estável. A orientação das habitações e a localização
dos bairros indígenas são os dois grandes elementos que devem reger a composição do plano de uma cidade
colonial.” (CODA)
Vieira da Costa desenvolveu uma aproximação criativa e original utilizando as condicionantes do lugar e do
clima como estímulos para uma resposta tecnicamente eficaz e esteticamente inovadora, legando uma obra
moderna a todos os títulos excepcional. Seguindo os princípios do desenho adaptado a um clima tropical
baseados da ideia de que uma ventilação eficaz é fundamental para assegurar o conforto, Vasco Vieira da Costa
procurou sempre “implantar a construção de acordo com os ventos dominantes”, e ao mesmo tempo coordenar
esta condição com a exigência de reduzir a incidência solar directa sobre as superfícies do edifício.
Edifício “Servidores do Estado”
Figura 1 – Edifício “Servidores do Estado”, Avenida Revolução de Outubro (EWV_Ana Tostões)
Figura 2 – Edifício “Servidores do Estado”, Rua do Padre Francisco Gouveia(EWV_Ana Tostões | EWV_Ana Magalhães)
Habitação colectiva na África Lusófona – Análise de dois casos de estudo
Ana Tostões e Jessica Bonito
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O Bloco dos Servidores Estado é um dos projectos de referência. Projectado em 1965 e destinado a alojar os
funcionários públicos deslocados para a colónia, implanta-se no sentido NE_SW paralelamente a uma avenida de
largo perfil e intenso tráfego (Avenida Revolução de Outubro, antiga Serpa Pinto) para onde se viram as salas e
quartos, e, a uma via secundária (Rua Padre Francisco Gouveia), para onde se viram os acessos e os espaços
de carácter mais doméstico, que faz a transição para o bairro de moradias de baixa escala que se estende até ao
bairro de Alvalade. A condicionante de uma construção de baixo custo implicou soluções imaginativas e um rigor
de desenho que está na base da precisão construtiva e de uma aproximação tectónica à filosofia da “construção
de secos” baseada na tecnologia do betão coordenada com a utilização de madeira sem recurso a argamassas.
Avenida Revolução de Outubro
Rua do Padre Francisco Gouveia
Figura 3 – Implantação do edifício “Servidores do Estado” (Google Earth_alterado por Jessica Bonito)
Sistemas de circulação
Figura 4 – Alçado Rua do Padre Francisco Gouveia (desenhado por Jessica Bonito)
A grande escala é dada pelo volume de longos pisos assentes num colossal embasamento que tira partido das
diferenças de cota entre as duas ruas criando um amplo espaço público a nível térreo que quase duplica o
volume do edifício. Os acesso são feitos pela Rua do Padre Francisco Gouveia por dois volumes puros que
abrigam as caixas de escada ligadas a longas galerias de distribuição (80m de comprimento e 2 m de largura).
Estas apresentam-se como corredores semi-privados, afastando-se cerca de 1.5 m do volume principal, onde se
encontram os apartamentos, de modo a que estejam sombreados. Este afastamento é interrompido apenas para
fazer o acesso às habitações, através de um espaço de entrada privado. Estas galerias acentuam a leitura
longitudinal do bloco através de um jogo volumétrico feito de claros escuros, de panos avançados e recuados, de
grelhas em betão bruto, e de uma estrutura de vigas transversais que são avançadas para além dos limites do
edifício marcando o ritmo e a expressão brutalista do conjunto e usando a estrutura com valor plástico.
Habitação colectiva na África Lusófona – Análise de dois casos de estudo
Ana Tostões e Jessica Bonito
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Figura 5 – Pormenores dos sistemas de circulação (EWV_Ana Magalhães | In Quintã, Margarida, 2009 | EWV_Ana Tostões)
Tipologia e distribuição de fogos
Figura 6 – Distribuição de fogos por piso (desenhado por Jessica Bonito)
As tipologias são coordenadas de modo a manter constante o jogo volumétrico sucedendo-se em cada piso um
comboio de cinco T3 rematados na ponta Norte por um T1. Este conjunto repete-se ao longo de cinco pisos,
sendo que no primeiro piso existe apenas um T1 (fig. 7). Em todo o edifício existem vinte e cinco T3 e seis T1.
Figura 7 – Planta do 1º piso
Analisando-se a distribuição e organização dos apartamentos pelos vários pisos, é perceptível a vontade de se
criar o maior número possível de habitações, não se identificando áreas mal aproveitadas ou espaços
desnecessários, respondendo assim de forma eficaz ao principal objectivo da construção deste edifício.
Habitação colectiva na África Lusófona – Análise de dois casos de estudo
Ana Tostões e Jessica Bonito
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Organização funcional e características dos fogos
Figura 8 – Organização dos fogos T1 e T3 (desenhado por Jessica Bonito)
Legenda: T1 T3
1. Hall (5.94 m2) (4.13 m2)
2. Cozinha (5.94 m2) (5.94 m2)
3. Quarto (12.58 m2) (10.70 + 12.21 + 12.95 m2)
4. Sala (20.79 m2) (34.50 m2)
5. Instalações Sanitárias (5.04 m2) (3.88 + 3.75 + 2.52 m2)
6. Quarto de Serviço (não existe) (3.74 m2)
7. Despensa (1.76 m2) (1.19 m2)
8. Varanda (21.94 m2) (21.94 m2)
No que diz respeito à área total das habitações, os T1 têm 81.30 m2 enquanto os T3 têm 166.10 m2.
Racionalidade da composição, reflecte-se na economia espacial que aposta nos espaços de convívio e de estar
ao ar livre dotados de áreas generosas ocupando cerca de metade da área dos apartamentos. A relação da
varanda com a sala constitui aliás uma das inovações deste bloco. Estes espaços de convivio têm
características muito diferentes. A sala de grandes dimensões, tendo em conta as restantes divisões, apresenta
um clima de interior mais abrigado tendo grandes aberturas para a varanda, com portas que permitem isolar a
divisão do exterior. Por outro lado, a varanda também com dimensões generosas, é uma zona de clima
interior/exterior, pois está separada do exterior apenas por portadas de madeira móveis, sem janelas de vidro,
pelo que o isolamento não é total.
Habitação colectiva na África Lusófona – Análise de dois casos de estudo
Ana Tostões e Jessica Bonito
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Figura 9 – Corredor e interior da área semi-privada de entrada do apartamento (EWV_Ana Tostões)
Exposição solar
Figura 10 – Exposição solar dos apartamentos (desenhado por Jessica Bonito)
Outro aspecto importante na análise de uma habitação é a sua exposição solar. No hemisfério Sul o percurso
aparente do sol inicia-se a Este passando por Norte e pondo-se a Oeste. Assim, a orientação mais problemática
é a Sul, pois não recebe luz directa do sol, sendo por isso de evitar na organização funcional do apartamento, a
colocação nesta zona de divisões que necessitem de iluminação.
No caso em estudo[8]
as divisões voltadas a poente, varanda (8), sala (4) e quartos (3), recebem a directa do sol
desde as 11 horas da manhã no solstício de Inverno, e 12h30 no solstício de Verão, até ao pôr-do-sol. Para
atenuar este problema o arquitecto dimensionou varandas profundas, que impediriam a entrada directa dos raios
solares. No entanto, os três metros de profundidade das varandas só conseguem proteger as salas até às 15h no
solstício de Inverno e 16h30 no de Verão, ou seja durante apenas 4 horas. Para controlar a penetração dos raios
Habitação colectiva na África Lusófona – Análise de dois casos de estudo
Ana Tostões e Jessica Bonito
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solares nas restantes horas que antecedem o pôr-do-sol, foram colocadas portadas móveis de madeira na
fachada, como se verá pormenorizadamente mais à frente. No que diz respeito aos quartos, o sistema de
sombreamento não é tão complexo, tendo-se recorrido à colocação de uma grelha de betão.
As divisões voltadas a Este, neste caso as que estão viradas para os corredores/galerias exteriores, o hall de
entrada (1), a cozinha (2), as instalações sanitárias (5), um dos quartos (3) e o quarto de serviço (6), estão
protegidas dos raios solares pelas próprias galerias, com dois metros de largura. Não sendo necessária a
colocação de num sistema de sombreamento complementar, no entanto, como é difícil controlar a entrada da luz
logo pela manhã, nos quartos foram colocadas janelas tipo beta, com lâminas horizontais de madeira orientáveis,
para permitir o seu escurecimento.[9]
Circulação do ar no interior dos apartamentos
Figura 11 – Circulação do ar no interior dos apartamentos (desenhado por Jessica Bonito)
Em zonas de climas quentes, como é o caso da cidade em estudo, é muito importante quando se projecta um
edifício fazê-lo de modo a favorecer uma boa ventilação natural no seu interior. Assim, é necessário conhecer o
regime de ventos do local. No que diz respeito à cidade de Luanda, este é caracterizado pela predominância das
direcções Sudoeste e Nordeste influenciadas pela corrente marítima costeira denominada por Corrente de
Benguela.[10]
O edifício “Servidores do Estado” não foi perfeitamente orientado em relação às direcções predominantes do
vento, estando quase paralelo às mesmas, no entanto, de um modo geral, as habitações têm uma boa circulação
interna de ar. Do lado Oeste as correntes de ar entram pelas aberturas das varandas e dos quartos. Estas
divisões têm dimensões amplas e não apresentam obstáculos no seu interior, pelo que a ventilação não é
interrompida. No lado Este, as divisões dos apartamentos são abertas para as galerias exteriores, através de
janelas. Estas têm um conjunto de lâminas de madeira que podem ser rodadas de modo a permitir a entrada das
correntes de ar que vêm das galerias.
Habitação colectiva na África Lusófona – Análise de dois casos de estudo
Ana Tostões e Jessica Bonito
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Sistemas construtivos
Figura 12 – Pilares no piso térreo e vigas nas galerias exteriores (EWV_Ana Magalhães | EWV_Ana Tostões)
Como Vasco Vieira da Costa não conseguiu projectar de acordo com a exposição solar ideal dadas as
contingências do terreno e do programa, este inconveniente é ultrapassado na fachada poente graças à criação
de uma caixa exterior, avançada sobre o plano de fachada, que é totalmente fechada a partir do parapeito por um
reguado de venezianas de madeira funcionando como brise-soleil que transforma o espaço avarandado num
ambiente flexível que pode ser utilizado aberto ou fechado. Esta varanda, interior-exterior, liga-se directamente à
sala dupla permitindo uma utilização do espaço que se pode adaptar a cada hora do dia. Os sistemas de
sombreamento e ventilação baseiam-se em portadas e janelas com lâminas de vidro ou madeira orientáveis e
grelhas fixas em betão.
Figura 13 – Pormenores da fachada da Avenida Revolução de Outubro
Habitação colectiva na África Lusófona – Análise de dois casos de estudo
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Figura 14 – As portadas de madeira podem ser deslocadas para a esquerda ou para a direita. As lâminas inclinadas
permitem a entrada de ar, favorecendo a ventilação interior. Abaixo destas portadas, junto ao pavimento interior existe outro
conjunto de lâminas em madeira que complementam o sistema de ventilação.
Figura 15 – As grelhas em betão colocadas em frente às janelas do quarto protegem a divisão da incidência directa do sol e
permitem a abertura das janelas, o que facilita a circulação de ar no interior.
No interior do apartamento, a parede que separa a varanda da sala, e a parede do corredor dos quartos
apresenta na parte superior uma banda de lâminas móveis em madeira. Quando estão abertas permitem a
ventilação natural interna, pelo contrário, quando são fechadas isolam a sala do exterior pois entre as portadas
na fachada e o interior não existem janelas. Actualmente, o fogo está muito alterado pois já não tem as portas
que isolavam a sala da varanda e foram ainda acrescentadas janelas de vidro junto das portadas na fachada.
Figura 16 – Interior de um fogo (sala/varanda) e grelha no corredor dos quartos (EWV_Ana Tostões|In Quintã, Margarida, 2009)
As janelas em madeira que separam o fogo das galerias exteriores têm dupla função. Um dos lados, com vidro,
pode ser totalmente aberto permitindo um fluxo maior de entrada de ar, enquanto o outro lado com lâminas
móveis, possibilitam o controlo da ventilação.
Habitação colectiva na África Lusófona – Análise de dois casos de estudo
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Por cima das janelas, à semelhança do que acontece no interior do apartamento, existe uma banda de lâminas
fixas de madeira.
Figura 17 – Interior de uma instalação sanitária e aberturas para o corredor exterior (In Quintã, Margarida, 2009 | EWV_Ana
Tostões)
Na área semi-privada de entrada no apartamento existem dois vão, a porta com um lado coberto com lâminas de
madeiras móveis, e uma janela com lâminas móveis em vidro, permitindo a entrada de luz, para além de facilitar
a ventilação interna.
Figura 18 – Vãos na área semi-privada de entrada no apartamento (EWV_Ana Tostões)
Os sistemas de ventilação e sombreamento estendem-se para o exterior dos apartamentos, sendo possível
encontrar grelhas de betão nas caixas de escadas. Assim, estes blocos não se apresentam como obstáculos à
circulação de ar nas galerias exteriores, pois também têm aberturas e, em simultâneo, são elementos
sombreadores.
Habitação colectiva na África Lusófona – Análise de dois casos de estudo
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Figura 19 – Grelhas de betão nas caixas de escadas (EWV_Ana Tostões)
Forma e imagem global do edifício
Figura 20 – Alçado da Avenida Revolução de Outubro (desenhado por Jessica Bonito)
O edifício “Servidores do Estado” apresenta-se na cidade como um bloco habitacional de grandes dimensões.
Destaca-se pela escala de bloco longilíneo. Analisando a sua imagem global, sobressai o modo inteligente como
o arquitecto conseguiu integrar e tirar partido dos sistemas construtivos que desenvolveu. No alçado da Avenida
Revolução de Outubro, as protecções solares são como uma segunda pele de reduzida espessura, que envolve
este lado do edifício de forma ritmada. Enquanto no alçado posterior é a estrutura de pilar e viga que se destaca,
marcando o seu ritmo.
As grelhas de protecção solar e ventilação podem ser encontrados em vários pontos do edifício. Embora todas
tenham a mesma função, o seu aspecto não é sempre o mesmo.
Habitação colectiva na África Lusófona – Análise de dois casos de estudo
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Figura 21 – Duas soluções de grelhas de protecção solar e ventilação (EWV_Ana Tostões)
Actualmente, o “Servidores do Estado” encontra-se degradado e muito alterado. O edifício em estudo sofreu a
ocupação dos seus espaços públicos e semi-privados. Estes foram transformados em pequenos alojamentos ou
estabelecimentos comerciais.
O edifício perdeu algum do seu carácter e qualidade urbana no modo como se relacionava com a cidade. O
interior dos apartamentos e as galerias exteriores também foram moldados conforme a vontade dos ocupantes.
Nomeadamente o fecho com caixilharia de alumínio e estores das varandas, alterando significativamente a
imagem do bloco, mas também a vivência dos espaços, anulando a função de espaços ao ar livre.
O caso em estudo faz hoje parte de um vasto conjunto de edifício que necessitam de profundas e urgentes
intervenções, com o objectivo de preservar e recuperar a sua qualidade arquitectónica e urbana.
Figura 22 – Vista geral do edifício (modelo 3D, produzido em AutoCAD por Jessica Bonito)
Habitação colectiva na África Lusófona – Análise de dois casos de estudo
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Figura 23 – Vista geral do edifício (modelo 3D, produzido em AutoCAD por Jessica Bonito)
Moçambique, o Índico, a Africa do Sul e o Team X
Em Moçambique, concretamente no Maputo (ex-cidade de Lourenço Marques) são desenvolvidos idênticos
dispositivos. Implantado em plena Baixa do Maputo, junto à Catedral, o edifício “TAP-Montepio de Moçambique”
de Alberto Soeiro é talvez o caso mais espectacular porque conjuga um colossal embasamento, ocupado por
funções de serviços e comercio, com o desenho de um volume alto e paralelepipédico destinado às habitações.
Desenvolvidas em sistema de duplex, sempre com acesso protagonizados por longas galerias suspensas e
abertas que se estendem pelos dois lados do bloco habitacional, ritmando alternadamente a fachada e
distinguindo as hierarquias coloniais: os acessos principais, as galerias viradas para a frente, dos acessos de
serviço, as galerias das traseiras. A posição de gaveto e a centralidade da localização são qualidades urbanas
potenciadas pela espacialidade do grande átrio porticado sob o embasamento, com colossais colunas, e pelo
tratamento da empena virada à Avenida (Samora Machel) com um mural cerâmico colorido (Gustavo de
vasconcellos, 1959).
Uma aproximação radicalmente inovadora e afastada dos cânones mais comuns do movimento moderno é a que
é seguida por Pancho Guedes (1925- ). Pancho desenvolve uma análise muito particular da cultura Moçambicana
que cruza com o um universo anglo-saxónico que conhece bem dadas as suas relações, estudos em arquitectura
que desenvolve na Universidade de Witwatersrand (1949, África do Sul) a que se segue a sua participação nos
CIAM estabelecendo contactos intensos com Team X. Na verdade Pancho alimentou desde finais dos anos 40
um expressionismo plástico absolutamente singular que respondia a muitos dos anseios do grupo fracturante
TEAM X. Procurando responder à disponibilidade e competência da mão de obra local, a sua obra concentra-se
sobretudo em Lourenço Marques (actual Maputo) onde desenvolve uma criação original, que viria a denominar-
se de “Stiloguedes”, denotando influências situadas entre a pintura de Picasso e do seu amigo Malangatana, do
universo onírico freudiano à escultura africana, cruzadas com uma atitude marcada por uma disponibilidade
“surrealista”, que a amizade com Tristan Tzara foi alimentando. Apostando na ligação entre a sociedade local e a
sua produção, Pancho encontrou em Moçambique um clima favorável à realização dos seus projectos. Famoso
pela fertilidade da sua imaginação, partidário de um processo cujo ponto de partida seria o “caos” visual original,
construindo o absurdo e a contradição organizados depois pela imaginação e pelo sentido de invenção do
criador, assume-se ao mesmo tempo escultor, pintor e arquitecto. Para ele cada projecto nasce naturalmente do
sítio, clima, geologia e da cultura dos seus utentes. Apoiado numa estrutura de trabalho artesanal, desde a
concepção à obra, foi dos primeiros a interessar-se pelos bairros indígenas nos arredores de Maputo com os
Habitação colectiva na África Lusófona – Análise de dois casos de estudo
Ana Tostões e Jessica Bonito
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seus caniços e cubatas, bem melhor adaptados à cultura local do que quaisquer outras construções feitas com
materiais industrializados.
Edifício “Prometheus”
Figura 24 – Edifício “Prometheus”, Avenida Mao Tse Tung/Avenida Julius Nyerere (in Guedes, Pedro, 2009)
Entre 1951 e 1953 projecta no Maputo o primeiro edifício de habitação colectiva que designou por “Prometeus”[11]
por causa da escala que conseguiu dar a um edifício de 5 pisos. Pertence ao grupo de edifícios que incluiu no
Stiloguedes a “bizarra e fantástica família com bicos e dentes, com vigas rasgando os espaços em redor, com
paredes convulsivas e luzes encastradas.”[12]
Implantação
Situado na esquina da Avenida Mao Tse Tung com a Avenida Julius Nyerere, muito próximo do mar, na Baía de
Maputo. Ambas as avenidas têm grandes dimensões, sendo de grande importância na dinâmica da cidade.
A malha urbana desta zona da cidade está bem consolidada, com um forte carácter ortogonal, formando
aproximadamente uma quadrícula.
Avenida Mao Tse Tung
Avenida Julius Nyerere
Figura 25 – Implantação do edifício “Prometheus” (Google Earth, alterado por Jessica Bonito)
Habitação colectiva na África Lusófona – Análise de dois casos de estudo
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Sistemas de circulação
Figura 26 – Sistemas de circulação do edifício “Prometheus” (desenhado por Jessica Bonito)
O “Prometheus” é um edifício de quatro pisos de habitação, mais um piso recuado, no entanto por estar elevado
sobre pilares tem o equivalente a seis pisos.
O acesso ao edifício é feito pela Avenida Mao Tse Tung. Inicialmente o piso de entrada era aberto e destinava-se
a estacionamento. Nos anos 60, foi fechado e transformado numa agência bancária. As circulações interiores
localizam-se junto à fachada a tardoz, constituídas por duas caixas de escadas, a principal e a de serviço, e um
elevador. Esta organização reflecte-se na fachada, com vãos de reduzidas dimensões.
Como se pode observar pelas plantas acima, a organização interna do edifício é muito simples e funcional,
características comuns a todos os edifícios que fazem parte do Stiloguedes.
Habitação colectiva na África Lusófona – Análise de dois casos de estudo
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Tipologia e distribuição de fogos
Figura 27 – Distribuição dos fogos num piso de habitação (desenhado por Jessica Bonito)
Legenda: A – Escada principal
B – Elevador
C – Escada de serviço
D – Corredor de acesso aos apartamentos
No edifício em estudo encontram-se dois tipos de apartamentos, T1 e T2. Os quatro pisos de habitação são
iguais, existindo um T1 e dois T2 em cada um, no total de doze apartamentos. Todos os apartamentos têm frente
para a Avenida Mao Tse Tung. Os T2 localizam-se nas pontas do edifício e o T1 no centro. O último piso é
recuado e de serviço, com pequenas arrecadações, ateliers e zona de lavandaria.
Trata-se de um bloco de habitação com todos os espaços complementares que são necessários, desde o
estacionamento à lavandaria, sem existirem zonas desnecessárias nem mal dimensionadas.
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Organização funcional e caracteristicas dos fogos
Figura 28 – Organização dos fogos (desenhado por Jessica Bonito)
Legenda: T1 T2
1. Hall (3.52 m2) (4.55 m2)
2. Sala (10.78 m2) (13.97 m2)
3. Quarto (10.54 m2) (13.57 m2)
4. Cozinha (3.15 m2) (5.36 m2)
5. Instalações sanitárias (3.05 m2) (3.90 m2)
6. Varanda (3.97 m2) (3.97 m2)
Os apartamentos têm dimensões pequenas, o T1 tem 32.81 m2 e o T2 tem 56.08 m2. Ao sair-se da coluna de
acessos acede-se ao corredor de distribuição para os apartamentos, com uma porta ao centro e outra de cada
lado do espaço. Todos os apartamentos têm uma organização funcional, semelhante com um hall de entrada,
que permite o acesso às diferentes divisões da habitação. Cada apartamento pode ser visto, de forma
simplificada, como um quadrado com um compartimento em cada canto.
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Exposição solar
Figura 29 – Exposição solar dos apartamentos (desenhado por Jessica Bonito)
A organização funcional das divisões dos apartamentos deste edifício permite uma exposição solar eficiente. A
fachada principal está orientada a Nordeste recebendo várias horas de sol, o que se reflecte nas salas (2), no
quarto principal (3) e nas varandas (6). Esta solução faz sentido, pois tratam-se das divisões mais utilizadas,
sobretudo a sala e a varanda, que são locais de convívio onde a família se reúne. Assim, as divisões com menor
utilização, a cozinha (4) e as instalações sanitárias (5) estão voltadas para a fachada a Sudoeste, não tendo por
isso tanta exposição solar. No entanto, nas habitações do tipo T2 existe um quarto, de menores dimensões, que
também tem frente para Sudoeste, o que não é aconselhável. Para corrigir este problema o arquitecto criou um
vão em ambas as fachadas laterais do edifício que permite aumentar a incidência solar nesta divisão. Os vão da
fachada tardoz têm grandes dimensões aproveitando ao máximo a luz solar.
Habitação colectiva na África Lusófona – Análise de dois casos de estudo
Ana Tostões e Jessica Bonito
20
Circulação do ar no interior dos apartamentos
Figura 30 – Circulação do ar no interior dos apartamentos (desenhado por Jessica Bonito)
Maputo é marcada pela brisa de terra com direcção predominante Sudoeste e pela brisa do mar com direcções
predominantes entre Nordeste e Este.
Com recurso à análise do esquema acima e tendo em conta as reduzidas dimensões dos apartamentos do
Prometheus, é possível concluir-se que estes têm uma boa ventilação interna. A Sudoeste a brisa entra pelos
vãos dos quartos (3), das instalações sanitárias (5) e das cozinhas (4). Também a coluna vertical de circulações
do edifício está bem ventilada, pois ao longo da fachada vão existindo vãos alternados. A Este a corrente de ar
permite ventilar os quartos (3) de um dos apartamentos T2. Por último, também a fachada principal beneficia da
direcção predominante do vento a Nordeste, proporcionando a circulação de ar nos quartos (3) e nas salas (2),
criando um ambiente propício ao convívio.
Habitação colectiva na África Lusófona – Análise de dois casos de estudo
Ana Tostões e Jessica Bonito
21
Sistemas construtivos
Figura 31 – Representação axonométrica da localização dos pilares, corte e alçado lateral (disponivel em: www.guedes.info
[13/09/2011] | desenhado por Jessica Bonito)
À semelhança do caso de estudo anterior e da grande maioria dos edifícios desta época, também o material
construtivo predominante no Prometheus é o betão. Estruturalmente a solução escolhida foi o sistema pilar viga,
muito comum, no entanto e como não poderia deixar de ser, tendo em conta o autor do edifício, os pilares não
têm nada de comum. Estes parecem planos que fazem lembrar figuras com múltiplos braços abertos, que se
prolongam em altura como se pode ver pelo alçado lateral acima. Estas “figuras” repetem-se sete vezes ao longo
do bloco habitacional (axonometria acima).
O edifício, quase todo em consola, parece estar fragilmente equilibrado sobre uma fileira central destes estranhos
pilares. As varandas em consola, com as suas dimensões generosas, acentuam o peculiar equilíbrio do edifício.
Como noutras obras de Pancho Guedes é possível encontrar-se elementos escultóricos que o próprio imaginava
e criava. No caso do Prometheus, os pilares que se encontram nas pontas do edifício são rematados com seis
picos de cada lado do seu topo, como se formassem a cabeça da estranha criatura de braços abertos.
Figura 32 – Varandas e pormenor do topo do edifício (In Architectural Review nº770, Abril 1961 | EWV_Ana Magalhães)
Habitação colectiva na África Lusófona – Análise de dois casos de estudo
Ana Tostões e Jessica Bonito
22
Forma e imagem global do edifício
Figura 33 – Fachada principal, Avenida Mao Tse Tung (EWV_Ana Magalhães | desenhado por Jessica Bonito)
Figura 34 – Fachada tardoz (Disponível em: http://www.artefacts.co.za/main/Buildings/bldgframes.php?bldgid=8285
[13/09/2011] | desenhado por Jessica Bonito)
Pancho serve-se dos dispositivos modernos, como o de elevar o edifício sobre pilotis, para acentuar o
expressionismo e a adjectivação das formas inaugurando um trabalho a todos os títulos inédito.
O edifício Prometheus apresenta-se na cidade como um estranho bloco de apartamentos, segundo o seu autor.
O seu interior tem uma organização simples e funcional, como se observa pelas plantas, enquanto os alçados e
corte têm estranhas formas e decorações. A fachada principal reflecte a estrutura única desta obra, onde as
janelas, as varandas e as formas quadriláteras que aparecem espalhadas marcam um ritmo pouco convencional.
No projecto original, Pancho Guedes tinha pensado num outro edifício que seria implantado ao lado deste, seria a
“Mulher do Prometheus”, com características semelhantes ao edifício em estudo. Hoje em dia o que se encontra
no seu lugar é um bloco habitacional de 10 pisos. Actualmente o Prometheus está muito alterado, o piso térreo é
ocupado por lojas, as empenas perderam a sua expressividade e o último piso, que era recuado, foi aumentado e
transformado em habitação.
Figura 35 – Actual empena do “Prometheus” e edifício “A Mulher do Prometheus” (Disponível em:
http://www.artefacts.co.za/main/Buildings/bldgframes.php?bldgid=8285 [13/09/2011] | www.guedes.info [13/09/2011])
Habitação colectiva na África Lusófona – Análise de dois casos de estudo
Ana Tostões e Jessica Bonito
23
Figura 36 – Vista geral do edifício (modelo 3D, produzido em AutoCAD por Jessica Bonito)
Figura 37 – Estrutura do edifício (modelo 3D, produzido em AutoCAD por Jessica Bonito)
A prova de que a Arquitectura do Movimento Moderno se rege segundo princípios flexíveis que podem ser
interpretados e reinventados, pode ser verificada em Angola e Moçambique numa produção arquitectónica
claramente adaptada ao lugar e ao clima. Nos projectos eram seguidos os princípios racionais do Movimento
Moderno na organização do espaço interior combinados com a preocupação de tirar partido do que os elementos
naturais, como o sol e o vento, podiam oferecer. Orientavam-se os edifícios, sempre que possível, a favor da
circulação do ar e de uma exposição solar adequada. Quando estas premissas não podiam ser seguidas,
criavam-se as situações mais interessantes, nas quais os arquitectos tinham que recorrer à sua imaginação para
Habitação colectiva na África Lusófona – Análise de dois casos de estudo
Ana Tostões e Jessica Bonito
24
desenvolver os elementos necessários à protecção do edifício, com o objectivo de aumentar o conforto térmico
no interior.
Estes elementos consistiam em dispositivos, como os brise-soleil (herdados dos brasileiros, que poderiam ser
fixos ou móveis e verticais ou horizontais), ou em soluções espaciais como as longas galerias de distribuição,
espaços de circulação que promoviam a ventilação.[13] No entanto, os arquitectos levaram estes aspectos
técnicos mais além, transformando-os em autênticas obras de arte. No panorama arquitectónico desenvolvido
nestes países é possível encontrar obras com grandes panos rendilhados em betão que cobriam fachadas
inteiras ou formas geométricas e ritmadas que proporcionavam a sombra desejada, fazendo de cada edifício um
exemplo único que representava o estilo próprio de cada autor.
Estes aspectos afastaram a Arquitectura Moderna desenvolvida na África Lusófona da que se fazia na metrópole.
As colónias africanas, em especial Angola e Moçambique, foram excelentes laboratórios de experimentação para
os arquitectos portugueses.
Estas obras constituem um pequeno exemplo do potencial afirmado pela produção arquitectónica moderna em
Angola e Moçambique patente nas qualidades icónicas, tectónicas e programáticas deste legado a todos os
títulos singular.
3. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1 A análise e interpretação que a seguir se desenvolve enquadra-se no projecto de investigação “EWV – Visões cruzadas
dos mundos: arquitectura moderna na África Lusófona (1943-1974) vista através da experiência brasileira iniciada a partir
dos anos 30” (PTDC/AUR-AQI/103229/2008), financiado pela FCT e conduzido a partir do Instituto Superior Técnico em
colaboração com a Universidade do Minho.
2 TOSTÕES, Ana – Os Verdes Anos na Arquitectura Portuguesa dos Anos 50, Porto: FAUP Publicações, 1997.
3 TOSTÕES, Ana, “Moderno e nacional na arquitectura portuguesa. A Descoberta da Modernidade Brasileira” in PESSOA,
José, VASCONCELLOS, Eduardo, REIS, Elisabete, LOBO, Maria, Moderno e Nacional, Niterói: EdUFF, 2006, pp.101-124
4 Sobre este tema consultou-se FRY, Maxwell, DREW, Jane - Tropical Architecture in the Dry and Humid Zones, London: BT
Batsford, 1964; OLGYAY, Victor – Design with climate, Bioclimatic approach to architectural regionalism, Princeton:
Princeton University Press, 1963; PACHECO, José – Características da Arquitectura em Regiões Tropicais Húmidas,
Lisboa: Ministério do Exército – Direcção do Serviço de Fortificações e Obras Militares Divisão de Obras Ultramarinas e das
Ilhas Adjacentes, 1963; QUINTÃ, Maria Margarida – Arquitectura e Clima. Geografia de um lugar: Luanda e a obra de Vasco
Vieira da Costa, Iperforma/Soapro, 2009.
5 GOMES, Ruy José – O problema do conforto térmico em climas tropicais e subtropicais. In Primeiras Jornadas da
Engenharia de Moçambique. Lourenço Marques, 1965, pp. 589-644 [10317|IICT-CDTE]
6 AGUIAR, João António – L’Habitation dans les pays tropicaux. In XXIº Congrès de la Federation Internationale de
L’Habitation et L’Urbanisme, Lisbonne, 1952
7 CALDAS, João Vieira – “Design with Climate in Africa. The World of Galleries, Brise-soleil and Beta Windows”.
DOCOMOMO Journal nº 44, Barcelona, 2011, pp. 16-23
8 Cf. QUINTÃ, Margarida – Arquitectura e Clima. Geografia de um lugar: Luanda e a obra de Vasco Vieira da Costa.
Iperforma/Soapro, 2009.
9 Idem.
10 Ibidem.
11 MAGALHÃES, Ana – Moderno Tropical Arquitectura em Angola e Moçambique 1948-1975. Lisboa: Edições Tinta da
China, 2009, pp. 223.
12 GUEDES, Pedro (Organização do Catálogo) – Pancho Guedes. Vitruvius Mozambicanus. Lisboa: Fundação de Arte
Moderna e Contemporânea – Colecção Berardo, 2009, pp. 79.
13 CALDAS, João Vieira – “Design with Climate in Africa. The World of Galleries, Brise-soleil and Beta Windows”. Op cit., pp.
16-23

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Mg arquitectura de terra no moxico
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Habitação colectiva na áfrica lusófona – análise de dois casos de estudo

  • 1. 1 HABITAÇÃO COLECTIVA NA ÁFRICA LUSÓFONA1 Projectar com os ventos dominantes Collective Housing in Lusophne Africa – Project with the dominant winds Ana Tostões 1 e Jessica Bonito 2 Prof. Ana Tostões IST Lisboa - Portugal Arq. Jessica Bonito IST Lisboa - Portugal 1 Arquitecta, Professora Associada com Agregação, IST-UTL, Presidente do Docomomo Internacional, Av. Rovisco Pais 1, 1049-001 Lisboa, tostoes@civil.ist.utl.pt 2 Arquitecta estagiária, bolseira de investigação no IST-UTL, Av. Rovisco Pais 1, 1049-001 Lisboa, jessica.bonito@ist.utl.pt Palavras-chave: Habitação colectiva, África Lusófona, Pancho Guedes, Vasco Vieira da Costa Resumo Depois do estudo da arquitectura do movimento moderno em Portugal focado no pós 2ª guerra,[2] da análise da influência da moderna arquitectura brasileira, surgiu um interesse na investigação da arquitectura moderna e do planeamento nas ex-colónias portuguesas em África. É o caso de Angola e Moçambique, grandes territórios da África subsaariana que testemunharam um impulso desenvolvimentista significativo no período entre o final da 2ª guerra mundial e a revolução democrática que transformou Portugal no 25 de Abril de 1974, conduzindo à independência desses países no ano seguinte. Esta corrente apostada no desenvolvimento teve lugar num processo de afirmação colonial desenvolvido no quadro do regime político do Estado Novo. De facto, os pressupostos formais, tecnológicos e ideológicos do Movimento Moderno começaram a revelar-se expressivamente em obras construídas na África Lusófona a partir de finais de 40. Personificando liberdade e simbolizando esperança num futuro democrático, a afirmação da Arquitectura Moderna converteu-se num objectivo, também ele político, num compromisso que pretendia não só resolver o problema da habitação como ampliar a sua acção para o desenho da cidade e para o planeamento do território. Se por um lado, as colónias africanas do hemisfério sul estavam geograficamente afastadas do controle repressivo da metrópole, por outro lado, estes territórios também constituíam um novo mundo, em que a dimensão e a necessidade de desenvolvimento promoveram um vasto campo de experimentação e inovação no campo do planeamento e da construção. As Primeiras Jornadas de Engenharia de Moçambique, realizadas em Lourenço Marques entre 25 e 30 de Abril de 1965, são disso exemplo, designadamente a comunicação “O problema do conforto térmico em climas tropicais e subtropicais” apresentada pelo Eng. Ruy José Gomes, chefe do Departamento de Edifícios do então Laboratório de Engenharia Civil (LEC). Finalmente, defende-se que o léxico da arquitectura do movimento moderno estimulou uma resposta criativa e especialmente apropriada para responder ao clima e ao ambiente
  • 2. Habitação colectiva na África Lusófona – Análise de dois casos de estudo Ana Tostões e Jessica Bonito 2 tropical. Assim, o grande ideal do Movimento Moderno foi temperado pela experiência da construção da arquitectura moderna no Brasil.3 De facto, os necessários meios para controlar as condições adversas dos climas quentes estão já presentes em muitos tipos de estruturas arquitectónicas diferentes, de edifícios de serviços a blocos de habitação social. 1. LUGAR, NATUREZA E CULTURA Tendo em conta as particularidades climáticas das regiões em estudo e as acentuadas diferenças que se verificam em relação ao clima de Portugal continental, o qual nos é mais familiar, foi necessária uma investigação aprofundada sobre os aspectos próprios da arquitectura desenvolvida nas regiões tropicais.[4] A comunicação do Eng. Ruy José Gomes[5] é confirmação dos estudos desenvolvidos pelo LNEC no quadro da procura do conforto térmico das construções, não só para os imigrantes (já habituados ao clima, ou não) mas também para os autóctones, concluindo que existem níveis diferentes de exigência e por isso soluções distintas. No entanto, o seu pragmatismo leva-o a propor que as habitações para autóctones e imigrantes adaptados seguissem a mesma solução, satisfatória para ambos, afastando-se assim dos ideais seguidos nas décadas anteriores que marcavam profundamente a diferença entre habitações para indígenas e para colonos.[6] No que diz respeito ao clima, os factores de maior influência no conforto humano são: a temperatura, a humidade e o regime de ventos local. A temperatura e a humidade complementam-se, na medida em que, a noção sensível de temperatura depende do grau de humidade. Assim, quanto mais elevada é a humidade maior será a sensação de calor. Os climas tropicais podem ser classificados em grupos, variando de região para região conforme a sua altitude, latitude, proximidade do mar, regime de ventos, chuvas, variações anuais e diurnas da temperatura. Segundo o autor, as duas cidades em estudo, Luanda e Maputo, caracterizam-se por um clima quente e seco, o que quer dizer que o elemento mais desfavorável para o conforto é a elevada temperatura diurna. Os maiores desafios apresentados prendem-se com a procura de soluções capazes de tornar o ambiente no interior dos edifícios mais agradável, e que têm a ver com: a correcta orientação do edifício, em relação ao sol (fachadas principais orientadas a Norte e a Sul) e aos ventos, a colocação de dispositivos que o protejam da incidência dos raios solares e a escolha de soluções construtivas e materiais de construção eficazes, sobretudo no que diz respeito à sua inércia térmica. O lugar e o clima revelaram-se fontes de inspiração para a criação de dispositivos reguladores bem imaginativos e que simultaneamente constituíram álibis estimulantes para o fundamento e desenvolvimento de uma linguagem moderna formalmente exuberante, plena de plasticidade nos jogos de volumes e efeitos claro-escuro. A adaptação ao clima assentou em programas e soluções arquitectónicas desenvolvidas para potenciar o uso de espaços ao “ar livre”, recorrendo por exemplo ao uso de galerias de acesso e circulação, e para potenciar a introdução de dispositivos de controle da incidência solar como os brise-soleil utilizados quer na versão de palas verticais ou horizontais, fixas ou amovíveis, mas também como grelhas pré-fabricadas de betão ou de cerâmica, o combogó brasileiro. O brise-soleil, feito de palas amovíveis em torno de um eixo central, foram inovadoramente utilizadas na fachada norte do ministério da Educação a da Saúde no Rio de Janeiro (1936-1942). Depois disso, foram exaustivamente empregues nos grandes edifícios públicos de Brasília a par de outras formas de sombreamento nomeadamente as grelhas fixas feitas em módulos de betão ou de cerâmica prefabricados, designadas popularmente por “combogó”. Como demonstrou João Vieira Caldas7, o arquitecto angolano Vasco Vieira da Costa (1911-1982) levou mais longe este conceito, e, tal como Le Corbusier fez em Chandigarh’s High Court Building, associou o conceito de grelha com o de pala, concebendo inúmeras variações de grelhas de grandes dimensões coordenadas com palas fixas de sombreamento em betão conseguindo assim combinar a protecção solar e a necessidade de ventilação.
  • 3. Habitação colectiva na África Lusófona – Análise de dois casos de estudo Ana Tostões e Jessica Bonito 3 2. CASOS DE ESTUDO Angola, uma versão da lição Corbusiana A influência exercida por Le Corbusier foi decisiva sobre o grupo que se viria a designar por geração africana sobretudo sobre a geração a que trabalhou no quadro Angolano, nomeadamente o caso do arquitecto Vasco Vieira da Costa que estagiou no atelier da Rue de Sèvres em Paris e que apresentou o estudo de uma Cidade- Satélite nº3 para Luanda como prova final de arquitecto, o CODA (Concurso para obtenção do título de arquitecto) em 1948 na EBAP. Aí, Vasco Vieira da Costa revela uma hiper-consciência do potencial civilizador contido na ideologia “democrática” e transformadora da arquitectura do movimento moderno: “compete, pois, ao europeu criar no indígena necessidades de conforto e de uma vida mais elevada, impelindo-o assim ao trabalho que o levará a fixar-se, e que facilitará a mão de obra mais estável. A orientação das habitações e a localização dos bairros indígenas são os dois grandes elementos que devem reger a composição do plano de uma cidade colonial.” (CODA) Vieira da Costa desenvolveu uma aproximação criativa e original utilizando as condicionantes do lugar e do clima como estímulos para uma resposta tecnicamente eficaz e esteticamente inovadora, legando uma obra moderna a todos os títulos excepcional. Seguindo os princípios do desenho adaptado a um clima tropical baseados da ideia de que uma ventilação eficaz é fundamental para assegurar o conforto, Vasco Vieira da Costa procurou sempre “implantar a construção de acordo com os ventos dominantes”, e ao mesmo tempo coordenar esta condição com a exigência de reduzir a incidência solar directa sobre as superfícies do edifício. Edifício “Servidores do Estado” Figura 1 – Edifício “Servidores do Estado”, Avenida Revolução de Outubro (EWV_Ana Tostões) Figura 2 – Edifício “Servidores do Estado”, Rua do Padre Francisco Gouveia(EWV_Ana Tostões | EWV_Ana Magalhães)
  • 4. Habitação colectiva na África Lusófona – Análise de dois casos de estudo Ana Tostões e Jessica Bonito 4 O Bloco dos Servidores Estado é um dos projectos de referência. Projectado em 1965 e destinado a alojar os funcionários públicos deslocados para a colónia, implanta-se no sentido NE_SW paralelamente a uma avenida de largo perfil e intenso tráfego (Avenida Revolução de Outubro, antiga Serpa Pinto) para onde se viram as salas e quartos, e, a uma via secundária (Rua Padre Francisco Gouveia), para onde se viram os acessos e os espaços de carácter mais doméstico, que faz a transição para o bairro de moradias de baixa escala que se estende até ao bairro de Alvalade. A condicionante de uma construção de baixo custo implicou soluções imaginativas e um rigor de desenho que está na base da precisão construtiva e de uma aproximação tectónica à filosofia da “construção de secos” baseada na tecnologia do betão coordenada com a utilização de madeira sem recurso a argamassas. Avenida Revolução de Outubro Rua do Padre Francisco Gouveia Figura 3 – Implantação do edifício “Servidores do Estado” (Google Earth_alterado por Jessica Bonito) Sistemas de circulação Figura 4 – Alçado Rua do Padre Francisco Gouveia (desenhado por Jessica Bonito) A grande escala é dada pelo volume de longos pisos assentes num colossal embasamento que tira partido das diferenças de cota entre as duas ruas criando um amplo espaço público a nível térreo que quase duplica o volume do edifício. Os acesso são feitos pela Rua do Padre Francisco Gouveia por dois volumes puros que abrigam as caixas de escada ligadas a longas galerias de distribuição (80m de comprimento e 2 m de largura). Estas apresentam-se como corredores semi-privados, afastando-se cerca de 1.5 m do volume principal, onde se encontram os apartamentos, de modo a que estejam sombreados. Este afastamento é interrompido apenas para fazer o acesso às habitações, através de um espaço de entrada privado. Estas galerias acentuam a leitura longitudinal do bloco através de um jogo volumétrico feito de claros escuros, de panos avançados e recuados, de grelhas em betão bruto, e de uma estrutura de vigas transversais que são avançadas para além dos limites do edifício marcando o ritmo e a expressão brutalista do conjunto e usando a estrutura com valor plástico.
  • 5. Habitação colectiva na África Lusófona – Análise de dois casos de estudo Ana Tostões e Jessica Bonito 5 Figura 5 – Pormenores dos sistemas de circulação (EWV_Ana Magalhães | In Quintã, Margarida, 2009 | EWV_Ana Tostões) Tipologia e distribuição de fogos Figura 6 – Distribuição de fogos por piso (desenhado por Jessica Bonito) As tipologias são coordenadas de modo a manter constante o jogo volumétrico sucedendo-se em cada piso um comboio de cinco T3 rematados na ponta Norte por um T1. Este conjunto repete-se ao longo de cinco pisos, sendo que no primeiro piso existe apenas um T1 (fig. 7). Em todo o edifício existem vinte e cinco T3 e seis T1. Figura 7 – Planta do 1º piso Analisando-se a distribuição e organização dos apartamentos pelos vários pisos, é perceptível a vontade de se criar o maior número possível de habitações, não se identificando áreas mal aproveitadas ou espaços desnecessários, respondendo assim de forma eficaz ao principal objectivo da construção deste edifício.
  • 6. Habitação colectiva na África Lusófona – Análise de dois casos de estudo Ana Tostões e Jessica Bonito 6 Organização funcional e características dos fogos Figura 8 – Organização dos fogos T1 e T3 (desenhado por Jessica Bonito) Legenda: T1 T3 1. Hall (5.94 m2) (4.13 m2) 2. Cozinha (5.94 m2) (5.94 m2) 3. Quarto (12.58 m2) (10.70 + 12.21 + 12.95 m2) 4. Sala (20.79 m2) (34.50 m2) 5. Instalações Sanitárias (5.04 m2) (3.88 + 3.75 + 2.52 m2) 6. Quarto de Serviço (não existe) (3.74 m2) 7. Despensa (1.76 m2) (1.19 m2) 8. Varanda (21.94 m2) (21.94 m2) No que diz respeito à área total das habitações, os T1 têm 81.30 m2 enquanto os T3 têm 166.10 m2. Racionalidade da composição, reflecte-se na economia espacial que aposta nos espaços de convívio e de estar ao ar livre dotados de áreas generosas ocupando cerca de metade da área dos apartamentos. A relação da varanda com a sala constitui aliás uma das inovações deste bloco. Estes espaços de convivio têm características muito diferentes. A sala de grandes dimensões, tendo em conta as restantes divisões, apresenta um clima de interior mais abrigado tendo grandes aberturas para a varanda, com portas que permitem isolar a divisão do exterior. Por outro lado, a varanda também com dimensões generosas, é uma zona de clima interior/exterior, pois está separada do exterior apenas por portadas de madeira móveis, sem janelas de vidro, pelo que o isolamento não é total.
  • 7. Habitação colectiva na África Lusófona – Análise de dois casos de estudo Ana Tostões e Jessica Bonito 7 Figura 9 – Corredor e interior da área semi-privada de entrada do apartamento (EWV_Ana Tostões) Exposição solar Figura 10 – Exposição solar dos apartamentos (desenhado por Jessica Bonito) Outro aspecto importante na análise de uma habitação é a sua exposição solar. No hemisfério Sul o percurso aparente do sol inicia-se a Este passando por Norte e pondo-se a Oeste. Assim, a orientação mais problemática é a Sul, pois não recebe luz directa do sol, sendo por isso de evitar na organização funcional do apartamento, a colocação nesta zona de divisões que necessitem de iluminação. No caso em estudo[8] as divisões voltadas a poente, varanda (8), sala (4) e quartos (3), recebem a directa do sol desde as 11 horas da manhã no solstício de Inverno, e 12h30 no solstício de Verão, até ao pôr-do-sol. Para atenuar este problema o arquitecto dimensionou varandas profundas, que impediriam a entrada directa dos raios solares. No entanto, os três metros de profundidade das varandas só conseguem proteger as salas até às 15h no solstício de Inverno e 16h30 no de Verão, ou seja durante apenas 4 horas. Para controlar a penetração dos raios
  • 8. Habitação colectiva na África Lusófona – Análise de dois casos de estudo Ana Tostões e Jessica Bonito 8 solares nas restantes horas que antecedem o pôr-do-sol, foram colocadas portadas móveis de madeira na fachada, como se verá pormenorizadamente mais à frente. No que diz respeito aos quartos, o sistema de sombreamento não é tão complexo, tendo-se recorrido à colocação de uma grelha de betão. As divisões voltadas a Este, neste caso as que estão viradas para os corredores/galerias exteriores, o hall de entrada (1), a cozinha (2), as instalações sanitárias (5), um dos quartos (3) e o quarto de serviço (6), estão protegidas dos raios solares pelas próprias galerias, com dois metros de largura. Não sendo necessária a colocação de num sistema de sombreamento complementar, no entanto, como é difícil controlar a entrada da luz logo pela manhã, nos quartos foram colocadas janelas tipo beta, com lâminas horizontais de madeira orientáveis, para permitir o seu escurecimento.[9] Circulação do ar no interior dos apartamentos Figura 11 – Circulação do ar no interior dos apartamentos (desenhado por Jessica Bonito) Em zonas de climas quentes, como é o caso da cidade em estudo, é muito importante quando se projecta um edifício fazê-lo de modo a favorecer uma boa ventilação natural no seu interior. Assim, é necessário conhecer o regime de ventos do local. No que diz respeito à cidade de Luanda, este é caracterizado pela predominância das direcções Sudoeste e Nordeste influenciadas pela corrente marítima costeira denominada por Corrente de Benguela.[10] O edifício “Servidores do Estado” não foi perfeitamente orientado em relação às direcções predominantes do vento, estando quase paralelo às mesmas, no entanto, de um modo geral, as habitações têm uma boa circulação interna de ar. Do lado Oeste as correntes de ar entram pelas aberturas das varandas e dos quartos. Estas divisões têm dimensões amplas e não apresentam obstáculos no seu interior, pelo que a ventilação não é interrompida. No lado Este, as divisões dos apartamentos são abertas para as galerias exteriores, através de janelas. Estas têm um conjunto de lâminas de madeira que podem ser rodadas de modo a permitir a entrada das correntes de ar que vêm das galerias.
  • 9. Habitação colectiva na África Lusófona – Análise de dois casos de estudo Ana Tostões e Jessica Bonito 9 Sistemas construtivos Figura 12 – Pilares no piso térreo e vigas nas galerias exteriores (EWV_Ana Magalhães | EWV_Ana Tostões) Como Vasco Vieira da Costa não conseguiu projectar de acordo com a exposição solar ideal dadas as contingências do terreno e do programa, este inconveniente é ultrapassado na fachada poente graças à criação de uma caixa exterior, avançada sobre o plano de fachada, que é totalmente fechada a partir do parapeito por um reguado de venezianas de madeira funcionando como brise-soleil que transforma o espaço avarandado num ambiente flexível que pode ser utilizado aberto ou fechado. Esta varanda, interior-exterior, liga-se directamente à sala dupla permitindo uma utilização do espaço que se pode adaptar a cada hora do dia. Os sistemas de sombreamento e ventilação baseiam-se em portadas e janelas com lâminas de vidro ou madeira orientáveis e grelhas fixas em betão. Figura 13 – Pormenores da fachada da Avenida Revolução de Outubro
  • 10. Habitação colectiva na África Lusófona – Análise de dois casos de estudo Ana Tostões e Jessica Bonito 10 Figura 14 – As portadas de madeira podem ser deslocadas para a esquerda ou para a direita. As lâminas inclinadas permitem a entrada de ar, favorecendo a ventilação interior. Abaixo destas portadas, junto ao pavimento interior existe outro conjunto de lâminas em madeira que complementam o sistema de ventilação. Figura 15 – As grelhas em betão colocadas em frente às janelas do quarto protegem a divisão da incidência directa do sol e permitem a abertura das janelas, o que facilita a circulação de ar no interior. No interior do apartamento, a parede que separa a varanda da sala, e a parede do corredor dos quartos apresenta na parte superior uma banda de lâminas móveis em madeira. Quando estão abertas permitem a ventilação natural interna, pelo contrário, quando são fechadas isolam a sala do exterior pois entre as portadas na fachada e o interior não existem janelas. Actualmente, o fogo está muito alterado pois já não tem as portas que isolavam a sala da varanda e foram ainda acrescentadas janelas de vidro junto das portadas na fachada. Figura 16 – Interior de um fogo (sala/varanda) e grelha no corredor dos quartos (EWV_Ana Tostões|In Quintã, Margarida, 2009) As janelas em madeira que separam o fogo das galerias exteriores têm dupla função. Um dos lados, com vidro, pode ser totalmente aberto permitindo um fluxo maior de entrada de ar, enquanto o outro lado com lâminas móveis, possibilitam o controlo da ventilação.
  • 11. Habitação colectiva na África Lusófona – Análise de dois casos de estudo Ana Tostões e Jessica Bonito 11 Por cima das janelas, à semelhança do que acontece no interior do apartamento, existe uma banda de lâminas fixas de madeira. Figura 17 – Interior de uma instalação sanitária e aberturas para o corredor exterior (In Quintã, Margarida, 2009 | EWV_Ana Tostões) Na área semi-privada de entrada no apartamento existem dois vão, a porta com um lado coberto com lâminas de madeiras móveis, e uma janela com lâminas móveis em vidro, permitindo a entrada de luz, para além de facilitar a ventilação interna. Figura 18 – Vãos na área semi-privada de entrada no apartamento (EWV_Ana Tostões) Os sistemas de ventilação e sombreamento estendem-se para o exterior dos apartamentos, sendo possível encontrar grelhas de betão nas caixas de escadas. Assim, estes blocos não se apresentam como obstáculos à circulação de ar nas galerias exteriores, pois também têm aberturas e, em simultâneo, são elementos sombreadores.
  • 12. Habitação colectiva na África Lusófona – Análise de dois casos de estudo Ana Tostões e Jessica Bonito 12 Figura 19 – Grelhas de betão nas caixas de escadas (EWV_Ana Tostões) Forma e imagem global do edifício Figura 20 – Alçado da Avenida Revolução de Outubro (desenhado por Jessica Bonito) O edifício “Servidores do Estado” apresenta-se na cidade como um bloco habitacional de grandes dimensões. Destaca-se pela escala de bloco longilíneo. Analisando a sua imagem global, sobressai o modo inteligente como o arquitecto conseguiu integrar e tirar partido dos sistemas construtivos que desenvolveu. No alçado da Avenida Revolução de Outubro, as protecções solares são como uma segunda pele de reduzida espessura, que envolve este lado do edifício de forma ritmada. Enquanto no alçado posterior é a estrutura de pilar e viga que se destaca, marcando o seu ritmo. As grelhas de protecção solar e ventilação podem ser encontrados em vários pontos do edifício. Embora todas tenham a mesma função, o seu aspecto não é sempre o mesmo.
  • 13. Habitação colectiva na África Lusófona – Análise de dois casos de estudo Ana Tostões e Jessica Bonito 13 Figura 21 – Duas soluções de grelhas de protecção solar e ventilação (EWV_Ana Tostões) Actualmente, o “Servidores do Estado” encontra-se degradado e muito alterado. O edifício em estudo sofreu a ocupação dos seus espaços públicos e semi-privados. Estes foram transformados em pequenos alojamentos ou estabelecimentos comerciais. O edifício perdeu algum do seu carácter e qualidade urbana no modo como se relacionava com a cidade. O interior dos apartamentos e as galerias exteriores também foram moldados conforme a vontade dos ocupantes. Nomeadamente o fecho com caixilharia de alumínio e estores das varandas, alterando significativamente a imagem do bloco, mas também a vivência dos espaços, anulando a função de espaços ao ar livre. O caso em estudo faz hoje parte de um vasto conjunto de edifício que necessitam de profundas e urgentes intervenções, com o objectivo de preservar e recuperar a sua qualidade arquitectónica e urbana. Figura 22 – Vista geral do edifício (modelo 3D, produzido em AutoCAD por Jessica Bonito)
  • 14. Habitação colectiva na África Lusófona – Análise de dois casos de estudo Ana Tostões e Jessica Bonito 14 Figura 23 – Vista geral do edifício (modelo 3D, produzido em AutoCAD por Jessica Bonito) Moçambique, o Índico, a Africa do Sul e o Team X Em Moçambique, concretamente no Maputo (ex-cidade de Lourenço Marques) são desenvolvidos idênticos dispositivos. Implantado em plena Baixa do Maputo, junto à Catedral, o edifício “TAP-Montepio de Moçambique” de Alberto Soeiro é talvez o caso mais espectacular porque conjuga um colossal embasamento, ocupado por funções de serviços e comercio, com o desenho de um volume alto e paralelepipédico destinado às habitações. Desenvolvidas em sistema de duplex, sempre com acesso protagonizados por longas galerias suspensas e abertas que se estendem pelos dois lados do bloco habitacional, ritmando alternadamente a fachada e distinguindo as hierarquias coloniais: os acessos principais, as galerias viradas para a frente, dos acessos de serviço, as galerias das traseiras. A posição de gaveto e a centralidade da localização são qualidades urbanas potenciadas pela espacialidade do grande átrio porticado sob o embasamento, com colossais colunas, e pelo tratamento da empena virada à Avenida (Samora Machel) com um mural cerâmico colorido (Gustavo de vasconcellos, 1959). Uma aproximação radicalmente inovadora e afastada dos cânones mais comuns do movimento moderno é a que é seguida por Pancho Guedes (1925- ). Pancho desenvolve uma análise muito particular da cultura Moçambicana que cruza com o um universo anglo-saxónico que conhece bem dadas as suas relações, estudos em arquitectura que desenvolve na Universidade de Witwatersrand (1949, África do Sul) a que se segue a sua participação nos CIAM estabelecendo contactos intensos com Team X. Na verdade Pancho alimentou desde finais dos anos 40 um expressionismo plástico absolutamente singular que respondia a muitos dos anseios do grupo fracturante TEAM X. Procurando responder à disponibilidade e competência da mão de obra local, a sua obra concentra-se sobretudo em Lourenço Marques (actual Maputo) onde desenvolve uma criação original, que viria a denominar- se de “Stiloguedes”, denotando influências situadas entre a pintura de Picasso e do seu amigo Malangatana, do universo onírico freudiano à escultura africana, cruzadas com uma atitude marcada por uma disponibilidade “surrealista”, que a amizade com Tristan Tzara foi alimentando. Apostando na ligação entre a sociedade local e a sua produção, Pancho encontrou em Moçambique um clima favorável à realização dos seus projectos. Famoso pela fertilidade da sua imaginação, partidário de um processo cujo ponto de partida seria o “caos” visual original, construindo o absurdo e a contradição organizados depois pela imaginação e pelo sentido de invenção do criador, assume-se ao mesmo tempo escultor, pintor e arquitecto. Para ele cada projecto nasce naturalmente do sítio, clima, geologia e da cultura dos seus utentes. Apoiado numa estrutura de trabalho artesanal, desde a concepção à obra, foi dos primeiros a interessar-se pelos bairros indígenas nos arredores de Maputo com os
  • 15. Habitação colectiva na África Lusófona – Análise de dois casos de estudo Ana Tostões e Jessica Bonito 15 seus caniços e cubatas, bem melhor adaptados à cultura local do que quaisquer outras construções feitas com materiais industrializados. Edifício “Prometheus” Figura 24 – Edifício “Prometheus”, Avenida Mao Tse Tung/Avenida Julius Nyerere (in Guedes, Pedro, 2009) Entre 1951 e 1953 projecta no Maputo o primeiro edifício de habitação colectiva que designou por “Prometeus”[11] por causa da escala que conseguiu dar a um edifício de 5 pisos. Pertence ao grupo de edifícios que incluiu no Stiloguedes a “bizarra e fantástica família com bicos e dentes, com vigas rasgando os espaços em redor, com paredes convulsivas e luzes encastradas.”[12] Implantação Situado na esquina da Avenida Mao Tse Tung com a Avenida Julius Nyerere, muito próximo do mar, na Baía de Maputo. Ambas as avenidas têm grandes dimensões, sendo de grande importância na dinâmica da cidade. A malha urbana desta zona da cidade está bem consolidada, com um forte carácter ortogonal, formando aproximadamente uma quadrícula. Avenida Mao Tse Tung Avenida Julius Nyerere Figura 25 – Implantação do edifício “Prometheus” (Google Earth, alterado por Jessica Bonito)
  • 16. Habitação colectiva na África Lusófona – Análise de dois casos de estudo Ana Tostões e Jessica Bonito 16 Sistemas de circulação Figura 26 – Sistemas de circulação do edifício “Prometheus” (desenhado por Jessica Bonito) O “Prometheus” é um edifício de quatro pisos de habitação, mais um piso recuado, no entanto por estar elevado sobre pilares tem o equivalente a seis pisos. O acesso ao edifício é feito pela Avenida Mao Tse Tung. Inicialmente o piso de entrada era aberto e destinava-se a estacionamento. Nos anos 60, foi fechado e transformado numa agência bancária. As circulações interiores localizam-se junto à fachada a tardoz, constituídas por duas caixas de escadas, a principal e a de serviço, e um elevador. Esta organização reflecte-se na fachada, com vãos de reduzidas dimensões. Como se pode observar pelas plantas acima, a organização interna do edifício é muito simples e funcional, características comuns a todos os edifícios que fazem parte do Stiloguedes.
  • 17. Habitação colectiva na África Lusófona – Análise de dois casos de estudo Ana Tostões e Jessica Bonito 17 Tipologia e distribuição de fogos Figura 27 – Distribuição dos fogos num piso de habitação (desenhado por Jessica Bonito) Legenda: A – Escada principal B – Elevador C – Escada de serviço D – Corredor de acesso aos apartamentos No edifício em estudo encontram-se dois tipos de apartamentos, T1 e T2. Os quatro pisos de habitação são iguais, existindo um T1 e dois T2 em cada um, no total de doze apartamentos. Todos os apartamentos têm frente para a Avenida Mao Tse Tung. Os T2 localizam-se nas pontas do edifício e o T1 no centro. O último piso é recuado e de serviço, com pequenas arrecadações, ateliers e zona de lavandaria. Trata-se de um bloco de habitação com todos os espaços complementares que são necessários, desde o estacionamento à lavandaria, sem existirem zonas desnecessárias nem mal dimensionadas.
  • 18. Habitação colectiva na África Lusófona – Análise de dois casos de estudo Ana Tostões e Jessica Bonito 18 Organização funcional e caracteristicas dos fogos Figura 28 – Organização dos fogos (desenhado por Jessica Bonito) Legenda: T1 T2 1. Hall (3.52 m2) (4.55 m2) 2. Sala (10.78 m2) (13.97 m2) 3. Quarto (10.54 m2) (13.57 m2) 4. Cozinha (3.15 m2) (5.36 m2) 5. Instalações sanitárias (3.05 m2) (3.90 m2) 6. Varanda (3.97 m2) (3.97 m2) Os apartamentos têm dimensões pequenas, o T1 tem 32.81 m2 e o T2 tem 56.08 m2. Ao sair-se da coluna de acessos acede-se ao corredor de distribuição para os apartamentos, com uma porta ao centro e outra de cada lado do espaço. Todos os apartamentos têm uma organização funcional, semelhante com um hall de entrada, que permite o acesso às diferentes divisões da habitação. Cada apartamento pode ser visto, de forma simplificada, como um quadrado com um compartimento em cada canto.
  • 19. Habitação colectiva na África Lusófona – Análise de dois casos de estudo Ana Tostões e Jessica Bonito 19 Exposição solar Figura 29 – Exposição solar dos apartamentos (desenhado por Jessica Bonito) A organização funcional das divisões dos apartamentos deste edifício permite uma exposição solar eficiente. A fachada principal está orientada a Nordeste recebendo várias horas de sol, o que se reflecte nas salas (2), no quarto principal (3) e nas varandas (6). Esta solução faz sentido, pois tratam-se das divisões mais utilizadas, sobretudo a sala e a varanda, que são locais de convívio onde a família se reúne. Assim, as divisões com menor utilização, a cozinha (4) e as instalações sanitárias (5) estão voltadas para a fachada a Sudoeste, não tendo por isso tanta exposição solar. No entanto, nas habitações do tipo T2 existe um quarto, de menores dimensões, que também tem frente para Sudoeste, o que não é aconselhável. Para corrigir este problema o arquitecto criou um vão em ambas as fachadas laterais do edifício que permite aumentar a incidência solar nesta divisão. Os vão da fachada tardoz têm grandes dimensões aproveitando ao máximo a luz solar.
  • 20. Habitação colectiva na África Lusófona – Análise de dois casos de estudo Ana Tostões e Jessica Bonito 20 Circulação do ar no interior dos apartamentos Figura 30 – Circulação do ar no interior dos apartamentos (desenhado por Jessica Bonito) Maputo é marcada pela brisa de terra com direcção predominante Sudoeste e pela brisa do mar com direcções predominantes entre Nordeste e Este. Com recurso à análise do esquema acima e tendo em conta as reduzidas dimensões dos apartamentos do Prometheus, é possível concluir-se que estes têm uma boa ventilação interna. A Sudoeste a brisa entra pelos vãos dos quartos (3), das instalações sanitárias (5) e das cozinhas (4). Também a coluna vertical de circulações do edifício está bem ventilada, pois ao longo da fachada vão existindo vãos alternados. A Este a corrente de ar permite ventilar os quartos (3) de um dos apartamentos T2. Por último, também a fachada principal beneficia da direcção predominante do vento a Nordeste, proporcionando a circulação de ar nos quartos (3) e nas salas (2), criando um ambiente propício ao convívio.
  • 21. Habitação colectiva na África Lusófona – Análise de dois casos de estudo Ana Tostões e Jessica Bonito 21 Sistemas construtivos Figura 31 – Representação axonométrica da localização dos pilares, corte e alçado lateral (disponivel em: www.guedes.info [13/09/2011] | desenhado por Jessica Bonito) À semelhança do caso de estudo anterior e da grande maioria dos edifícios desta época, também o material construtivo predominante no Prometheus é o betão. Estruturalmente a solução escolhida foi o sistema pilar viga, muito comum, no entanto e como não poderia deixar de ser, tendo em conta o autor do edifício, os pilares não têm nada de comum. Estes parecem planos que fazem lembrar figuras com múltiplos braços abertos, que se prolongam em altura como se pode ver pelo alçado lateral acima. Estas “figuras” repetem-se sete vezes ao longo do bloco habitacional (axonometria acima). O edifício, quase todo em consola, parece estar fragilmente equilibrado sobre uma fileira central destes estranhos pilares. As varandas em consola, com as suas dimensões generosas, acentuam o peculiar equilíbrio do edifício. Como noutras obras de Pancho Guedes é possível encontrar-se elementos escultóricos que o próprio imaginava e criava. No caso do Prometheus, os pilares que se encontram nas pontas do edifício são rematados com seis picos de cada lado do seu topo, como se formassem a cabeça da estranha criatura de braços abertos. Figura 32 – Varandas e pormenor do topo do edifício (In Architectural Review nº770, Abril 1961 | EWV_Ana Magalhães)
  • 22. Habitação colectiva na África Lusófona – Análise de dois casos de estudo Ana Tostões e Jessica Bonito 22 Forma e imagem global do edifício Figura 33 – Fachada principal, Avenida Mao Tse Tung (EWV_Ana Magalhães | desenhado por Jessica Bonito) Figura 34 – Fachada tardoz (Disponível em: http://www.artefacts.co.za/main/Buildings/bldgframes.php?bldgid=8285 [13/09/2011] | desenhado por Jessica Bonito) Pancho serve-se dos dispositivos modernos, como o de elevar o edifício sobre pilotis, para acentuar o expressionismo e a adjectivação das formas inaugurando um trabalho a todos os títulos inédito. O edifício Prometheus apresenta-se na cidade como um estranho bloco de apartamentos, segundo o seu autor. O seu interior tem uma organização simples e funcional, como se observa pelas plantas, enquanto os alçados e corte têm estranhas formas e decorações. A fachada principal reflecte a estrutura única desta obra, onde as janelas, as varandas e as formas quadriláteras que aparecem espalhadas marcam um ritmo pouco convencional. No projecto original, Pancho Guedes tinha pensado num outro edifício que seria implantado ao lado deste, seria a “Mulher do Prometheus”, com características semelhantes ao edifício em estudo. Hoje em dia o que se encontra no seu lugar é um bloco habitacional de 10 pisos. Actualmente o Prometheus está muito alterado, o piso térreo é ocupado por lojas, as empenas perderam a sua expressividade e o último piso, que era recuado, foi aumentado e transformado em habitação. Figura 35 – Actual empena do “Prometheus” e edifício “A Mulher do Prometheus” (Disponível em: http://www.artefacts.co.za/main/Buildings/bldgframes.php?bldgid=8285 [13/09/2011] | www.guedes.info [13/09/2011])
  • 23. Habitação colectiva na África Lusófona – Análise de dois casos de estudo Ana Tostões e Jessica Bonito 23 Figura 36 – Vista geral do edifício (modelo 3D, produzido em AutoCAD por Jessica Bonito) Figura 37 – Estrutura do edifício (modelo 3D, produzido em AutoCAD por Jessica Bonito) A prova de que a Arquitectura do Movimento Moderno se rege segundo princípios flexíveis que podem ser interpretados e reinventados, pode ser verificada em Angola e Moçambique numa produção arquitectónica claramente adaptada ao lugar e ao clima. Nos projectos eram seguidos os princípios racionais do Movimento Moderno na organização do espaço interior combinados com a preocupação de tirar partido do que os elementos naturais, como o sol e o vento, podiam oferecer. Orientavam-se os edifícios, sempre que possível, a favor da circulação do ar e de uma exposição solar adequada. Quando estas premissas não podiam ser seguidas, criavam-se as situações mais interessantes, nas quais os arquitectos tinham que recorrer à sua imaginação para
  • 24. Habitação colectiva na África Lusófona – Análise de dois casos de estudo Ana Tostões e Jessica Bonito 24 desenvolver os elementos necessários à protecção do edifício, com o objectivo de aumentar o conforto térmico no interior. Estes elementos consistiam em dispositivos, como os brise-soleil (herdados dos brasileiros, que poderiam ser fixos ou móveis e verticais ou horizontais), ou em soluções espaciais como as longas galerias de distribuição, espaços de circulação que promoviam a ventilação.[13] No entanto, os arquitectos levaram estes aspectos técnicos mais além, transformando-os em autênticas obras de arte. No panorama arquitectónico desenvolvido nestes países é possível encontrar obras com grandes panos rendilhados em betão que cobriam fachadas inteiras ou formas geométricas e ritmadas que proporcionavam a sombra desejada, fazendo de cada edifício um exemplo único que representava o estilo próprio de cada autor. Estes aspectos afastaram a Arquitectura Moderna desenvolvida na África Lusófona da que se fazia na metrópole. As colónias africanas, em especial Angola e Moçambique, foram excelentes laboratórios de experimentação para os arquitectos portugueses. Estas obras constituem um pequeno exemplo do potencial afirmado pela produção arquitectónica moderna em Angola e Moçambique patente nas qualidades icónicas, tectónicas e programáticas deste legado a todos os títulos singular. 3. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1 A análise e interpretação que a seguir se desenvolve enquadra-se no projecto de investigação “EWV – Visões cruzadas dos mundos: arquitectura moderna na África Lusófona (1943-1974) vista através da experiência brasileira iniciada a partir dos anos 30” (PTDC/AUR-AQI/103229/2008), financiado pela FCT e conduzido a partir do Instituto Superior Técnico em colaboração com a Universidade do Minho. 2 TOSTÕES, Ana – Os Verdes Anos na Arquitectura Portuguesa dos Anos 50, Porto: FAUP Publicações, 1997. 3 TOSTÕES, Ana, “Moderno e nacional na arquitectura portuguesa. A Descoberta da Modernidade Brasileira” in PESSOA, José, VASCONCELLOS, Eduardo, REIS, Elisabete, LOBO, Maria, Moderno e Nacional, Niterói: EdUFF, 2006, pp.101-124 4 Sobre este tema consultou-se FRY, Maxwell, DREW, Jane - Tropical Architecture in the Dry and Humid Zones, London: BT Batsford, 1964; OLGYAY, Victor – Design with climate, Bioclimatic approach to architectural regionalism, Princeton: Princeton University Press, 1963; PACHECO, José – Características da Arquitectura em Regiões Tropicais Húmidas, Lisboa: Ministério do Exército – Direcção do Serviço de Fortificações e Obras Militares Divisão de Obras Ultramarinas e das Ilhas Adjacentes, 1963; QUINTÃ, Maria Margarida – Arquitectura e Clima. Geografia de um lugar: Luanda e a obra de Vasco Vieira da Costa, Iperforma/Soapro, 2009. 5 GOMES, Ruy José – O problema do conforto térmico em climas tropicais e subtropicais. In Primeiras Jornadas da Engenharia de Moçambique. Lourenço Marques, 1965, pp. 589-644 [10317|IICT-CDTE] 6 AGUIAR, João António – L’Habitation dans les pays tropicaux. In XXIº Congrès de la Federation Internationale de L’Habitation et L’Urbanisme, Lisbonne, 1952 7 CALDAS, João Vieira – “Design with Climate in Africa. The World of Galleries, Brise-soleil and Beta Windows”. DOCOMOMO Journal nº 44, Barcelona, 2011, pp. 16-23 8 Cf. QUINTÃ, Margarida – Arquitectura e Clima. Geografia de um lugar: Luanda e a obra de Vasco Vieira da Costa. Iperforma/Soapro, 2009. 9 Idem. 10 Ibidem. 11 MAGALHÃES, Ana – Moderno Tropical Arquitectura em Angola e Moçambique 1948-1975. Lisboa: Edições Tinta da China, 2009, pp. 223. 12 GUEDES, Pedro (Organização do Catálogo) – Pancho Guedes. Vitruvius Mozambicanus. Lisboa: Fundação de Arte Moderna e Contemporânea – Colecção Berardo, 2009, pp. 79. 13 CALDAS, João Vieira – “Design with Climate in Africa. The World of Galleries, Brise-soleil and Beta Windows”. Op cit., pp. 16-23