Vencedores, vencidos e uma nova guerra - Uma análise da conjuntura
1. #TAG REPORT
Helena Chagas
Lydia Medeiros
Vencedores, vencidos e uma nova guerra
Uma análise da conjuntura
Seja nos próximos dias ou em agosto, com resultado mais ou menos
distante do R$ 1 trilhão desejado, haverá reforma da Previdência — e,
com ela, vencedores, vencidos e um novo cenário político. Um desenho
que se completará com as tinturas carregadas do episódio Vaza-Jato e seus
desdobramentos, e, obviamente, com a sempre imprevisível influência do
traço voluntarista do estilo de governar do presidente da República. A
pergunta que se faz hoje é se, sob esse novo cenário, será possível,
finalmente, enfrentar os três grandes desafios que temos hoje:
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2. 1) Como relançar a atividade econômica;
2) Como criar um ambiente de segurança jurídica;
3) Como dar previsibilidade política ao país.
Tudo indica que será muito difícil. O dia seguinte da Previdência,
que poderá ser apenas em outubro, a depender da velocidade de votação no
Senado, promete acirrado conflito político entre as forças que se juntaram
para aprová-la. O presidente da Câmara, Rodrigo Maia, sai como inegável
vitorioso, ao lado de seus aliados do DEM e do Centrão, fortalecendo o
campo da centro-direita, que fará, a partir de agora, contraponto cada vez
maior a Jair Bolsonaro e sua direita mais radical. Todos mirando 2022.
Maia e Bolsonaro, vêm marcando território, num prenúncio do que
virá. O deputado, machucado pela estratégia de Bolsonaro e das redes
governistas de tentar colocar a opinião pública contra o Congresso, vem
subindo o tom das declarações. Maia sabe que, com a Previdência, dará
uma demonstração de sua capacidade de forjar alianças e de força junto ao
establishment político. O presidente, com a popularidade se desgastando,
responde colocando o carro da reeleição à frente dos bois da realidade
política, talvez numa tentativa de manter agregada sua base ideológica e
vencer o isolamento político que ele mesmo plantou.
Bolsonaro recebe, para isso, a providencial ajuda de seu
superministro da Justiça, Sergio Moro, abalado pelas revelações dos
diálogos do The Intercept, legitimados agora por grandes veículos da mídia
como Folha de S.Paulo e Veja. Ao ganhar apoio do chefe numa hora tão
difícil, o cada vez mais político Moro — nome sempre lembrado para uma
candidatura presidencial — se abraçou a Bolsonaro. Seus destinos se
uniram de tal forma que o ex-juiz, no final da semana passada, já deu
declaração apoiando a reeleição de Bolsonaro. Seu nome começa a
aparecer como um possível candidato a vice, mas, sob a espada da Vaza-
Jato, nem Moro sabe o dia de amanhã.
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3. Outros personagens se movimentam rumo ao novo cenário para
antecipar 2022. O governador de São Paulo, João Doria, é hoje objeto de
grande preocupação e irritação de Bolsonaro e representa uma ameaça real
de divisão das forças de direita. Acima de tudo, ele está levando para sua
órbita boa parte do establishment econômico que apoiou a eleição de
Bolsonaro e se decepcionou com o despreparo de seu governo. O
apresentador Luciano Huck está também em constante atividade junto aos
políticos. Para temor de Bolsonaro, há grande chance de esses
personagens, junto com Rodrigo Maia — nome citado aqui e ali como
possível vice — se juntarem numa chapa contra ele.
Faltam ainda mais de três anos para a eleição, e certamente esses
candidatos vão disputar espaço com um ou mais representantes da centro-
esquerda. Hoje, porém, direita e esquerda têm uma percepção em comum:
feito o dever de casa da Previdência, o que virá é guerra.
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SENADO TOCAAGENDA DE COMPETITIVIDADE
Senadores estão extremamente preocupados com o ritmo da
economia. O tucano Tasso Jereissati, provável relator da reforma da
Previdência na Casa, vai pedir ao presidente Davi Alcolumbre
prioridade total para a votação de medidas voltadas à elevar a
competitividade e a produtividade da economia. Os projetos — alguns
já votados, como o cadastro positivo e a Lei das Agências Reguladoras
— estão reunidos em trabalho realizado sob seu comando pela
Comissão de Assuntos Econômicos na legislatura passada. A lista
completa está em http://legis.senado.leg.br/sdleg-getter/documento/
download/9d547dbe-9755-4f5b-83d0-877543ba588b
4. BOLSONARO É O MAOR FATOR DE RISCO
Quando parecia ter perdido o controle das forças do Centrão na
comissão especial da reforma da Previdência, Rodrigo Maia, conseguiu
virar o jogo. Com o apoio dos governadores, dividiu o PSL e derrotou a
proposta do presidente da República de dar privilégios à aposentadoria dos
policiais. A polêmica ameaçava adiar a votação da reforma para o segundo
semestre. Maia também se entendeu com a bancada ruralista para excluir o
artigo do relatório que onerava as exportações agrícolas. Cumpriu o
calendário. Até aqui.
A semana que começa, porém, representa seu maior desafio. Todos os
precedentes de votações na Câmara contrariam o compromisso assumido
por Maia de aprovar uma emenda constitucional tão complexa, em dois
turnos, em apenas dez dias — tempo que resta até o início do recesso
parlamentar. Maia jogou todo o seu prestígio nesse calendário, pautando o
mercado financeiro e outras forças interessadas na reforma. Pode fazer o
milagre, mas se fracassar, corre o risco da desmoralização.
Para evitar esse cenário, líderes aliados do presidente da Câmara
articulam uma alternativa mais realista — votar ainda antes do recesso
apenas o texto-base da reforma. Esperam que seja suficiente para aplacar
as inquietações dos agentes econômicos e manter a confiança na liderança
de Maia. O debate em torno das mudanças no texto, que é o que realmente
conta, ficaria para agosto. Aprovado, chegaria ao Senado em setembro. E a
batalha recomeça.
O principal adversário dessa estratégia é o presidente da República.
Na última semana, foi motivo de piada ou incredulidade o fato de
Bolsonaro, diante do impacto da reforma para o país, ter se ocupado
apenas da situação dos policiais, inclusive com telefonemas a deputados.
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5. Ele já deu sinais de que se manterá em campanha tanto na votação no
plenário da Câmara quanto no Senado. E é aí que mora o perigo.
EDUCAÇÃO EM CHOQUE: DESMONTE NAS UNIVERSIDADES
Guardado a sete chaves, mas já concluído pelo MEC e pela equipe
econômica, um projeto que prevê profunda reforma nas universidades
públicas deve ser anunciado nos próximos dias. Para reduzir de forma
permanente e profunda o orçamento federal para essas instituições, a
intenção do governo é flexibilizar o modelo atual de gestão e permitir que
elas atuem como empresas. Significa poder demitir e captar recursos
prestando serviços e firmando contratos com empresas privadas que hoje
podem ser proibidos.
Técnicos que já analisaram as linhas gerais afirmam que a etapa
seguinte seria congelar os orçamentos em patamares baixos e deixar de
financiar qualquer projeto que ultrapasse esses limites, inclusive pesquisas
e contratações. A cobrança de mensalidades pelas instituições que hoje
oferecem serviços gratuitos também seria permitida, como forma de
financiamento.
Na equipe econômica, alguns defendem que o anúncio seja
postergado para depois da promulgação da reforma da Previdência, já que
deverá provocar enorme polêmica, provocando novamente os estudantes a
irem às ruas.
FUNDEB ESTÁ SALVO
Depois de lutar contra a inclusão do Fundeb de forma permanente na
Constituição, o ministro-chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, capitulou.
Na quinta-feira, ele enviou à relatora do projeto (PEC 15/15), deputada
Professora Dorinha (DEM-TO), proposta para aumentar em 50% a
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6. participação federal no fundo, hoje de 10% — em torno de R$ 14 bilhões.
Ainda está longe dos 40% de participação da União reivindicados pelos
governadores, mas a relatora viu motivos para comemorar. “Diante do
cenário inicial de desvinculação total, considero um avanço. Estamos
fechando um ciclo de 14 anos sem ter ultrapassado os 10%”, afirmou.
O aumento proposto pelo governo — de 10% do Fundo para 15% —
será gradual. A partir de 2021, subirá um ponto percentual a cada ano até
2025. A relatora pretende aprovar a proposta antes do recesso na comissão
especial. Ela adotou proposta do movimento Todos pela Educação que
altera os critérios de distribuição dos recursos federais. Em vez de levar
em conta apenas o número de matrículas de cada rede municipal, será
considerada a renda, de forma a reduzir desigualdades. Ou seja, os mais
pobres terão prioridade, independentemente do estado. Estudos do Todos
pela Educação mostram que a só essa mudança já é capaz de elevar o gasto
médio por aluno a patamares mínimos com impacto na qualidade do
aprendizado. O investimento per capita brasileiro por aluno é um dos mais
baixos do mundo:
Fonte: Todos pela Educação
6
0
6000
12000
18000
24000
LuxemburgoEUA Noruega França OCDE Chile Brasil ColômbiaMéxico
Gasto anual por estudante (US$)
7. QUE FIM LEVOU?
Noticiada com estardalhaço pelo MEC, a “Lava-Jato da Educação”
nunca saiu dos discursos do ex-ministro Ricardo Vélez e do ministro
Sérgio Moro. A notícia de uma ampla investigação em contratos do
ministério era mesmo um factoide — como, aliás, se desconfiava desde o
primeiro momento.
INCOMPATIBILIDADE DE GÊNIOS
A cada visita do ministro Abraham Weintraub à Comissão de
Educação da Câmara cresce a animosidade entre ele e os deputados. Dias
atrás, o ministro da Educação irritou os integrantes do colegiado ao
apresentar um power point de dois slides, numa audiência sobre o Fundeb,
se retirar da sala. Outra crítica dos parlamentares é o fato de o ministro
sempre leva as piores notícias à Casa, mas mantém um intrigante ar de
satisfação. “Ele é um sádico”, desabafa um deputado.
E AÍ? HUSSEIN KALOUT RESPONDE SOBRE ACORDO
MERCOSUL-UNIÃO EUROPEIA
Cientista político e pesquisador da Universidade de Harvard, o ex-
secretário especial de Assuntos Estratégicos da Presidência (2017-2028)
Hussein Kalout conversou com a TAG REPOT sobre os desafios
brasileiros diante do acordo Mercosul-União Europeia.
O acordo Mercosul-União Europeia assinado é uma carta de intenções
políticas e obriga mudanças de comportamento em questões como meio
ambiente. Como acha que o governo Bolsonaro deverá reagir? Vai
mudar de orientação?
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8. — Desde a Eco-1992, no Rio, o Estado brasileiro assumiu diversos
compromissos internacionais com agenda do desenvolvimento sustentável.
Esses compromissos vem sendo cumpridos, ao longo das últimas décadas,
por meio dos mais variados governos. O Acordo Mercosul-União Europeia
não substitui as amplas responsabilidades já assumidas. O governo reiterou
a sua intenção de permanecer no Acordo de Paris.
Os EUA tendem a reagir ou vão continuar assistindo passivamente ao
avanço da Europa, China e Russia na América Latina?
— Cabe ao Brasil, como a maior nação latino-americana, não deixar vácuo
de poder ou permitir que atores extrarregionais atuem em nosso espaço
geoestratégico. AAmérica do Sul é uma área intrinsecamente vinculada à
segurança nacional do Estado brasileiro. Portanto, nós devemos oferecer
uma alternativa de desenvolvimento para a nossa região,
independentemente de China, Rússia, EUA e Europa.
Falta ao Brasil estratégia de política externa para lidar com esse novo
mundo? Se sim, por que?
— Toda política externa precisa se atualizar, se aperfeiçoar e funcionar em
conformidade com o interesse nacional. Isto significa, por assim dizer, que
nossa atuação no mundo precisa ser convertida em benefícios reais para a
sociedade — em emprego, renda, investimentos, progresso tecnológico,
segurança e bem-estar. Não se pode formular política exterior
descompassada da realidade ou baseada em visões singulares do mundo. A
nossa importância como uma das dez maiores economias mundiais nos
compele a atuar de forma racional e responsável, para não causar danos
aos nossos interesses estratégicos.
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