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AS MARCAS DA VARÍOLA
OS REGISTROS MAIS ANTIGOS
da varíola foram encontrados em egípcios mumificados há
cerca de 3 mil anos. Do Vale do Nilo, espalhou-se para a
Índia, chegando à China no século I d.C. As primeiras
descrições da doença são do médico chinês Ko
Hung (340 d.C), de Ahrun de Alexandria (622)
e do persa Abui-Bekr Al-Razi (Rhazes),
em seu livro De Pestilentia, no século X.
É possível que a moléstia tenha sido
a causa de epidemias como a Praga de
Atenas (430 a.C.), a Praga Antonina (165)
e pela devastação do exército etíope na
Guerra dos Elefantes em Meca (568).
A primeira referência à doença na Europa foi feita por
Gregório de Tours, cronista do reino franco, em 582, relatando
a morte de dois jovens príncipes por uma moléstia que
chamou de corales. Ela retornou às terras européias no século
VIII, junto com os sarracenos, e espalhou-se pelo continente,
levada pelos cruzados, provocando epidemias devastadoras.
Epidemias de varíola na Inglaterra no século XVII
apresentavam taxas de mortalidade equivalentes a
um sexto da natalidade. Calcula-se que somente no século
XVIII, quando era endêmica na maior parte do mundo,
a doença matou mais de 60 milhões de pessoas.
A VARÍOLA ERA UMA DOENÇA AGUDA,
causada por um vírus – o Poxvirus variolae.
Ocorria sob duas formas, com comportamentos
epidemiológicos distintos, mas manifestações
clínicas semelhantes. A varíola major,
popularmente conhecida como bexiga,
caracterizava-se por quadros clínicos mais
graves e alto índice de mortalidade. A varíola
minor, ou alastrim, mais branda, matava
menos de 1% dos atingidos.
O período de incubação durava de
10 a 14 dias. As primeiras manifestações
da doença eram febre, mal-estar e dores de cabeça e
nas costas. Dois a três dias depois, começavam
repentinamente as erupções na pele, normalmente
no rosto, nos braços e nas pernas. A princípio, eram
pequenas brotoejas, que evoluíam depois para pústulas
(bolhas purulentas). Muitas vezes, estas lesões eram
confluentes, isto é, carreiras de pústulas se unindo
ao longo do corpo, formando o que popularmente se
chamava de bexiga de canudo. Nas formas mais graves,
os pacientes apresentavam hemorragias na pele e nas
mucosas, falecendo entre o quinto e o sexto dia.
Com freqüência, a varíola deixava cicatrizes na
pele, especialmente na face. Outras seqüelas mais raras
eram cegueira e deformidades nos membros.
Entre os ortopoxvirus, figuram ainda os vírus
da varíola do camundongo, de camelos, de macacos,
de bovinos (cowpox) e da vacínia (um mutante
utilizado na vacina). Os três últimos podem
infectar o homem.
“Para mitigar a febre, você asperge, do pote cheio,
com a vassoura, a água da imortalidade.(...) Você refresca
o calor escaldante das pústulas; Shitala, eu te venero.”
Oração indiana
Vírus da varíola em membrana
visto ao microscópio.
Mumificado em 1157 a.C.,
o faraó Ramsés V mostra,
em seu rosto, cicatrizes
características da varíola.
Gravura medieval de
Guerreiro Sarraceno.
Ao lado, menina com varíola, s/d.
Acervo Biblioteca Nacional de Paris.
ATRAVESSANDO MUNDOS
“Muitos morreram com a pegajosa,
compacta, dura doença dos grãos.”
Eduardo Galeano
A VARÍOLA CHEGOU ÀS
AMÉRICAS junto com os espanhóis
e, em contato com populações sem nenhuma
imunidade, assumiu proporções trágicas. Ajudou
Cortez, dizimando quase metade dos exércitos
astecas, inclusive o rei Cuitlahuac, que substituíra
Montezuma no comando. Espalhou-se para o sul e norte, devastando
o império inca e matando o imperador Huayna Chupauc,
seu herdeiro e vários generais.
A varíola foi vital para a colonização dos Estados Unidos e
do Canadá, devastando as tribos indígenas a partir do século XVII.
É provável que algumas dessas epidemias tenham sido deliberadamente
causadas pelos brancos, conforme comprova esta
correspondência entre Sir Jeffrey Amherst,
comandante-em-chefe das forças britânicas na América
do Norte, e o coronel Henry Bouquet, em 1763,
na época da rebelião no Potomac:
“Não seria possível inventar um meio de difundir
a varíola entre estas tribos de índios desleais? Neste
momento, devemos utilizar cada estratagema
em nosso poder para reduzir seu número.”
“Tentarei inocular [ ] fazendo cair em suas
mãos alguns cobertores e tomando
cuidado para não me contaminar.”
A PRIMEIRA EPIDEMIA DE VARÍOLA NO
BRASIL COMEÇOU EM 1563,na Ilha de Itaparica,
na Bahia, e chegou até São Paulo, matando pelo menos 30 mil índios.
Em 1599, devastou o Rio de Janeiro, fazendo mais de 3 mil vítimas,
entre indígenas e negros. Meseba-ayba, a doença maligna – era
como os tupis chamaram a varíola.
No final do século XIX, foram registrados os primeiros surtos de
varíola minor na Flórida (EUA) e África do Sul. A forma mais branda
da doença logo se espalhou pelo mundo, tornando-se endêmica
em várias partes da África, nos Estados Unidos e no Brasil.
DOENÇA DA INFÂNCIA, A VARÍOLA NÃO
POUPAVA NINGUÉM.Mas a miséria lhe dava uma face
mais trágica. Era nos bairros populares que a devastação se fazia maior,
favorecida pelas péssimas condições de higiene e pela promiscuidade.
Entre os aristocratas, a facilidade de isolamento durante as epidemias
fazia com que fossem infectados mais tarde, muitas vezes já adultos.
Num mundo regido pelas aparências, os estigmas da varíola despertavam
um terror maior do que a própria morte. Do dia para a noite, casamentos
e ambições se dissipavam na escuridão dos conventos, onde um
grande número de mulheres, antes desejáveis, escondia seus rostos
marcados dos olhares indiscretos.
A varíola matou imperadores chineses, czares russos, monarcas
europeus e califas árabes. Morreram da doença Luís XV da França,
Mary II, rainha da Inglaterra, o imperador José I da Áustria, rei Luís I da
Espanha, czar Pedro II da Rússia e d. Pedro Carlos, genro de d. João VI.
Muitos sobreviveram. Alguns, com mais sorte,
quase sem cicatrizes, como Luís XIV, outros bem
marcados, como a rainha Elizabeth I e Mirabeau.
Tiveram varíola ainda Catarina de Médicis,
Chateaubriand e George Washington.
No canto direito, a varíola colocou Luís XVI no trono – e no caminho da guilhotina –,
pois matou seu pai, o Delfim, em 1711, e seu avô, Luís XV, em 1774.
Ao lado, charge retirada de O Tagarela, setembro de 1904. Autor: A. Rego. Acervo Casa de Oswaldo Cruz.
Representação asteca da varíola.
SOB O OLHAR DA DIVINDADE
“Atotô, Omolu, pai da bexiga negra, da força
e da saúde, atotô, meu pai Obaluaê”.
Jorge Amado
FACE A UMA MOLÉSTIA TÃO
DEVASTADORA, o remédio era recorrer
aos deuses. Shitala Mata, a deusa da varíola,
abençoava os hindus, enviando-lhes a moléstia. Trazer
suas marcas representava um sinal da graça divina.
Morto pelos hunos em 452, logo após
recuperar-se de um ataque da doença,
São Nicásio, bispo de Rheims, era reverenciado
na Idade Média como padroeiro das vítimas da
varíola. T'ou-Shen Niang-Niang era a deusa da
varíola na China. Já os japoneses recorriam a Chinzei
Hachiro Tametomo, um herói mítico do século XII.
Para os africanos, Xapanã (Sapona), senhor das doenças contagiosas
e da cura, enviava a varíola a seus inimigos. Chamado
de Obaluaê (Senhor da Terra) ou de Omolu (Filho do Senhor),
chegou ao Brasil trazido pelos escravos. Os iaôs (filhos) de
Omolu cobrem-se de palha desde a cabeça, ocultando
o rosto, e brandem xaxarás, espécie de vassoura, que
representa a propagação e a cura da bexiga.
Homenageia-se o orixá com pipoca.
No Brasil, o sincretismo religioso associou
Omolu a São Lázaro que, de santo protetor
dos leprosos, passou a velar também pelos
bexiguentos. Acredita-se que a crença em
Omolu foi um dos motivos para a participação
da população negra na Revolta da Vacina.
Deusa da varíola, T’ou-Shen Niang-Niang, era associada a uma monja
budista do século XI, que se acreditava ter introduzido a variolização no país.
Segundo lenda japonesa, Tametomo, um arqueiro habilidoso,
impedira o demônio da varíola de aportar na Ilha de Oshima, onde estava exilado.
Os chineses apelavam ainda a Ma-chen, que curava as cicatrizes da doença.
Shitala Mata, deusa
indiana da varíola.
Os iaôs de Omolu dançam
curvados, como que
atormentados por dores,
imitando as coceiras e os tremores
da doença. Gravura de Caribé
para o romance de Jorge Amado,
Tereza Batista Cansada de Guerra.
ERA FÉRTIL E VARIADO O RECEITUÁRIO
CONTRA A VARÍOLA. Havia remédios para evitar a doença,
para tratar os doentes e para remover as cicatrizes. O médico árabe
Al-Razi (Rhazes) recomendava os poderes preventivos da cânfora
durante as epidemias. Empregava-se ainda o óxido de mercúrio,
a água de alcatrão e a tintura de mirra.
Duas medidas preventivas foram mais difundidas. Uma era
a retirada do sangue do cordão umbilical, para evitar que as impurezas
uterinas – para muitos, causa da varíola – fossem transmitidas à criança.
Outra foi o uso de bezoares – pedrinhas encontradas no estômago ou
nos intestinos de alguns animais ruminantes.
Instalada a doença, a classe médica dividia-se. Uns procuravam
expulsar a doença com calor, colocando o paciente em ambiente
superaquecido e usando bebidas sudoríferas, como cidra com canela
e pimenta, vinho quente e licores. Outros defendiam métodos
refrescantes, como exposição dos doentes a correntes de ar,
tisanas frias, eméticos e sangrias.
Ishinho, uma obra médica japonesa de 982 d.C., foi o primeiro livro
a mencionar o tratamento vermelho, isto é, a colocação de tecidos,
materiais e luzes de cor vermelha nos quartos de pacientes com varíola.
Empregado também na China, Índia, Turquia e na Geórgia asiática, chegou
à Europa no século XII. Ao adoecerem, Carlos V, da França, e Elizabeth I, da
Inglaterra, usaram trajes vermelhos e cobertas vermelhas. A eritroterapia
persistiu até a década de 30 e teve como um de seus defensores o
dermatologista Niels Finder, prêmio Nobel.
Os jesuítas recomendavam um cordial, composto por flor de
papoulas vermelhas, bagas de sabugo, fezes de cavalo bem recentes e
bezoártico do Curvo – um preparado que continha pós de bezoar e
de chifre de unicórnio, olhos de caranguejo, raízes e folhas de ouro fino,
entre outras coisas. Para as cicatrizes, as opções eram suco de miolo
de coelho assado, pós de alvaiade e de pedra-ume.
Pan-chen protegia as vítimas
da bexiga negra. A cor
vermelha era associada à
maioria dos deuses que
protegiam contra a varíola.
Em várias receitas contra a varíola,
figurava o chifre de unicórnio, animal
mítico, visto abaixo em gravura
medieval sobre a lenda de Santa Úrsula.
Os bezoares mais famosos vinham
das cabras selvagens da Pérsia.
 MAGIA E POÇÕES
“Corri mais, corri daquela casa, daquele laboratório de horror em que o africano
deus selvagem da bexiga, Obaluaê, escancarava a face deglutindo pus.”
João do Rio
“Para o povo, porém, a bexiga de canudo
era uma espécie mais virulenta ainda de
varíola, a mais terrível, dita a mãe da
bexiga, de todas as outras, da negra,
da branca, do alastrim, da varicela.”
Jorge Amado
NA LITERATURA, as cicatrizes
e o terror que estas inspiravam às mulheres
transformou a varíola na punição exemplar
para aquelas que se desviavam dos padrões
morais vigentes.
Em As Relações Perigosas, Choderlos de
Laclos pune Valmont com a morte em duelo,
mas reserva à marquesa de Merteuil um
destino bem mais trágico: “...seria uma felicidade
para ela morrer de varíola. Salvou-se, é verdade,
mas horrivelmente desfigurada; e perdeu
também um olho. (...) disseram-me que
está realmente medonha.”
Émile Zola não só mata Nana de varíola,
mas destrói-lhe a beleza, responsável pela
ruína de tantos homens:
“Vênus estava em decomposição.
Parecia que o vício contraído por ela nos córregos, sobre as carniças
toleradas, esse fermento com o qual havia envenenado um povo,
acabara de lhe subir ao rosto e a havia feito apodrecer.”
JORGE AMADO MOSTRA a bexiga
como um velho conhecido da população, sempre
assombrando as terras da Bahia. Devastando
os bairros mais miseráveis, retrata o descaso
das autoridades com os mais pobres e a
precariedade dos serviços de saúde.
Em Tereza Batista Cansada de Guerra, é bexiga
negra, “determinada a matar, fazendo-o com
maestria, frieza e malvadez, forte, feia e ruim”, mas
que acaba derrotada pela solidariedade e coragem
dos marginalizados. Em Capitães de Areia, Omolu
manda a varíola para se vingar dos ricos, mas
como estes estavam vacinados, transforma-a
em “alastrim, bexiga branca e tola”.
“...que sabia Omolu de vacinas? Era uma pobre deusa das florestas
da África. (...) Omolu só queria com o alastrim marcar seus filhinhos
negros. O lazareto é que os matava.”
Numa crônica em que conta uma visita ao Hospital São Sebastião,
“grande forno da peste sangrenta”, João do Rio relata seu horror,
quando se defronta com a desfiguração causada pela varíola:
“Eu tinha diante de mim um monstro. As faces inchadas,
vermelhas e em pus, os lábios lívidos... Era como se aquela
face fosse queimada por dentro e estalasse em empolas e em
apostemas a epiderme. Quis recuar, quis aproximar-me (...)
Há epidemia, oh! sim, há epidemia! E eu tenho medo,
meu amigo, um grande, um desastrado pavor...”
Hospital de
Isolamento São
Sebastião, no Caju.
 O CASTIGO DOS DEUSES
Gravura do romance
Tereza Batista
Cansada de Guerra,
de Jorge Amado.
Édouard Manet baseou-se em
personagem homônima do livro
A Taberna (1876), de Émile Zola, para
pintar Nana (1877). O quadro deu
ao escritor uma imagem mais clara
da protagonista do seu romance
admirável de 1879, Nana.

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  • 1. AS MARCAS DA VARÍOLA OS REGISTROS MAIS ANTIGOS da varíola foram encontrados em egípcios mumificados há cerca de 3 mil anos. Do Vale do Nilo, espalhou-se para a Índia, chegando à China no século I d.C. As primeiras descrições da doença são do médico chinês Ko Hung (340 d.C), de Ahrun de Alexandria (622) e do persa Abui-Bekr Al-Razi (Rhazes), em seu livro De Pestilentia, no século X. É possível que a moléstia tenha sido a causa de epidemias como a Praga de Atenas (430 a.C.), a Praga Antonina (165) e pela devastação do exército etíope na Guerra dos Elefantes em Meca (568). A primeira referência à doença na Europa foi feita por Gregório de Tours, cronista do reino franco, em 582, relatando a morte de dois jovens príncipes por uma moléstia que chamou de corales. Ela retornou às terras européias no século VIII, junto com os sarracenos, e espalhou-se pelo continente, levada pelos cruzados, provocando epidemias devastadoras. Epidemias de varíola na Inglaterra no século XVII apresentavam taxas de mortalidade equivalentes a um sexto da natalidade. Calcula-se que somente no século XVIII, quando era endêmica na maior parte do mundo, a doença matou mais de 60 milhões de pessoas. A VARÍOLA ERA UMA DOENÇA AGUDA, causada por um vírus – o Poxvirus variolae. Ocorria sob duas formas, com comportamentos epidemiológicos distintos, mas manifestações clínicas semelhantes. A varíola major, popularmente conhecida como bexiga, caracterizava-se por quadros clínicos mais graves e alto índice de mortalidade. A varíola minor, ou alastrim, mais branda, matava menos de 1% dos atingidos. O período de incubação durava de 10 a 14 dias. As primeiras manifestações da doença eram febre, mal-estar e dores de cabeça e nas costas. Dois a três dias depois, começavam repentinamente as erupções na pele, normalmente no rosto, nos braços e nas pernas. A princípio, eram pequenas brotoejas, que evoluíam depois para pústulas (bolhas purulentas). Muitas vezes, estas lesões eram confluentes, isto é, carreiras de pústulas se unindo ao longo do corpo, formando o que popularmente se chamava de bexiga de canudo. Nas formas mais graves, os pacientes apresentavam hemorragias na pele e nas mucosas, falecendo entre o quinto e o sexto dia. Com freqüência, a varíola deixava cicatrizes na pele, especialmente na face. Outras seqüelas mais raras eram cegueira e deformidades nos membros. Entre os ortopoxvirus, figuram ainda os vírus da varíola do camundongo, de camelos, de macacos, de bovinos (cowpox) e da vacínia (um mutante utilizado na vacina). Os três últimos podem infectar o homem. “Para mitigar a febre, você asperge, do pote cheio, com a vassoura, a água da imortalidade.(...) Você refresca o calor escaldante das pústulas; Shitala, eu te venero.” Oração indiana Vírus da varíola em membrana visto ao microscópio. Mumificado em 1157 a.C., o faraó Ramsés V mostra, em seu rosto, cicatrizes características da varíola. Gravura medieval de Guerreiro Sarraceno. Ao lado, menina com varíola, s/d. Acervo Biblioteca Nacional de Paris.
  • 2. ATRAVESSANDO MUNDOS “Muitos morreram com a pegajosa, compacta, dura doença dos grãos.” Eduardo Galeano A VARÍOLA CHEGOU ÀS AMÉRICAS junto com os espanhóis e, em contato com populações sem nenhuma imunidade, assumiu proporções trágicas. Ajudou Cortez, dizimando quase metade dos exércitos astecas, inclusive o rei Cuitlahuac, que substituíra Montezuma no comando. Espalhou-se para o sul e norte, devastando o império inca e matando o imperador Huayna Chupauc, seu herdeiro e vários generais. A varíola foi vital para a colonização dos Estados Unidos e do Canadá, devastando as tribos indígenas a partir do século XVII. É provável que algumas dessas epidemias tenham sido deliberadamente causadas pelos brancos, conforme comprova esta correspondência entre Sir Jeffrey Amherst, comandante-em-chefe das forças britânicas na América do Norte, e o coronel Henry Bouquet, em 1763, na época da rebelião no Potomac: “Não seria possível inventar um meio de difundir a varíola entre estas tribos de índios desleais? Neste momento, devemos utilizar cada estratagema em nosso poder para reduzir seu número.” “Tentarei inocular [ ] fazendo cair em suas mãos alguns cobertores e tomando cuidado para não me contaminar.” A PRIMEIRA EPIDEMIA DE VARÍOLA NO BRASIL COMEÇOU EM 1563,na Ilha de Itaparica, na Bahia, e chegou até São Paulo, matando pelo menos 30 mil índios. Em 1599, devastou o Rio de Janeiro, fazendo mais de 3 mil vítimas, entre indígenas e negros. Meseba-ayba, a doença maligna – era como os tupis chamaram a varíola. No final do século XIX, foram registrados os primeiros surtos de varíola minor na Flórida (EUA) e África do Sul. A forma mais branda da doença logo se espalhou pelo mundo, tornando-se endêmica em várias partes da África, nos Estados Unidos e no Brasil. DOENÇA DA INFÂNCIA, A VARÍOLA NÃO POUPAVA NINGUÉM.Mas a miséria lhe dava uma face mais trágica. Era nos bairros populares que a devastação se fazia maior, favorecida pelas péssimas condições de higiene e pela promiscuidade. Entre os aristocratas, a facilidade de isolamento durante as epidemias fazia com que fossem infectados mais tarde, muitas vezes já adultos. Num mundo regido pelas aparências, os estigmas da varíola despertavam um terror maior do que a própria morte. Do dia para a noite, casamentos e ambições se dissipavam na escuridão dos conventos, onde um grande número de mulheres, antes desejáveis, escondia seus rostos marcados dos olhares indiscretos. A varíola matou imperadores chineses, czares russos, monarcas europeus e califas árabes. Morreram da doença Luís XV da França, Mary II, rainha da Inglaterra, o imperador José I da Áustria, rei Luís I da Espanha, czar Pedro II da Rússia e d. Pedro Carlos, genro de d. João VI. Muitos sobreviveram. Alguns, com mais sorte, quase sem cicatrizes, como Luís XIV, outros bem marcados, como a rainha Elizabeth I e Mirabeau. Tiveram varíola ainda Catarina de Médicis, Chateaubriand e George Washington. No canto direito, a varíola colocou Luís XVI no trono – e no caminho da guilhotina –, pois matou seu pai, o Delfim, em 1711, e seu avô, Luís XV, em 1774. Ao lado, charge retirada de O Tagarela, setembro de 1904. Autor: A. Rego. Acervo Casa de Oswaldo Cruz. Representação asteca da varíola.
  • 3. SOB O OLHAR DA DIVINDADE “Atotô, Omolu, pai da bexiga negra, da força e da saúde, atotô, meu pai Obaluaê”. Jorge Amado FACE A UMA MOLÉSTIA TÃO DEVASTADORA, o remédio era recorrer aos deuses. Shitala Mata, a deusa da varíola, abençoava os hindus, enviando-lhes a moléstia. Trazer suas marcas representava um sinal da graça divina. Morto pelos hunos em 452, logo após recuperar-se de um ataque da doença, São Nicásio, bispo de Rheims, era reverenciado na Idade Média como padroeiro das vítimas da varíola. T'ou-Shen Niang-Niang era a deusa da varíola na China. Já os japoneses recorriam a Chinzei Hachiro Tametomo, um herói mítico do século XII. Para os africanos, Xapanã (Sapona), senhor das doenças contagiosas e da cura, enviava a varíola a seus inimigos. Chamado de Obaluaê (Senhor da Terra) ou de Omolu (Filho do Senhor), chegou ao Brasil trazido pelos escravos. Os iaôs (filhos) de Omolu cobrem-se de palha desde a cabeça, ocultando o rosto, e brandem xaxarás, espécie de vassoura, que representa a propagação e a cura da bexiga. Homenageia-se o orixá com pipoca. No Brasil, o sincretismo religioso associou Omolu a São Lázaro que, de santo protetor dos leprosos, passou a velar também pelos bexiguentos. Acredita-se que a crença em Omolu foi um dos motivos para a participação da população negra na Revolta da Vacina. Deusa da varíola, T’ou-Shen Niang-Niang, era associada a uma monja budista do século XI, que se acreditava ter introduzido a variolização no país. Segundo lenda japonesa, Tametomo, um arqueiro habilidoso, impedira o demônio da varíola de aportar na Ilha de Oshima, onde estava exilado. Os chineses apelavam ainda a Ma-chen, que curava as cicatrizes da doença. Shitala Mata, deusa indiana da varíola. Os iaôs de Omolu dançam curvados, como que atormentados por dores, imitando as coceiras e os tremores da doença. Gravura de Caribé para o romance de Jorge Amado, Tereza Batista Cansada de Guerra.
  • 4. ERA FÉRTIL E VARIADO O RECEITUÁRIO CONTRA A VARÍOLA. Havia remédios para evitar a doença, para tratar os doentes e para remover as cicatrizes. O médico árabe Al-Razi (Rhazes) recomendava os poderes preventivos da cânfora durante as epidemias. Empregava-se ainda o óxido de mercúrio, a água de alcatrão e a tintura de mirra. Duas medidas preventivas foram mais difundidas. Uma era a retirada do sangue do cordão umbilical, para evitar que as impurezas uterinas – para muitos, causa da varíola – fossem transmitidas à criança. Outra foi o uso de bezoares – pedrinhas encontradas no estômago ou nos intestinos de alguns animais ruminantes. Instalada a doença, a classe médica dividia-se. Uns procuravam expulsar a doença com calor, colocando o paciente em ambiente superaquecido e usando bebidas sudoríferas, como cidra com canela e pimenta, vinho quente e licores. Outros defendiam métodos refrescantes, como exposição dos doentes a correntes de ar, tisanas frias, eméticos e sangrias. Ishinho, uma obra médica japonesa de 982 d.C., foi o primeiro livro a mencionar o tratamento vermelho, isto é, a colocação de tecidos, materiais e luzes de cor vermelha nos quartos de pacientes com varíola. Empregado também na China, Índia, Turquia e na Geórgia asiática, chegou à Europa no século XII. Ao adoecerem, Carlos V, da França, e Elizabeth I, da Inglaterra, usaram trajes vermelhos e cobertas vermelhas. A eritroterapia persistiu até a década de 30 e teve como um de seus defensores o dermatologista Niels Finder, prêmio Nobel. Os jesuítas recomendavam um cordial, composto por flor de papoulas vermelhas, bagas de sabugo, fezes de cavalo bem recentes e bezoártico do Curvo – um preparado que continha pós de bezoar e de chifre de unicórnio, olhos de caranguejo, raízes e folhas de ouro fino, entre outras coisas. Para as cicatrizes, as opções eram suco de miolo de coelho assado, pós de alvaiade e de pedra-ume. Pan-chen protegia as vítimas da bexiga negra. A cor vermelha era associada à maioria dos deuses que protegiam contra a varíola. Em várias receitas contra a varíola, figurava o chifre de unicórnio, animal mítico, visto abaixo em gravura medieval sobre a lenda de Santa Úrsula. Os bezoares mais famosos vinham das cabras selvagens da Pérsia. MAGIA E POÇÕES “Corri mais, corri daquela casa, daquele laboratório de horror em que o africano deus selvagem da bexiga, Obaluaê, escancarava a face deglutindo pus.” João do Rio
  • 5. “Para o povo, porém, a bexiga de canudo era uma espécie mais virulenta ainda de varíola, a mais terrível, dita a mãe da bexiga, de todas as outras, da negra, da branca, do alastrim, da varicela.” Jorge Amado NA LITERATURA, as cicatrizes e o terror que estas inspiravam às mulheres transformou a varíola na punição exemplar para aquelas que se desviavam dos padrões morais vigentes. Em As Relações Perigosas, Choderlos de Laclos pune Valmont com a morte em duelo, mas reserva à marquesa de Merteuil um destino bem mais trágico: “...seria uma felicidade para ela morrer de varíola. Salvou-se, é verdade, mas horrivelmente desfigurada; e perdeu também um olho. (...) disseram-me que está realmente medonha.” Émile Zola não só mata Nana de varíola, mas destrói-lhe a beleza, responsável pela ruína de tantos homens: “Vênus estava em decomposição. Parecia que o vício contraído por ela nos córregos, sobre as carniças toleradas, esse fermento com o qual havia envenenado um povo, acabara de lhe subir ao rosto e a havia feito apodrecer.” JORGE AMADO MOSTRA a bexiga como um velho conhecido da população, sempre assombrando as terras da Bahia. Devastando os bairros mais miseráveis, retrata o descaso das autoridades com os mais pobres e a precariedade dos serviços de saúde. Em Tereza Batista Cansada de Guerra, é bexiga negra, “determinada a matar, fazendo-o com maestria, frieza e malvadez, forte, feia e ruim”, mas que acaba derrotada pela solidariedade e coragem dos marginalizados. Em Capitães de Areia, Omolu manda a varíola para se vingar dos ricos, mas como estes estavam vacinados, transforma-a em “alastrim, bexiga branca e tola”. “...que sabia Omolu de vacinas? Era uma pobre deusa das florestas da África. (...) Omolu só queria com o alastrim marcar seus filhinhos negros. O lazareto é que os matava.” Numa crônica em que conta uma visita ao Hospital São Sebastião, “grande forno da peste sangrenta”, João do Rio relata seu horror, quando se defronta com a desfiguração causada pela varíola: “Eu tinha diante de mim um monstro. As faces inchadas, vermelhas e em pus, os lábios lívidos... Era como se aquela face fosse queimada por dentro e estalasse em empolas e em apostemas a epiderme. Quis recuar, quis aproximar-me (...) Há epidemia, oh! sim, há epidemia! E eu tenho medo, meu amigo, um grande, um desastrado pavor...” Hospital de Isolamento São Sebastião, no Caju. O CASTIGO DOS DEUSES Gravura do romance Tereza Batista Cansada de Guerra, de Jorge Amado. Édouard Manet baseou-se em personagem homônima do livro A Taberna (1876), de Émile Zola, para pintar Nana (1877). O quadro deu ao escritor uma imagem mais clara da protagonista do seu romance admirável de 1879, Nana.