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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE
   COMUNICAÇÃO SOCIAL HAB. AUDIOVISUAL
               SOCIOLOGIA




    A ERA DOS DIREITOS




ALUNA: EDELDE SANTOS RAMOS


PROFESSOR: ARIOVALDO




             SÃO CRISTOVÃO/SE
                   2010

                                         4
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE
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              A ERA DOS DIREITOS




                                          Trabalho de Sociologia sobre
                                          o A Era dos Direitos de
                                          autoria de Norberto Bobbio,
                                          apresentando um resumo da
                                          primeira e segunda parte do
                                          livro.




ALUNA: EDELDE SANTOS RAMOS
PROFESSOR: ARIOVALDO




                       SÃO CRISTOVÃO/SE
                             2010
                                                                    5
SUMÁRIO


I - INTRODUÇÃO ....................................................................................................... 4
II - SOBRE OS FUNDAMENTOS DOS DIREITOS DO HOMEM ....................... 5
III - PRESENTE E FUTURO DOS DIREITOS DO HOMEM ............................... 9
IV- A ERA DOS DIREITOS ..................................................................................... 11
V - DIREITO DO HOMEM E SOCIEDADE .......................................................... 12
VI - A REVOLUÇÃO FRANCESA E OS DIREITOS DO HOMEM .................. 13
VII - A HERANÇA DA GRANDE REVOLUÇÃO ................................................. 15
VIII – CONCLUSÃO ................................................................................................. 17




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I – INTRODUÇÃO


No livro “A Era dos Direitos, que fala de direitos humanos e na luta por igualdade e justiça,
Norberto Bobbio deixa lições importantes, apontando a formação da verdadeira era dos
direitos e as conquistas neste sentido. Começa a remontar a história da geração da Revolução
Francesa e o início das reinvidicações pelos direitos do homem.
O primeiro artigo do livro é resultado de uma conferência que Bobbio ministrou no ano de
1951 em Turim (Itália) sobre a Declaração Universal dos Direitos do Homem. Bobbio
enuncia três teses nesse primeiro artigo: A primeira tese é de que os Direitos Naturais são
direitos históricos. A segunda tese é a de que os direitos nascem no início da Era Moderna,
juntamente com a concepção individualista de sociedade. E a terceira é a de que os Direitos
tornam-se um dos principais indicadores do progresso histórico das sociedades.
Na segunda parte do livro Bobbio reúne três artigos de discursos pronunciados sobre os
Direitos do Homem e a Revolução Francesa.
Norberto Bobbio ficou conhecido por suas contribuições sobre a teoria política, foi
classificado como o pensador italiano mais famoso do mundo.
A preocupação maior no livro não seria apenas de definir ou justificar os direitos do homem,
mas, de protegê-los.
A diferença entre a teoria e a prática na defesa dos direitos humanos é enorme, e constitui
tarefa da política e da sociologia peneirar as dificuldades a serem vencidas para a execução
do mínimo de direitos tanto na prática quanto na teoria.
É claro, no pensamento de Bobbio, há relatividade dos direitos humanos. Ele assegura
claramente que não se trata de uma categoria de direitos homogêneos, únicos e, muito menos,
absolutos ou eternos.
Uma das principais dúvidas que destroem o respeito à pessoa humana, na defesa do direito à
vida, é a polêmica em torno da pena de morte. E Bobbio é coerente em afirmar sua
contrariedade à aplicação da pena de morte, por achar que o Estado não pode reagir com o
mesmo tipo de arma que o indivíduo, que a tolerância deve ser sagrada para a sociedade, e,
por fim, que a defesa do mandamento “não matarás” deve ser levada a sério.




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II – SOBRE OS FUNDAMENTOS DOS DIREITOS DO HOMEM


Norberto Bobbio evidencia a divisão dos direitos humanos em gerações, na obra A ERA DOS
DIREITOS, divisão que passou a ser considerada costumeira, adotada pelos estudiosos do
direito em todo o mundo.
Na formação do Estado moderno houve, na relação política, uma inversão: da prioridade dos
deveres dos súditos passou-se à prioridade dos direitos do cidadão – a relação política,
encarada pelo ângulo do soberano passa a ser encarada pelo ângulo do cidadão. Do homem
abstrato ao homem concreto, com diferentes e específicas carências e interesses, para serem
reconhecidos e protegidos, correspondendo a teoria individualista da sociedade.
A inversão de perspectiva torna-se irreversível, provocada, no início da era moderna,
principalmente pelas guerras de religião, onde se vai afirmando o direito de resistência à
opressão, que pressupõe o direito a não ser oprimido. Pressupõe algumas liberdades
fundamentais: fundamentais porque naturais e não dependem da aprovação do soberano.
A grande reviravolta teve início no Ocidente a partir da compreensão cristã da vida, segundo a
qual todos os homens são irmãos enquanto filhos de Deus. Mas, na realidade, a fraternidade
não tem, por si mesma, um valor moral. Tanto a história sagrada quanto a profana mais
próxima de nós nascem ambas de um fratricídio.
A doutrina filosófica que fez do indivíduo, e não mais da sociedade, o ponto de partida para a
construção de uma doutrina da moral e do direito foi o jusnaturalismo, que pode ser
considerado, sob muitos aspectos, a secularização da ética cristã. A concepção individualista
custou a abrir caminho, considerada fomentadora de desunião, discórdia, ruptura da ordem
constituída.
A finalidade do Estado é a luta contra as facções que, dilacerando o corpo político, o matam.
A definição mais apropriada de Justiça é a platônica, para a qual cada uma das partes de que é
composto o corpo social deve desempenhar a função que lhe é própria.
Primeiro o individuo singular, com valor em si mesmo, depois o Estado. O Estado é feito pelo
indivíduo e este não é feito pelo Estado. Nessa inversão da relação entre indivíduo e Estado, é
invertida também a relação tradicional entre direito e dever. Em relação aos indivíduos,
doravante, primeiro vêm os direitos, depois os deveres. Em relação ao Estado, primeiro os
deveres, depois os direitos.
O individualismo é a base filosófica da democracia: uma cabeça, um voto.
Podem objetar que o reconhecimento do indivíduo como sujeito de direitos é um traço

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característico do direito romano, na época clássica. Mas apenas como sujeito econômico,
titular de direitos sobre as coisas e capaz de intercambiar bens com outros sujeitos
econômicos dotados da mesma capacidade.
O fundamento para o reconhecimento dos direitos do homem ocorre quando esse
reconhecimento se amplia da esfera das relações econômicas interpessoais para as relações de
poder entre príncipe e súditos, quando nascem os direitos públicos subjetivos, que
caracterizam o Estado de direito. Quando ocorre a passagem final do ponto de vista do
príncipe para o ponto de vista dos cidadãos.
Os direitos são desejáveis mas não foram ainda todos eles, por toda a parte e em igual medida,
reconhecidos. Encontrar um fundamento absoluto seria um meio para obter um mais amplo
reconhecimento.
Entre os jusnaturalistas, por muito tempo, ardeu a disputa sobre qual das três soluções
possíveis quanto à sucessão dos bens era a mais natural, devendo ser preferida:
• o retorno dos bens à comunidade: membro de uma comunidade, da qual sua vida depende;
• a transmissão de pai para filho: pai de família, voltado por instinto natural para a
continuação da espécie;
• dispor o proprietário livremente dos seus bens: livre e autônomo, único responsável pelas
próprias ações e pelos próprios bens.
Essa ilusão já não é possível, hoje. Existem quatro dificuldades:
1ª. “direitos do homem” é uma expressão muito vaga. Não é possível elaborar uma categoria
de direitos do homem que tenha contornos nítidos. É impossível dar uma noção precisa.
2ª. Os direitos do homem constituem uma classe variável – Modificaram-se e continuam a se
modificar, com a mudança das condições históricas. Direitos declarados absolutos no final do
século XVIII, como a propriedade sacre et inviolable, foram radicalmente limitados nas
declarações contemporâneas. Os direitos sociais, que as declarações do século XVIII nem
sequer mencionavam, são agora proclamados com grande ostentação nas recentes
declarações.
No futuro poderão emergir novas pretensões que no momento nem imaginamos, como o
direito a não portar armas contra a própria vontade, ou o de respeitar a vida também dos
animais e não só dos homens. O que prova que não existem direitos fundamentais por
natureza. O que parece fundamental numa época histórica e certa civilização não é
fundamental em outras épocas e culturas. Não é possível atribuir um fundamento absoluto a
direitos historicamente relativos.

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3ª. Heterogeneidade: Entre os direitos proclamados na Declaração há pretensões muito
diversas entre si e até mesmo incompatíveis. Assim, não deveríamos falar de fundamento,
mas de fundamentos.
Há direitos que valem em qualquer situação e para todos os homens indistintamente, havendo
a exigência de não serem limitados nem diante de casos excepcionais. São direitos
privilegiados porque não são postos em concorrência com outros direitos, ainda que também
fundamentais. Mas são bem poucos, entre os fundamentais, os que não são suspensos em
nenhuma circunstância, nem negados para determinada categoria de pessoas.
A afirmação de um novo direito para determinadas pessoas suprime algum velho direito, do
qual se beneficiavam outras pessoas. A eliminação do direito de não ser escravizado implica
na eliminação do direito de possuir escravos. A escolha parece fácil, porque consideramos
evidente em moral o que não precisa ser justificado.
Mas, na maioria dos casos, a escolha é duvidosa e exige ser motivada. Porque tanto o direito
que se afirma como o que é negado tem boas razões. A dificuldade da escolha se resolve com
a introdução dos limites à extensão de um dos dois direitos, salvaguardando também o outro.
Direitos com eficácia tão diversa não podem ter o mesmo fundamento. Sobretudo, não podem
ter um fundamento absoluto, que não permita dar uma justificação válida para sua restrição.
Numa concepção orgânica da sociedade, as partes estão em função do todo, a finalidade é a
conservação do todo. Nela não haveria lugar para direitos que não só a precederiam, mas que
até mesmo pretenderiam manter-se fora dela, submetê-la às suas próprias exigências.
Invertendo essa relação entre o todo e as partes, a concepção individualista da sociedade e da
história afirma que primeiro vem o indivíduo. Não o individuo para a sociedade, mas a
sociedade para o indivíduo. Formula a hipótese de um estado originário sem sociedade nem
Estado, que é uma exigência da razão, não uma constatação de fato ou um dado histórico.
Uma origem não histórica e sim ideal. Uma hipótese que permite inverter radicalmente a
concepção tradicional onde o poder político procede de cima para baixo e não vice-versa.
Numa concepção individualista, o todo é o resultado da livre vontade das partes
Para que pudesse ocorrer a inversão de ponto de vista, da qual nasce o pensamento político
moderno, era preciso abandonar a teoria tradicional, o “modelo aristotélico”, onde o homem é
um animal político que nasce num grupo social, a família, e aperfeiçoa sua própria natureza
naquele grupo social maior, auto-suficiente por si mesmo, a polis. Era também preciso
considerar o indivíduo em si mesmo, fora de qualquer vínculo social e político, num estado
como o de natureza – estado de liberdade e igualdade perfeitas, ainda que hipotéticas. Estado

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anterior a toda forma organizada de sociedade, um estado originário. O estado civil sendo um
estado natural (como a família), mas artificial, consciente e intencionalmente construído pela
união voluntária dos indivíduos naturais. Para fundar os direitos do homem, Paine oferece
uma justificação religiosa: transcender a história e chegar ao momento da origem, quando o
homem surgiu das mãos do Criador. O homem, antes de ter direitos civis, que são o produto
da história, teria direitos naturais, que os precedem; e esses direitos naturais são o fundamento
de todos os direitos civis.
Nunca será suficientemente enfatizada a importância histórica dessa inversão. Da concepção
individualista da sociedade, nasce a democracia moderna, não como “o poder do povo”, e sim
como o poder dos indivíduos tomados um a um, de todos os indivíduos que compõem uma
sociedade regida por algumas regras essenciais, atribuindo a cada um, como a todos, o direito
de participar livremente na tomada das decisões coletivas, que obrigam toda a coletividade.
A democracia moderna repousa na soberania não do povo, mas dos cidadãos. O povo é uma
abstração, freqüentemente utilizada para encobrir realidades muito diversas. Numa
democracia moderna, quem toma as decisões coletivas, direta ou indiretamente, são sempre os
cidadãos singulares, quando depositam o seu voto na urna. Não é um corpo coletivo. A regra
da maioria é a regra fundamental do governo democrático. A maioria é o resultado da soma
aritmética, onde se somam os votos de indivíduos singulares.
A história da geração dos direitos tem início com os iluministas e o jusnaturalismo, com a
Revolução Francesa e sua Declaração de Direitos como modelo para novas diretrizes nas
constituições modernas. A partir de então, há um novo entendimento, uma nova percepção
histórica, a inversão da aristotélica, dominante na antiguidade e na era medieval. Onde o
Estado predominava sobre o indivíduo, passa a o indivíduo prevalecer sobre o Estado – a
concepção individualista do direito.
O problema grave de nosso tempo, com relação aos direitos do homem, não é mais o de
fundamentá-los, e sim o de protegê-los. É saber qual o modo mais seguro para garanti-los,
para impedir que, apesar das solenes declarações, eles sejam continuamente violados.




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III - PRESENTE E FUTURO DOS DIREITOS DO HOMEM


O problema atualmente não se encontra em definir ou fundamentar a natureza dos direitos do
homem, e sim, em saber qual a maneira mais eficaz de defendê-los.
Há três modos de fundar os valores:
   1. deduzi-los de um dado objetivo constante, como, por exemplo, a natureza humana;
   2. considerá-los como verdades evidentes em si mesmas;
   3. eles serem, num dado período histórico, geralmente aceitos – a prova do consenso.
O primeiro modo nos ofereceria a maior garantia de sua validade universal, elemento
inflexível e inalterável. Na história do jusnaturalismo, a natureza humana foi interpretada dos
mais diferentes modos, mesmo diversos entre si.
O segundo modo tem a seguinte peculiaridade: o que foi considerado evidente por alguns,
num dado momento, não é mais considerado como evidente por outros, em outro momento.
Hoje, quem não pensa que é evidente que não se deve torturar os prisioneiros? Mas, durante
séculos, a tortura foi aceita e defendida como um procedimento judiciário normal.
O terceiro modo consiste em mostrar que são apoiados no consenso: um valor é tanto mais
fundado quanto mais é aceito. É um fundamento histórico. Como tal, não absoluto. Mas é o
único que pode ser factualmente comprovado.
Com a Declaração Universal dos Direitos do Homem, um sistema de valores é – pela primeira
vez na história – universal, não em princípio, mas de fato.
A idéia de que o homem tem direitos, por natureza, que ninguém, nem mesmo o Estado, lhe
pode subtrair, nem ele próprio alienar, foi elaborada pelo jusnaturalismo moderno, segundo o
qual os homens são livres e iguais, e o estado civil uma criação artificial.
As primeiras palavras da Declaração Universal dos Direitos do Homem conservam um eco
dessa hipótese: “Todos os homens nascem livres e iguais em dignidade e direitos”.
Bobbio: “A liberdade e a igualdade dos homens não são um dado de fato, mas um ideal a
perseguir. Não são uma existência, mas um valor. Não são um ser, mas um dever ser.”
Enquanto teorias filosóficas, as primeiras afirmações dos direitos do homem são universais no
conteúdo, na medida em que se dirigem a um homem racional fora do espaço e do tempo, mas
são extremamente limitadas em relação à sua eficácia, na medida em que são propostas para
um futuro legislador.
Essas teorias são acolhidas pela primeira vez por um legislador, nas Declarações de Direitos
do Estados Norte-americanos e na Revolução Francesa, e postas na base de uma nova

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concepção de Estado – não mais absoluto, mas, limitado. O Estado deixa de ser o fim em si
mesmo e passa a ser o meio para alcançar fins que são postos antes e fora de sua própria
existência.
Na passagem da teoria à prática, do direito pensado para o direito realizado, a afirmação dos
direitos do homem ganha em concreticidade, mas perde em universalidade. São daí por diante
protegidos (positivos), mas valem apenas no âmbito do Estado que o reconhece. Não são mais
direitos do homem, mas do cidadão. Do homem enquanto cidadão deste ou daquele Estado
particular.
Com a Declaração de 1948, tem início uma fase na qual a afirmação dos direitos é, ao mesmo
tempo, universal e positiva. Universal porque os destinatários dos princípios não são mais os
cidadãos deste ou daquele Estado, mas todos os homens. Positiva porque põe em movimento
um processo em que os direitos são protegidos até mesmo contra o próprio Estado que os
tenha violado. No final deste processo, os direitos do cidadão terão se transformado,
realmente, positivamente, em direitos do homem. Ao menos, do cidadão daquela cidade que
não tem fronteiras, porque compreende toda a humanidade – cidadão do mundo.
A Declaração Universal contém em sua origem a síntese de um movimento dialético que
começa pela universalidade abstrata dos direitos naturais, ideal comum a ser alcançado por
todas as nações, transforma-se na particularidade concreta dos direitos positivos e termina na
universalidade não mais abstrata, mas também concreta, dos direitos positivos.
Enquanto apenas considerados direitos naturais, a única defesa possível contra sua violação
pelo Estado era o direito de resistência – também considerado natural. Assim, aos cidadãos de
Estados que não tenham reconhecidos os direitos do homem, resta o direito de resistência.
A Declaração Universal não se pretende definitiva. Os direitos humanos são históricos,
emergindo gradualmente das lutas que o homem trava por sua própria emancipação e das
condições de vida que essas lutas produzem. A expressão “direitos do homem” pode remeter a
um homem abstrato, essencial e eterno, e subtraídos ao fluxo da história. Mas os direitos
humanos são o produto da civilização humana, porque históricos. Mutáveis (suscetíveis de
transformação e de ampliação).




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IV – A ERA DOS DIREITOS


São características de nosso tempo e despertam preocupações com o futuro da humanidade,
especialmente:
• O aumento cada vez maior e incontrolado da população;
• O aumento cada vez mais rápido e incontrolado da degradação do meio ambiente;
• O aumento cada vez mais rápido, incontrolado e insensato do poder destrutivo dos
armamentos.
Porém, a crescente importância atribuída, nos debates internacionais, ao problema do
reconhecimento dos direitos do homem é um sinal positivo. Somente depois da Segunda
Guerra Mundial esse problema passou da esfera nacional para a internacional, envolvendo,
pela primeira vez na história, todos os povos.
Bobbio suscita diversas vezes o problema do reconhecimento dos direitos do homem,
enfatizando que após a segunda guerra mundial é que esse problema se internacionalizou,
passsando a abranger todos os povos.
Reforçaram-se cada vez mais os três processos de evolução na história dos direitos do
homem: conversão em direito positivo, generalização, internacionalização.
São várias as perspectivas que se podem abordar para tratar do tema dos direitos do homem.
A partir da filosofia da história, os eventos se tornam sinais ou indícios reveladores de um
processo, com uma perspectiva finalista oculta, ainda que o historiador não tenha plena
consciência disso.
O homem é um animal teleológico, que atua geralmente em função de finalidades projetadas
no futuro. Levando-se em conta a finalidade de uma ação pode-se compreender seu “sentido”.
A perspectiva da filosofia da história representa a transposição dessa interpretação finalista da
ação de cada indivíduo para a humanidade em seu conjunto, como se a humanidade fosse um
indivíduo ampliado, ao qual atribuímos as características do indivíduo reduzido.
Definindo o direito natural como o direito que todo homem tem de obedecer apenas à lei de
que ele mesmo é legislador, Kant dava uma definição da liberdade como autonomia, como
poder de legislar para si mesmo. Afirmara que o direito como a faculdade moral de obrigar
outros, tem o homem direitos inatos e adquiridos. O único direito inato, ou seja, transmitido
pela natureza, não por uma autoridade constituída, é a liberdade: a liberdade como autonomia.
Do ponto de vista da filosofia da história, o atual debate sobre os direitos do homem, cada vez
mais amplo (envolvendo todos os povos da Terra) e intenso (posto na ordem do dia pelas mais

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autorizadas assembléias internacionais) pode ser interpretado como um “sinal premonitório”
do progresso moral da humanidade.
A história humana é imprecisa, com respostas diversas segundo quem a interroga e o ponto de
vista adotado por quem a interroga. Mas não podemos deixar de nos interrogar sobre o destino
do homem.


V – DIREITO DO HOMEM E SOCIEDADE


Como visto, foi com o final da segunda guerra que se deu o desenvolvimento (multiplicação e
universalização) dos direitos do homem. Este capítulo se reserva à análise do processo de
multiplicação desses direitos, enquanto fenômenos sociais.
Bobbio explica que essa multiplicação se deu por três razões: aumentaram a quantidade de
bens a serem tutelados; a titularidade de alguns direitos foi ampliada; houve especificação de
categorias de tratamento do homem. Esses três processos são interdependentes, ou seja, o
reconhecimento de novos direitos requer, na maioria das vezes o aumento de direitos.
A doutrina dos direitos do homem nasceu do jusnaturalismo que, com o fim justificar direitos
do homem independentemente do Estado, parte de poucos direitos, porém, essenciais: o
direito à vida, à liberdade e à propriedade, como formas de sobrevivência. Já Kant considera
que o direito do homem natural à liberdade englobaria os demais.
Com isso, os direitos do homem, principalmente quanto aos direitos sociais, sofrem de grande
defasagem entre a norma e a sua efetiva aplicação, que deverá ser quantificada e reduzida
pelos sociólogos do direito. Ainda, deve haver empenho das forças políticas para a superação
desse problema.
O crescimento dos direitos sociais está diretamente relacionado à transformação da sociedade.
A esmagadora maioria de normas sobre os direitos do homem, como as emanadas de órgãos
internacionais, não são sequer programáticas. Ou não o são enquanto não forem ratificadas
por Estados particulares.
Somente dois quintos dos Estados-membros das Nações Unidas ratificaram, nas duas
Convenções internacionais sobre os direitos do homem, as declarações. E existem grandes
diferenças entre os Estados do Primeiro, do Segundo e do Terceiro Mundos. As cartas de
direitos, no âmbito do sistema internacional, são expressões de boas intenções, ou diretivas de
ação orientadas para um futuro indeterminado e incerto.



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“Direito” é um termo da linguagem normativa, na qual se fala de normas e sobre normas. A
existência de um direito implica sempre a existência de um sistema normativo. A figura do
direito tem como correlato a figura da obrigação. Obrigações morais, naturais e positivas, bem
como os respectivos direitos relativos, pertencem a sistemas normativos diversos. Para dar
sentido a termos como obrigação e direito, é preciso inseri-los num contexto de normas,
independentemente de qual seja a natureza desse contexto. Do ponto de vista de um
ordenamento jurídico, os chamados direitos naturais ou morais não são propriamente direitos,
mas exigências que buscam validade a fim de se tornarem eventualmente direitos num novo
ordenamento normativo.
Uma coisa é um direito; outra, a promessa de um direito futuro. Uma coisa é um direito atual;
outra, um direito potencial.


VI - A REVOLUÇÃO FRANCESA E OS DIREITOS DO HOMEM


A maior parte dos direitos sociais, exibidos em todas as declarações nacionais e
internacionais, permaneceu no papel.
A linguagem dos direitos tem a função de emprestar uma força particular às reivindicações
dos movimentos que demandam a satisfação de novos carecimentos materiais e morais. Mas
ela engana se obscurece a diferença entre o direito reivindicado e o direito reconhecido e
protegido.
A fé de Kant no progresso indefinido da humanidade, no triunfo final da liberdade e da paz
com justiça, não foi abalada pelas desordens na França, pelas guerras daquele tempo, pelo
pessimismo dos juristas e homens de Estado. Pareceu-lhe que somente o filósofo fosse capaz
de entender as vozes ocultas da história, medir o grau de desenvolvimento a que chegara a
humanidade, entrever o curso futuro dos eventos, indicar as diretivas para as reformas civis e
políticas.
O ponto central da tese kantiana é que tal disposição moral se manifesta na afirmação do
direito – um direito natural – que tem um povo a não ser impedido por outras forças, de se dar
a Constituição civil que creia ser boa. Para Kant, essa Constituição só pode ser republicana,
única Constituição capaz de evitar a guerra. Para Kant, a força e a moralidade da Revolução
residem na afirmação desse direito do povo a se dar livremente uma Constituição em
harmonia com os direitos naturais dos indivíduos singulares, de modo tal que aqueles que
obedecem às leis devem também se reunir para legislar. O conceito mesmo de honra, próprio

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da antiga nobreza guerreira, esvai-se diante das armas dos que tinham em vista o direito do
povo a que pertenciam.
Kant sabia que a mola do progresso não é a calmaria, mas o conflito. Todavia, compreendera
que existe um limite para além do qual o antagonismo se faz demasiadamente destrutivo,
tornando-se necessário um autodisciplinamento do conflito, que possa chegar até a
constituição de um ordenamento civil universal.
Kant tinha originariamente prefigurado o direito de todo homem a ser cidadão não só do seu
próprio Estado, mas do mundo inteiro. Além disso, havia representado toda a Terra como uma
potencial cidade do mundo.
Kant reconheceu, no movimento da França, o sinal premonitório de uma nova ordem mundial.
Diante da ambigüidade da história, talvez o único sinal de um confiável movimento histórico
para o melhor seja o crescente interesse dos cultos e das próprias instâncias internacionais por
um reconhecimento cada vez maior, e por uma garantia cada vez mais segura, dos direitos do
homem.
Hegel, por sua vez, considerou a Revolução como uma "esplêndida aurora", "como se então
tivesse finalmente ocorrido a verdadeira conciliação do divino com o mundo". Convicto de
que com a Revolução iniciou-se uma política de afirmação dos direitos naturais (liberdade e
igualdade).
Apesar da crise dos fundamentos, a maior parte dos governos proclama uma Declaração
Universal dos Direitos do Homem. Depois dessa declaração, o problema dos fundamentos
perdeu grande parte do seu interesse.
O problema em relação aos direitos do homem, hoje, não é tanto o de justificá-los, mas o de
protegê-los. Trata-se de um problema não filosófico, mas jurídico e, num sentido mais amplo,
político.
A Declaração Universal é um marco. Com direitos a serem garantidos e atualizados,
aperfeiçoados, continuamente. Gerou e está para gerar outros documentos (interpretativos ou
complementares do documento inicial). Como por exemplo: Declaração dos Direitos da
Criança, Convenção sobre os Direitos Políticos da Mulher, Declaração de 20/11/1963
(seguida, dois anos depois, por uma Convenção) - eliminação de todas as formas de
Discriminação racial, em onze artigos, Convenções sobre o trabalho e a liberdade sindical,
Convenção para a Prevenção e Repressão do Genocídio, Declaração sobre a Concessão da
Independência aos Países e Povos Coloniais.



                                                                                             17
O importante não é fundamentar os direitos do homem, mas protegê-los. Para protegê-los, não
basta proclamá-los.
Os direitos do homem não são absolutos, nem constituem uma categoria homogênea. Por
“valor absoluto” o estatuto que cabe a pouquíssimos direitos do homem, válidos em todas as
situações e para todos os homens, sem distinção. É preciso partir da afirmação de que não se
pode instituir um direito em favor de uma categoria de pessoas sem suprimir um direito de
outras categorias de pessoas. O direito a não ser escravizado implica a eliminação do direito
de possuir escravos, assim como o direito de não ser torturado implica a eliminação do direito
de torturar. Esses dois direitos podem ser considerados absolutos. Na Convenção Européia
dos Direitos do Homem, ambos esses direitos são explicitamente excluídos da suspensão da
tutela que atinge todos os demais direitos em caso de guerra ou de outro perigo público.
Porque, desde quando passaram a ser considerados como direitos do homem, além dos
direitos de liberdade, também os direitos sociais, o conjunto passou a conter direitos entre si
incompatíveis: a proteção não pode ser concedida sem que seja restringida ou suspensa a
proteção de outros.
Segundo Bobbio: As sociedades reais são mais livres na medida em que menos justas e mais
justas na medida em que menos livres. A cada dia conquistamos uma fatia de poder em troca
de uma de liberdade.

VII - A HERANÇA DA REVOLUÇÃO FRANCESA

O autor destaca o marco histórico representado pela Revolução Francesa, visto que esta
representou o fim do regime feudal e a aprovação da Declaração dos Direitos do Homem.
A Declaração foi precedida pelos Bill of Rights, que eram declarações de algumas colônias
norte-americanas contra a metrópole. Muitos autores fazem comparações, de fato e valor,
entre as duas, o que não é produtivo segundo Bobbio, que afirma não ser possível comparar
uma guerra de independência com a derrubada de um regime político e de uma ordem social.
Pode-se afirmar, no entanto, que os norte-americanos desempenharam papel importante na
elaboração da declaração francesa.
Nesse ponto, há uma distinção entre o conteúdo da declaração e a idéia de declaração que
precederia uma Constituição. Com relação à idéia, a influência da declaração americana é
inquestionável. Já quanto ao conteúdo, não se pode deixar de frisar que ambos derivaram do
direito natural. Dessa forma, considera-se que o homem possui direitos anteriores à instituição


                                                                                            18
do poder civil, mas que deverão ser respeitados e reconhecidos por esse poder. São direitos
imprescritíveis, ou seja, não se perdem pelo não exercício.
O reconhecimento desses direitos originários representou grande revolução nas políticas. Na
Idade Média, a relação política era desigual, isto é, os governantes gozavam de superioridade
perante os demais indivíduos. Para que ocorresse a inversão desse conceito, foi necessário que
se abandonasse a teoria tradicional, representada pelo modelo de Aristóteles (segundo o qual
o homem é visto como um animal político e social). Foi necessário que se tomasse um estado
anterior às formas de sociedade organizada, um estado originário, como ponto de nascimento
e fundamento do estado civil (não mais um estado natural). Seria um estado artificial,
construído pelos indivíduo naturais.
Dessa forma, quando os indivíduos eram considerados como membros de um grupo social
originalmente, não nasciam livres nem iguais. Somente utilizando o conceito de estado
originário (no qual os homens se submetem apenas às leis naturais) é que se pode afirmar e
efetivar o seguinte conteúdo do artigo 1º da Declaração Universal dos Direitos do Homem:
"Todos os homens nascem livres e iguais em dignidade e direitos". Como se pode observar,
houve vidente inversão de perspectiva, passando o poder político a proceder de baixo para
cima, e não o inverso.
Dessa inversão de perspectiva, temos o nascimento da democracia moderna, em detrimento de
concepções individualistas. A democracia não mais considerada como o "poder do povo",
mas sim como o poder dos indivíduos individualmente, de todos os indivíduos que compõem
a sociedade, regidos por regras, onde cada um possui o direito de participar da tomada de
decisões. A democracia moderna encontra sua base nos cidadãos.
Concluindo, as Constituições consideradas democráticas devem conter direitos individuais e,
ainda, considerar que a liberdade dos cidadãos singulares está acima do poder do governo.
Ainda, deverá considerar que esses cidadãos controlam, de acordo com suas liberdades, o
poder dos governantes.




                                                                                           19
VIII – CONCLUSÃO


Bobbio não se cansou de reverenciar a não violência ativa como forma legítima de
transformação social. Ele escolheu a serenidade como grande virtude dos dias atuais. Trouxe
importantes contribuições para se pensar os problemas do direito do homem e as vias para a
paz.
Argumenta o autor que quem crê na bondade da tolerância o faz porque crê na sua
fecundidade, e considera que o único modo de fazer com que o intolerante aceite a tolerância
é o reconhecimento do seu direito de expressar.
Sem dúvidas, Bobbio apresenta a Filosofia do Direito através deste livro, como um
conhecedor da matéria muito competente. Os ensinamentos, seu modo de pensar, seu belo
conceito de Justiça e Liberdade, e acima de tudo, sua fortíssima noção de realidade, nunca
serão esquecidos.
Bobbio chamou de a Era dos Direitos, uma longa caminhada da humanidade em direção a
maior liberdade e maior igualdade possível.




                                                                                         20
Bibliografia:


  •   Bobbio, Norberto. A era dos direitos, Apresentação de Celso Lafer, Elsevier,
      1992.




                                                                                     21

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A Era dos Direitos segundo Norberto Bobbio

  • 1. UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE COMUNICAÇÃO SOCIAL HAB. AUDIOVISUAL SOCIOLOGIA A ERA DOS DIREITOS ALUNA: EDELDE SANTOS RAMOS PROFESSOR: ARIOVALDO SÃO CRISTOVÃO/SE 2010 4
  • 2. UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE COMUNICAÇÃO SOCIAL HAB. AUDIOVISUAL SOCIOLOGIA A ERA DOS DIREITOS Trabalho de Sociologia sobre o A Era dos Direitos de autoria de Norberto Bobbio, apresentando um resumo da primeira e segunda parte do livro. ALUNA: EDELDE SANTOS RAMOS PROFESSOR: ARIOVALDO SÃO CRISTOVÃO/SE 2010 5
  • 3. SUMÁRIO I - INTRODUÇÃO ....................................................................................................... 4 II - SOBRE OS FUNDAMENTOS DOS DIREITOS DO HOMEM ....................... 5 III - PRESENTE E FUTURO DOS DIREITOS DO HOMEM ............................... 9 IV- A ERA DOS DIREITOS ..................................................................................... 11 V - DIREITO DO HOMEM E SOCIEDADE .......................................................... 12 VI - A REVOLUÇÃO FRANCESA E OS DIREITOS DO HOMEM .................. 13 VII - A HERANÇA DA GRANDE REVOLUÇÃO ................................................. 15 VIII – CONCLUSÃO ................................................................................................. 17 6
  • 4. I – INTRODUÇÃO No livro “A Era dos Direitos, que fala de direitos humanos e na luta por igualdade e justiça, Norberto Bobbio deixa lições importantes, apontando a formação da verdadeira era dos direitos e as conquistas neste sentido. Começa a remontar a história da geração da Revolução Francesa e o início das reinvidicações pelos direitos do homem. O primeiro artigo do livro é resultado de uma conferência que Bobbio ministrou no ano de 1951 em Turim (Itália) sobre a Declaração Universal dos Direitos do Homem. Bobbio enuncia três teses nesse primeiro artigo: A primeira tese é de que os Direitos Naturais são direitos históricos. A segunda tese é a de que os direitos nascem no início da Era Moderna, juntamente com a concepção individualista de sociedade. E a terceira é a de que os Direitos tornam-se um dos principais indicadores do progresso histórico das sociedades. Na segunda parte do livro Bobbio reúne três artigos de discursos pronunciados sobre os Direitos do Homem e a Revolução Francesa. Norberto Bobbio ficou conhecido por suas contribuições sobre a teoria política, foi classificado como o pensador italiano mais famoso do mundo. A preocupação maior no livro não seria apenas de definir ou justificar os direitos do homem, mas, de protegê-los. A diferença entre a teoria e a prática na defesa dos direitos humanos é enorme, e constitui tarefa da política e da sociologia peneirar as dificuldades a serem vencidas para a execução do mínimo de direitos tanto na prática quanto na teoria. É claro, no pensamento de Bobbio, há relatividade dos direitos humanos. Ele assegura claramente que não se trata de uma categoria de direitos homogêneos, únicos e, muito menos, absolutos ou eternos. Uma das principais dúvidas que destroem o respeito à pessoa humana, na defesa do direito à vida, é a polêmica em torno da pena de morte. E Bobbio é coerente em afirmar sua contrariedade à aplicação da pena de morte, por achar que o Estado não pode reagir com o mesmo tipo de arma que o indivíduo, que a tolerância deve ser sagrada para a sociedade, e, por fim, que a defesa do mandamento “não matarás” deve ser levada a sério. 7
  • 5. II – SOBRE OS FUNDAMENTOS DOS DIREITOS DO HOMEM Norberto Bobbio evidencia a divisão dos direitos humanos em gerações, na obra A ERA DOS DIREITOS, divisão que passou a ser considerada costumeira, adotada pelos estudiosos do direito em todo o mundo. Na formação do Estado moderno houve, na relação política, uma inversão: da prioridade dos deveres dos súditos passou-se à prioridade dos direitos do cidadão – a relação política, encarada pelo ângulo do soberano passa a ser encarada pelo ângulo do cidadão. Do homem abstrato ao homem concreto, com diferentes e específicas carências e interesses, para serem reconhecidos e protegidos, correspondendo a teoria individualista da sociedade. A inversão de perspectiva torna-se irreversível, provocada, no início da era moderna, principalmente pelas guerras de religião, onde se vai afirmando o direito de resistência à opressão, que pressupõe o direito a não ser oprimido. Pressupõe algumas liberdades fundamentais: fundamentais porque naturais e não dependem da aprovação do soberano. A grande reviravolta teve início no Ocidente a partir da compreensão cristã da vida, segundo a qual todos os homens são irmãos enquanto filhos de Deus. Mas, na realidade, a fraternidade não tem, por si mesma, um valor moral. Tanto a história sagrada quanto a profana mais próxima de nós nascem ambas de um fratricídio. A doutrina filosófica que fez do indivíduo, e não mais da sociedade, o ponto de partida para a construção de uma doutrina da moral e do direito foi o jusnaturalismo, que pode ser considerado, sob muitos aspectos, a secularização da ética cristã. A concepção individualista custou a abrir caminho, considerada fomentadora de desunião, discórdia, ruptura da ordem constituída. A finalidade do Estado é a luta contra as facções que, dilacerando o corpo político, o matam. A definição mais apropriada de Justiça é a platônica, para a qual cada uma das partes de que é composto o corpo social deve desempenhar a função que lhe é própria. Primeiro o individuo singular, com valor em si mesmo, depois o Estado. O Estado é feito pelo indivíduo e este não é feito pelo Estado. Nessa inversão da relação entre indivíduo e Estado, é invertida também a relação tradicional entre direito e dever. Em relação aos indivíduos, doravante, primeiro vêm os direitos, depois os deveres. Em relação ao Estado, primeiro os deveres, depois os direitos. O individualismo é a base filosófica da democracia: uma cabeça, um voto. Podem objetar que o reconhecimento do indivíduo como sujeito de direitos é um traço 8
  • 6. característico do direito romano, na época clássica. Mas apenas como sujeito econômico, titular de direitos sobre as coisas e capaz de intercambiar bens com outros sujeitos econômicos dotados da mesma capacidade. O fundamento para o reconhecimento dos direitos do homem ocorre quando esse reconhecimento se amplia da esfera das relações econômicas interpessoais para as relações de poder entre príncipe e súditos, quando nascem os direitos públicos subjetivos, que caracterizam o Estado de direito. Quando ocorre a passagem final do ponto de vista do príncipe para o ponto de vista dos cidadãos. Os direitos são desejáveis mas não foram ainda todos eles, por toda a parte e em igual medida, reconhecidos. Encontrar um fundamento absoluto seria um meio para obter um mais amplo reconhecimento. Entre os jusnaturalistas, por muito tempo, ardeu a disputa sobre qual das três soluções possíveis quanto à sucessão dos bens era a mais natural, devendo ser preferida: • o retorno dos bens à comunidade: membro de uma comunidade, da qual sua vida depende; • a transmissão de pai para filho: pai de família, voltado por instinto natural para a continuação da espécie; • dispor o proprietário livremente dos seus bens: livre e autônomo, único responsável pelas próprias ações e pelos próprios bens. Essa ilusão já não é possível, hoje. Existem quatro dificuldades: 1ª. “direitos do homem” é uma expressão muito vaga. Não é possível elaborar uma categoria de direitos do homem que tenha contornos nítidos. É impossível dar uma noção precisa. 2ª. Os direitos do homem constituem uma classe variável – Modificaram-se e continuam a se modificar, com a mudança das condições históricas. Direitos declarados absolutos no final do século XVIII, como a propriedade sacre et inviolable, foram radicalmente limitados nas declarações contemporâneas. Os direitos sociais, que as declarações do século XVIII nem sequer mencionavam, são agora proclamados com grande ostentação nas recentes declarações. No futuro poderão emergir novas pretensões que no momento nem imaginamos, como o direito a não portar armas contra a própria vontade, ou o de respeitar a vida também dos animais e não só dos homens. O que prova que não existem direitos fundamentais por natureza. O que parece fundamental numa época histórica e certa civilização não é fundamental em outras épocas e culturas. Não é possível atribuir um fundamento absoluto a direitos historicamente relativos. 9
  • 7. 3ª. Heterogeneidade: Entre os direitos proclamados na Declaração há pretensões muito diversas entre si e até mesmo incompatíveis. Assim, não deveríamos falar de fundamento, mas de fundamentos. Há direitos que valem em qualquer situação e para todos os homens indistintamente, havendo a exigência de não serem limitados nem diante de casos excepcionais. São direitos privilegiados porque não são postos em concorrência com outros direitos, ainda que também fundamentais. Mas são bem poucos, entre os fundamentais, os que não são suspensos em nenhuma circunstância, nem negados para determinada categoria de pessoas. A afirmação de um novo direito para determinadas pessoas suprime algum velho direito, do qual se beneficiavam outras pessoas. A eliminação do direito de não ser escravizado implica na eliminação do direito de possuir escravos. A escolha parece fácil, porque consideramos evidente em moral o que não precisa ser justificado. Mas, na maioria dos casos, a escolha é duvidosa e exige ser motivada. Porque tanto o direito que se afirma como o que é negado tem boas razões. A dificuldade da escolha se resolve com a introdução dos limites à extensão de um dos dois direitos, salvaguardando também o outro. Direitos com eficácia tão diversa não podem ter o mesmo fundamento. Sobretudo, não podem ter um fundamento absoluto, que não permita dar uma justificação válida para sua restrição. Numa concepção orgânica da sociedade, as partes estão em função do todo, a finalidade é a conservação do todo. Nela não haveria lugar para direitos que não só a precederiam, mas que até mesmo pretenderiam manter-se fora dela, submetê-la às suas próprias exigências. Invertendo essa relação entre o todo e as partes, a concepção individualista da sociedade e da história afirma que primeiro vem o indivíduo. Não o individuo para a sociedade, mas a sociedade para o indivíduo. Formula a hipótese de um estado originário sem sociedade nem Estado, que é uma exigência da razão, não uma constatação de fato ou um dado histórico. Uma origem não histórica e sim ideal. Uma hipótese que permite inverter radicalmente a concepção tradicional onde o poder político procede de cima para baixo e não vice-versa. Numa concepção individualista, o todo é o resultado da livre vontade das partes Para que pudesse ocorrer a inversão de ponto de vista, da qual nasce o pensamento político moderno, era preciso abandonar a teoria tradicional, o “modelo aristotélico”, onde o homem é um animal político que nasce num grupo social, a família, e aperfeiçoa sua própria natureza naquele grupo social maior, auto-suficiente por si mesmo, a polis. Era também preciso considerar o indivíduo em si mesmo, fora de qualquer vínculo social e político, num estado como o de natureza – estado de liberdade e igualdade perfeitas, ainda que hipotéticas. Estado 10
  • 8. anterior a toda forma organizada de sociedade, um estado originário. O estado civil sendo um estado natural (como a família), mas artificial, consciente e intencionalmente construído pela união voluntária dos indivíduos naturais. Para fundar os direitos do homem, Paine oferece uma justificação religiosa: transcender a história e chegar ao momento da origem, quando o homem surgiu das mãos do Criador. O homem, antes de ter direitos civis, que são o produto da história, teria direitos naturais, que os precedem; e esses direitos naturais são o fundamento de todos os direitos civis. Nunca será suficientemente enfatizada a importância histórica dessa inversão. Da concepção individualista da sociedade, nasce a democracia moderna, não como “o poder do povo”, e sim como o poder dos indivíduos tomados um a um, de todos os indivíduos que compõem uma sociedade regida por algumas regras essenciais, atribuindo a cada um, como a todos, o direito de participar livremente na tomada das decisões coletivas, que obrigam toda a coletividade. A democracia moderna repousa na soberania não do povo, mas dos cidadãos. O povo é uma abstração, freqüentemente utilizada para encobrir realidades muito diversas. Numa democracia moderna, quem toma as decisões coletivas, direta ou indiretamente, são sempre os cidadãos singulares, quando depositam o seu voto na urna. Não é um corpo coletivo. A regra da maioria é a regra fundamental do governo democrático. A maioria é o resultado da soma aritmética, onde se somam os votos de indivíduos singulares. A história da geração dos direitos tem início com os iluministas e o jusnaturalismo, com a Revolução Francesa e sua Declaração de Direitos como modelo para novas diretrizes nas constituições modernas. A partir de então, há um novo entendimento, uma nova percepção histórica, a inversão da aristotélica, dominante na antiguidade e na era medieval. Onde o Estado predominava sobre o indivíduo, passa a o indivíduo prevalecer sobre o Estado – a concepção individualista do direito. O problema grave de nosso tempo, com relação aos direitos do homem, não é mais o de fundamentá-los, e sim o de protegê-los. É saber qual o modo mais seguro para garanti-los, para impedir que, apesar das solenes declarações, eles sejam continuamente violados. 11
  • 9. III - PRESENTE E FUTURO DOS DIREITOS DO HOMEM O problema atualmente não se encontra em definir ou fundamentar a natureza dos direitos do homem, e sim, em saber qual a maneira mais eficaz de defendê-los. Há três modos de fundar os valores: 1. deduzi-los de um dado objetivo constante, como, por exemplo, a natureza humana; 2. considerá-los como verdades evidentes em si mesmas; 3. eles serem, num dado período histórico, geralmente aceitos – a prova do consenso. O primeiro modo nos ofereceria a maior garantia de sua validade universal, elemento inflexível e inalterável. Na história do jusnaturalismo, a natureza humana foi interpretada dos mais diferentes modos, mesmo diversos entre si. O segundo modo tem a seguinte peculiaridade: o que foi considerado evidente por alguns, num dado momento, não é mais considerado como evidente por outros, em outro momento. Hoje, quem não pensa que é evidente que não se deve torturar os prisioneiros? Mas, durante séculos, a tortura foi aceita e defendida como um procedimento judiciário normal. O terceiro modo consiste em mostrar que são apoiados no consenso: um valor é tanto mais fundado quanto mais é aceito. É um fundamento histórico. Como tal, não absoluto. Mas é o único que pode ser factualmente comprovado. Com a Declaração Universal dos Direitos do Homem, um sistema de valores é – pela primeira vez na história – universal, não em princípio, mas de fato. A idéia de que o homem tem direitos, por natureza, que ninguém, nem mesmo o Estado, lhe pode subtrair, nem ele próprio alienar, foi elaborada pelo jusnaturalismo moderno, segundo o qual os homens são livres e iguais, e o estado civil uma criação artificial. As primeiras palavras da Declaração Universal dos Direitos do Homem conservam um eco dessa hipótese: “Todos os homens nascem livres e iguais em dignidade e direitos”. Bobbio: “A liberdade e a igualdade dos homens não são um dado de fato, mas um ideal a perseguir. Não são uma existência, mas um valor. Não são um ser, mas um dever ser.” Enquanto teorias filosóficas, as primeiras afirmações dos direitos do homem são universais no conteúdo, na medida em que se dirigem a um homem racional fora do espaço e do tempo, mas são extremamente limitadas em relação à sua eficácia, na medida em que são propostas para um futuro legislador. Essas teorias são acolhidas pela primeira vez por um legislador, nas Declarações de Direitos do Estados Norte-americanos e na Revolução Francesa, e postas na base de uma nova 12
  • 10. concepção de Estado – não mais absoluto, mas, limitado. O Estado deixa de ser o fim em si mesmo e passa a ser o meio para alcançar fins que são postos antes e fora de sua própria existência. Na passagem da teoria à prática, do direito pensado para o direito realizado, a afirmação dos direitos do homem ganha em concreticidade, mas perde em universalidade. São daí por diante protegidos (positivos), mas valem apenas no âmbito do Estado que o reconhece. Não são mais direitos do homem, mas do cidadão. Do homem enquanto cidadão deste ou daquele Estado particular. Com a Declaração de 1948, tem início uma fase na qual a afirmação dos direitos é, ao mesmo tempo, universal e positiva. Universal porque os destinatários dos princípios não são mais os cidadãos deste ou daquele Estado, mas todos os homens. Positiva porque põe em movimento um processo em que os direitos são protegidos até mesmo contra o próprio Estado que os tenha violado. No final deste processo, os direitos do cidadão terão se transformado, realmente, positivamente, em direitos do homem. Ao menos, do cidadão daquela cidade que não tem fronteiras, porque compreende toda a humanidade – cidadão do mundo. A Declaração Universal contém em sua origem a síntese de um movimento dialético que começa pela universalidade abstrata dos direitos naturais, ideal comum a ser alcançado por todas as nações, transforma-se na particularidade concreta dos direitos positivos e termina na universalidade não mais abstrata, mas também concreta, dos direitos positivos. Enquanto apenas considerados direitos naturais, a única defesa possível contra sua violação pelo Estado era o direito de resistência – também considerado natural. Assim, aos cidadãos de Estados que não tenham reconhecidos os direitos do homem, resta o direito de resistência. A Declaração Universal não se pretende definitiva. Os direitos humanos são históricos, emergindo gradualmente das lutas que o homem trava por sua própria emancipação e das condições de vida que essas lutas produzem. A expressão “direitos do homem” pode remeter a um homem abstrato, essencial e eterno, e subtraídos ao fluxo da história. Mas os direitos humanos são o produto da civilização humana, porque históricos. Mutáveis (suscetíveis de transformação e de ampliação). 13
  • 11. IV – A ERA DOS DIREITOS São características de nosso tempo e despertam preocupações com o futuro da humanidade, especialmente: • O aumento cada vez maior e incontrolado da população; • O aumento cada vez mais rápido e incontrolado da degradação do meio ambiente; • O aumento cada vez mais rápido, incontrolado e insensato do poder destrutivo dos armamentos. Porém, a crescente importância atribuída, nos debates internacionais, ao problema do reconhecimento dos direitos do homem é um sinal positivo. Somente depois da Segunda Guerra Mundial esse problema passou da esfera nacional para a internacional, envolvendo, pela primeira vez na história, todos os povos. Bobbio suscita diversas vezes o problema do reconhecimento dos direitos do homem, enfatizando que após a segunda guerra mundial é que esse problema se internacionalizou, passsando a abranger todos os povos. Reforçaram-se cada vez mais os três processos de evolução na história dos direitos do homem: conversão em direito positivo, generalização, internacionalização. São várias as perspectivas que se podem abordar para tratar do tema dos direitos do homem. A partir da filosofia da história, os eventos se tornam sinais ou indícios reveladores de um processo, com uma perspectiva finalista oculta, ainda que o historiador não tenha plena consciência disso. O homem é um animal teleológico, que atua geralmente em função de finalidades projetadas no futuro. Levando-se em conta a finalidade de uma ação pode-se compreender seu “sentido”. A perspectiva da filosofia da história representa a transposição dessa interpretação finalista da ação de cada indivíduo para a humanidade em seu conjunto, como se a humanidade fosse um indivíduo ampliado, ao qual atribuímos as características do indivíduo reduzido. Definindo o direito natural como o direito que todo homem tem de obedecer apenas à lei de que ele mesmo é legislador, Kant dava uma definição da liberdade como autonomia, como poder de legislar para si mesmo. Afirmara que o direito como a faculdade moral de obrigar outros, tem o homem direitos inatos e adquiridos. O único direito inato, ou seja, transmitido pela natureza, não por uma autoridade constituída, é a liberdade: a liberdade como autonomia. Do ponto de vista da filosofia da história, o atual debate sobre os direitos do homem, cada vez mais amplo (envolvendo todos os povos da Terra) e intenso (posto na ordem do dia pelas mais 14
  • 12. autorizadas assembléias internacionais) pode ser interpretado como um “sinal premonitório” do progresso moral da humanidade. A história humana é imprecisa, com respostas diversas segundo quem a interroga e o ponto de vista adotado por quem a interroga. Mas não podemos deixar de nos interrogar sobre o destino do homem. V – DIREITO DO HOMEM E SOCIEDADE Como visto, foi com o final da segunda guerra que se deu o desenvolvimento (multiplicação e universalização) dos direitos do homem. Este capítulo se reserva à análise do processo de multiplicação desses direitos, enquanto fenômenos sociais. Bobbio explica que essa multiplicação se deu por três razões: aumentaram a quantidade de bens a serem tutelados; a titularidade de alguns direitos foi ampliada; houve especificação de categorias de tratamento do homem. Esses três processos são interdependentes, ou seja, o reconhecimento de novos direitos requer, na maioria das vezes o aumento de direitos. A doutrina dos direitos do homem nasceu do jusnaturalismo que, com o fim justificar direitos do homem independentemente do Estado, parte de poucos direitos, porém, essenciais: o direito à vida, à liberdade e à propriedade, como formas de sobrevivência. Já Kant considera que o direito do homem natural à liberdade englobaria os demais. Com isso, os direitos do homem, principalmente quanto aos direitos sociais, sofrem de grande defasagem entre a norma e a sua efetiva aplicação, que deverá ser quantificada e reduzida pelos sociólogos do direito. Ainda, deve haver empenho das forças políticas para a superação desse problema. O crescimento dos direitos sociais está diretamente relacionado à transformação da sociedade. A esmagadora maioria de normas sobre os direitos do homem, como as emanadas de órgãos internacionais, não são sequer programáticas. Ou não o são enquanto não forem ratificadas por Estados particulares. Somente dois quintos dos Estados-membros das Nações Unidas ratificaram, nas duas Convenções internacionais sobre os direitos do homem, as declarações. E existem grandes diferenças entre os Estados do Primeiro, do Segundo e do Terceiro Mundos. As cartas de direitos, no âmbito do sistema internacional, são expressões de boas intenções, ou diretivas de ação orientadas para um futuro indeterminado e incerto. 15
  • 13. “Direito” é um termo da linguagem normativa, na qual se fala de normas e sobre normas. A existência de um direito implica sempre a existência de um sistema normativo. A figura do direito tem como correlato a figura da obrigação. Obrigações morais, naturais e positivas, bem como os respectivos direitos relativos, pertencem a sistemas normativos diversos. Para dar sentido a termos como obrigação e direito, é preciso inseri-los num contexto de normas, independentemente de qual seja a natureza desse contexto. Do ponto de vista de um ordenamento jurídico, os chamados direitos naturais ou morais não são propriamente direitos, mas exigências que buscam validade a fim de se tornarem eventualmente direitos num novo ordenamento normativo. Uma coisa é um direito; outra, a promessa de um direito futuro. Uma coisa é um direito atual; outra, um direito potencial. VI - A REVOLUÇÃO FRANCESA E OS DIREITOS DO HOMEM A maior parte dos direitos sociais, exibidos em todas as declarações nacionais e internacionais, permaneceu no papel. A linguagem dos direitos tem a função de emprestar uma força particular às reivindicações dos movimentos que demandam a satisfação de novos carecimentos materiais e morais. Mas ela engana se obscurece a diferença entre o direito reivindicado e o direito reconhecido e protegido. A fé de Kant no progresso indefinido da humanidade, no triunfo final da liberdade e da paz com justiça, não foi abalada pelas desordens na França, pelas guerras daquele tempo, pelo pessimismo dos juristas e homens de Estado. Pareceu-lhe que somente o filósofo fosse capaz de entender as vozes ocultas da história, medir o grau de desenvolvimento a que chegara a humanidade, entrever o curso futuro dos eventos, indicar as diretivas para as reformas civis e políticas. O ponto central da tese kantiana é que tal disposição moral se manifesta na afirmação do direito – um direito natural – que tem um povo a não ser impedido por outras forças, de se dar a Constituição civil que creia ser boa. Para Kant, essa Constituição só pode ser republicana, única Constituição capaz de evitar a guerra. Para Kant, a força e a moralidade da Revolução residem na afirmação desse direito do povo a se dar livremente uma Constituição em harmonia com os direitos naturais dos indivíduos singulares, de modo tal que aqueles que obedecem às leis devem também se reunir para legislar. O conceito mesmo de honra, próprio 16
  • 14. da antiga nobreza guerreira, esvai-se diante das armas dos que tinham em vista o direito do povo a que pertenciam. Kant sabia que a mola do progresso não é a calmaria, mas o conflito. Todavia, compreendera que existe um limite para além do qual o antagonismo se faz demasiadamente destrutivo, tornando-se necessário um autodisciplinamento do conflito, que possa chegar até a constituição de um ordenamento civil universal. Kant tinha originariamente prefigurado o direito de todo homem a ser cidadão não só do seu próprio Estado, mas do mundo inteiro. Além disso, havia representado toda a Terra como uma potencial cidade do mundo. Kant reconheceu, no movimento da França, o sinal premonitório de uma nova ordem mundial. Diante da ambigüidade da história, talvez o único sinal de um confiável movimento histórico para o melhor seja o crescente interesse dos cultos e das próprias instâncias internacionais por um reconhecimento cada vez maior, e por uma garantia cada vez mais segura, dos direitos do homem. Hegel, por sua vez, considerou a Revolução como uma "esplêndida aurora", "como se então tivesse finalmente ocorrido a verdadeira conciliação do divino com o mundo". Convicto de que com a Revolução iniciou-se uma política de afirmação dos direitos naturais (liberdade e igualdade). Apesar da crise dos fundamentos, a maior parte dos governos proclama uma Declaração Universal dos Direitos do Homem. Depois dessa declaração, o problema dos fundamentos perdeu grande parte do seu interesse. O problema em relação aos direitos do homem, hoje, não é tanto o de justificá-los, mas o de protegê-los. Trata-se de um problema não filosófico, mas jurídico e, num sentido mais amplo, político. A Declaração Universal é um marco. Com direitos a serem garantidos e atualizados, aperfeiçoados, continuamente. Gerou e está para gerar outros documentos (interpretativos ou complementares do documento inicial). Como por exemplo: Declaração dos Direitos da Criança, Convenção sobre os Direitos Políticos da Mulher, Declaração de 20/11/1963 (seguida, dois anos depois, por uma Convenção) - eliminação de todas as formas de Discriminação racial, em onze artigos, Convenções sobre o trabalho e a liberdade sindical, Convenção para a Prevenção e Repressão do Genocídio, Declaração sobre a Concessão da Independência aos Países e Povos Coloniais. 17
  • 15. O importante não é fundamentar os direitos do homem, mas protegê-los. Para protegê-los, não basta proclamá-los. Os direitos do homem não são absolutos, nem constituem uma categoria homogênea. Por “valor absoluto” o estatuto que cabe a pouquíssimos direitos do homem, válidos em todas as situações e para todos os homens, sem distinção. É preciso partir da afirmação de que não se pode instituir um direito em favor de uma categoria de pessoas sem suprimir um direito de outras categorias de pessoas. O direito a não ser escravizado implica a eliminação do direito de possuir escravos, assim como o direito de não ser torturado implica a eliminação do direito de torturar. Esses dois direitos podem ser considerados absolutos. Na Convenção Européia dos Direitos do Homem, ambos esses direitos são explicitamente excluídos da suspensão da tutela que atinge todos os demais direitos em caso de guerra ou de outro perigo público. Porque, desde quando passaram a ser considerados como direitos do homem, além dos direitos de liberdade, também os direitos sociais, o conjunto passou a conter direitos entre si incompatíveis: a proteção não pode ser concedida sem que seja restringida ou suspensa a proteção de outros. Segundo Bobbio: As sociedades reais são mais livres na medida em que menos justas e mais justas na medida em que menos livres. A cada dia conquistamos uma fatia de poder em troca de uma de liberdade. VII - A HERANÇA DA REVOLUÇÃO FRANCESA O autor destaca o marco histórico representado pela Revolução Francesa, visto que esta representou o fim do regime feudal e a aprovação da Declaração dos Direitos do Homem. A Declaração foi precedida pelos Bill of Rights, que eram declarações de algumas colônias norte-americanas contra a metrópole. Muitos autores fazem comparações, de fato e valor, entre as duas, o que não é produtivo segundo Bobbio, que afirma não ser possível comparar uma guerra de independência com a derrubada de um regime político e de uma ordem social. Pode-se afirmar, no entanto, que os norte-americanos desempenharam papel importante na elaboração da declaração francesa. Nesse ponto, há uma distinção entre o conteúdo da declaração e a idéia de declaração que precederia uma Constituição. Com relação à idéia, a influência da declaração americana é inquestionável. Já quanto ao conteúdo, não se pode deixar de frisar que ambos derivaram do direito natural. Dessa forma, considera-se que o homem possui direitos anteriores à instituição 18
  • 16. do poder civil, mas que deverão ser respeitados e reconhecidos por esse poder. São direitos imprescritíveis, ou seja, não se perdem pelo não exercício. O reconhecimento desses direitos originários representou grande revolução nas políticas. Na Idade Média, a relação política era desigual, isto é, os governantes gozavam de superioridade perante os demais indivíduos. Para que ocorresse a inversão desse conceito, foi necessário que se abandonasse a teoria tradicional, representada pelo modelo de Aristóteles (segundo o qual o homem é visto como um animal político e social). Foi necessário que se tomasse um estado anterior às formas de sociedade organizada, um estado originário, como ponto de nascimento e fundamento do estado civil (não mais um estado natural). Seria um estado artificial, construído pelos indivíduo naturais. Dessa forma, quando os indivíduos eram considerados como membros de um grupo social originalmente, não nasciam livres nem iguais. Somente utilizando o conceito de estado originário (no qual os homens se submetem apenas às leis naturais) é que se pode afirmar e efetivar o seguinte conteúdo do artigo 1º da Declaração Universal dos Direitos do Homem: "Todos os homens nascem livres e iguais em dignidade e direitos". Como se pode observar, houve vidente inversão de perspectiva, passando o poder político a proceder de baixo para cima, e não o inverso. Dessa inversão de perspectiva, temos o nascimento da democracia moderna, em detrimento de concepções individualistas. A democracia não mais considerada como o "poder do povo", mas sim como o poder dos indivíduos individualmente, de todos os indivíduos que compõem a sociedade, regidos por regras, onde cada um possui o direito de participar da tomada de decisões. A democracia moderna encontra sua base nos cidadãos. Concluindo, as Constituições consideradas democráticas devem conter direitos individuais e, ainda, considerar que a liberdade dos cidadãos singulares está acima do poder do governo. Ainda, deverá considerar que esses cidadãos controlam, de acordo com suas liberdades, o poder dos governantes. 19
  • 17. VIII – CONCLUSÃO Bobbio não se cansou de reverenciar a não violência ativa como forma legítima de transformação social. Ele escolheu a serenidade como grande virtude dos dias atuais. Trouxe importantes contribuições para se pensar os problemas do direito do homem e as vias para a paz. Argumenta o autor que quem crê na bondade da tolerância o faz porque crê na sua fecundidade, e considera que o único modo de fazer com que o intolerante aceite a tolerância é o reconhecimento do seu direito de expressar. Sem dúvidas, Bobbio apresenta a Filosofia do Direito através deste livro, como um conhecedor da matéria muito competente. Os ensinamentos, seu modo de pensar, seu belo conceito de Justiça e Liberdade, e acima de tudo, sua fortíssima noção de realidade, nunca serão esquecidos. Bobbio chamou de a Era dos Direitos, uma longa caminhada da humanidade em direção a maior liberdade e maior igualdade possível. 20
  • 18. Bibliografia: • Bobbio, Norberto. A era dos direitos, Apresentação de Celso Lafer, Elsevier, 1992. 21