O documento trata de um recurso especial interposto pelo INSS contra decisão do Tribunal Regional Federal da 4a Região que reconheceu a legitimidade do Ministério Público Federal para propor ação civil pública em defesa de direitos individuais homogêneos dos beneficiários da Previdência Social. A relatora do recurso apresenta os argumentos do INSS contra a legitimidade do MPF e expõe entendimento atual do STJ, mas defende nova reflexão sobre o tema, levando em conta o relevante interesse social envolvido em ações prev
1. Superior Tribunal de Justiça
RECURSO ESPECIAL Nº 1.142.630 - PR (2009/0102844-1)
RECORRENTE : INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
PROCURADOR : FABIANO HASELOF VALCANOVER E OUTRO(S)
RECORRIDO : MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
RECORRIDO : ASSOCIAÇÃO DOS APOSENTADOS E PENSIONISTAS DO
BRASIL
ADVOGADO : MARCELO AUGUSTO ANGIOLETTI E OUTRO(S)
RELATÓRIO
A EXMA. SRA. MINISTRA LAURITA VAZ (RELATORA):
Trata-se de recurso especial interposto pelo INSTITUTO NACIONAL DO
SEGURO SOCIAL - INSS, com fundamento nas alíneas a e c do permissivo constitucional, em
face de acórdão do Tribunal Regional Federal da 4.ª Região, ementado, essencialmente, nos
seguintes termos, in verbis:
"MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA.
BENEFICIÁRIOS DA PREVIDÊNCIA SOCIAL. LEGITIMIDADE ATIVA.
O Ministério Público Federal tem legitimidade para propor ação
civil pública em defesa de direitos individuais homogêneos dos beneficiários
da Previdência Social. Precedentes desta Corte e do STF.
Sendo o Ministério Público Federal autor da ação civil pública,
desnecessária sua atuação como custos legis, conforme decidiu esta 5ª
Turma por ocasião do julgamento da Apelação Cível nº
2002.72.05.001195-1/SC, Rel. Juiz Federal Luiz Antonio Bonat, D.E. de
13-05-2008.
PREVIDENCIÁRIO. REVISÃO DE BENEFÍCIO. RENDA MENSAL
INICIAL. IRSM DE FEVEREIRO DE 1994 (39,67%).
'O cálculo da renda mensal inicial de benefício previdenciário
concedido a partir de março de 1994 inclui a variação integral do IRSM de
fevereiro de 1994 (39,67%)', nos termos da Súmula 77 deste TRF/4ª Região.
[...]." (fl. 175)
Nas razões do recurso especial, além de dissídio pretoriano, aponta o INSS
violação aos arts. 1.º, 2.º e 6.º, todos da Lei Complementar n.º 75/93, bem como ao art. 21 da Lei
n.º 7.347/85 c.c os arts. 81, 82 e 92, da Lei n.º 8.078/90.
Pugna pela extinção do feito sem julgamento do mérito, alegando a ilegitimidade
do Ministério Público Federal para promover ação civil pública pertinente a reajustes e revisões
de benefícios previdenciários.
Aduz, inicialmente, que os direitos relativos a benefícios previdenciários são
disponíveis, e que a Constituição Federal, em seu art. 127, atribui ao Ministério Público a defesa
dos interesses sociais e individuais indisponíveis. Assim, entende que, ausente o caráter da
indisponibilidade, não estaria o Órgão Ministerial legitimado para a propositura da ação civil
pública (fls. 196/197).
Sustenta a ilegitimidade do Ministério Público para a defesa de qualquer
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2. Superior Tribunal de Justiça
direito individual homogêneo, asseverando que, uma interpretação sistemática, sob o prisma
da Constituição Federal (arts. 127 e 129, III), levando em conta a ordem cronológica em que
foram editados os principais diplomas que tratam das funções do Ministério Público, conduz à
conclusão de que não é função do Parquet a proteção de direitos individuais, ainda que
homogêneos, e que o Ministério Público "somente possui legitimidade para a ACP destinada à
defesa de interesses ou direitos difusos ou coletivos – ou seja – não a tem quanto aos
interesses ou direitos individuais homogêneos, pois destes não cogita a CF/88 (art. 129,
III), nem a LC n. 75/93 (art. 83, III)" (fls. 198/199).
Alega, ainda, a ilegitimidade ad causam do Ministério Público para defesa de
direitos individuais homogêneos sem relação de consumo, bem como a inadequação da
ação civil pública para tal fim. Para tanto, aduz que a ação civil pública, embora sirva para a
defesa do consumidor, não serve para a defesa de direitos individuais homogêneos de outras
espécies de interesses, como, no caso, os interesses dos segurados da Previdência Social, por
falta de previsão legal (fl. 202), e, ainda, que "a relação jurídica entre os benefíciários e o
INSS nada tem de relação de consumo, uma vez que não se trata de fornecimento de bens
ou serviços" (fl. 206).
Oferecidas as contrarrazões (fls. 229/235), e admitido o recurso na origem,
ascenderam os autos à apreciação desta Corte.
É o relatório.
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3. Superior Tribunal de Justiça
RECURSO ESPECIAL Nº 1.142.630 - PR (2009/0102844-1)
EMENTA
PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. RECURSO
ESPECIAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA DESTINADA À TUTELA DE
DIREITOS DE NATUREZA PREVIDENCIÁRIA (NO CASO, REVISÃO DE
BENEFÍCIOS). EXISTÊNCIA DE RELEVANTE INTERESSE SOCIAL.
LEGITIMIDADE ATIVA AD CAUSAM DO MINISTÉRIO PÚBLICO.
RECONHECIMENTO.
1. Para fins de tutela jurisdicional coletiva, os interesses individuais
homogêneos classificam-se como subespécies dos interesses coletivos, previstos
no art. 129, inciso III, da Constituição Federal. Precedentes do Supremo Tribunal
Federal. Por sua vez, a Lei Complementar n.º 75/93 (art. 6.º, VII, a) e a Lei n.º
8.625/93 (art. 25, IV, a) legitimam o Ministério Público à propositura de ação civil
pública para a defesa de interesses individuais homogêneos, sociais e coletivos.
Não subsiste, portanto, a alegação de falta de legitimidade do Parquet para a
ação civil pública pertinente à tutela de direitos individuais homogêneos, ao
argumento de que nem a Lei Maior, no aludido preceito, nem a Lei Complementar
75/93, teriam cogitado dessa categoria de direitos.
2. A ação civil pública presta-se à tutela não apenas de direitos
individuais homogêneos concernentes às relações consumeristas, podendo o seu
objeto abranger quaisquer outras espécies de interesses transindividuais (REsp
706.791/PE, 6.ª Turma, Rel.ª Min.ª MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA,
DJe de 02/03/2009).
3. Restando caracterizado o relevante interesse social, os direitos
individuais homogêneos podem ser objeto de tutela pelo Ministério Público
mediante a ação civil pública. Precedentes do Pretório Excelso e da Corte
Especial deste Tribunal.
4. No âmbito do direito previdenciário (um dos seguimentos da
seguridade social), elevado pela Constituição Federal à categoria de direito
fundamental do homem, é indiscutível a presença do relevante interesse social,
viabilizando a legitimidade do Órgão Ministerial para figurar no polo ativo da ação
civil pública, ainda que se trate de direito disponível (STF, AgRg no RE AgRg/RE
472.489/RS, 2.ª Turma, Rel. Min. CELSO DE MELLO, DJe de 29/08/2008).
5. Trata-se, como se vê, de entendimento firmado no âmbito do Supremo
Tribunal Federal, a quem a Constituição Federal confiou a última palavra em
termos de interpretação de seus dispositivos, entendimento esse aplicado no
âmbito daquela Excelsa Corte também às relações jurídicas estabelecidas entre os
segurados da previdência e o INSS, resultando na declaração de legitimidade do
Parquet para ajuizar ação civil pública em matéria previdenciária (STF, AgRg no
AI 516.419/PR, 2.ª Turma, Rel. Min. GILMAR MENDES, DJe de 30/11/2010).
6. O reconhecimento da legitimidade do Ministério Público para a ação
civil pública em matéria previdenciária mostra-se patente tanto em face do
inquestionável interesse social envolvido no assunto, como, também, em razão da
inegável economia processual, evitando-se a proliferação de demandas individuais
idênticas com resultados divergentes, com o consequente acúmulo de feitos nas
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4. Superior Tribunal de Justiça
instâncias do Judiciário, o que, certamente, não contribui para uma prestação
jurisdicional eficiente, célere e uniforme.
7. Após nova reflexão sobre o tema em debate, deve ser restabelecida a
jurisprudência desta Corte, no sentido de se reconhecer a legitimidade do
Ministério Público para figurar no polo ativo de ação civil pública destinada à
defesa de direitos de natureza previdenciária.
8. Recurso especial desprovido.
VOTO
A EXMA. SRA. MINISTRA LAURITA VAZ (RELATORA):
A controvérsia posta em análise no presente recurso consiste em verificar se o
Ministério Público Federal tem legitimidade para figurar no polo ativo de ação civil pública
relativa à matéria de natureza previdenciária.
A questão de fundo, não atacada no apelo nobre, diz respeito à revisão de
benefícios previdenciários concedidos a partir de março de 1994, com inclusão da variação
integral do IRSM de fevereiro de 1994 (39,67%) nos salários-de-contribuição integrantes do
período básico de cálculo, antes da conversão em URV. A Corte de origem entendeu ser cabível
a revisão, e, tal como a magistrada de primeiro grau, restringiu os efeitos do julgado à Subseção
Judiciária de Curitiba/PR, na forma do art. 16 da Lei n.º 7.347/85.
A preliminar em discussão já foi objeto de vários julgados proferidos no âmbito da
Terceira Seção deste Tribunal, cuja jurisprudência oscilou, inicialmente, ora a favor, ora
contrariamente à legitimidade do parquet para o ajuizamento de ação civil pública no trato de
questões previdenciárias.
Posteriormente, veio esta Corte a sedimentar a atual orientação, desfavorável à
tese da legitimidade, com base nas seguintes premissas: (a) o benefício previdenciário traduz
direito disponível, não abrangido pelo art. 127 da Constituição Federal, que assegura ao Ministério
Público a defesa dos interesses individuais indisponíveis e (b) as relações jurídicas entre o INSS e
os beneficiários do regime de Previdência Social não são relações de consumo, afastando, assim,
a aplicação do art. 81, III, do Código de Proteção e Defesa do Consumidor, que trata dos direitos
individuais homogêneos.
E com base nesse entendimento, este Tribunal tem recusado a legitimidade ad
causam do Ministério Público em ações civis públicas que objetivam discutir questões ligadas à
seguridade social, como, por exemplo, direitos relativos à concessão de benefício assistencial a
idosos e portadores de deficiência, revisão de benefícios previdenciários, equiparação de menores
sob guarda judicial a filhos de segurados, para fins previdenciários.
Em que pese o atual e respeitável posicionamento, acima explanado, entendo que
deve haver nova reflexão sobre o tema ora em debate, em face das razões adiante expostas,
calcadas, sobretudo, no relevante interesse social envolvido no ajuizamento da ação civil pública
de natureza previdenciária.
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5. Superior Tribunal de Justiça
Pois bem.
Registre-se, desde logo, que não prospera a genérica alegação autárquica de
ilegitimidade ad causam do Ministério Público para defesa de "qualquer direito individual
homogêneo", ou, ainda, de direitos individuais homogêneos sem relação de consumo, bem como
não subsiste a alegação de inadequação da ação civil pública para a tutela de direitos individuais
homogêneos sem relação de consumo.
Tais insurgências encontram obstáculo, de início, na Lei Complementar n.º 75/93,
cujo art. 6.º, quanto ao ponto, estabelece textualmente que, in verbis:
"Art. 6º Compete ao Ministério Público da União:
[...]
VII - promover o inquérito civil e a ação civil pública para:
[...]
d) outros interesses individuais indisponíveis, homogêneos , sociais,
difusos e coletivos;
[...]
XII - propor ação civil coletiva para defesa de interesses
individuais homogêneos " (grifei)
É o que também se observa da Lei n.º 8.625/93 (Lei Orgânica Nacional do
Ministério Público) que, em seu art. 25, autoriza o Ministério Público a figurar como titular da
ação civil pública para a proteção de outros interesses difusos, coletivos e individuais indisponíveis
e homogêneos. Confira-se, por oportuno, o texto da aludida norma, litteris:
"Art. 25. Além das funções previstas nas Constituições Federal e
Estadual, na Lei Orgânica e em outras leis, incumbe, ainda, ao Ministério
Público:
[...]
IV - promover o inquérito civil e a ação civil pública, na forma da
lei:
a) para a proteção, prevenção e reparação dos danos causados ao
meio ambiente [...], e a outros interesses difusos, coletivos e individuais
indisponíveis e homogêneos ; (grifei)
Vale ainda registrar que, após a alteração promovida pela Lei n.º 8.078/90
(Código de Proteção e Defesa do Consumidor), incluindo o art. 21 na Lei n.º 7.347/85 (Lei da
Ação Civil Pública), o alcance desse instrumento processual restou ampliado, de modo a
abranger a defesa de interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos fora das relações de
consumo.
Nesse sentido já se manifestou esta Corte Superior de Justiça, conforme se
verifica do seguinte julgado, in verbis:
"RECURSO ESPECIAL. PROCESSO CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA.
DEFESA DE DIREITOS INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS DE SERVIDORES
PÚBLICOS FEDERAIS. CABIMENTO. LEGITIMIDADE DO SINDICATO.
PRECEDENTES.
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6. Superior Tribunal de Justiça
1. De acordo com a jurisprudência consolidada deste Superior
Tribunal de Justiça, o artigo 21 da Lei nº 7.347/85, com redação dada pela
Lei nº 8.078/90, ampliou o alcance da ação civil pública também para a
defesa de interesses e direitos individuais homogêneos não relacionados a
consumidores .
2. Recurso especial improvido." (REsp 706.791/PE, 6.ª Turma, Rel.ª
Min.ª MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, DJe de 02/03/2009 - grifei.)
Acerca do tema, conclusiva é a lição doutrinária de HUGO NIGRO MAZZILI,
ao afirmar que, litteris:
“E a defesa de 'interesses individuais homogêneos? Só os interesses
individuais homogêneos de consumidores podem ser protegidos no processo
coletivo, ou qualquer interesse individual homogêneo pode ser objeto de ação
civil pública da Lei n. 7.347/85, sejam eles de consumidor ou não?
Como em momento algum a LACP se refere expressamente aos
interesses individuais homogêneos, uma análise mais apressada poderia
fazer crer que essa espécie de interesses transindividuais estaria fora da
cobertura da ação civil pública, exceto, apenas, quanto aos interesses
individuais homogêneos relativos aos consumidores, que poderiam ser
defendidos por meio de ação coletiva prevista no CDC. Nesse teor, aliás,
alguns acórdãos chegam a afirmar que 'os interesses e direitos individuais
homogêneos, de que trata o art. 21 da Lei n. 7.347/85, somente poderão ser
tutelados, pela via da ação coletiva, quando os seus titulares sofrerem
danos na condição de consumidores'.
Esse entendimento restritivo não se sustenta, porém, em face do
sistema conjugado da LACP e do CDC, que se integram reciprocamente.
Com efeito, estão também alcançados pela tutela coletiva os interesses
individuais homogêneos, de qualquer natureza, relacionados ou não com a
condição de consumidores dos lesados. Por isso, e em tese, cabe também a
defesa de 'qualquer interesse individual homogêneo' por meio da ação civil
pública ou coletiva, até porque seria inconstitucional impedir o acesso
coletivo à jurisdição.
Inexiste taxatividade de objeto para a defesa judicial de interesses
transindividuais . Por isso, além das hipóteses já expressamente previstas em
diversas leis (defesa de meio ambiente, consumidor, patrimônio cultural,
crianças e adolescentes, pessoas portadoras de deficiência, investidores
lesados no mercado de valores mobiliários, ordem econômica, economia
popular, ordem urbanísticas) – quaisquer outros interesses difusos, coletivos
ou individuais homogêneos podem em tese ser defendidos em juízo por meio
da tutela coletiva, tanto pelo Ministério Público como pelos demais
co-legitimados do art. 5º da LACP e art. 82 do CDC." (in "A defesa dos
interesses difusos em juízo: meio ambiente, consumidor, patrimônio público
e outros interesse s" - 21.ª ed. rev., ampl. e atual. - São Paulo: Saraiva, 2008, pp.
718/719 - grifei).
Melhor sorte não assiste ao INSS quando, pugnando por uma interpretação
sistemática sob o prisma de dispositivos da Constituição Federal, alega que (a) o inciso III do
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7. Superior Tribunal de Justiça
aludido art. 129 da Lei Maior viabiliza a legitimidade do Ministério Público apenas para a defesa
de interesses ou direitos difusos ou coletivos, mas não para a defesa de direito individual
homogêneo e que (b) sendo disponíveis os direitos relativos a benefícios previdenciários, o
Ministério Público não teria legitimidade para a ação civil pública, uma vez que estaria ausente o
caráter de indisponibilidade a que alude o art. 127 da Carta Magna.
Ressalte-se, nesse ponto, que a legitimidade do Ministério Público para a ação
civil pública, embora disciplinada em lei complementar e em leis ordinárias, como visto, é tema de
envergadura constitucional, tratado diretamente pela Carta Magna nesses artigos.
E, sendo certo que a Constituição Federal confiou ao Supremo Tribunal Federal a
última palavra em termos de interpretação de seus dispositivos, a solução do tema em apreço,
mormente das questões em torno dos mencionados preceitos constitucionais, reclama necessária
incursão, também, na jurisprudência daquela Augusta Corte.
A começar pelo art. 129, inciso III, da Constituição Federal, registre-se que o
Pretório Excelso, apreciando o RE n.º 163.231/SP, firmou diretriz jurisprudencial no sentido de
que, no gênero "interesses coletivos", ao qual se refere tal inciso, compreendem-se os "interesses
individuais homogêneos", como subespécie, cuja tutela pode ser requerida pelo Ministério Público
mediante ação civil pública.
A propósito, confira-se a ementa do referido julgado, in verbis:
"RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL.
LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO PARA PROMOVER AÇÃO
CIVIL PÚBLICA EM DEFESA DOS INTERESSES DIFUSOS, COLETIVOS E
HOMOGÊNEOS. MENSALIDADES ESCOLARES: CAPACIDADE
POSTULATÓRIA DO 'PARQUET' PARA DISCUTI-LAS EM JUÍZO.
1. A Constituição Federal confere relevo ao Ministério Público
como instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado,
incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos
interesses sociais e individuais indisponíveis (CF, art. 127).
2. Por isso mesmo detém o Ministério Público capacidade
postulatória, não só para a abertura do inquérito civil, da ação penal
pública e da ação civil pública para a proteção do patrimônio público e
social, do meio ambiente, mas também de outros interesses difusos e
coletivos (CF, art. 129, I e III).
[...]
4. Direitos ou interesses homogêneos são os que têm a mesma
origem comum (art. 81, III, da Lei n 8.078, de 11 de setembro de 1990),
constituindo-se em subespécie de direitos coletivos .
4.1. Quer se afirme interesses coletivos ou particularmente
interesses homogêneos, 'stricto sensu', ambos estão cingidos a uma mesma
base jurídica, sendo coletivos, explicitamente dizendo, porque são relativos a
grupos, categorias ou classes de pessoas, que conquanto digam respeito às
pessoas isoladamente, não se classificam como direitos individuais para o
fim de ser vedada a sua defesa em ação civil pública, porque sua concepção
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8. Superior Tribunal de Justiça
finalística destina-se à proteção desses grupos, categorias ou classe de
pessoas.
[...]
Recurso extraordinário conhecido e provido para, afastada a
alegada ilegitimidade do Ministério Público, com vistas à defesa dos
interesses de uma coletividade, determinar a remessa dos autos ao Tribunal
de origem, para prosseguir no julgamento da ação." (Tribunal Pleno, DJ de
29/06/2001, Rel. Min. MAURÍCIO CORRÊA - grifei)
Em outra oportunidade, ao apreciar o RE n.º 195.056/PR, embora recusando a
legitimação do Órgão Ministerial no feito, o Supremo Tribunal Federal assentou que "Certos
direitos individuais homogêneos podem ser classificados como interesses ou direitos
coletivos, ou identificar-se com interesses sociais e individuais indisponíveis. Nesses casos,
a ação civil pública presta-se a defesa dos mesmos, legitimado o Ministério Público para a
causa. C.F., art. 127, caput, e art. 129, III" (Tribunal Pleno, Rel. Min. CARLOS VELLOSO,
DJ de 30/05/2003).
E em julgado mais recente:
"RECURSO EXTRAORDINÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL. AÇÃO
CIVIL PÚBLICA. LEGITIMIDADE ATIVA. MINISTÉRIO PÚBLICO. DEFESA
DE DIREITOS INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS. SÚMULA STF 286:
INAPLICABILIDADE.
[...]
2. O Ministério Público detém legitimidade para propor ação civil
pública na defesa de interesses individuais homogêneos (CF/88, arts. 127, §
1º, e 129, II e III). Precedente do Plenário: RE 163.231/SP, rel. Min. Carlos
Velloso, DJ 29.06.2001.
3. Agravo regimental improvido." (AgRg no RE 514.023/RJ, 2.ª
Turma, Rel.ª Min.ª ELLEN GRACIE, DJ de 05/02/2010.)
Desse modo, cai por terra a tese recursal de que o Ministério Público não tem
legitimidade para a ação civil pública quanto aos direitos individuais homogêneos, ao argumento
de que nem a Constituição Federal, em seu art. 129, III, e nem a Lei Complementar n.º 75/93, em
seu art. 83, III, teriam cogitado de tais direitos (fl. 199).
E não se perca de vista que o art. 6.º, VII, a, da Lei Complementar n.º 75/93, bem
como o art. 25, IV, a, da Lei n.º 8.625/93, dispositivos anteriormente citados, estabelecem ser
competência do Ministério Público promover a ação civil pública não apenas para a defesa de
direitos individuais homogêneos, como, também, para a proteção de interesses sociais e coletivos.
Ainda nesse particular, registrem-se os seguintes julgados, destacados dentre
outros, em que a Corte Especial deste Tribunal firmou orientação no sentido de que, havendo
relevante interesse social, é cabível o manejo da ação civil pública pelo Órgão Ministerial para
defesa de direitos individuais homogêneos:
"PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA. AÇÃO
CIVIL PÚBLICA. LEGITIMIDADE. MINISTÉRIO PÚBLICO. CONTRATOS
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9. Superior Tribunal de Justiça
DE FINANCIAMENTO. SFH. SÚMULA 168/STJ.
1. O Ministério Público possui legitimidade 'ad causam' para
propor ação civil pública objetivando defender interesses individuais
homogêneos nos casos como o presente, em que restou demonstrado
interesse social relevante. Precedentes.
[...]
3. Embargos de divergência não conhecidos." (EREsp 644.821/PR,
Corte Especial, Rel. Min. CASTRO MEIRA, DJe de 04/08/2008.)
"AGRAVO REGIMENTAL. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA.
PROCESSO CIVIL. JULGAMENTO MONOCRÁTICO. JURISPRUDÊNCIA
PACÍFICA ACERCA DA MATÉRIA. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. SISTEMA
FINANCEIRO DA HABITAÇÃO (SFH). MINISTÉRIO PÚBLICO.
LEGITIMIDADE ATIVA. PRECEDENTES.
[...]
II - O Ministério Público possui legitimidade para ajuizar ação
civil pública na defesa de mutuários do Sistema Financeiro da Habitação
(SFH), uma vez que os contratos para a aquisição da casa própria são
firmados por pessoas hipossuficientes, restando caracterizado, assim o
relevante interesse social. Precedentes da 'e. Corte Especial'.
Agravo regimental desprovido." (AgRg nos EREsp 274.508/SP, Corte
Especial, Rel. Min. FELIX FISCHER, DJ de 10/04/2006.)
Também não há como prevalecer a alegação autárquica, fundada no art. 127 da
Constituição Federal, de que, em se tratando, in casu, de direitos disponíveis, o Órgão Ministerial
não teria legitimidade ad causam.
O fato de o direito perseguido por determinada classe ou grupo de pessoas ser
disponível não constitui fundamento suficiente para afastar a sua tutela pelo Parquet , mediante a
ação civil pública, pois, conforme já proclamado, há muito, nesta Quinta Turma, "Há certos
direitos e interesses individuais homogêneos que, quando visualizados em seu conjunto, de
forma coletiva e impessoal, passam a representar mais que a soma de interesses dos
respectivos titulares, mas verdadeiros interesses sociais, sendo cabível sua proteção pela
ação civil pública" (REsp 95.347/SE, Rel. Min. EDSON VIDIGAL, DJ de 1º/02/1999).
Não é outro o posicionamento de ADA PELEGRINI GRINOVER:
"Muito embora a Constituição atribua ao MP apenas a defesa de
interesses individuais indisponíveis (art. 127), além dos difusos e coletivos
(art. 129), III), a relevância social da tutela coletiva dos interesses ou
direitos individuais homogêneos levou o legislador ordinário a conferir ao
MP a legitimação para agir nessa modalidade de demanda, mesmo em se
tratando de interesses ou direitos disponíveis. Em conformidade, aliás, com
a própria Constituição, que permite a atribuição de outras funções ao MP,
desde que compatíveis com sua finalidade (art. 129, IX).
A dimensão comunitária das demandas coletivas, qualquer que seja
seu objeto, insere-as sem dúvida na tutela dos interesses sociais referidos no
art. 127 da CF." (in "A Ação Civil Pública e a Defesa de Interesses
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10. Superior Tribunal de Justiça
Individuais Homogêneos , Revista de Direito do Consumidor – São Paulo: RT,
n.º 5, jan/mar. 1993, p. 213).
Assim, para fins de legitimidade do Ministério Público para a ação civil pública,
quando se tratar de direitos individuais homogêneos, ainda que disponíveis, o que deve ser
observado é a presença do relevante interesse social de que se reveste o direito a ser tutelado.
E isso ocorre com os direitos sociais insertos na Constituição Federal, conforme
resta claro do seguinte julgado, recentemente prolatado por esta Corte, tendo em mira a
incumbência constitucional atribuída ao Ministério Público no art. 127, caput, da Lei Maior,
litteris:
"PROCESSUAL CIVIL – AÇÃO CIVIL PÚBLICA – DIREITOS
INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS – RELEVANTE INTERESSE SOCIAL –
MINISTÉRIO PÚBLICO – LEGITIMIDADE – REGISTRO PROFISSIONAL
NO CONSELHO DE MEDICINA VETERINÁRIA – EXAME.
[...]
2. O Superior Tribunal de Justiça reconhece a legitimidade 'ad
causam' do Ministério Público, seja para a tutela de direitos e interesses
difusos e coletivos seja para a proteção dos chamados direitos individuais
homogêneos, sempre que caracterizado relevante interesse social.
[...]
5. O Ministério Público é legítimo para defender, por meio de ação
civil pública, os interesses relacionados aos direitos sociais
constitucionalmente garantidos .
Agravo regimental improvido." (AgRg no REsp 938.951/DF, 2.ª
Turma, Rel. Min. HUMBERTO MARTINS, DJe de 10/03/2010 - grifei.)
Desse entendimento não destoa a jurisprudência da Suprema Corte, que tem
reconhecido a legitimidade do Ministério Público para a ação civil pública destinada à proteção de
direitos sociais, tais como a moradia e a educação.
Nesse sentido, vale observar o pronunciamento monocrático da lavra do Min.
CARLOS VELLOSO, no qual restou assente que "Se se tem presente, por exemplo, a
relevância que a Constituição empresta à moradia , consagrada como direito social, assim
direito fundamental, CF, art. 6º [...] a interpretação abrangente, ora preconizada, tal como
preconizamos relativamente à educação, no acórdão do RE 195.056/PR, linhas atrás
indicado, para o fim de tornar o órgão do Ministério Público legitimado para a defesa do
direito ou interesse aqui discutido, decorrente de um direito fundamental, ajusta-se ao
espírito da Carta, porque confere maior eficácia aos princípios por ela consagrados"
(RE 247.134/MS, DJ de 09/12/2005 - grifei).
Por oportuno, anote-se o entendimento adotado no já citado RE
n.º 163.231/SP, quando a Corte Constitucional assinalou que, "Cuidando-se de tema ligado à
educação , amparada constitucionalmente como dever do Estado e obrigação de todos (CF,
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11. Superior Tribunal de Justiça
art. 205), está o Ministério Público investido da capacidade postulatória, patente a
legitimidade 'ad causam', quando o bem que se busca resguardar se insere na órbita dos
interesses coletivos, em segmento de extrema delicadeza e de conteúdo social tal que,
acima de tudo, recomenda-se o abrigo estatal." (grifei).
E tal como o fez quanto à moradia e à educação – que, na linha do entendimento
do Pretório Excelso, podem ser objeto de tutela pelo Ministério Público –, a Constituição Federal,
em seu art. 6.º, elevou a previdência social à categoria de garantia fundamental do homem,
inserindo-a no rol dos direitos sociais.
Veja-se que os direitos sociais, nas palavras de ALEXANDRE DE MORAES,
"são direitos fundamentais do homem, caracterizando-se como verdadeiras liberdades
positivas de observância obrigatória em um Estado Social de Direito, tendo por finalidade
a melhoria de condições de vida aos hipossuficientes, visando à concretização da
igualdade social, e são consagrados como fundamentos do Estado democrático, pelo art.
1.º, IV, da Constituição Federal" (in "Direito Constitucional" – 17.ª ed., São Paulo: Atlas,
2005, p. 177 - grifei).
A relação existente entre o art. 1.º, da Constituição Federal, acima citado, e as
funções institucionais do Ministério Público foi demonstrada com precisão quando do julgamento
do RE 228.177/MG, relatado pelo Min. GILMAR MENDES, conforme se percebe do seguinte
trecho extraído desse julgado:
"[...] a Constituição, ao tratar do Ministério Público como
instituição permanente e essencial à função jurisdicional do Estado,
incumbiu-lhe do indisponível dever de defender a ordem jurídica, o regime
democrático e os 'interesses sociais e individuais indisponíveis' (art. 127,
'caput'). E não há dúvida de que o dispositivo constitucional do art. 127,
'caput', remete para os valores fundamentais protegidos pela Constituição,
especialmente os expressos em direitos e interesses decorrentes da
dignidade da pessoa humana, a soberania, a cidadania, dos valores sociais
do trabalho, da livre iniciativa e do pluralismo político, como fundamentos
da República, tal como definido no art. 1º." (RE 228.177/MG, 2.ª Turma, DJe
de 05/03/2010.)
Desse modo, há de se constatar, no âmbito do direito previdenciário, um dos
seguimentos da seguridade social, expressamente elencado no rol dos direitos sociais, a
indiscutível presença do relevante interesse social, que viabiliza a legitimidade do Órgão
Ministerial para figurar no polo ativo da ação civil pública.
Ainda do magistério doutrinário de HUGO NIGRO MAZZILLI, extrai-se a
seguinte lição:
"Em vista de sua destinção, o Ministério Público está legitimado à
defesa de quaisquer interesses 'difusos', graças a seu elevado grau de
dispersão e abrangência, o que lhes confere conotação social. E quanto aos
interesses 'coletivos' (em sentido estrito) e 'individuais homogêneos', estaria
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12. Superior Tribunal de Justiça
o Ministério Público sempre autorizado à sua defesa?
Há três linhas principais de respostas que costumam ser dadas a
essa indagação.
[...]
Assim, passemos à terceira linha de resposta à indagação acima, e
que é aquela por nós preconizada. Para esta posição, deve-se levar em
conta, em concreto, a efetiva conveniência social da atuação do Ministério
Público em defesa de interesses transindividuais. Essa conveniência social
em que sobrevenha atuação do Ministério Público deve ser aferida em
concreto a partir de critérios como estes: a) conforme a natureza do dano
(p. ex., saúde, segurança e educação públicas); b) conforme a dispersão
dos lesados (a abrangência social do dano, sob o aspecto dos sujeitos
atingidos); c) conforme o interesse social no funcionamento de um sistema
econômico, social ou jurídico (previdência social, captação de poupança
popular, questões tributárias etc.)
[...]
Enfim, se em concreto a defesa coletiva de interesses
transindividuais assumir relevância social, o Ministério Público estará
legitimado a propor a ação civil pública correspondente . Convindo à
coletividade como um todo a defesa de um interesse difuso, coletivo ou
individual homogêneo, aí sim é que não se há de recusar ao Ministério
Público assuma sua tutela. Corretamente destacou Consuelo Yoshida que a
legitimidade 'ad causam' ativa e o interesse processual do Ministério
Público na tutela jurisdicional coletiva dos direitos individuais homogêneos
decorrem da relevância social dos interesses materiais envolvidos.
Assim, é incorreto dizer, 'simpliciter', que o Ministério Público não
pode defender interesses individuais homogêneos disponíveis. Se a defesa de
tais interesses envolver larga abrangência ou acentuado interesse social,
deverá ser empreendida pela instituição ." (ob. cit., pp. 106/108 e 110 - grifei.)
Convém destacar a lição do Min. SEPÚLVEDA PERTENCE em judicioso
voto-vogal proferido no julgamento do RE n.º 195.056/PR, anteriormente citado.
Na ocasião, Sua Excelência, chamava a atenção para a análise do art. 127 da
Constituição Federal sob a ótica da expressão "interesses sociais" contida nesse dispositivo, no
que denominou de interesse social segundo a constituição, expressão essa que, como se pode
perceber, tem perfeita aplicação à seguridade social. Veja-se:
"[...] para orientar a demarcação, a partir do art. 129, III, da área
de interesses individuais homogêneos em que admitida a iniciativa do MP, o
que reputo de maior relevo, no contexto do art. 127, não é o incumbir à
instituição a defesa dos interesses individuais indisponíveis mas, sim, a dos
interesses sociais.
[...]
[...] a eventual disponibilidade pelo titular de seu direito individual,
malgrado sua homogeneidade com o de outros sujeitos, não subtrai o
interesse social acaso existente na sua defesa coletiva.
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13. Superior Tribunal de Justiça
Ao contrário, são de direitos disponíveis as hipóteses mais notórias
de indiscutida legitimação do MP para a ação civil pública de defesa de
interesses homogêneos , a começar daqueles dos consumidores e dos outros
casos de anterior previsão legal, já referidos.
O problema é saber quando a defesa da pretensão de direitos
individuais homogêneos, posto que disponíveis, se identifica com o interesse
social ou se integra no que o próprio art. 129, III, da Constituição denomina
patrimônio social. Não é fácil, no ponto, a determinação do critério da
legitimação do Ministério Público.
[...]
Penso, como visto, que a adstrição da legitimidade do MP aos casos
de previsão legal expressa, embora razoavelmente objetiva, seria um critério
insuficiente para a identificação do interessa social na defesa de direitos
coletivos: dado que deriva da Constituição a legitimação do MP para a
hipótese, não se pode reputar exaustivo o critério que delega ao legislador
o poder de demarcar a função de um órgão constitucional essencial à
jurisdição.
Creio, assim, que - afora o caso de previsão legal expressa – a
afirmação do interesse social para o fim cogitado há de partir da
identificação do seu assentamento nos pilares da ordem social projetada
pela Constituição e na sua correspondência à persecução dos objetivos
fundamentais da República, nela consagrados .
[...]
Esse critério – que se poderia denominar de interesse social
segundo a Constituição – ainda que nem sempre explicitado em tese, parece
estar subjacente a diversas decisões judiciais, algumas já citadas, que tem
reconhecido a legitimação do MP para a defesa de direitos individuais
homogêneos, seja ou não a hipótese simultaneamente enquadrável no âmbito
da tutela dos consumidores: recorde-se, por exemplo, as questões relativas
ao custo da educação privada [...], à seguridade social, à saúde – desde o
caso dos usuários de planos de assistência ao do conjunto de trabalhadores
carentes, vítimas de doença profissional oriunda das condições de trabalho
de determinada empresa (STJ, Resp. 58.682, 8.10.96, Direito, RDA
207/283).” (grifei)
É oportuno o exemplo da seguridade social citado no trecho acima transcrito, pois,
conforme preconiza a Lei Complementar n.º 75/93, em seu art. 5.º, II, d, é função institucional do
Ministério Público da União zelar pela observância dos princípios constitucionais relativos à
seguridade social. Ressalte-se, ainda, que, conforme estabelece esse mesmo art. 5.º, em seu
inciso I, é função institucional do Ministério Público a defesa da ordem jurídica e dos interesses
sociais.
Também por ser pertinente à análise do tema deduzido no presente apelo, traz-se
à colação recente julgado do Supremo Tribunal Federal, prolatado no AgRg/RE 472.489/RS,
interposto pelo INSS, no qual era discutido o direito dos segurados da previdência social à
obtenção de certidão parcial de tempo de serviço.
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14. Superior Tribunal de Justiça
Nesse julgado, restou rechaçada a alegação do INSS de violação aos arts. 127 e
129, inciso III, da Constituição Federal, sendo reconhecida a legitimidade do Ministério Público
para a defesa daqueles direitos individuais homogêneos, tendo em vista a existência do relevante
interesse social discutido na ação.
Merecem transcrição as doutas razões veiculadas nesse julgado, litteris:
"Esse entendimento - que reconhece legitimidade ativa ao
Ministério Público para a defesa, em juízo, dos direitos e interesses
individuais homogêneos, quando impregnados de relevante natureza social -
reflete-se na jurisprudência firmada por esta Suprema Corte [...].
[...]
Tenho para mim que se revela inquestionável a qualidade do
Ministério Público para ajuizar ação civil pública objetivando, em sede de
processo coletivo - hipótese em que estará presente 'o interesse social, que
legitima a intervenção e a ação em juízo do Ministério Público (CF 127
'caput' e CF 129 IX)' (NELSON NERY JUNIOR, 'O Ministério Público e as
Ações Coletivas', 'in' 'Ação Civil Pública', p. 366, coord. por Édis Milaré,
1995, RT - grifei) -, a defesa de direitos individuais homogêneos, porque
revestidos de inegável relevância social, como sucede com o direito de
petição e o de obtenção de certidão em repartições públicas (CF, art. 5º,
XXXIV), que traduzem prerrogativas jurídicas de índole eminentemente
constitucional, ainda mais se analisadas na perspectiva dos direitos
fundamentais à previdência social (CF, art. 6º) e à assistência social (CF,
art. 203).
Na realidade, o que o Ministério Público postulou nesta sede
processual nada mais foi senão o reconhecimento - e conseqüente
efetivação - do direito dos segurados da Previdência Social à obtenção da
certidão parcial de tempo de serviço.
Nesse contexto, põe-se em destaque uma das mais significativas
funções institucionais do Ministério Público, consistente no reconhecimento
de que lhe assiste a posição eminente de verdadeiro 'defensor do povo'
(HUGO NIGRO MAZZILLI, 'Regime Jurídico do Ministério Público', p.
224/227, item n. 24, 'b', 3ª ed., 1996, Saraiva, v.g.), incumbido de impor, aos
poderes públicos, o respeito efetivo aos direitos que a Constituição da
República assegura aos cidadãos em geral (CF, art. 129, II), podendo, para
tanto, promover as medidas necessárias ao adimplemento de tais garantias,
o que lhe permite a utilização das ações coletivas, como a ação civil pública,
que representa poderoso instrumento processual concretizador das
prerrogativas fundamentais atribuídas, a qualquer pessoa, pela Carta
Política, '(...) sendo irrelevante o fato de tais direitos, individualmente
considerados, serem disponíveis, pois o que lhes confere relevância é a
repercussão social de sua violação, ainda mais quando têm por titulares
pessoas às quais a Constituição cuidou de dar especial proteção ' [...].
[...]
A existência, na espécie, de interesse social relevante, amparável
mediante ação civil pública, ainda mais se põe em evidência, quando se tem
presente - considerado o contexto em causa - que os direitos individuais
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15. Superior Tribunal de Justiça
homogêneos ora em exame revestem-se, por efeito de sua natureza mesma,
de índole eminentemente constitucional, a legitimar, desse modo, a
instauração, por iniciativa do Ministério Público, de processo coletivo
destinado a viabilizar a tutela jurisdicional de tais direitos." (Rel. Min.
CELSO DE MELLO, 2.ª Turma, DJe de 29/08/2008 - grifei.)
Tal julgado restou assim ementado:
"DIREITOS INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS - SEGURADOS DA
PREVIDÊNCIA SOCIAL - CERTIDÃO PARCIAL DE TEMPO DE SERVIÇO
- RECUSA DA AUTARQUIA PREVIDENCIÁRIA - DIREITO DE PETIÇÃO E
DIREITO DE OBTENÇÃO DE CERTIDÃO EM REPARTIÇÕES PÚBLICAS -
PRERROGATIVAS JURÍDICAS DE ÍNDOLE EMINENTEMENTE
CONSTITUCIONAL - EXISTÊNCIA DE RELEVANTE INTERESSE SOCIAL -
AÇÃO CIVIL PÚBLICA - LEGITIMAÇÃO ATIVA DO MINISTÉRIO
PÚBLICO – A FUNÇÃO INSTITUCIONAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO
COMO 'DEFENSOR DO POVO' (CF, ART, 129, II) - DOUTRINA –
PRECEDENTES - RECURSO DE AGRAVO IMPROVIDO .
- O direito à certidão traduz prerrogativa jurídica, de extração
constitucional , destinada a viabilizar, em favor do indivíduo ou de uma
determinada coletividade (como a dos segurados do sistema de previdência
social), a defesa (individual ou coletiva) de direitos ou o esclarecimento de
situações.
- A injusta recusa estatal em fornecer certidões, não obstante
presentes os pressupostos legitimadores dessa pretensão, autorizará a
utilização de instrumentos processuais adequados, como o mandado de
segurança ou a própria ação civil pública.
- O Ministério Público tem legitimidade ativa para a defesa, em
juízo, dos direitos e interesses individuais homogêneos, quando impregnados
de relevante natureza social, como sucede com o direito de petição e o
direito de obtenção de certidão em repartições públicas. Doutrina .
Precedentes ." (grifos no original.)
Registre-se que o entendimento em prol da legitimidade do Parquet para a ação
civil pública tanto em matéria relativa à previdência social quanto à matéria relativa à assistência
social vem sendo reiteradamente adotado no âmbito do Supremo Tribunal Federal, resultando,
inclusive, em reforma de acórdãos prolatados pelas Quinta e Sexta Turmas deste Superior
Tribunal de Justiça.
Com efeito, ao apreciar, por decisão monocrática, o AG 516.419/PR (DJe de
12/02/2010), o relator do feito, Min. CEZAR PELUSO, acolheu o agravo e proveu o Recurso
Extraordinário interposto pelo Ministério Público, reconhecendo ao Parquet a legitimidade para
ação civil pública, cujo objeto era a revisão de benefícios previdenciários.
É o que se verifica dos seguintes trechos dessa decisão:
"1. Trata-se agravo de instrumento contra decisão que indeferiu
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16. Superior Tribunal de Justiça
processamento de recurso extraordinário interposto de acórdão do Superior
Tribunal de Justiça e assim ementado:
'PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. AÇÃO CIVIL
PÚBLICA. REVISÃO DE BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO.
DIREITOS INDIVIDUAIS DISPONÍVEIS. AUSÊNCIA DE RELAÇÃO
DE CONSUMO ENTRE O INSS E O SEGURADO. MINISTÉRIO
PÚBLICO FEDERAL. ILEGITIMIDADE ATIVA AD CAUSAM .
I - Trata-se de Ação Civil Pública objetivando a
condenação da autarquia à revisão da renda mensal inicial de
benefícios previdenciários concedidos anteriormente à vigência da
Lei Maior, com a correção dos 24 primeiros salários de
contribuição integrantes do PBC pelos índices das
ORTNs/OTNs/BTNs.
II - A quaestio trazida à baila diz respeito a direito que,
conquanto pleiteado por um grupo de pessoas, não atinge a
coletividade como um todo, não obstante apresentar aspecto de
interesse social. Sendo assim, por se tratar de direito individual
disponível, evidencia-se a inexeqüibilidade da defesa de tais
direitos por intermédio da ação civil pública. Destarte, as relações
jurídicas existentes entre a autarquia previdenciária e os segurados
do regime de Previdência Social não caracterizam relações de
consumo, sendo inaplicável, in casu, o disposto no art. 81, III, do
Código de Proteção e Defesa do Consumidor. Precedentes.
Recurso conhecido e provido.'. (fl. 07).
Sustenta o recorrente, com base no art. 102, III, a, ofensa ao
disposto nos arts. 127 e 129, II e III, da Constituição da República. Aduz
que
'Por sua vez, a indisponibilidade do direito não está
relacionada com o direito patrimonial. No caso, tendo sido atingido
direito fundamental do homem, como é a previdência social, tem-se
por violado interesse indisponível, ainda que desse mesmo interesse
decorra parcela patrimonial.' (fl. 30).
2. Consistente o recurso.
A tese adotada está em desconformidade com a
jurisprudência desta Corte, que reconhece a legitimação ad causam
do Ministério Público, assim para a tutela de interesses e direitos
difusos e coletivos – os transindividuais de natureza indivisível –,
como para a proteção de direitos individuais homogêneos, sempre
que estes, tomados em conjunto, ostentem dimensão de grande
relevo social, ligada a valores e preceitos que, hospedados na
Constituição da República Federal, sejam pertinentes a toda a
coletividade. Nesses casos, a atuação do Ministério Público
afeiçoa-se a seu perfil institucional, voltado ao resguardo do
interesse social e dos direitos coletivos, considerados em sentido
amplo (CF, art. 127 e 129, incs. III e IX). [...].
[...]
3. Do exposto, acolho o agravo e, desde logo, conheço do recurso
extraordinário e dou-lhe provimento , para declarar a legitimidade do
Documento: 12849849 - RELATÓRIO E VOTO - Site certificado Página 16de 22
17. Superior Tribunal de Justiça
Ministério Público." (grifos no original)
Registre-se que, contra tal decisão, o INSS interpôs agravo regimental, aduzindo
que, em se tratando de direitos individuais disponíveis, de interesse de grupo ou de classe de
pessoas, o Parquet não possuiria legitimidade para discutir a concessão/revisão de benefícios
previdenciários por meio de ação civil pública.
O regimental foi relatado pelo Min. GILMAR MENDES, tendo a Segunda Turma
do Pretório Excelso, à unanimidade, negado provimento ao recurso autárquico, em acórdão assim
ementado, in verbis:
"Agravo regimental em agravo de instrumento. 2. Ação civil
pública. Interesse individual homogêneo. 3. Relevância social. Ministério
Público. Legitimidade. 4. Jurisprudência dominante. 5. Agravo regimental
a que se nega provimento." (AgRg no AI 516.419/PR, DJe de 30/11/2010.)
O mesmo posicionamento foi adotado no RE 613.044/SC (DJe de 25/06/2010), da
relatoria da Min.ª CARMEN LÚCIA, restando declarada a legitimidade do Parquet para a
propositura de ação civil pública que objetivava discutir critérios de concessão de benefício
assistencial a idosos e portadores de deficiência física (art. 203, V, da Constituição Federal):
"[...]
1. Recurso extraordinário interposto com base no art. 102, inc. III,
alínea a, da Constituição da República contra o seguinte julgado do
Superior Tribunal de Justiça:
'PREVIDENCIÁRIO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. BENEFÍCIO
ASSISTENCIAL DE PRESTAÇÃO CONTINUADA. LEI 8.742/93.
MODIFICAÇÃO DOS CRITÉRIOS LEGAIS TEXTUALMENTE
PREVISTOS PARA A CONCESSÃO. ILEGITIMIDADE ATIVA DO
MINISTÉRIO PÚBLICO. DIREITOS PATRIMONIAIS DISPONÍVEIS.
RELAÇÃO DE CONSUMO DESCARACTERIZADA. PRECEDENTES
DO STJ. RECURSO DO INSS PROVIDO.
1. O Ministério Público não detém legitimidade ad causam
para a propositura de ação civil pública que verse sobre benefícios
previdenciários, uma vez que se trata de direitos patrimoniais
disponíveis e inexistente relação de consumo. Precedentes.
2. Prejudicado o exame do recurso especial da União.
3. Recurso especial da autarquia provido para declarar a
ilegitimidade ativa do Ministério Público' (fl. 514).
[...]
2. O Recorrente alega que o Tribunal a quo teria contrariado os
arts. 93, inc. IX, 127 e 129, inc. III, da Constituição da República.
[...]
4. Razão jurídica assiste ao Recorrente.
5. A controvérsia em debate cinge-se à legitimidade do Ministério
Público para a interposição de ação civil pública na qual se discutem os
critérios adotados pela autarquia previdenciária para a concessão do
benefício assistencial, previsto no art. 203, inc. V, da Constituição.
Documento: 12849849 - RELATÓRIO E VOTO - Site certificado Página 17de 22
18. Superior Tribunal de Justiça
O Supremo Tribunal Federal firmou entendimento no sentido de ser
legítima a atuação do Ministério Público na defesa de direitos que, embora
individuais, possuam relevante interesse social, pois os chamados direitos
individuais homogêneos estariam incluídos na categoria de direitos coletivos
abrangidos pelo art. 129, inc. III, da Constituição da República (RE
163.231, Rel. Min. Maurício Corrêa, Tribunal Pleno, DJ 29.6.2001).
Ressalte-se, nesse sentido, o voto proferido pelo Relator do Agravo
de Instrumento no Recurso Extraordinário 472.489, Ministro Celso de
Mello, no qual se reconheceu o direito de segurados da Previdência Social
à obtenção de certidão parcial de tempo de serviço e a legitimidade do
Ministério Público para propor ação com esse objetivo [...]
[...]
6. Na espécie vertente, pretende o Recorrente ver declarada sua
legitimidade para a propositura de ação civil pública na qual se discutirão
os critérios adotados pela autarquia previdenciária para a concessão do
benefício assistencial, previsto no art. 203, inc. V, da Constituição da
República.
Não há como deixar-se de reconhecer o relevante interesse social
que a questão apresenta, ainda que não trate de relação de consumo, como
afirmado a título de óbice pelo Tribunal de origem. Além disso, é de se
considerar que a Constituição da República dispensa atenção especial aos
portadores de deficiência e aos idosos (art. 203, inc. V).
O acórdão recorrido, portanto, diverge da jurisprudência do
Supremo Tribunal Federal.
7. Pelo exposto, dou provimento ao recurso extraordinário (art.
557, § 1ª-A, do Código de Processo Civil e art. 21, § 2º, do Regimento
Interno do Supremo Tribunal Federal) para declarar a legitimidade do
Ministério Público Federal para propor ação civil pública nos termos postos
e determino o retorno dos autos ao Superior Tribunal de Justiça para que
prossiga no julgamento do recurso especial ." (Grifos no original.)
Também foi reconhecida naquela Augusta Corte a legitimidade do Ministério
Público para o ajuizamento de ação civil pública nos seguintes julgados monocráticos:
(a) RE n.º 549.419/DF, Rel. Min. AYRES BRITTO, DJe de 06/08/2010, objeto
da ação civil pública: revisão de benefício previdenciário;
(b) RE n.º 607.200/SC, Rel. Min. AYRES BRITTO, DJe de 06/08/2010, objeto
da ação civil pública: revisão de benefícios previdenciários;
(c) RE 491.762/SE, Rel.ª Min.ª CARMEN LÚCIA, DJe de 26/02/2010, objeto
da ação civil pública: equiparação de menores sob guarda judicial a filhos de segurados, para
fins previdenciários;
(d) RE 444.357/PR, Rel. Min. RICARDO LEWANDOWSKI, DJe de
11/11/2009, objeto da ação civil pública: critério de concessão do benefício assistencial a
portadores de deficiência e idosos (art. 203, V, da Constituição Federal).
Impende ainda ressaltar que o reconhecimento da legitimidade do Ministério
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19. Superior Tribunal de Justiça
Público para a ação civil pública em matéria previdenciária implicaria inegável economia
processual, evitando a proliferação de demandas individuais idênticas com o consequente
acúmulo de feitos nas instâncias do Judiciário.
A propósito:
"RECURSO ESPECIAL. PREVIDENCIÁRIO. AÇÃO CIVIL
PÚBLICA. MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL.
'O Ministério Público está legitimado a defender direitos individuais
homogêneos, quando tais direitos têm repercussão no interesse público.'
'O exercício das ações coletivas pelo Ministério Público deve ser
admitido com largueza. Em verdade a ação coletiva, ao tempo em que
propicia solução uniforme para todos os envolvidos no problema, livra o
Poder Judiciário da maior praga que o aflige, a repetição de processos
idênticos.'
Recurso conhecido, mas desprovido." (REsp 413.986/PR, 5.ª Turma,
Rel. Min. JOSÉ ARNALDO DA FONSECA, DJ de 11/11/2002.)
Acrescente-se, ainda, a lição de RODOLFO CAMARCO MANCUSO, para
quem "... especialmente nos casos em que há expressiva dispersão dos lesados (por
exemplo, aplicadores em caderneta de poupança de certo Banco, prejudicados pelo
incorreto índice remuneratório), haverá extrema conveniência em que o trato jurisdicional
da matéria se faça em modo molecular, assim evitando a atomização do fenômeno coletivo
em múltiplas demandas individuais, ao risco de decisões discrepantes, em processos mais
demorados e onerosos " (in "Interesses Difusos, conceito e legitimação para agir" - 6.ª ed.,
São Paulo: RT, 2004, p. 49 - grifei).
Na hipótese sob exame, a ação civil pública titularizada pelo Parquet tem por
objeto a revisão dos benefícios previdenciários de inúmeros aposentados, tendo a Corte de origem
assinalado, com proficiência, que, in verbis:
"No caso dos autos, o interesse social sobressai, pois evidenciado
pelo avultado número de beneficiários da Previdência Social que tiveram
calculada de forma errônea e prejudicial a renda mensal inicial de seus
benefícios previdenciários, com significativa redução de seus proventos ao
longo dos anos, a projetar reflexos não apenas nas suas próprias vidas e
nas de suas famílias, mas em toda a sociedade, com um empobrecimento
injustificado a levá-los a um processo de exclusão social expressamente
repelido pela Constituição Federal e à oneração dos serviços públicos de
saúde, educação e assistência social.
A Ação Civil Pública, portanto, é o instrumento adequado, face à
economia e praticidade da medida, a obviar o inconveniente do ajuizamento
de centenas de ações individuais e a injustiça de não se reparar o prejuízo
daqueles que, por ignorância ou dificuldade de meios, não vão à Justiça
vindicar seus direitos." (fl. 165)
Assevere-se que, embora esta Corte tenha firmado jurisprudência desfavorável à
Documento: 12849849 - RELATÓRIO E VOTO - Site certificado Página 19de 22
20. Superior Tribunal de Justiça
tese de legitimidade do Ministério Público em matéria previdenciária, alguns posicionamentos
demonstram ainda existir polêmica em torno da questão.
É o que se deu, por exemplo, quando do julgamento do REsp 396.081/RS (DJe de
03/11/2008), em que se discutia a legitimidade do Parquet para ajuizar ação civil pública cujo
objeto era garantir o direito de crianças e adolescentes, sob guarda judicial, à inscrição no RGPS
como dependentes, para fins previdenciários.
Na ocasião, embora decidindo conforme a atual jurisprudência, a relatora do feito,
Min.ª MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, com sua habitual competência, ressalvou o seu
ponto de vista exatamente em razão do relevante interesse social presente na lide,
manifestando-se nos seguintes termos, litteris:
"Consoante previsão do parágrafo único do artigo 1º da Lei nº
7.347/85, introduzido pela Medida Provisória nº 2.180-35/2001, 'não será
cabível ação civil pública para veicular pretensões que envolvam tributos,
contribuições previdenciárias, o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço -
FGTS ou outros fundos de natureza institucional cujos beneficiários podem
ser individualmente determinados.'
Conquanto referido dispositivo legal não tenha aplicação para os
feitos que versam sobre benefícios previdenciários, mas apenas para os
casos que cuidam de contribuições previdenciárias, predomina na Terceira
Seção desta Corte Superior de Justiça a tese de que não é cabível a
propositura de ação civil pública que verse sobre a concessão de benefícios
previdenciários, por cuidarem de direitos individuais disponíveis.
[...]
Com a devida vênia da tese que prepondera na Terceira Seção
deste egrégio Tribunal, entendo que, em casos como o presente, ainda que
os direitos defendidos sejam divisíveis, há legitimidade do Ministério Público
diante da existência de relevante interesse social na causa, que versa sobre
interesses individuais homogêneos consubstanciados em interesses de
crianças e adolescentes sob guarda judicial de serem inscritas como
dependentes no Regime Geral da Previdência Social.
[...]
No entanto, em respeito à jurisprudência firmada pela Terceira
Seção, com a ressalva do meu entendimento acerca do tema, adoto a tese
segundo a qual o Ministério Público não tem legitimidade ativa ad causam
para propor ação civil pública em defesa de direito à percepção de
benefício previdenciário."
Diga-se o mesmo do douto voto-vogal vencido proferido pelo Min. NAPOLEÃO
NUNES MAIA FILHO, prolatado julgamento do REsp n.º 661.701/SC (DJe de 18/05/2009) –
cujo acórdão foi posteriormente reformado pelo Supremo Tribunal Federal, no já citado RE
613.044/SC –, in verbis:
"1. Senhores Ministros, gostaria de mencionar, não propriamente
lembrando, mas apenas frisando, à douta Turma que a categoria da
legitimidade processual é muito cara ao processo civil e que surgiu em cena
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21. Superior Tribunal de Justiça
ainda no Século XIX, com a questão do interesse de agir e da possibilidade
jurídica quando o processo civil foi estruturado nos seus começos para
regular ações e litígios simplesmente binários, ou seja, um indivíduo contra
outro. Essa categoria - disse isso em um julgamento da Seção em que fiquei
vencido - não dá conta do processo civil contemporâneo em que os direitos
coletivos e multitudinários surgiram com a força decorrente dos direitos
fundamentais e com tal força avassaladora que quebrou essa categoria
tradicional do processo civil, que é da legitimidade. No caso, é evidente que
o direito subjetivo ou material está patente e presente e que o Ministério
Público, ao propor essa ação, na verdade, resguarda e tutela um direito
multitudinário de pessoas sabidamente hipossuficientes e que, deixadas ao
relento da proteção do Ministério Público, com certeza não demandarão
esses direitos ou haverá até retardo admirável na demanda, com prejuízo
evidente para a subsistência das pessoas hipossuficientes ou pobres. A
Defensoria Pública poderia também propor a ação, mas nem todas as
comarcas nem todos os Estados possuem Defensoria Pública tão
capilarizada e tão presente, tão dinâmica até diria e tão empenhada quanto
o Ministério Público.
2. Daí por que, Ministro Arnaldo Esteves Lima, reconhecendo a
grande ponderabilidade de suas palavras, penso que não há prejuízo para
ninguém em se admitir que o Ministério Público promova esse tipo de ação e
haverá uma vantagem evidente para as pessoas que são credoras desses
benefícios. Quando, na verdade, esses benefícios deveriam ser pagos na via
administrativa, sem necessidade de demanda alguma.
3. Sr. Ministro Arnaldo Esteves Lima, com o devido respeito a V.
Exa. e ao seu voto, penso que esse rigor na apuração da legitimidade
subjetiva ativa do Ministério Público, vem em desfavor das pessoas que
estão carecendo de proteção, daí por que quem quer que promova a ação
no sentido de amparar os carentes deve merecer acolhida a iniciativa.
4. Assim, mais uma vez, reconhecendo a grande lucidez do voto de
V. Exa., peço vênia, respeitosamente, para reconhecer que o Ministério
Público tem legitimidade ativa para propor ações em benefício de
hipossuficientes que têm direito a perceber benefícios previdenciários. A
questão posta no recurso especial é exclusivamente da legitimidade.
5. Peço vênia a V. Exa. para negar provimento ao recurso do INSS
pelas razões que acabei de alinhavar. E julgo prejudicado o recurso
especial da União."
Tenho, por fim, que as razões veiculadas tanto na doutrina quanto na
jurisprudência anteriormente apreciadas embasam, a meu ver, a mudança de posicionamento
desta Corte, no sentido de que, diante da presença do relevante interesse social envolvido no
assunto, seja reconhecida a legitimidade do Ministério Público para figurar no polo ativo de ação
civil pública na defesa de direitos de natureza previdenciária, cujas normas, constitucionais e
infraconstitucionais, têm por destinatários, em grande parte, pessoas desvalidas social e
economicamente.
Assim, entendo que deve ser restabelecida a antiga jurisprudência desta Corte,
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22. Superior Tribunal de Justiça
que, com sabedoria e justiça, já reconheceu a legitimidade do Parquet sobre a questão, conforme
inicialmente afirmado e exemplificado no precedente a seguir citado, in verbis:
"AGRAVO INTERNO. PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL
PÚBLICA. DIREITOS INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS. MINISTÉRIO
PÚBLICO FEDERAL. LEGITIMIDADE. PRECEDENTES DO STJ.
I - Conforme jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, 'O
Ministério Público possui legitimidade para propor ação coletiva visando
proteger o interesse, de todos os segurados que recebiam benefício de
prestação continuada do INSS, pertinente ao pagamento dos benefícios sem
a devida atualização, o que estaria causando prejuízo grave a todos os
beneficiários. Sobre as atribuições dos integrantes do Ministério Público,
cumpre asseverar que a norma legal abrange toda a amplitude de seus
conceitos e interpretá-la com restrições seria contrariar os princípios
institucionais que regem esse órgão.' (RESP 211019/SP, Relator Min. FELIX
FISCHER).
II - Agravo interno desprovido." (AgRg no AgRg no AG 422.659/RS,
5.ª Turma, Rel. Min. GILSON DIPP, DJ de 05/08/2002.)
Ante o exposto, NEGO PROVIMENTO ao recurso especial.
É o voto.
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