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PREFEITURA DE PORTO ALEGRE- SECRETARIA MUNICIPAL DA CULTURA
CÂMARA MUNICIPAL DE PORTO ALEGRE
apresentam
24 e 25 de outubro de 2006
Centro Cultural CEEE-Érico Veríssimo
Porto Alegre
Apoios:
FUNDACINE – Fundação Cinema RS
Ministério da Cultura - Representação Regional Sul
Centro Cultural CEEE - Érico Veríssimo
Produção: Débora Peters e Daniel Bender Ludwig
Transcrição: Jeferson Rasquim Araujo.
Revisão: Álvaro Santi e Bárbara Hoch (Observatório da Cultura)
2
SEMINÁRIO MECENAS NA REPÚBLICA
O financiamento público à cultura
Painel 1. Mecanismos de financiamento à cultura no cenário
internacional.
Palestrante: Luís Carlos Prestes Filho – Pontifícia Universidade Católica-RJ.
Debatedor: Leandro Valiati – Faculdade de Ciências Econômicas -UFRGS.
Mediador: Álvaro Santi – Gerente do Fumproarte/SMC-PMPA.
Dia 24/10/2006 às 10h.
Luís Carlos Prestes Filho: [...]1
Se o filme foi exibido 30, 40, 50 vezes, existe a parcela da
repetição daquela música que foi tantas vezes tocada por conta da exibição do filme, ela vai ter uma
arrecadação, que será recolhida para a sociedade onde o autor é filiado e que irá repassar para ele a
quantia. Nos Estados Unidos, isto é praticamente a gestão da indústria de copyright e que fica nas
mãos dos empresários. São tratamentos totalmente diferentes, e eu defendo muito o modelo,
acredito que o modelo brasileiro e o modelo europeu permitem uma distribuição de renda muito
maior, são muito mais interessantes e valeria à pena acompanhá-los e entender melhor como
funcionam e porque terminam beneficiando milhares e milhares de autores, compositores, músicos,
arranjadores e intérpretes no Brasil inteiro. Cabe ao Estado estar mais presente nesta participação
normativa do suporte, do apoio, do fomento de arrecadação de direitos autorais. Só o setor de
cultura no Estado [do Rio de Janeiro] movimenta R$ 5 bilhões. Uma ação imediata que poderia ser
feita e é um passo estratégico para podermos pensar qualquer política de fomento à cultura, seria
reunir as entidades que trabalham e que pensam a propriedade intelectual na sua cidade e no seu
Estado. Aqui vocês veem as associações brasileiras de Informática, de Empresas de Software, de
Defesa da Propriedade Intelectual, a Associação Comercial do Rio de Janeiro, a Associação de
Designers Gráficos, de Direitos Fonográficos, o Instituto Nacional de Belas Artes, o ECAD, a
1
O sinal “[...]” indicará, no texto, os trechos cujo áudio não foi registrado por problemas técnicos.
3
Biblioteca Nacional... Na Ordem dos Advogados do Brasil há uma Comissão de Direitos Autorais,
dentro da OAB; há o Instituto Nacional de Propriedade Industrial, onde na verdade são feitos os
registros. Para vocês terem uma ideia, nós estamos agora fazendo um estudo sobre a Economia do
Carnaval e verificamos que no cenário da Economia do Carnaval do Rio de Janeiro, nossas escolas
de samba não têm acompanhamento do registro das suas marcas. Podemos chegar daqui a pouco na
Alemanha, na Inglaterra, no Japão ou Estados Unidos e ter que pagar royalties para usar a
denominação “Mangueira”, por exemplo. É um assunto que temos que trabalhar. E temos várias
empresas de indústria fonográficas, no Rio de Janeiro, que estão fazendo uso do decreto de 2003.
Ao contratar conteúdo autoral brasileiro, a empresa produtora do disco vai poder acumular um
crédito no limite de 70% do imposto devido, de circulação de mercadorias, o que vai poder ser
abatido na hora de pagar o imposto estadual. Isso tem permitido o fortalecimento deste segmento no
Rio de Janeiro, e nos ajudou com que as empresas não migrassem para o Estado de São Paulo, com
um resultado muito interessante. Para ter esse decreto tivemos que negociar com o Conselho
Nacional de Política Fazendária, com todos os secretários da Fazenda, mas imaginem o que
representa para uma gravadora, seja micro, pequena e média empresa, deixar de pagar 70% do
imposto devido. É um benefício extremamente interessante e, quem sabe, a leitura deste decreto,
seria interessante para aqueles que na Câmara Municipal de Porto Alegre querem promover e
fortalecer micro e pequenas produtoras fonográficas estabelecidas na capital. Nos últimos 20 anos,
por conta das pesquisas que realizamos, vimos que muitas empresas gráficas estavam migrando do
Rio de Janeiro para São Paulo, Minas Gerais e Paraná. Como nas secretarias estaduais de fazenda,
dos municípios e Estado, nunca focamos a indústria gráfica, nós não tínhamos percebido que o
imposto do Rio de Janeiro era 19%, sendo que o imposto devido das empresas gráficas de São
Paulo era de 12%. Por isso muitas empresas acabavam saindo do Rio de Janeiro. No ano de 2004,
na lei 4.3442
, conseguimos aprovar essa lei e, igualamos ao imposto de São Paulo. Nessa redução da
base de cálculo do ICMS, também criamos um Fundo de Desenvolvimento no Estado do Rio de
Janeiro, que é um financiamento para projetos de instalação, relocalização e modernização das
empresas do setor gráfico.
Vou dar para vocês o exemplo do impacto que acompanhei durante os últimos dois anos. Havia
uma empresa gráfica de embalagens que não tinha praticamente condições de sobrevivência na
cidade de Mendes, no interior do Estado e, com tais incentivos, a empresa conseguiu comprar novos
2
Lei Estadual 4.344, de 27/5/2004, que “INSTITUI O PROGRAMA DE DESENVOLVIMENTO DO SETOR
GRÁFICO NO ESTADO DO RIO DE JANEIRO - RIOGRAF”. Disponível em http://alerjln1.alerj.rj.gov.br
4
equipamentos que custaram quase US$ 1 milhão. Desse valor, conseguiram abater tanto no projeto
de modernização de sua infraestrutura. Assim, a diferença de 19% para 12% permitiu a eles
compraram novos equipamentos. Muitas empresas do Estado têm usado essa diferença de recursos
financeiros para poder realizar uma revolução dentro das empresas como, por exemplo, a
requalificação dos seus funcionários. Estamos assistindo uma revolução tecnológico-científica nos
últimos anos e muitos trabalhadores serão demitidos porque não fizeram cursos, e assim entrarão
novos operários. E por que não trabalhar com aqueles que já estão nas empresas há 10, 15, 20 anos,
por que não oferecer cursos de requalificação e permitir que eles continuem no mercado de
trabalho? Claro que, com recursos disponíveis, fica muito mais fácil. Conseguimos criar no interior
do Estado do Rio de Janeiro, parcerias com universidades regionais e realizar esses cursos, para que
os trabalhadores dessas empresas que atravessarem verdadeiras mudanças tecnológicas consigam
conhecimento e continuem no mercado de trabalho. E a área da indústria gráfica, um segmento
importantíssimo que são livros, jornais e revistas. Nas televisões por assinatura, há um acordo
válido no país inteiro, e um convênio do ICMS aprovado pelo Conselho Nacional de Política
Fazendária onde existe uma redução da base de cálculo: as televisões por assinatura deveriam pagar
25% do imposto de circulação de mercadorias e pagam somente 10%. Por que a Câmara de
Vereadores ou uma Secretaria Municipal de Cultura não vai discutir com os proprietários de TVs a
cabo, o fato que estão pagando 10%, e entendemos que o investimento é muito caro, mas por que
não tentar contrapartidas? Quem sabe poderíamos buscar uma alternativa para poder, por exemplo,
valorizar a cultura regional, a cultura do município? É possível, mas, não está na pauta, muitas
vezes nós nem sabemos da existência. Então, esses são assuntos, que estão na pauta da
Superintendência da Economia da Cultura, onde uma TV a cabo que comece a veicular três ou
quatro filmes produzidos naquela cidade ou naquele Estado, mesmo que seja de madrugada, com
certeza iremos criar público que irá assistir filmes na madrugada. Muitas TVs a cabo gostariam de
estar inseridas, oferecer contrapartidas, mas ninguém vai até elas para discutir esses temas. O
Programa Pró-Música também é outra área da lei 4.175, criada em 20033
, que é o financiamento
para os projetos de instalação, relocalização e modernização de empresas de distribuição de discos
fonográficos. As empresas produzem hoje os discos na Zona Franca de Manaus, mas precisam de
grandes centrais para provocar a distribuição desses produtos. Claro que hoje a música está
mudando o seu padrão de negócio: ela mudou, mas ainda no Brasil temos um problema bastante
3
Lei Estadual de 29/9/2003, que “INSTITUI O PROGRAMA DE FOMENTO À MÚSICA BRASILEIRA –
RIOMÚSICA, NO ÂMBITO DO FUNDO DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO E SOCIAL – FUNDES”.
Disponível em http://alerjln1.alerj.rj.gov.br
5
grave. Nós temos um custo de logística enorme, por exemplo, os aviões que trazem para São Paulo
e Rio de Janeiro os discos de final de ano do Roberto Carlos já há cópias piratas circulando no
Brasil inteiro. Então, a distribuição deve ser eficaz, rápida e estar urgentemente dentro das lojas,
para que ocorra a venda. Com isso, oferecemos uma redução do imposto para ajudar os empresários
e algumas atividades permanecem no Rio de Janeiro, apesar de muitas delas terem migrado para o
Estado de São Paulo antes de termos criado essa lei. Quero mostrar como funciona a nossa lei,
como funcionou durante muitos anos a da Lei do Benefício Fiscal da Música. Quero exemplificar
para que os presentes possam ter uma noção maior e, quem sabe reproduzir esses mecanismos para
as áreas do livro, da dança, do teatro e das artes plásticas. Agora, estamos fazendo um estudo da
Economia do Carnaval, no ano que vem faremos um estudo sobre a Economia do Audiovisual, para
entender melhor a cadeia produtiva dos museus, da música clássica e das artes plásticas no Brasil.
Estamos com uma pauta grande. Creio que já cumpri minha missão na área de Economia da
Cultura. Se há dez anos ninguém falava, hoje é um tema prioritário no desenvolvimento econômico
nacional e quem sabe chegou um momento em que podemos disponibilizar a nossa metodologia,
trocar mais e chegar a resultados concretos. Gosto muito da paixão de falar do que aconteceu em
Conservatória, que é a cidade das serenatas, mas a pauta hoje não é serenatas, não é
desenvolvimento local, são leis de incentivo, essas coisas chatas sobre políticas tributárias sobre as
quais nós temos que falar tanto sendo que seria melhor falar de outros temas. Mas aqui temos,
simulações em que poderíamos usar qualquer área da cultura em Porto Alegre ou Rio Grande do Sul
e trabalhar. Por exemplo, vemos ali a empresa fonográfica, a gravadora, está no centro. Esta
gravadora deve pagar o imposto de circulação de mercadoria. Sendo um micro empresário, deve
pagar imposto. E, claro, 50% das atividades da cultura sempre estarão fora do mercado formal.
Todas as pesquisas que eu fiz eu sempre busquei informações das atividades formais da cultura, ou
seja, aquelas que geram emprego e renda. No livro Economia da Música4
vocês irão encontrar
informações principalmente sobre o setor formal da cultura. Mas, não que eu desconsidere as
atividades informais da cultura. Nós vamos pagar, no caso da música, 30% hoje, no Estado do Rio
de Janeiro, por conta do imposto de circulação de mercadoria. Os outros 70% serão para contratar
as editoras musicais que vão pagar os autores, e quem é da música sabe, e assim gera-se autorização
do benefício fiscal da música brasileira. Quero dizer, as gravadoras vão produzir o conteúdo
fonográfico contratando músicos, arranjadores e intérpretes. E ali, naquela área laranja irão se
desenvolver atividades que muitas vezes nós não temos noção: vão ser feitos os CDs, que serão
4
Prestes Filho, Luiz Carlos. Cadeia produtiva da economia da música. Rio de Janeiro, PUC-RJ, 2005.
6
comercializados, e muitos autores de renome vão ter pagamentos por conta da quantidade de CDs
ou DVDs vendidos, o autor terá pela segunda vez um ganho. Nem todos têm, somente grandes
estrelas. Acontece depois a execução pública do fonograma em TV aberta, na TV por assinatura,
nas rádios ou espetáculos. E é aí que ocorre a arrecadação do ECAD.Quando arrecada o direito
autoral o ECAD fará o pagamento para as sociedades, as quais irão pagar para os músicos,
arranjadores e intérpretes, ou seja, uma segunda entrada de dinheiro, além das gravadoras,
proprietárias do fonograma, para os autores que ganharão pela terceira vez, e para as editoras
musicais. Esses são desenhos e simulações ideais, pois os problemas existem e não conseguimos ter
gestão de bens intangíveis. Em qualquer área da cultura, quando pensamos em políticas de incentivo
fiscal e em políticas de incentivo à produção cultural nós, não podemos deixar fora uma visão sobre
o quadro das políticas tributárias. Hoje, as políticas tributárias de incentivo à cultura no Brasil para
as áreas de TV aberta, TV por assinatura, distribuição e exibição de filmes no país, sendo
americanos ou brasileiros, para a área da indústria gráfica de jornais, livros e revistas, para a área de
espetáculos, gravadoras musicais, produtoras de fonogramas, giram em torno de bilhões de dólares.
Temos que aperfeiçoar esses mecanismos, e colocar na nossa pauta a discussão desses temas do
mesmo modo que discutimos leis municipais, estaduais e federais de incentivo à cultura. A lei
relativa ao imposto sobre serviços, normalmente são as leis municipais, as leis do imposto de
circulação de mercadoria e a questão relativa ao imposto de renda, daí falando da Lei Rouanet5
. É
um universo econômico muito pequeno onde estão essas leis. Do ponto de vista econômico elas irão
representar 1%, 2%, 3% em relação ao que circula em torno dos incentivos fiscais que são
direcionados para os grandes segmentos empresariais da cultura. Vamos avançar nessa situação e
essa é a visão internacional hoje, são assim que se realizam atividades de fomento à cultura nos
Estados Unidos, na Alemanha, no Japão, na França, na Inglaterra. O Estado do Rio de Janeiro, em
oito anos, deu esses passos tão tímidos, tão pequenos. Nós estamos conceituando e trouxemos isso
para dentro da Secretaria Estadual de Desenvolvimento Econômico. Estamos certo que
independente de qualquer resultado da eleição no Estado nós teremos continuidade para essas ações
porque queremos que a indústria do automóvel, a indústria pesada, a indústria poluente cada vez
mais fique em São Paulo porque queremos a indústria limpa, a indústria do conhecimento, a
indústria da cultura. E que ela cada vez mais seja o fator de desenvolvimento econômico do nosso
Estado, do Estado do Rio de Janeiro. Era isso que eu tinha para falar, muito obrigado.
5
Lei Federal 8.313/91
7
Álvaro Santi: Obrigado, Luís Carlos Prestes Filho. Eu quero convidar então o debatedor desta
mesa que é o economista Leandro Valiati, que já está presente. Por favor, Leandro. O Leandro é
pesquisador de Economia da Cultura da CAPES e professor da Especialização de Economia da
Cultura no Programa de Pós-Graduação de Economia da UFRGS.
Leandro Valiati: Primeiramente, muito bom dia a todos e boas vindas ao professor Luís Carlos. Eu
me sinto muito honrado em participar desse tipo de discussão, pois, creio que é fundamentalmente
necessário garantir uma espécie de sofisticação das formas de incentivo à cultura. Basicamente, eu
gostaria de falar em três pontos importantes e dentre muitas outras coisas fundamentais acerca de
fatores de impacto, efeitos multiplicadores que são focos analíticos muito caros à ciência econômica
porque fornecem relatos reais, objetivos e efetivos dos efeitos das atividades culturais. São
atividades produtivas que geram emprego, renda e bem estar social na forma real, na forma
concreta. Porém eu gostaria de levantar três pontos importantes em perspectiva do que é feito lá
fora sobre financiamento à cultura, e o que é a tônica das leis atuais abaixo das quais estamos
submetidos no Brasil. Eu penso que um ponto importante é a questão do marketing cultural e as
relações dele com a forma de incentivo dadas no Brasil. Evidentemente, do ponto de vista do
investidor privado, é muito mais vantajoso vincular o seu nome a uma atividade cultural que lhe
garanta renúncia fiscal, ou seja, um benefício extra além do benefício do marketing, da exposição
midiática, como também, em obras culturais que lhe garantam alta exposição, do que naquelas
atividades com condição de formação inicial, uma pequena exposição ou por fazer parte de um
seleto grupo que poderíamos chamar de alta cultura. Não gosto muito dessa divisão, mas é o que se
observa. O que ocorre é que o marketing talvez seja um elemento primordial no direcionamento da
captação dos recursos e aí seja um ponto importante de participação do Estado, na medida em que
temos que garantir igualdade de acesso a recursos para obras que tenham um valor cultural
aproximado. E entramos em uma discussão importantíssima para a Economia e que particularmente
nos tira o sono, a nós economistas que trabalhamos com a Economia da Cultura, que apesar de estar
mais em evidência, ainda carece de muita discussão, de muita sofisticação e fundamentalmente
carece de uma definição de parâmetros em perspectiva do valor cultural. Porque o valor econômico
é tangível e a forma consagrada de valor econômico existe e aparece nos efeitos multiplicadores da
economia. Sabemos quantos empregos são gerados na economia da música, sabemos o que se
agrega ao PIB a partir da produção do carnaval e esse conhecimento é fundamental para que
possamos ampliar as políticas públicas de cultura e direcioná-las para o que realmente pode garantir
8
mais emprego e maior renda. Entretanto, um componente do qual nós, economistas, carecemos de
certa forma é a análise do valor cultural, o que sociologicamente pode ser compreendido como valor
cultural. E isso é efetivamente uma discussão longa, que devemos ter bastante cuidado para que o
Estado não passe a tomar a frente da decisão do que é ou não é cultura. A discussão do componente
de valor cultural está intimamente ligada às necessidades de políticas culturais. Faço parte de um
grupo de estudo de estudo de Economia da Cultura na UFRGS e nós cotidianamente vivemos uma
crise existencial acerca da questão do valor cultural, o que podemos reputar como valor cultural. O
que nos parece mais tangível para discutir o que é intangível, ou seja, o valor cultural, é uma
perspectiva multidisciplinar, procurando além dos expedientes de análise econômica, e agregando
componentes de análise histórico-cultural, de análise de antropologia da cultura, sociologia da
cultura. Compreender uma característica que eu imputo como importantíssima: a questão do
pertencimento. E o sentimento de pertencimento de uma sociedade a partir de uma produção
particular de uma obra cultural eventualmente precede a constituição de um mercado. E esse é o
segundo ponto, de interrogação que colocamos, quer dizer, como podemos de uma forma
apropriada pensar o valor cultural em perspectiva das políticas tributárias de renúncia fiscal. E, em
que medida isso está vinculado à concepção de marketing no momento da captação dos recursos.
Bem, estamos diante de gestores culturais e que evidentemente sabem melhor que nós, economistas,
que olhamos isso sob a perspectiva da academia, que é o seguinte: o momento da captação dos
recursos me parece pouco regulado. É o momento em que, depois de aprovadas pelos conselhos de
cultura, as atividades computadas como integrantes da política cultural do governo, transfere a um
ambiente em que, para se conseguir o efetivo patrocínio, a partir de expedientes de renúncia fiscal,
existe pouca regulação acerca de onde vão os recursos que lhes foram permitidos. Talvez seja uma
interrogação importante para pensarmos e sofisticarmos as leis de incentivo à cultura. Porque, em
minha opinião, carece de um pouco de sofisticação. E até sendo um pouco iconoclástico, creio que
nesse momento de discussão, é importante ressaltarmos alguns componentes que podem ser
calibrados numa perspectiva de maior eficiência das leis. Quando eu falo da perspectiva do
investidor orientar seus recursos, ainda que já possuam renúncia fiscal de obras com maior valor
agregado, e é isso muito lógico, do ponto de vista de quem está no mercado cultural. Entretanto,
aqui está o terceiro ponto que eu gostaria de levantar, que é a questão dos bens públicos, ou seja, via
de regra os bens públicos na economia são aqueles bens para os quais, na maioria dos casos, não há
um mercado constituído. Enfim, e quando não há um mercado constituído? Qual o tratamento, a
partir dos expedientes de renúncia fiscal que pode ser dado a esses bens? É outra interrogação
9
importante. Porque o nosso papel, fundamentalmente, quando se olha a produção cultural a partir de
um ambiente que não é o da prática cultural, é olhar essas espécies de distorções e levantar esses
questionamentos. Não tenho resposta efetiva para a maioria desses questionamentos, mas é
importantíssimo levantá-los na medida em que pensamos a questão do marketing cultural e as
relações entre valor econômico, que vem dos efeitos multiplicadores, e valor cultural. Pensar
também como produzir bens públicos de uma maneira eficiente a partir dos mecanismos atuais de
financiamento à cultura. Então, o que eu deixo a título de comentário para iniciar o debate, e que
presumo que irá também contar com a participação do público, é exatamente isso: em que medida
podemos sofisticar as atuais formas de incentivo à cultura? Porque eu percebo claramente uma
espécie de distorção no momento da captação dos recursos. Pergunto: por que certas formas
culturais se consolidam ao longo dos tempos e outras não? Muitas acabam não se viabilizando por
falta de recursos, ainda que totalmente beneficiadas por expedientes de renúncia fiscal. Talvez
possamos começar por aí. Por que isso ocorre? O que seria adequado no sentido de garantir que
essas obras, sem haver uma distorção de recursos públicos, liberados para A ou B, que também
passam por cima de instâncias deliberativas tais como os conselhos estaduais de cultura? Quais os
mecanismos apropriados para que se permita um equilíbrio entre obras com um alto potencial de
marketing e obras com um pequeno potencial de marketing? O que fazer para que essa situação
possa ser corrigida, que possa se chegar a um equilíbrio entre fornecer os incentivos e internalizar
às leis o componente de ganhos mercadológicos a partir de expedientes de propaganda? Talvez esse
seja o grande motor, até acima dos mecanismos de renúncia fiscal, do valor em que o governo abre
mão, talvez a questão do marketing seja o grande motor dos investimentos a partir dos expedientes
de renúncia fiscal. Cabe-nos pensar sobre o equilíbrio, discutir tanto na instância acadêmica, quanto
nas instâncias práticas e em perspectiva de algumas experiências internacionais que possuímos.
Quais são? Existem alguns mecanismos de leilões de obras culturais. Como funcionam? As obras
que têm maior valor de marketing agregado recebem um incentivo fiscal proporcionalmente menor
do que as que possuem menor potencial de marketing. E como se mede isso? Quantitativamente.
Número de inserções em rede nacionais e locais de televisão, número de outdoors, propaganda em
geral. Isso é possivelmente captável, perfeitamente possível de se observar. Será que é uma maneira
de se adequar à nossa realidade? No entanto, faz parte de uma espécie de mecanismo de sofisticação
das leis. Deixo aqui esse primeiro ponto de interrogação e gostaria de ouvir o professor Prestes
acerca de como vê a questão do valor intangível, do marketing cultural, ou seja, essas questões mais
subjetivas associadas às leis de incentivo à cultura.
10
Luís Carlos Prestes Filho: Bem, não se vende um livro, um filme ou um espetáculo se não tiver
política de marketing em cima. Isso é uma regra de mercado, assim como não se vende um
automóvel, uma pasta de dentes, ou passagens aéreas. A área do marketing é fundamental para
qualquer segmento, quando vai se discutir mercado, quando vai se discutir economia. Na área da
cultura, nos nossos cálculos o segmento de marketing voltado para a área da cultura movimenta no
Brasil em torno de R$ 13 bilhões, isso com os dados de 2002. No Rio de Janeiro, a prefeitura e
Estado vão ter uma arrecadação fantástica, tanto de imposto sobre serviço como imposto sobre
circulação de mercadorias em cima das atividades voltadas para a área do marketing, publicidade e
propaganda, as quais fazem entrar nos cofres públicos uma média anual de 800 milhões de reais.
Assim, se não se pensar em marketing não se pode pensar a cultura. Mas, é um campo de
investigação que temos que trabalhar, não somente no foco de quando a empresa vai agregar valor a
seu produto por conta de estar patrocinando uma orquestra sinfônica, um corpo de baile, uma
exposição de artes plásticas, uma bolsa de estudos para algum segmento da área das artes ou algum
uma peça de teatro. Voltando para a questão do filme do Homem Aranha, ou qualquer filme
americano, a indústria cinematográfica americana não ganha dinheiro com a bilheteria. Hoje a
bilheteria vai pagar a manutenção das salas de cinema, vai pagar salários. Hoje a pipoca, a Coca-
Cola e o sanduíche faturam muito mais que o próprio filme. Por quê? O que está por trás? No
lançamento de um filme, o que há de mais importante são os licenciamentos que o filme traz.
Quando você assiste o lançamento dos filmes que serão colocados no mercado no Brasil, nos
próximos seis meses, nós vamos ver que, por exemplo: tal filme tem 300 cópias, durante três meses
vai ter páginas duplas na revista Veja, revista Isto É, revista Época, vai ter tantos outdoors
espalhados pelo país, vai ter tantas chamadas de televisão, vão ser inseridas imagens nos Sucrilhos,
no Nescau, no Toddinho, durante tanto tempo as mochilas irão aplicar essas imagens, vão ter tantas
camisetas, tênis, a trilha sonora vai fazer parte de 30 comerciais na área de bancos, na área que vai
vender sapatos, enfim... A política é feita de tal maneira que, inconscientemente, quando sentamos
para assistir o filme, é um momento de prazer enorme porque nem se sabe o porquê, mas de tudo
que está na tela já se viu algum fragmento, ou no seu café da manhã, ou na loja que você entrou, no
site de Internet que você entrou, a música tema que você nem sabe que aquela era a música tema,
mas você já viu, assistiu em tantas inserções comerciais onde essa música penetra de algum jeito.
Não se pode pensar em economia da cultura, na indústria cultural se não pensar em marketing. Isso
é correto. E, aí vem um projeto que temos discutido com algumas empresas de televisão no Rio de
Janeiro e quem sabe isso poderia entrar novamente na nossa pauta, dos nobres deputados estaduais e
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federais: por que não pensar na produção de um filme ou de uma minissérie onde os produtos que
estarão no audiovisual sejam 100% fabricados no Rio Grande do Sul? Por exemplo, a cadeira, o
tapete, o lustre, o refrigerante, o vinho, a jóia ou as paisagens que podem ser negociadas com
agências de turismo. O americano não ganha dinheiro com o filme, ganha com os licenciamentos
que o produto cultural permite e a partir daí, há toda uma repercussão de política de marketing.
Quero concordar com o que foi colocado, mas esse é um campo de investigação teórica sem fim.
Agora, quero dizer que não vivo uma crise existencial: simplesmente resolvi para mim de uma
maneira muito simples. Nós temos uma tradição muito grande na universidade brasileira de estudos
em Cultura e Sociologia, Cultura e Antropologia, Cultura e História e temos grandes pensadores
nessa área. Mas, não vou discutir ética, estética e moral porque nós temos uma bibliografia
gigantesca neste campo e essa bibliografia nos permitiria até mesmo por conta da produção cultural
brasileira, realizar inserções, atividades, respostas para essas questões e não viver uma crise
existencial porque certamente a cultura tem um valor. E, nós podemos tentar entender esse valor,
por exemplo, ao estudar a economia do carnaval, foi muito curioso que a primeira escola de samba
do Rio de Janeiro que surgiu em 1920, a Deixa Falar do Ismael Silva, quando, em 1935, o prefeito
Pedro Ernesto legaliza pela primeira vez o carnaval e cria oficialmente os desfiles das escolas de
samba no Rio, a imprensa toda diz: o carnaval morreu. Porque o carnaval dos anos 10, dos anos 20
era um carnaval onde o povo estava na rua e, agora, as escolas foram colocadas oficialmente para
desfilar com legislação, com regras, com subsídios públicos, acabando com o carnaval lúdico do
povo. Quando em 1945, com o apoio do Partido Comunista Brasileiro é criada a primeira
Associação das Escolas de Samba do Rio de Janeiro, e começam a se organizar as agremiações,
criando realmente escolas de samba com registro em cartório. Novamente: não, acabaram os
desfiles lúdicos das escolas de samba. Em 35, mataram o carnaval, e morreu o carnaval pela
segunda vez. Imaginem nos anos 60, quando, pela primeira vez, foram colocadas arquibancadas e
começou a transmissão pela televisão, o Ismael Silva, que era o criador da primeira escola de
samba, em 1920, não teve dinheiro para comprar o ingresso para assistir o carnaval. Foi a terceira
morte anunciada. Quando o professor Darcy Ribeiro criou o sambódromo, novamente morreu o
carnaval. E foi muito curioso porque até a Rede Globo fez uma campanha contra, tanto que a TV
Globo não transmitia os carnavais do sambódromo, pois a exclusividade era da TV Manchete, que
apoiou. Morreu o carnaval, acabou. E hoje, o sambódromo foi reproduzido em São Paulo, em vários
Estados e agora na Inglaterra há uma cidade que faz carnaval, com 20 escolas de samba e querem
criar um sambódromo. Quando nós inauguramos, com o apoio da prefeitura e do prefeito César
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Maia, a Cidade do Samba, foi mais uma vez a morte anunciada do carnaval do Rio de Janeiro. Nós
não podemos olhar a produção cultural hoje, em 2006, como era em 2000, em 1990, anos 20 ou em
1900. Ela acompanha o desenvolvimento científico e tecnológico. E vamos viver crises existenciais
permanentes se nós não acompanharmos a evolução científica e tecnológica. Agora, como criar
políticas públicas para fazer com que atividades que tem menos possam sobreviver? É tão difícil
saber até onde o Estado pode ir ou não, por isso mesmo escolhi estudar Economia da Cultura.
Acredito que nós não podemos escolher uma gravadora. Por exemplo, podemos incentivar qualquer
gravadora no Estado do Rio de Janeiro, Sony, BMG, Warner, Universal. Mas, apenas podemos
limitar ao favorecimento da área da cultura brasileira. Agora, se dizem que o grupo “Tchan” produz
música, ou que a “Éguinha Pocotó” é uma canção, não posso proibir a canção apenas pelo ponto de
vista estético. “Calça da Gang todo mundo quer, 50 reais para botar a bunda em pé”, se isso é
produção cultural, não cabe a mim, dentro da Secretaria de Fazenda dizer que o consumidor não
pode consumir tal música. Por exemplo, houve uma disputa judicial, porque uma banda se
apropriou da canção acima e gravou no seu disco. Os autores da música “Calça da Gang” entraram
com recurso na justiça para defender o seu direito sobre a música. Na hora em que a juíza entrou na
pauta, disse: não, vamos ouvir a obra que está em questão. No corredor, já havia pessoas cantando e
a juíza se dirigiu para aqueles que estavam reivindicando autoria e disse: “mas é isso, o senhor é
autor disso? Isto é uma obra musical?” O advogado que estava defendendo o direito daqueles que
não pagaram os direitos autorais, que usurparam o direito dos autores, falou: é isso mesmo, eles
estão dizendo que isso aí tem direitos, não tem direitos, não. Quer dizer, onde estão essas questões?
Creio que, para o Estado Brasileiro é muito difícil entrar na discussão estética, ética e moral. Nós
podemos, sim, em alguns aspectos criar situações para que o consumidor faça a sua escolha, criar
alternativas. Quando falei da TV por assinatura, ela deveria pagar vinte e cinco, mas paga quinze.
Por conta desse incentivo de pagar quinze, e como é o Estado que não está recebendo, ou seja, é um
dinheiro que não está entrando no poder público, ele pode dizer: queremos que divulguem as
paisagens do Rio Grande do Sul ou que divulguem a poesia do Rio Grande do Sul, ou que
divulguem as artes plásticas do Rio Grande do Sul. Isto está consolidado historicamente: o governo
do Amazonas reduziu de vinte e cinco para quinze, mas exigiu contrapartida. Ou seja, tais
contrapartidas podem ser colocadas como pontos de políticas tributárias. Terminando, no caso da
Economia da Música, que está no livro, há vários mapas e nós pegamos as informações de
infraestrutura de equipamentos culturais. O IBGE tem um estudo sobre indicadores municipais,
onde há Biblioteca Pública, lojas de DVDs, vídeolocadoras, emissoras de rádio, televisão, editoras,
13
livrarias, bancas de jornal, salas de espetáculos, teatros, salas de cinema. São 17 equipamentos
culturais que o IBGE levantou em todos os municípios brasileiros, e a média nacional de 17, fica
em 8,2, não chega nem a 10 dos 17. A maior parte dos municípios brasileiros só tem um
equipamento cultural que é o sinal da TV aberta. Ou seja, essa situação de infraestrutura é
gravíssima. Quando construímos o mapa do Brasil e fizemos o geo-referenciamento deste mapa, ele
se encheu de manchas brancas. Quando pegamos as informações de onde existem micros, pequena e
média empresas que atuam na área da cultura, o mapa ficou cheio de manchas brancas. Porque se há
micro, pequena e média empresa, e se essa infraestrutura de equipamentos culturais gerasse direito
autoral, construiríamos o mapa brasileiro de arrecadação de direitos autorais. Quem sabe as
políticas de leis de incentivo fiscais poderiam ser direcionadas para essas manchas brancas onde não
há infraestrutura, onde não há micro ou pequeno empresário da cultura, onde não se arrecada, onde
não há algum tipo de gestão de propriedade intelectual da área cultural. Porto Alegre, Rio de
Janeiro, Belo Horizonte, Recife, Brasília, Cuiabá têm teatros, têm bibliotecas, têm salas de cinema,
têm infraestrutura razoável, assim como tem muitos empresários que o mercado regula. Vamos
direcionar o dinheiro público para esses municípios onde não há infraestrutura e qualificar
empreendedores para que surjam atividades econômicas da cultura nessas áreas. Essa frente de
trabalho poderia, de fato, modificar o cenário da produção cultural brasileira.
Álvaro Santi: A primeira pergunta é para o Luís Carlos, que diz: Para onde é destinado o dinheiro
arrecadado pelo ECAD? E, vou ler também a segunda e depois podem responder juntos, já que é
dirigida aos dois: Embora periférico ao tema do seminário, mas, aproveitando a presença da
representação do Ministério da Cultura, torna-se imperativo solicitar que volte para Porto Alegre o
escritório de direitos autorais, que era antigamente na Biblioteca Central da UFRGS, pois existem
três livros pendentes desde 2005. Essa pergunta é do Nadir Silveira Dias, escritor e editor.
Luís Carlos Prestes Filho: Acho bacana essa solicitação do retorno do registro. É fundamental, se
minha palestra provocou essa idéia: já valeu à pena vir a Porto Alegre. Sobre a questão do ECAD,
seria legal entrar em seu site, para ter uma visão do que é a empresa. O ECAD é uma empresa
privada, e faz gestão de direitos autorais. Os sócios do ECAD são os donos da música. Chico
Buarque, Gilberto Gil, Caetano Veloso... Eles são sócios de associações de compositores, músicos,
arranjadores e intérpretes e também, produtores fonográficos e editores. Nós temos 11 sociedades
autorais no Brasil entre elas está a AMAR, SOCIMPRO, União Brasileira de Compositores,
ABRAMUS. Essas sociedades vão se encontrar regularmente, todo mês, em uma assembléia de
14
acionistas para administrar os bens privados dos seus titulares. O ECAD vai promover uma
arrecadação de direitos autorais, por exemplo, da TV aberta, da TV por assinatura, das rádios, das
salas de cinema, das salas de teatro, também de eventos e espetáculos. Os bens que circulam hoje,
na televisão, têm uma gestão interessante porque são apresentados relatórios detalhados: tal música
tocou tantos minutos na tal abertura de novela ou em tal programa. Esses relatórios diários são
fundamentais o ECAD tem acesso a eles. As rádios brasileiras possuem uma questão muito
negativa, pois, cerca de 60% das rádios do Brasil não pagam direitos autorais. Músicas de muitos
compositores no Maranhão que tocam em rádios pertencentes à família de um senador da região,
por exemplo, não pagam direitos autorais. E, muitos músicos falam: que suas músicas tocaram 300
vezes na rádio tal. Mas se a rádio não pagou, não tem como fazer o pagamento para o autor. É um
grave problema, a administração da música nas rádios do Brasil porque só opera com 40% das
rádios pagantes. E, quero aqui dar um destaque para a importância do acordo que existe do ECAD
com as rádios comunitárias, pois, tem um acompanhamento, muito sério sobre as responsabilidades
de gestão dos bens autorais, dos direitos autorais que serão veiculados nessas rádios. No caso de
espetáculos de música ao vivo, a legislação brasileira, assim como a internacional obriga o
recolhimento na execução pública da música, como, em shopping centers, som ambiente em
consultórios odontológicos. Ou seja, onde a música vai agregar valor à atividade econômica. Esse
dinheiro é recolhido pelo ECAD. Acompanhei uma aluna minha em visita ao ECAD, no Rio de
Janeiro, e foi muito interessante. Fazia pouco tempo, seu primeiro cd havia sido lançado, com
algumas execuções públicas, e ela estava com todos os registros em dia: músicos, arranjadores,
intérpretes, os números dos fonogramas, do disco e tal. Imediatamente, o ECAD levantou pelo
nome, dando quantas vezes a sua música tocou em rádio, em televisão, em espetáculos. Deu,
também, por seu nome como compositora e letrista, deu pelo nome dos músicos que tocaram junto e
dos intérpretes, mas, também deu pelo nome da gravadora, que era o produtor fonográfico, e pela
editora. E com a quantificação exata de todos os valores. Uma situação diferente eu vivi com o
Guilherme Bauer, que é meu amigo, compositor de música erudita, que também questionou ECAD
e, quando o ECAD abriu o seu nome e o nome da obra, não existia nada porque a sociedade que o
representa não tinha atualizado seus dados cadastrais dentro da instituição. Bem, o ECAD arrecada,
mas aí começa a complexidade da gestão porque o músico pode ser de uma sociedade, o arranjador
de outra sociedade, o compositor de outra sociedade e o produtor fonográfico de outra sociedade e,
nessa hora é quando vai ter a divisão técnica, para que sociedade. Mas, se não é sócio delas, o
dinheiro não vai chegar até o músico. O dinheiro arrecadado vai para as sociedades, que têm
15
obrigação de repassar esse dinheiro para o compositor, músico, arranjador ou intérprete. Bem,
existem sociedades e sociedades. Existem sociedades hoje que não possuem nem um computador.
Imaginem fazer gestão dessa complexidade, com tal volume de informações na mão. È claro que os
recursos não chegam, claro que existe sonegação. Mas, ninguém pode impedir que o músico seja
sócio de uma sociedade que tecnicamente está desatualizada e que retém informações e sonega
dinheiro. Mas, pode ser sócio de outras sociedades que são exemplares na questão de gestão. Nós
temos a ABRAMUS bem estruturada, a União Brasileira de Compositores, a AMAR, a
SOCIMPRO, ou seja, são quatro sociedades que têm uma gestão com boa qualificação e são sócias
e participam das reuniões de diretoria do ECAD. Então o ECAD foi criado por lei, mas é uma
empresa privada que faz gestão de bens privados e que distribui esse dinheiro para as associações
dos quais os proprietários de bens privados são obrigados a acompanhar, a fazer uma gestão.
Luís Carlos Prestes Filho: Voltando para a questão da propriedade intelectual: se no Brasil temos
gestão razoável privada de direitos autorais de música, nós temos uma péssima gestão de direitos
autorais em qualquer outra área da cultura. Não temos acompanhamento das políticas de direitos
autorais da área de livros, de dança, de artes plásticas ou qualquer outra área. E o ECAD tem um
know how que poderia funcionar perfeitamente para poder fazer a gestão nacional de qualquer
questão da área da cultura. E, o que está acontecendo? Como a Espanha sabe que não pode mandar
um segundo Colombo para cá e ocupar terras, estão sendo assinados contratos com nossos artistas
através da Sociedade Geral do Autor da Espanha. Por exemplo, como Cuba não foi feito nenhum
tipo de gestão de direitos autorais, 100% de seus artistas são sócios, hoje, da Sociedade Espanhola.
Cerca de 20% de qualquer produto cultural cubano que hoje circula no mundo alimenta o sistema de
direitos autorais espanhol. Nós estamos assistindo uma invasão da Sociedade Espanhola assinando
contratos com artistas da área de dança, teatro, literatura. E onde nós podemos, se não acordarmos,
em curto prazo ver a cultura brasileira alimentar o sistema de gestão de direitos autorais da
Espanha. A Sociedade Geral do Autor da Espanha é uma sociedade que alimenta um segmento que
resolve questões previdenciárias dos artistas porque é tanto dinheiro que ela arrecada na América
Latina que possuem excesso de dinheiro. E é por isso que conseguiram comprar alguns artistas
brasileiros, entre eles Caetano Veloso. Quando se escuta uma música do Caetano no rádio, na TV,
em qualquer lugar, 20% do dinheiro ali arrecadado alimenta o sistema espanhol. Devemos trazer o
artista brasileiro, de todos os segmentos, e pensar em administrar os nossos bens intangíveis. É uma
questão estratégica e é como uma água que está vazando entre os dedos.
16
Leandro Valiati: Não sei quem fez a pergunta do escritório que ficava na biblioteca da UFRGS. Eu
faço parte do Conselho de Cultura da Universidade e vou levar essa questão. Certo?
Paulo Leônidas: Casualmente esse ano estamos fazendo 20 anos da primeira lei de incentivo do
Brasil, a Lei Sarney6
. E, 20 anos depois, o discurso do ministro Gilberto Gil, do governo Lula, - e
eu posso falar isso de uma maneira extremamente livre, pois pertenço ao governo Lula - também
usou as mesmas palavras do José Sarney, dizendo que a lei iria promover a desconcentração e
democratização dos recursos da cultura. Pertenço ao Sindicato da Indústria Audiovisual do Rio
Grande do Sul. E, tenho realmente pensado muito sobre o assunto: vejo que, nos últimos 20 anos o
que aconteceu foi uma transferência e uma pulverização aleatória do dinheiro e a responsabilidade
pública da cultura para as empresas. Na verdade, tanto o discurso do Sarney quanto o discurso do
ministro Gil sobre a desconcentração e democratização, aparentemente não aconteceu. O que
houve, nos últimos 20 anos, foi simplesmente uma transferência do dinheiro público, do nosso
dinheiro da cultura, a pulverização desse dinheiro, e a transferência imediata da política cultural
para o privado. Certo? Então, espero que eu tenha dado objetividade para isso, nesses 20 anos, uma
análise econômica, talvez a gente não a tenha, se realmente esses mecanismos se transformaram
adequadamente.
Munir Klamt: Na verdade eu coloco um ponto, a partir da interpretação que fiz da colocação do
Leandro, que também passa a ser uma extensão da colocação do Paulo Leônidas: o que se discute é
a capacidade de gestão principalmente da Lei Rouanet, na capacidade de julgar bens culturais. A
opinião colocada pelo Leandro, resumindo bastante a situação, obviamente uma empresa vai se
associar preferencialmente a uma peça de teatro que tenha um ator da Globo, do que uma peça ou
obra de arte plástica de um grupo de vanguarda ou de um grupo específico de região de folclore.
Creio que o Ministério da Cultura transfere a responsabilidade de curadoria para a iniciativa
privada, sendo que, muitas vezes, a mesma não tem a capacidade de fazer essa administração
cultural e ao mesmo tempo nem interesse porque o que ela prevê é basicamente a idéia de
marketing cultural da sua empresa. Logo, uma das perguntas é: não há um grande equívoco de
transferência de curadoria do bem público, com dinheiro público de isenção fiscal através dessa
metodologia? Segunda questão: eu vejo edital como o da Votorantim e da Petrobrás e,
principalmente, as diretrizes do Ministério da Cultura que estão no site, e que tem uma política de
divulgação cultural popular e de benefício de acesso cultural, benefício de valorização de culturas
6
Lei nº 7.505, de 2 de julho de 1986.
17
mais independentes do que eu vejo sendo praticado na Lei Rouanet, dos projetos que acabam
conseguindo captação. Como corrigir essa possível distorção tecnicamente e praticamente falando?
Leandro Valiati: O Munir é nosso aluno do curso de Economia da Cultura, e o curso veio
justamente para responder tal tipo de colocação. Quando eu penso em recurso público que envolve
cultura não há como diferenciá-lo de um conceito econômico chamado custo de oportunidade, ou
seja, no recurso público existe um custo inerente a ele e bem objetivo: qualquer recurso público
investido para a cultura, se não investido com o objetivo máximo de formação de um bem cultural
público, ou bem cultural com um grau razoável de valor cultural, ele automaticamente tem agregado
a si um custo de não estar relacionado às necessidades imediatas da sociedade e que em um país
como o Brasil são necessidades fundamentais como educação, saúde, sistema de formação de
capital humano, sistema de captação público de bens culturais, sistema de incentivos à oferta. Não
simplesmente à oferta sem qualificação, mas de qualificação de oferta e fundamentalmente de
demanda de bens culturais qualificados. O que eu vejo no cenário das leis de incentivo à cultura é
justamente esse processo em que pára na renúncia fiscal. Quer dizer, o recurso público bem
aproveitado forma, sim, bens culturais relevantes, dinamiza segmentos culturais, amplia o mapa
estrutural de produção cultural. Entretanto, há que se cuidar justamente a questão do que é feito com
a renúncia fiscal. E esse mecanismo regulatório é um componente que muito precipuamente, de
uma maneira muito leve, se percebe nas leis de incentivo à cultura. E, evidentemente, há que se
calibrar a intervenção estatal, porém não pode deixar de se regular. Não pode deixar de perceber
que existe uma estratégia cultural que não pode deixar de ser cumprida. Essa estratégia tem que ser
prioritariamente fundada pelo setor público que a traçou. Talvez, exageradamente, o agente privado
passa a ter uma ingerência maior do que a conveniente no sentido de cumprir essa estratégia pública
de investimento à cultura a partir da decisão da alocação de recursos amparados por renúncia fiscal.
Então, eu penso que sofisticar as leis de incentivo à cultura é traçar estratégias culturais a serem
cumpridas e vincular o que é permitido em nível de renúncia fiscal a essas estratégias traçadas
previamente. Creio que esse é um componente, pensar custos de oportunidades no setor público. E,
com relação ao que Munir colocou, vejo que é extremamente saudável do ponto de vista
mercadológico que as empresas tenham liberdade, ninguém está aqui falando contra as regras de
mercado que geram produtos culturais, entretanto há que se diferenciar o que é mercadológico, o
que se auto-sustenta, atividades que se autoviabilizam a partir de expedientes de mercado e aquelas
18
que carecem de atuação pública. Talvez esse seja o segundo ponto fundamental de sofisticação das
leis de incentivo.
Álvaro Santi: Permita-me uma provocação antes do Prestes falar? Juntando as coisas que vocês
dois falaram, a questão do valor cultural e a dificuldade que tu estás relatando aqui nesse grupo de
estudos e o que o Prestes falou, que o Estado enquanto gestor da economia, não se permite fazer a
escolha do que tem valor cultural e o que não tem, eu me pergunto: diante dessa condição, o
patrocinador, o empresário que está se beneficiando desse recurso que é público irá fazer essa opção
e essa escolha diante da omissão do Estado ou dos responsáveis? Porque ele tem essa possibilidade
efetiva de escolher, pelos mecanismos legais, onde ele vai investir o dinheiro. Quais são as
conseqüências disso do ponto de vista da boa gestão dos recursos públicos? [...]
Luís Carlos Prestes Filho: [...] hoje verdadeiros médicos que têm suas clínicas que, antes de tudo,
querem estabelecer uma relação econômica, o ser humano está em terceiro, quarto, quinto plano.
Raramente você terá acesso a uma clínica ou a um especialista que irá se colocar frente a um ser
humano. Se você não pagou o plano de saúde, nem entra. Isso irá se reproduzir nas universidades.
Como exemplo, as universidades públicas do Estado do Rio de Janeiro, que são grandes
laboratórios científicos e tecnológicos, às vezes, parece que se está entrando numa lata de lixo. É
um caos total. Você se sente até mal do ponto de vista da autoestima. Dar aula na UFRJ é uma coisa
que faz você sentir-se mal, agredido. Pensar na gestão da vida, do que o professor público viveu nos
últimos 18 anos, 20 anos, um achatamento salarial, a falta de respeito. Então, na área da cultura não
será diferente. Por que seria diferente na área da cultura, se setores estratégicos como educação e
saúde são tratados dessa maneira? Mas, vejo que a cultura tem uma vertente que nós podemos
pensar: temos que pensar em arte de vanguarda, pensar em segmentos que estão fora do mercado,
mas também temos que pensar que, ou a gente ocupa o mercado, ou não temos saída. Também
temos que ter uma postura agressiva. A TV Globo não vai colocar na televisão um capítulo de uma
novela com custo de R$ 100 mil de produção se não existir os R$ 100 mil para produzir o capítulo.
Não tem saída. A novela vai acabar, então, é o relacionamento direto com o mercado. E, quando a
TV Globo vai definir o tema de uma novela, irá fazer pesquisas nacionais para saber o que a maior
parte da população está querendo ver na televisão. Se está querendo ver tal tema, será isso, irá se
trabalhar em cima deste tema, porque a novela tem que ser consumida. E, já que a maioria quer esse
19
tema, juntamente com a novela vai ter que engolir o refrigerante, o sabonete, o automóvel. Essa
discussão se coloca no mercado. Agora, como é do outro lado o cinema brasileiro? “Ah, eu faço um
filme experimental”. Então, os US$ 80 milhões que investimos no cinema brasileiro, todos os anos
no país, através de recursos públicos... é uma coisa fantástica, no Brasil você consegue um
investimento de 125% de recursos públicos. E com autorização de retorno. Mas, nenhum filme dá
retorno. Não se tem nenhuma responsabilidade de devolver esse dinheiro para os cofres públicos.
Por que não trabalhar uma meta? Por exemplo, nos próximos 10 anos serão investidos os mesmos
80 milhões, mas terá que se devolver 40 milhões. Dentro de quinze anos terá que se devolver 75%.
Temos que ter produtos para disputar mercado. E o que acontece? Não sabemos quais filmes
teremos em 2007! Hoje temos no país em produção 250 filmes e em projetos para acontecer, 350
filmes. Chega uma hora que temos que colocar ordem na casa. É uma produção que permitiria que
tivéssemos uma política de longo prazo, de início de ocupação de mercado. E temos alguns
sucessos de bilheteria: Renato Aragão, Xuxa, Os Dois Filhos de Francisco, Olga. Ocuparam
alguma parcela, tiveram indicadores, mas ainda em quantidade não temos. Então, é necessário
também ocuparmos mercado com livros, com discos, com filmes, com teatro. Hoje queremos criar
os vales, vale cultura. Já há vale família, bolsa escola. Devemos discutir também as alternativas de
mercado e temos que ocupar mercado. A Marisa Monte investiu R$ 1 milhão para lançar seus dois
CDs, mas ela tem que ter de volta R$ 1 milhão, ela está disputando mercado. Nós temos cineastas
que levantam R$ 10 milhões e pronto, acabou. Produzem o filme, fazem uma cópia, duas cópias do
filme e pronto. Não se tem política. Eu não quero dizer que os produtores, os artistas são
irresponsáveis, quero dizer que temos que pensar seriamente em como a cultura brasileira vai
ocupar mercado. Assim como temos planejamento estratégico: o Brasil não vai chegar a lugar
algum se dentro de dez anos não tivermos um aumento de tantos por cento de geração de energia
elétrica e, para isso, precisamos construir tantas usinas hidrelétricas, termelétricas. O Brasil não vai
a lugar algum se não asfaltarmos tantos e tantos quilômetros de rodovias. O Brasil não vai a lugar
algum se não abastecermos a população com gás natural. O Brasil não vai a lugar algum se não
expandirmos nosso potencial em ferrovias e fortalecermos ainda mais nossa indústria naval e a
circulação de mercadorias em torno da costa brasileira através de embarcações. Por que não
planejamos a quantidade de autores que temos que ter para escrever livros, que irão garantir a
presença da cultura brasileira nas futuras livrarias do Brasil? Por que não pensar a quantidade de
músicas brasileiras que teremos que gerar para termos conteúdo novo entrando nas rádios e nas
TVs? Por que não pensar a quantidade de horas de imagens que temos que produzir para abastecer
20
todo o espaço da grade de TV aberta, TV por assinatura e salas de cinema? Nós temos que pensar
como vamos produzir esse conteúdo para que ele vá chegar à população brasileira da mesma
maneira que chega à água mineral, que chegam as lâmpadas, como chegam os equipamentos de
som, como chegam os automóveis. Nós temos que saber o padrão deste consumidor e temos que
fazer com que esse consumidor consuma esses produtos. Essa é a minha visão.
Álvaro Santi: Nosso tempo está se esgotando, eu gostaria de fazer uma última pergunta que é do
Guilherme Carlin, da revista O Dilúvio. Ele pergunta: dentro da evolução da produção cultural,
como a mesa percebe as novas experiências de produção colaborativa baseadas em copyleft? Qual a
viabilidade econômica de um projeto que não reconhece como fundamentais os preceitos da
propriedade intelectual?
Luís Carlos Prestes Filho: Minha resposta vai ser curta. Na página 122 do livro7
, há um gráfico
azul onde se desenha todo o fluxo de direitos autorais no Brasil. O direito de se oferecer de graça, o
direito autoral é do artista. O Gilberto Gil falou, no Jornal do Comércio há um ano atrás, que ele
não iria deixar para os filhos os direitos autorais de suas obras e iria liberá-las e, não deixaria nada
por herança. Mas, ele completou com algo totalmente infeliz: “não quero que meus filhos sejam
como funcionários públicos que ficam ‘mamando nas tetas’”. Como se todo funcionário público
mamasse nas tetas. Bem, eu acho que é direito constitucional e é um direito por conta dos acordos
internacionais de que o Brasil é signatário, junto à Organização Mundial de Propriedade Intelectual,
junto à Organização Mundial do Comércio, junto aos acordos que somos signatários do Mercosul,
junto a nossos relacionamentos com a Comunidade Européia, o respeito aos direitos autorais. Se o
autor quer abrir mão dos seus direitos e não ganhar mais nada da música, de quadros, é seu direito
exclusivo. Agora, isso não significa que esse gráfico que desenhamos aqui irá deixar de existir, vai
continuar existindo. Então, é uma interação extremamente positiva, que muitos artistas podem
disponibilizar seus conteúdos, seus livros, seus quadros de graça, instituições. Por exemplo, existe
um esforço da Organização Mundial da Saúde de investir milhões e milhões de dólares para
pesquisa sobre medicamentos da AIDS. Se a OMS, com esses recursos, conseguir criar o
medicamento da cura, as patentes desses medicamentos vão pertencer à Comunidade Internacional.
Vai ser direito de uso público, ninguém terá que pagar patente alguma porque são dezenas e
dezenas de países que investiram esse dinheiro. Esse é um modelo novo, é um modelo
extremamente interessante e tem muitas coisas curiosas que podem ser feitas nesse campo. É válido
7
Cit.
21
e positivo, mas isso não significa que o criador daquela música, daquele filme, daquele livro,
daquele roteiro, daquela coreografia, daquela cenografia, ter o direito de fazer a gestão e ganhar por
conta do que criou.
Leandro Valiati: É bastante apropriada essa colocação e creio que é exatamente isso, quer dizer, o
fato de abrir mão do direito autoral somente consolida a existência desse direito autoral. E o direito
de propriedade é um dos componentes fundamentais do incentivo à produção. Então, sob a
perspectiva do agente individual, abrir mão de um direito que existe intrinsecamente na criação da
obra é válido, é perfeito. Porém, o direito à propriedade intelectual é um componente fundamental
na formação das expectativas e um incentivo à produção cultural. Acho que brevemente é isso.
Luís Carlos Prestes Filho: Muito obrigado a todos vocês.
Leandro Valiati: Obrigado a todos e um bom final de evento.
22
SEMINÁRIO MECENAS NA REPÚBLICA
O financiamento público à cultura
Painel 2. Financiamento público federal à cultura no Brasil.
Palestrantes: Adriana Moreira – MinC – Secretaria de Incentivo e Fomento à Cultura.
Cristiane Olivieri – Centro de Estudos Multidisciplinares da Cultura (CULT-SP).
Debatedor: Fernando Schüler – Fundação Iberê Camargo.
Mediador: Cícero Aragon – Fundação Cinema do RS.
Dia 24/10/2006 às 14h
Cícero Aragon: Quero agradecer a presença de todos nessa tarde e dar início ao painel
“Financiamento Público Federal à Cultura no Brasil”. Nossos convidados são: Cristiane Olivieri,
advogada, Mestre em Política Cultural pela USP e em Administração das Artes pela Universidade
de Boston, Especialista em Gestão de Processos Comunicacionais e Culturais pela USP,
pesquisadora do Centro de Estudos Multidisciplinares da Cultura (CULT-SP) e autora do livro
Cultura Neoliberal8
sobre leis de incentivo como políticas públicas; também está conosco Adriana
Moreira que representa a Secretaria de Incentivo e Fomento à Cultura do Ministério da Cultura,
Especialista em Gestão Pública e Políticas Governamentais e Economista pela Universidade Federal
de Pernambuco; e o nosso gaúcho, Fernando Schüler, Mestre em Ciências Políticas pela
Universidade Federal do Rio Grande do Sul, ex-Chefe de Gabinete do Ministro da Cultura
Francisco Weffort, em Brasília, foi Diretor da Secretaria Estadual da Cultura do Estado do Rio
Grande do Sul, é professor em Ciências Políticas pela Universidade Luterana do Brasil, professor de
Meios de Comunicação da PUC-RS, Cadeia e Indústrias Culturais do curso de Pós-Graduação em
Teoria de Comunicação, e atualmente é Diretor Executivo da Fundação Iberê Camargo. Queria
8
OLIVIERI, Cristiane Garcia. Cultura Neoliberal: Leis de incentivo como política pública de cultura. São Paulo,
Escrituras, 2004.
23
saudar a mesa, saudar os presentes com destaque à Rosane que é a nossa Representante Regional do
MinC, nosso convidado da Ancine, Zeca Zimmerman, a nossa diretora do Instituto Estadual de
Cinema e demais autoridades presentes. Quero então iniciar passando a palavra para a Adriana.
Adriana Moreira: Olá, boa tarde a todos. Eu trouxe alguns números do Ministério que eu gostaria
de apresentar aqui e vou falar sobre as ações do Ministério atualmente e o que se pretende fazer no
Ministério da Cultura em termos de fomento e incentivo à cultura. Bem, sobre as leis de incentivo,
nós temos a lei de incentivo federal, a Lei Rouanet, que favorece o incentivo privado tanto de
pessoas físicas quanto jurídicas no fomento à cultura no Brasil. Existem certas diferenciações
quanto às questões culturais em relação a como a gente enquadra os projetos no Artigo 18, cujos
benefícios fiscais são maiores, ou no Artigo 26, com menos benefícios fiscais. Há diferenciação
também em relação à forma de incentivo, se é doação ou patrocínio, no caso do Artigo 26; e
também o tipo de pessoa que está incentivando, se for pessoa física, que tem um incentivo maior ou
pessoa jurídica. Também temos a Lei do Audiovisual9
, que dá desconto no imposto de renda de
empresas que realizem investimento em produções cinematográficas, adquirindo cotas de
comercialização no mercado de capitais. Isso está mais no âmbito da Ancine, que desde que foi
criada tem cuidado mais da questão do audiovisual. Também as leis estaduais, cujos incentivos são
em relação ao ICMS. Muitos estados já possuem leis de incentivo estaduais, alguns ainda não. Além
das leis municipais, cujo incentivo é sobre o IPTU ou ISS. A Lei Rouanet instituiu o Pronac, e
existem três mecanismos de incentivo. [O primeiro é] o Fundo Nacional da Cultura, que é composto
principalmente de recursos do tesouro, subvenções, auxílios, loterias e emendas parlamentares.
Nesse caso, a decisão é do Ministério em relação à alocação desses recursos e o Ministério procura
incentivar aquelas áreas em que a iniciativa privada não tem tanto incentivo em atuar, como as
culturas populares, as culturas indígenas... Mas, no caso do Fundo Nacional de Cultura, para
projetos de qualquer pessoa, que sejam de natureza cultural, poderem entrar na MinC, existe uma
contrapartida. O Ministério aprova a liberação de recursos até 80% do valor do projeto e os outros
20% são de contrapartida do proponente. O [segundo é o] Mecenato, que é o incentivo fiscal para
investimentos em projetos culturais, será a iniciativa privada que irá fazer. Então, os incentivadores
é que vão escolher quais são os projetos que interessam a eles. No caso da pessoa jurídica também,
os projetos têm que ser previamente aprovados pelo MinC. E os Fundos de Investimento Cultural e
Artístico (Ficart), que são fundos condominiais, privados, orientados pela capitalização de
9
Lei Federal 8685/93.
24
investimentos em projetos culturais de natureza eminentemente comercial. Mas o Ficart ainda não
foi implementado, somente regulamentado. Bem, essas são as etapas básicas do processo de
Mecenato via lei de incentivo federal. Então, como acontece? Os produtores e artistas levam ao
MinC um projeto de acordo com os formulários que são padronizados no Ministério e em seguida o
Ministério faz uma pré-análise desse projeto para ver se os documentos exigidos por lei foram
obedecidos e o enquadramento, no caso, se for Artigo 18 ou 26. Também há um parecer técnico, a
partir de uma avaliação mais especializada, vendo se aquele projeto atende as finalidades do
Pronac: a relevância do projeto, a clareza dos objetivos, a coerência interna e o orçamento, ou seja,
ver se o custo que está previsto no projeto condiz com os custos que são atualmente vigentes no
mercado. Em seguida, a aprovação é dada pela Comissão Nacional de Incentivo à Cultura, a CNIC.
No caso, se o projeto não for aprovado, existe toda uma explicação dada ao proponente dos motivos
pelos quais o projeto não foi aprovado. Sendo o projeto aprovado, passa-se para a captação de
recursos. O produtor já está apto a receber o recurso dos incentivadores, tanto de pessoas físicas
quanto jurídicas, via depósito bancário em uma conta que é criada especificamente para isso.
Realiza-se o projeto e, ao final, na prestação de contas, é feito o acompanhamento pelo MinC e a
avaliação dos resultados. O que vai se observar é se os recursos estão sendo aplicados fielmente,
sem desvios e tal, ver se os objetivos e os resultados previstos foram alcançados, qual o impacto
daquele projeto na sociedade, e se ele atingiu a finalidade do Pronac. A partir daí o investidor
desconta o valor incentivado, de acordo com o benefício fiscal. Aqui nós temos algumas das
diretrizes gerais da política de fomento e incentivo à cultura. Muitas dessas diretrizes guiaram-nos
na formulação de um novo Decreto, o 5.761. Eu vou falar mais dessa parte no final, quando trago as
principais inovações do decreto. Então, essas diretrizes seriam: a democratização do acesso e dos
benefícios gerados pelos recursos públicos investidos em cultura; ampliação dos volumes de
recursos a serem investidos; diversificação das formas de financiamento e sua adequação ao perfil
dos demandantes; a profissionalização das atividades culturais; a alocação de recursos para setores
estruturantes das atividades culturais; processos seletivos transparentes e descentralizados;
desconcentração espacial dos perfis populacionais e de renda para os investimentos públicos em
cultura; estímulo à maestria e inovação criativa; valorização das tradições; integração com os
mecanismos estaduais e municipais; e a formulação de uma política de investimento público em
cultura com base no diálogo com setores representativos da sociedade e instrumentos de avaliação e
acompanhamento de investimentos. Bom, a partir de agora eu vou trazer alguns dados do Ministério
sobre a Lei Rouanet, principalmente. Então, esses daqui são em relação a 2005. Em 2005, nós
25
tivemos recorde de captação nacional chegando a R$ 702,3 milhões, recorde de captação em 13
estados e em todas as regiões. Esses 13 estados são: Mato Grosso do Sul, Bahia, Ceará, Maranhão,
Pernambuco, Rio Grande do Norte, Acre, Espírito Santo, Minas Gerais, Rio de Janeiro, São Paulo,
Rio Grande do Sul e Santa Catarina. Mas se observamos os dados desde 2004, os dois anos, 2004 e
2005, 22 estados atingiram esse recorde de captação. E, verificamos também uma melhoria na
distribuição nacional de recursos desde o início da lei, considerando que São Paulo acaba captando
mais de 30% dos recursos que são destinados à cultura pela iniciativa privada. Bom, continuando,
tivemos recordes também no mesmo ano, em 2005, da participação das empresas patrocinadoras e,
desde 2002, em todos os anos esse número foi crescendo e, em 2005, chega a 1.970 empresas
patrocinadoras. Recordes também com o número de projetos com captação, porque na verdade
muitos projetos são apresentados, um número menor de projetos é aprovado, mas o número de
projetos com captação ou que conseguem captação parcial ou integral dos recursos realmente acaba
sendo um número bem menor. Isso depende da iniciativa dos investidores, dos incentivadores, em
apoiar aquele projeto e também, em parte, do esforço feito pelos proponentes para buscar esses
incentivadores. Tivemos recorde também de contribuição de pessoas físicas, onde há uma pequena
oscilação, mas há uma tendência de crescimento. Em 2005, acabamos tendo um recorde em 4.951.
Realmente, as pessoas físicas são o grupo de incentivadores mais especial. A proporção de pessoas
físicas que podem incentivar projetos é muito grande e, no ano de 2004, foram mais ou menos 15
milhões de pessoas que declararam imposto de renda como pessoa física.Esse é um potencial, mas,
quantas acabam realmente incentivando projetos culturais? Apenas uns três mil por ano. É um
número bem pequeno em relação ao potencial. Em 2005 há um recorde de captação, com cerca de
RS$ 700 milhões.Nas áreas de artes cênicas e artes integradas, há algumas pequenas oscilações,
mas também há uma tendência de crescimento no valor captado por elas, e o recorde batido foi em
2005, também. Nas artes plásticas e no audiovisual, há algumas oscilações, tendência de
crescimento e recorde nas duas áreas no ano de 2005, também, nas humanidades e música. Na área
de humanidades vemos também a tendência de crescimento, na música, com nos outros, o recorde
foi em 2005 com tendência de crescimento. No patrimônio, temos uma tendência de ascensão à
captação e recorde de captação em 2005. Na captação por região, houve algumas oscilações, mas
em todas elas há um crescimento no valor captado e houve melhoria, como já tinha dito antes, na
distribuição desses recursos. As regiões que conseguiam menos acabaram participando um pouco
mais em relação ao total de captação nacional. Na Região Sul, vemos uma tendência de ascensão e,
em 2005, também há um recorde de captação e vemos que houve uma evolução significativa em
26
relação ao volume de recursos captados. A grande parte desses recursos é realmente do Rio Grande
do Sul. Em 2005, vemos um recorde de RS$ 43,2 milhões e em todos os anos a captação aumentou.
E, se compararmos 2005 com 1998, veremos que o volume de recursos captados aumentou mais de
oito vezes. Isso é bastante significativo. E como havia falado antes, o Rio Grande do Sul é o estado
com maior captação no Sul e o quarto no Brasil, perdendo apenas para os estados de São Paulo, Rio
de Janeiro e Minas, no Sudeste. São estados que conseguem captações bem altas. Na evolução por
área, há oscilações em todas elas, já que o volume de recursos aumentou, mas variou. Mas, os
projetos no Brasil foram crescendo sempre e, se compararmos 2000 com 2005, o número de
projetos aprovados quase duplicou. A mesma coisa acontece com os projetos captados e, vemos que
o número de projetos captados realmente está bem abaixo do número de projetos aprovados, mas
isso também nos mostra que existe um potencial de incentivadores muito grande que pode ser
explorado. É o que estamos tentando nesta gestão: aumentar o número de incentivadores, aumentar
o volume de captação porque a percentagem de pessoas tanto físicas quanto jurídicas que
incentivam projetos culturais é muito baixa comparada ao potencial daqueles que realmente
poderiam incentivar. Pode-se ver que logo no início, em 1994, quase 100% dos incentivadores do
Sul eram apenas do Rio Grande do Sul. Com o tempo, a lei foi ficando mais popularizada, e tanto as
pessoas físicas quanto as jurídicas foram tomando conhecimento dela, então o número de
incentivadores foi aumentando. Mas, mesmo assim, se pegarmos essa soma de 1994 para 2006, o
número de pessoas jurídicas que incentivaram projetos culturais no sul, 54% foram para o Rio
Grande do Sul, mais da metade dos incentivadores, pessoas jurídicas, estão concentradas aqui. E das
pessoas físicas esse percentual é bem maior, 80% das que incentivam projetos culturais no Sul são
do Rio Grande do Sul.
Eu vou começar a falar mais das inovações do decreto 5.761, que é de 26 de abril de 2006. Ele
regulamenta a Lei Rouanet, trazendo algumas mudanças. O Artigo 3º trata do Plano Anual do
Pronac, que irá trazer as normas que devem ser seguidas. Ele é elaborado e publicado pelo MinC e
deve seguir o Plano Plurianual (PPA) e a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO). O Artigo 4º traz
algumas definições, no caso: a partir daqui, exige-se que seja o proponente pessoa com atuação na
área cultural e da produção cultural e educativa de caráter não comercial. Aqui, demos uma
definição do que seria: é aquela realizada por empresa de rádio ou televisão pública ou estatal. O
Artigo 5º fala sobre editais, e foram regulamentadas três formas: O primeiro, em que o Ministério
lança um edital chamando as empresas que estariam interessadas em determinadas áreas e
27
segmentos culturais. Essas empresas manifestam interesse, dizem quanto irão incentivar e, a partir
daí, são lançados editais em cada área ou segmento para que as pessoas possam mostrar os seus
projetos e, após, serem selecionados por meio de um concurso público. É uma forma de
democratização do processo, trazendo transparência na medida em que os critérios são definidos no
próprio edital e abrangendo maior número de pessoas. É um processo mais inclusivo. O segundo
tipo de edital seria aquele em que as empresas, de forma independente, lançam seus editais,
decidem escolher os projetos que vão incentivar por meio de concurso público, comunicando o
edital previamente ao MinC. A Petrobras e a Natura já fizeram isso. O terceiro tipo de edital seria
um mecanismo que integraria a União, os estados e os municípios. Teria então a integração de todas
as leis de incentivo. No Artigo 14, há a criação da Comissão Nacional da Cultura que tem a
competência de avaliar os projetos que são enviados para o FNC para serem analisados. E, no
Artigo 17, os programas e projetos de ações culturais de iniciativa própria do ministério a serem
financiados com recursos do FNC devem constar de seu plano anual, porque vai existir o plano
anual do FNC, e, até os projetos que são do MinC têm que constar do plano. As despesas de
captação dos recursos serão detalhadas em planilhas de custos, obedecendo aos limites definidos em
atas do Ministério da Cultura. Alguns limites foram impostos, por exemplo: despesas
administrativas, que são despesas na área-fim do projeto só podem comprometer 15% do orçamento
total. O Artigo 27 é um dos mais importantes em termos de inovação porque diz que os projetos que
usam recursos incentivados, ou seja, recursos provenientes do Mecenato, têm um plano de
democratização, porque seguimos a linha de que os recursos públicos devem gerar benefícios
públicos. Mesmo aqueles projetos que são incentivados com recursos da iniciativa privada devem
trazer um plano de democratização que mostre como tornarão os preços mais acessíveis, como
propiciar condições de acessibilidade a pessoas idosas, portadoras de deficiência, ou promover a
distribuição gratuita aos beneficiários previamente indicados, podendo ser estudantes ou artistas
daquela área que não tem condições de ter acesso ao produto cultural. Desenvolver estratégias de
difusão para ampliar o processo e outras formas de ampliação do acesso. Foi uma das principais
inovações realmente, pelo mérito, pela democratização e por explicitar os recursos que são públicos,
oriundos de renúncia fiscal, devem realmente gerar algum benefício para a sociedade. O artigo 31
dispõe que o patrocinador, que antigamente tinha direito a até 25% do produto cultural do projeto
que ele incentivasse e agora passa a ter direito de ter, no máximo, 10%. Outros 10%, o Ministério
irá definir, a seu critério, para ser distribuído pelo beneficiário. Esses 10% são os limites totais, ou
seja, se três patrocinadores incentivam aquele projeto, o que vai para os três, somados, será 10%. E
28
o que recebem é proporcional aos recursos que incentivaram no projeto. Alguns conceitos também
foram ampliados, no caso, o Artigo 40 regulamenta o Artigo 39, que fala sobre a composição da
CNIC. As Artes Visuais foram ampliadas para Arte Visual, Digital e Eletrônica; o Patrimônio
Cultural Material e Imaterial, inclusive museológico, de expressões da cultura negra, indígena e
cultura de populações mais tradicionais. O Artigo 44, que é o plano de distribuição que eu expliquei
anteriormente, 10% para o patrocinador e 10% a critério do MinC. E o Artigo 47, que torna
obrigatória a utilização da logomarca do Ministério nos produtos culturais e em qualquer ato de
difusão, divulgação ou promoção. Qualquer coisa que divulgue aquele projeto que recebeu
incentivo, camiseta, uma placa, tudo tem que ter a logomarca do Ministério. Existem alguns
elementos que têm que ser pactuados entre os três níveis de governo para fazer o edital, como as
diretrizes da política cultural; o uso compartilhado das leis de incentivo; a participação paritária no
financiamento; os editais públicos de seleção e o processo seletivo para habilitar a organização; e os
sistemas de informações. E aqui eu trago um “passo a passo”. Os estados e municípios definem as
prioridades junto à sociedade. Aí, estados e municípios apresentam um pré-projeto ao MinC junto
com o termo de cooperação, a organização que irá operar o edital e os documentos que são
exigidos. E o MinC, os estados e os municípios irão dialogar e aperfeiçoar no que for possível esse
projeto, que será apresentado à CNIC para aprovação. Os estados e municípios então informam
periodicamente como está o andamento do edital. Bom, essas aqui são algumas ações que estão
sendo implementadas no âmbito do financiamento e fomento à cultura. Primeiro, o ticket cultural10
,
que é uma idéia que surgiu da ampliação da visão que o Decreto traz, incluindo a Economia da
Cultura, com o objetivo de ampliar e facilitar o acesso das pessoas aos produtos e serviços de bens
culturais. Ele seria voltado para os trabalhadores e as empresas comprariam esses tickets,
funcionaria mais ou menos como um ticket alimentação. Você escolhe os serviços e bens culturais
que você quer: livros, DVDs, ingressos para cinema, teatro, e as empresas adquirem esses tickets,
doam aos seus funcionários e, juntamente como seus dependentes legais, podem escolher os bens e
serviços culturais que querem consumir. Do valor desses tickets, a empresa pode ter uma dedução
fiscal, enquadrando-se no Artigo 26 da Lei Rouanet, e não pode ser descontado do salário. E,
obrigatoriamente, dar preferência para trabalhadores que recebem até cinco salários mínimos.
Poderia abranger outros trabalhadores, mas de forma adicional. É uma forma de ampliar o consumo
real por pessoas que realmente não têm muitas condições. O financiamento reembolsável está
previsto no Decreto 5.761, porque o Fundo Nacional de Cultura pode ter financiamento a fundo
10
Posteriormente implantado com o nome de Vale-Cultura, por intermédio da Lei 12.761/2012.
29
perdido, em que o proponente recebe até 80% do valor do projeto sem ter que devolver para o
Ministério; ou então o financiamento reembolsável, que seria um empréstimo através de instituições
financeiras oficiais, credenciadas pelo MinC para produtores culturais de média e pequena renda.
Seria um empréstimo com taxas de juros subsidiadas, com condições facilitadas, com prazo de
carência menor, mas todo o recurso tem que ser devolvido. Outra coisa que está sendo feita é a
página do investidor cultural e do proponente, uma página na Internet, com melhores informações
para motivar os incentivadores culturais a investirem mais e, assim, ampliar esse número,
alcançando esse número potencial que existe e que não sabe que a lei existe. Outra coisa que está se
pensando são os fundos de investimentos para atividades culturais e artísticas, via bolsa de valores e
via sistema bancário. Bom, é isso.
Cícero Aragon: Quero passar a palavra para Cristiane Olivieri.
Cristiane Olivieri: Boa tarde a todos. Bom, eu vou tentar fazer um panorama do que foram esses
anos da Lei Rouanet, um pouco sobre que política cultural foi implantada. Estou partindo do
pressuposto de que é de conhecimento das pessoas tudo o que a Adriana falou: como funcionam as
leis e o que elas são, mas, depois podemos ir tirando dúvidas de detalhes que não ficam muito
claros. Eu sou advogada, trabalho nessa área de cultura e entretenimento há mais de 20 anos e na
verdade acompanhei a lei de incentivo fiscal desde a Lei Sarney, de 1986, como isso veio mudando
e se transformando em “o” instrumento de financiamento à cultura no Brasil. Eu gostaria de
começar com um número apresentado pelo secretário Juca Ferreira: de cada 10 reais investidos em
cultura nesse país pelo Ministério da Cultura ou via Ministério da Cultura, nove reais vem de
incentivo fiscal à cultura. Temos que ficar com esse número na cabeça, ou seja, 90% de todo o
dinheiro é via Lei Rouanet, via Lei do Audiovisual e incentivos fiscais federais que estão em vigor.
E aí, voltar um pouco antes e pensar o que se pretende com financiamento à cultura, e deve, em
princípio, cobrir o fomento da produção cultural, a própria produção, a distribuição e o acesso
público. Caberia ao Ministério da Cultura, como gestor, estar preocupado em disponibilizar
infraestrutura para que essa cultura aconteça e para que ela possa ser desfrutada, na formação e
capacitação, seja do profissional da cultura, seja do público, para que ele possa fruir melhor daquilo
que está assistindo, poder compreender, para poder gostar. Também criar mecanismos de
distribuição para a produção independente porque se hoje a produção das grandes gravadoras, dos
grandes espetáculos não consegue circular no país, o que dirá a produção dos DVDs, dos CDs
independentes, livros caseiros, etc. Caberia também a regulamentação do setor, que vem sendo feita
30
de alguma maneira. Creio que talvez seja o governo que mais esteja preocupado, sem fazer aqui
uma análise de mérito, mas foi tentando regulamentar para que as atividades sejam mais bem
resolvidas. Democratizar o acesso e afinal financiar a produção propriamente dita. Temos essa
política federal no país sendo executada pelo MinC e suas entidades vinculadas, bastante
concentrada no Rio de Janeiro, mas com alguma representatividade nacional. E aí voltamos à
questão inicial, que é: se o dinheiro todo ou quase todo vem do incentivo fiscal, que problemas isso
tem gerado nesse movimento? Temos em um primeiro lado uma crítica desenfreada e, de alguma
maneira, equivocada ao incentivo fiscal. O incentivo fiscal tem um formato, tem um objetivo, tem
um público para ser entendido, tem uma possibilidade, e o resto deve vir de outros lugares. Como o
país só tem essa possibilidade de financiamento, nós torturamos esse financiamento para ver, quem
sabe, ele pagar todas outras contas para as quais ele não foi criado. E, aí vem uma série de críticas,
claro, muitas delas pertinentes, mas muitas delas querendo que o incentivo fiscal financie, por
exemplo, o fomento. Não vai financiar. Que financie as produções pequenininhas. Não vai
financiar. Financie a vanguarda. Não vai financiar. Pela cara com que foi montado, como ele
envolve a sociedade civil representada pelos diretores de marketing que têm interesse na
comunicação, claro que ele vai financiar uma série de produções mais comerciais. É ruim? Não, é
maravilhoso. Nós temos que imaginar o seguinte: o Brasil não consegue viabilizar nem suas
produções midiáticas com a venda de ingressos ou de livros. Se virmos o modelo americano, a
produção das organizações não governamentais, e aí não estou falando de Broadway, ela se
viabiliza sozinha, mas essas produções de músicas eruditas, balé, etc, 50% do custo dessas
organizações vem da venda de ingresso direto. Eu pergunto: que espetáculo de balé, de orquestra
sinfônica, de música clássica se viabiliza em 50% com a venda de ingressos? Eu desconheço. Não
adianta dizermos que o incentivo fiscal viabiliza esses projetos de música erudita que acontecem
para 150 mil pessoas em praça pública ou no teatro municipal. Viabilizam-se sem algum tipo de
incentivo ou algum tipo de patrocínio, algum tipo de outro apoio financeiro? Não se viabilizam. O
incentivo tem um papel real e importante, agora, o que ele não consegue, porque não é do caráter da
formatação do incentivo fiscal, é cobrir outros pontos. Creio que tem uma segunda questão
importante que esse incentivo criou: tornar o próprio governo refém e dependente dos incentivos. O
que acontece com o Ministério da Cultura hoje? Ele não tem orçamento. Como não tem orçamento,
canaliza os incentivos para cobrir o seu próprio custo. Então, quem paga o custo das entidades
vinculadas são os incentivos fiscais primordialmente via estatal, mas às vezes, até via empresas
privadas, através da Associação dos Amigos da Funarte, Associação dos Amigos do Teatro e assim
31
vai... Eu não estou aqui fazendo uma crítica porque vejo que o Ministério usa o que é possível: se
ele não tem receita para manter esses organismos, usa a lei de incentivo fiscal, que é o que existe.
Com isso, fica dependente também, o que é complicado, de projeto a projeto: apresente o seu
projeto, aprove, patrocine. O “apresente o seu projeto, aprove, patrocine” em uma mão e, na outra
mão, ele é concorrente do produtor cultural porque ele também entra no mercado para captar um
dinheiro que teoricamente é da produção cultural. Com isso ficamos em uma situação real e que,
durante muito tempo o próprio discurso do Ministério da Cultura e a própria sociedade civil não
tinha conhecimento tão claro, acho que esse número colocado no jornal é esclarecedor, ou seja,
nove reais de dez reais é muito dinheiro que o incentivo está colocando e que o governo não está
colocando. Precisamos transformar, deixar de o incentivo ser “a” fonte de recursos, porque no ápice
de fazer esse dinheiro chegar ao produtor, o que o governo fez? Ele tem um Fundo Nacional de
Cultura que também foi criado pela Lei Rouanet, mas que nasce com um problema inicial, ele é
uma verba contingenciável. O que isso quer dizer? Que o dinheiro que está lá, não está lá. Se você
olhar a rubrica, no começo do ano, quanto tem no Fundo Nacional de Cultura, há uma série de
verbas que compõem esse Fundo, mas a qualquer estremecimento da economia ou se o presidente
precisar fazer superávit, ele passa a mão naquele dinheiro e ele vira caixa. Ele está congelado, como
verba do governo, mas ele não existe como uma verba real, é um dinheiro que não pode ser gasto.
Então, o Fundo Nacional de Cultura já tem um problema inicial: teria a verba para viabilizar todas
produções menores, que são de vanguarda, que tem um público mais restrito porque, do ponto de
vista de um patrocinador, ele prefere gastar R$ 1 milhão a gastar R$ 10 mil: ele quer que tenha
algum tipo de retorno de divulgação grande, e para que isso aconteça precisa de uma verba também
grande. Enquanto que, em projetos menores, o que você pode ter é um grande impacto para a
comunidade. Você tem empresas fazendo isso? Tem. Você tem empresas que vão pela
responsabilidade social, mas não podemos dizer que essa é uma prática generalizada. Então, caberia
ao Fundo Nacional de Cultura ou a um fundo público, cobrir esses pedaços, colocar dinheiro nesses
lugares. E, da maneira que está hoje, pouco importa quem é o dirigente do Ministério da Cultura,
ele não consegue fazer com que aquele dinheiro permaneça lá, esse dinheiro é contingenciado
sempre. E segundo, a verba não é grande, em geral é 1% da verba canalizada pelo Mecenato e ela
tem um processo de seleção que não é transparente ou não tão transparente quanto os fundos que
vemos fora do Brasil. O fundo americano que é o National Endowments for the Arts, através de uma
verba que é disponibilizada para o Fundo anualmente, essa verba está caindo, os artistas americanos
também estão chateados, o dinheiro é infinitamente maior do que temos por aqui, e a seleção entra
32
na análise do mérito dos projetos. Há uma comissão que é uma comissão não governamental, de
especialistas naquela área, abre-se um edital para que pessoas de Artes Plásticas entrem num
processo de seleção e quem faz essa seleção são seis artistas plásticos de renome nacional e
unanimidades na sua área. Durante uma semana, analisam os projetos apresentados, onde não há o
nome do seu autor e proponente e fazem uma análise estética e escolhem “x” número de projetos
que serão viabilizados. Pode ter desvio? Não há dúvida, se você é da área pode conhecer até alguns
projetos, mas como essa comissão não é permanente, mudando a cada seis meses, um desvio em um
semestre é rapidamente consertado em outra ação. Então, o que nós temos no Fundo Nacional de
Cultura: não temos a verba, a que existe é pouca, é contingenciada e os critérios de distribuição não
são tão claros. Embora o Ministério tenha feito nesse governo alguns editais públicos de
distribuição de verbas menores e tudo mais... Mas o país é muito grande proporcionalmente à verba
que está sendo distribuída. Porque o que acaba acontecendo é que o grande mecenas deixa de ser o
Ministério da Cultura e viram as estatais. Quem mais põe dinheiro na cultura, conforme os próprios
números do Ministério, é a Petrobras, que coloca em torno de R$ 90 milhões. E aí, ela tem edital
público? Tem. Mas são dos R$ 90 milhões? Não. A maior parte dos R$ 90 milhões não é distribuída
por edital público. A maior parte desse dinheiro não é distribuída em relação à qualidade estética, é
distribuída por um conceito provavelmente de comunicação, de relação, de interesses junto a
determinados públicos. A maneira como isso está montado, quer dizer, escapa do próprio
Ministério. Aí um novo decreto: como o Ministério não tem dinheiro, ele vai ao Ministério da
Fazenda e pede uma renúncia fiscal para a empresa colocar o dinheiro, e, como ele continua não
tendo dinheiro, vai à empresa e diz: sabe aquele dinheiro da renúncia fiscal? Agora, eu quero que
você aplique nos projetos que são de interesse da política cultural. O resultado final é bom? Creio
que será, porque o governo vai usar uma parte do dinheiro e distribuir democraticamente, quer
dizer, ele vai dar um acesso maior. Você não precisa conhecer o diretor de marketing da empresa
para poder viabilizar o seu projeto. Você precisa ter um projeto consistente do ponto de vista da
produção cultural e da produção estética. É maravilhoso. Mas precisa ser repensado um pouco o
processo, que vai ficando cada vez mais intrincado porque o Ministério continua não tendo verba.
Essas questões não ficam muito claras e a própria produção cultural fica pressionando o governo e a
mídia, no sentido de discutir resultados da Lei Rouanet, do Mecenato especificamente. Quem
patrocina, quem não patrocina... O dinheiro fica apenas no Sul do país, o que é um fato. Só 20% dos
projetos conseguem captação, e isso é um fato histórico, não é deste ano, acontece desde quando a
Lei começou. E temos que pensar, dentro desses 20% há uma série de projetos que já entram com o
33
seu patrocinador estabelecido. Quantos projetos realmente entram no Ministério da Cultura sem
nenhum vínculo, sem nenhum pré-relacionamento com a comunicação de uma empresa e que de
fato conseguem ser realizados? Colocado isso, creio que temos que pensar esse sistema para
propormos um sistema diferente: o Ministério da Cultura precisa pensar em uma solução de verba
de manutenção real para si mesmo. E, por outro lado propor um Fundo Nacional de Cultura... É
uma questão importante na história do país onde atravessamos um período muito grande em que a
economia e a teoria neoliberal deram todas as cartas. Não que ainda não seja verdade, mas a
produção cultural não pode se justificar o tempo todo pela sua cadeia econômica. Ela precisa se
justificar pela sua produção estética em si. Saber o número das pessoas que trabalham, saber o
impacto no PIB, etc, é relevante. O Ministério tem que ter importância suficiente dentro do governo
para ter uma verba sua, gerir as suas próprias entidades, ter um fundo cultural e a lei de incentivo
fiscal, seguir no seu caminho porque, se ela tivesse seguido no seu caminho originário, hoje nunca
teríamos 100% de incentivo para projeto algum. A parceria seria mantida junto com a empresa
privada que dá 100% de incentivo e ganha 100% de incentivo público. Por outro lado é um fato que
a lei de incentivo federal originou uma série de leis estaduais e municipais que conseguem distribuir
a verba de uma maneira mais localizada para a comunidade. O fazem na maior parte dando 70%,
80%, dificilmente uma lei de incentivo municipal ou estadual dá 100% de incentivo. Creio que a
Lei Rouanet tem esse mérito de transformar um incentivo fiscal em um modelo mais nacional. A
gestão da própria lei vem sendo especializada. O decreto que a Adriana cita, tem o grande mérito de
garantir que será solicitado aos proponentes uma distribuição democrática. Se você observar quais
são os objetivos do Pronac? Incentivar a produção, a distribuição e o acesso. Não é possível que não
se tenha no Ministério um controle de que acesso é esse, quem está presente nas produções
culturais, quem são as pessoas que assistem tudo que é viabilizado pelos incentivos fiscais e que se
façam produções com R$ 350 reais o ingresso, como foi o caso do Cirque du Soleil. O Cirque du
Soleil trouxe, empurrou essa discussão de uma maneira mais real, quer dizer, ela vinha sendo feita
nos bastidores por causa de outros milhares de espetáculos e o Cirque foi emblemático da falta de
coerência de se dar incentivo para um projeto que tem uma receita de bilheteria que o viabiliza
completamente. Tal discussão apressou a regulamentação do Decreto que já estava no bolso, mas
que saiu rapidamente, como uma resposta de que a sociedade não está interessada em um tipo de
produção assim, e que é o mesmo caso do Chatô. Quando o Chatô pegou os R$ 12 milhões e não
entregou o filme, todo o processo da Lei do Audiovisual foi revisto. Então, é um processo que vem
caminhando e se especializando, vem melhorando como processo de incentivo fiscal. Não é a toa
34
que há dois anos a ONU declarou o mecanismo de incentivo fiscal à indústria cultural brasileira
como o melhor modelo de incentivo. Então, é um modelo bom, o que precisamos, é saber qual a
política federal para o país, para a cultura. Ela não pode ser uma política que se concentra no
incentivo fiscal à cultura, porque o próprio governo fica refém de aprovar uma série de projetos e
sem conseguir obter uma proposta mais larga, que pense a médio e longo prazo como será a política
cultural. Com a mudança do Decreto, que traz um possível plano anual de cultura, pode ser que
comece a apontar um pouco para a idéia de que vamos ter uma política cultural para o país em que o
governo define quais são as prioridades, quais são as possibilidades, indo atrás para cumprir as
metas que ele próprio colocou. Agora, o próprio governo, a sociedade civil, as pessoas que
trabalham na área de produção cultural, os artistas, enfim, essas pessoas têm dificuldade de se
organizar. É diferente dos lobbies dos serviços do comércio que se organizam com muita facilidade.
Precisamos nos organizar para que o processo como um todo, seja de outra maneira. Porque senão a
discussão vai ser sobre os incentivos fiscais que não mudam e que há 15 anos somente 20% dos
projetos são captados. E o governo fica com esse Decreto e com outros que virão, cria editais
públicos, maneiras de facilitar o acesso, maneira das pessoas conseguirem financiamento e o que
me parece é que, para que a política seja estabelecida, precisa-se de outro dinheiro, de outro tipo de
fundo. É isso. Boa tarde.
Cícero Aragon: Agradeço à Cristiane e passo a palavra para o Fernando Schüler que também será o
nosso debatedor, mas que tem algumas considerações iniciais que ele gostaria de apresentar.
Fernando Schüler: Obrigado pelo convite, às entidades que promovem o encontro e farei alguns
comentários rápidos sobre o que foi colocado. Primeiro concordando totalmente com as minhas
colegas, principalmente com a Cristiane, eu creio que não vamos discutir política cultural, daria
vários seminários, várias tardes aqui no Centro Érico Veríssimo. Vamos discutir a Lei Federal de
incentivo à cultura e que é um braço da política cultural brasileira, criado inclusive por um governo
neoliberal que foi o governo Collor de Melo, a Lei Rouanet. É um braço, concordo totalmente com
ela, começamos a entender e é um problema, na medida em que há uma restrição orçamentária no
governo federal e, aliás, nos governos estaduais também, e em muitos governos municipais, onde o
governo tenta usar a lei de incentivo como a grande fonte, o grande tesouro de caixa de recursos
para fazer política cultural porque não há outra fonte. Trabalhei no Ministério da Cultura, quase
dois anos, 1995 e 1996, lá no início. O governo liberou R$ 84 milhões, atualizando hoje daria R$
140 milhões para o Ministério aplicar diretamente em projetos no país. Era um dinheiro de
35
orçamento. Eu me lembro que aqui, no Rio Grande do Sul, foi feita a recuperação do MARGS, um
pequeno exemplo do que foi feito em todo o Brasil. Lembro que o Ministro se reunia com os
secretários de cultura dos Estados, para discutir projetos prioritários e havia uma aplicação direta de
orçamento. Há outros tipos de políticas que poderiam ser citadas aqui, mas vamos discutir a lei
federal de incentivo à cultura. Primeiro, características da lei para fazer um pequeno quadro. A Lei
Rouanet é um caso de sucesso, e não é à toa que a Cristiane citou a ONU. Esse é o ponto inicial.
Nós no Brasil somos muito críticos, gostamos de falar do governo, da lei, do mercado, etc. Lei de
incentivo no Brasil é um caso de sucesso, com reconhecimento internacional. É só irmos para a
Argentina, o Chile, os países da América Latina, todos têm inveja do sistema brasileiro. Nós temos
todos os defeitos do mundo, só que é melhor termos essa lei com alguns defeitos do que não tê-la.
Esse é o ponto de partida. Quando eu vejo algo como, “vamos fazer uma grande discussão no país
para mudar a lei” já começo a ter medo porque a chance de estragar é maior que a chance de
consertar. O crescimento que a Adriana mostrou é constante, desde que surgiu a Lei Rouanet.
Alguns problemas continuam e posso fazer um comentário rápido, mas todos os números sempre
crescem na Lei Rouanet. Esse centro cultural foi feito com a Lei Rouanet. Estamos construindo o
Museu Iberê Camargo, um projeto de 35 milhões de reais e sem Lei Rouanet não haveria projeto,
Então, vamos com calma. A Lei Rouanet é um sistema muito positivo, mas tem que melhorar de
maneira inteligente e muito cuidadosa. Eu não sei se a Adriana tem esse dado, mas quantos fóruns e
reuniões o Ministério da Cultura fez para discutir mudanças da Lei Rouanet?
Cristiane Olivieri: Foi um por capital, mais duas semanas fechadas dentro do Ministério da
Cultura.
Fernando Schüler: Exatamente. Participei de vários em diversos locais, Brasília, Rio de Janeiro,
aqui em Porto Alegre. Eu pergunto para muitas pessoas: o que mudou com esse decreto? Mudou,
aperfeiçoou, introduziram o vídeo eletrônico, conceitos, os percentuais se mantiveram... Lembro
que no início das discussões, poderia mudar os percentuais, iria regionalizar, iria criar os tetos por
região, A Lei Rouanet ia ser revolucionada. No fim, terminou em um Decreto que introduziu os
editais e eu não tenho certeza se já foi regulamentado. A Adriana pode me esclarecer.
Adriana Moreira: Não.
Fernando Schuler: Não foi regulamentada ainda. E, que eu saiba a única coisa nova são os editais,
logo, nada mudou. Talvez, ainda bem. Gastou-se muito dinheiro com esses fóruns todos, poderia ter
Financiamento público à cultura no Brasil e no exterior
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  • 1. PREFEITURA DE PORTO ALEGRE- SECRETARIA MUNICIPAL DA CULTURA CÂMARA MUNICIPAL DE PORTO ALEGRE apresentam 24 e 25 de outubro de 2006 Centro Cultural CEEE-Érico Veríssimo Porto Alegre Apoios: FUNDACINE – Fundação Cinema RS Ministério da Cultura - Representação Regional Sul Centro Cultural CEEE - Érico Veríssimo Produção: Débora Peters e Daniel Bender Ludwig Transcrição: Jeferson Rasquim Araujo. Revisão: Álvaro Santi e Bárbara Hoch (Observatório da Cultura)
  • 2. 2 SEMINÁRIO MECENAS NA REPÚBLICA O financiamento público à cultura Painel 1. Mecanismos de financiamento à cultura no cenário internacional. Palestrante: Luís Carlos Prestes Filho – Pontifícia Universidade Católica-RJ. Debatedor: Leandro Valiati – Faculdade de Ciências Econômicas -UFRGS. Mediador: Álvaro Santi – Gerente do Fumproarte/SMC-PMPA. Dia 24/10/2006 às 10h. Luís Carlos Prestes Filho: [...]1 Se o filme foi exibido 30, 40, 50 vezes, existe a parcela da repetição daquela música que foi tantas vezes tocada por conta da exibição do filme, ela vai ter uma arrecadação, que será recolhida para a sociedade onde o autor é filiado e que irá repassar para ele a quantia. Nos Estados Unidos, isto é praticamente a gestão da indústria de copyright e que fica nas mãos dos empresários. São tratamentos totalmente diferentes, e eu defendo muito o modelo, acredito que o modelo brasileiro e o modelo europeu permitem uma distribuição de renda muito maior, são muito mais interessantes e valeria à pena acompanhá-los e entender melhor como funcionam e porque terminam beneficiando milhares e milhares de autores, compositores, músicos, arranjadores e intérpretes no Brasil inteiro. Cabe ao Estado estar mais presente nesta participação normativa do suporte, do apoio, do fomento de arrecadação de direitos autorais. Só o setor de cultura no Estado [do Rio de Janeiro] movimenta R$ 5 bilhões. Uma ação imediata que poderia ser feita e é um passo estratégico para podermos pensar qualquer política de fomento à cultura, seria reunir as entidades que trabalham e que pensam a propriedade intelectual na sua cidade e no seu Estado. Aqui vocês veem as associações brasileiras de Informática, de Empresas de Software, de Defesa da Propriedade Intelectual, a Associação Comercial do Rio de Janeiro, a Associação de Designers Gráficos, de Direitos Fonográficos, o Instituto Nacional de Belas Artes, o ECAD, a 1 O sinal “[...]” indicará, no texto, os trechos cujo áudio não foi registrado por problemas técnicos.
  • 3. 3 Biblioteca Nacional... Na Ordem dos Advogados do Brasil há uma Comissão de Direitos Autorais, dentro da OAB; há o Instituto Nacional de Propriedade Industrial, onde na verdade são feitos os registros. Para vocês terem uma ideia, nós estamos agora fazendo um estudo sobre a Economia do Carnaval e verificamos que no cenário da Economia do Carnaval do Rio de Janeiro, nossas escolas de samba não têm acompanhamento do registro das suas marcas. Podemos chegar daqui a pouco na Alemanha, na Inglaterra, no Japão ou Estados Unidos e ter que pagar royalties para usar a denominação “Mangueira”, por exemplo. É um assunto que temos que trabalhar. E temos várias empresas de indústria fonográficas, no Rio de Janeiro, que estão fazendo uso do decreto de 2003. Ao contratar conteúdo autoral brasileiro, a empresa produtora do disco vai poder acumular um crédito no limite de 70% do imposto devido, de circulação de mercadorias, o que vai poder ser abatido na hora de pagar o imposto estadual. Isso tem permitido o fortalecimento deste segmento no Rio de Janeiro, e nos ajudou com que as empresas não migrassem para o Estado de São Paulo, com um resultado muito interessante. Para ter esse decreto tivemos que negociar com o Conselho Nacional de Política Fazendária, com todos os secretários da Fazenda, mas imaginem o que representa para uma gravadora, seja micro, pequena e média empresa, deixar de pagar 70% do imposto devido. É um benefício extremamente interessante e, quem sabe, a leitura deste decreto, seria interessante para aqueles que na Câmara Municipal de Porto Alegre querem promover e fortalecer micro e pequenas produtoras fonográficas estabelecidas na capital. Nos últimos 20 anos, por conta das pesquisas que realizamos, vimos que muitas empresas gráficas estavam migrando do Rio de Janeiro para São Paulo, Minas Gerais e Paraná. Como nas secretarias estaduais de fazenda, dos municípios e Estado, nunca focamos a indústria gráfica, nós não tínhamos percebido que o imposto do Rio de Janeiro era 19%, sendo que o imposto devido das empresas gráficas de São Paulo era de 12%. Por isso muitas empresas acabavam saindo do Rio de Janeiro. No ano de 2004, na lei 4.3442 , conseguimos aprovar essa lei e, igualamos ao imposto de São Paulo. Nessa redução da base de cálculo do ICMS, também criamos um Fundo de Desenvolvimento no Estado do Rio de Janeiro, que é um financiamento para projetos de instalação, relocalização e modernização das empresas do setor gráfico. Vou dar para vocês o exemplo do impacto que acompanhei durante os últimos dois anos. Havia uma empresa gráfica de embalagens que não tinha praticamente condições de sobrevivência na cidade de Mendes, no interior do Estado e, com tais incentivos, a empresa conseguiu comprar novos 2 Lei Estadual 4.344, de 27/5/2004, que “INSTITUI O PROGRAMA DE DESENVOLVIMENTO DO SETOR GRÁFICO NO ESTADO DO RIO DE JANEIRO - RIOGRAF”. Disponível em http://alerjln1.alerj.rj.gov.br
  • 4. 4 equipamentos que custaram quase US$ 1 milhão. Desse valor, conseguiram abater tanto no projeto de modernização de sua infraestrutura. Assim, a diferença de 19% para 12% permitiu a eles compraram novos equipamentos. Muitas empresas do Estado têm usado essa diferença de recursos financeiros para poder realizar uma revolução dentro das empresas como, por exemplo, a requalificação dos seus funcionários. Estamos assistindo uma revolução tecnológico-científica nos últimos anos e muitos trabalhadores serão demitidos porque não fizeram cursos, e assim entrarão novos operários. E por que não trabalhar com aqueles que já estão nas empresas há 10, 15, 20 anos, por que não oferecer cursos de requalificação e permitir que eles continuem no mercado de trabalho? Claro que, com recursos disponíveis, fica muito mais fácil. Conseguimos criar no interior do Estado do Rio de Janeiro, parcerias com universidades regionais e realizar esses cursos, para que os trabalhadores dessas empresas que atravessarem verdadeiras mudanças tecnológicas consigam conhecimento e continuem no mercado de trabalho. E a área da indústria gráfica, um segmento importantíssimo que são livros, jornais e revistas. Nas televisões por assinatura, há um acordo válido no país inteiro, e um convênio do ICMS aprovado pelo Conselho Nacional de Política Fazendária onde existe uma redução da base de cálculo: as televisões por assinatura deveriam pagar 25% do imposto de circulação de mercadorias e pagam somente 10%. Por que a Câmara de Vereadores ou uma Secretaria Municipal de Cultura não vai discutir com os proprietários de TVs a cabo, o fato que estão pagando 10%, e entendemos que o investimento é muito caro, mas por que não tentar contrapartidas? Quem sabe poderíamos buscar uma alternativa para poder, por exemplo, valorizar a cultura regional, a cultura do município? É possível, mas, não está na pauta, muitas vezes nós nem sabemos da existência. Então, esses são assuntos, que estão na pauta da Superintendência da Economia da Cultura, onde uma TV a cabo que comece a veicular três ou quatro filmes produzidos naquela cidade ou naquele Estado, mesmo que seja de madrugada, com certeza iremos criar público que irá assistir filmes na madrugada. Muitas TVs a cabo gostariam de estar inseridas, oferecer contrapartidas, mas ninguém vai até elas para discutir esses temas. O Programa Pró-Música também é outra área da lei 4.175, criada em 20033 , que é o financiamento para os projetos de instalação, relocalização e modernização de empresas de distribuição de discos fonográficos. As empresas produzem hoje os discos na Zona Franca de Manaus, mas precisam de grandes centrais para provocar a distribuição desses produtos. Claro que hoje a música está mudando o seu padrão de negócio: ela mudou, mas ainda no Brasil temos um problema bastante 3 Lei Estadual de 29/9/2003, que “INSTITUI O PROGRAMA DE FOMENTO À MÚSICA BRASILEIRA – RIOMÚSICA, NO ÂMBITO DO FUNDO DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO E SOCIAL – FUNDES”. Disponível em http://alerjln1.alerj.rj.gov.br
  • 5. 5 grave. Nós temos um custo de logística enorme, por exemplo, os aviões que trazem para São Paulo e Rio de Janeiro os discos de final de ano do Roberto Carlos já há cópias piratas circulando no Brasil inteiro. Então, a distribuição deve ser eficaz, rápida e estar urgentemente dentro das lojas, para que ocorra a venda. Com isso, oferecemos uma redução do imposto para ajudar os empresários e algumas atividades permanecem no Rio de Janeiro, apesar de muitas delas terem migrado para o Estado de São Paulo antes de termos criado essa lei. Quero mostrar como funciona a nossa lei, como funcionou durante muitos anos a da Lei do Benefício Fiscal da Música. Quero exemplificar para que os presentes possam ter uma noção maior e, quem sabe reproduzir esses mecanismos para as áreas do livro, da dança, do teatro e das artes plásticas. Agora, estamos fazendo um estudo da Economia do Carnaval, no ano que vem faremos um estudo sobre a Economia do Audiovisual, para entender melhor a cadeia produtiva dos museus, da música clássica e das artes plásticas no Brasil. Estamos com uma pauta grande. Creio que já cumpri minha missão na área de Economia da Cultura. Se há dez anos ninguém falava, hoje é um tema prioritário no desenvolvimento econômico nacional e quem sabe chegou um momento em que podemos disponibilizar a nossa metodologia, trocar mais e chegar a resultados concretos. Gosto muito da paixão de falar do que aconteceu em Conservatória, que é a cidade das serenatas, mas a pauta hoje não é serenatas, não é desenvolvimento local, são leis de incentivo, essas coisas chatas sobre políticas tributárias sobre as quais nós temos que falar tanto sendo que seria melhor falar de outros temas. Mas aqui temos, simulações em que poderíamos usar qualquer área da cultura em Porto Alegre ou Rio Grande do Sul e trabalhar. Por exemplo, vemos ali a empresa fonográfica, a gravadora, está no centro. Esta gravadora deve pagar o imposto de circulação de mercadoria. Sendo um micro empresário, deve pagar imposto. E, claro, 50% das atividades da cultura sempre estarão fora do mercado formal. Todas as pesquisas que eu fiz eu sempre busquei informações das atividades formais da cultura, ou seja, aquelas que geram emprego e renda. No livro Economia da Música4 vocês irão encontrar informações principalmente sobre o setor formal da cultura. Mas, não que eu desconsidere as atividades informais da cultura. Nós vamos pagar, no caso da música, 30% hoje, no Estado do Rio de Janeiro, por conta do imposto de circulação de mercadoria. Os outros 70% serão para contratar as editoras musicais que vão pagar os autores, e quem é da música sabe, e assim gera-se autorização do benefício fiscal da música brasileira. Quero dizer, as gravadoras vão produzir o conteúdo fonográfico contratando músicos, arranjadores e intérpretes. E ali, naquela área laranja irão se desenvolver atividades que muitas vezes nós não temos noção: vão ser feitos os CDs, que serão 4 Prestes Filho, Luiz Carlos. Cadeia produtiva da economia da música. Rio de Janeiro, PUC-RJ, 2005.
  • 6. 6 comercializados, e muitos autores de renome vão ter pagamentos por conta da quantidade de CDs ou DVDs vendidos, o autor terá pela segunda vez um ganho. Nem todos têm, somente grandes estrelas. Acontece depois a execução pública do fonograma em TV aberta, na TV por assinatura, nas rádios ou espetáculos. E é aí que ocorre a arrecadação do ECAD.Quando arrecada o direito autoral o ECAD fará o pagamento para as sociedades, as quais irão pagar para os músicos, arranjadores e intérpretes, ou seja, uma segunda entrada de dinheiro, além das gravadoras, proprietárias do fonograma, para os autores que ganharão pela terceira vez, e para as editoras musicais. Esses são desenhos e simulações ideais, pois os problemas existem e não conseguimos ter gestão de bens intangíveis. Em qualquer área da cultura, quando pensamos em políticas de incentivo fiscal e em políticas de incentivo à produção cultural nós, não podemos deixar fora uma visão sobre o quadro das políticas tributárias. Hoje, as políticas tributárias de incentivo à cultura no Brasil para as áreas de TV aberta, TV por assinatura, distribuição e exibição de filmes no país, sendo americanos ou brasileiros, para a área da indústria gráfica de jornais, livros e revistas, para a área de espetáculos, gravadoras musicais, produtoras de fonogramas, giram em torno de bilhões de dólares. Temos que aperfeiçoar esses mecanismos, e colocar na nossa pauta a discussão desses temas do mesmo modo que discutimos leis municipais, estaduais e federais de incentivo à cultura. A lei relativa ao imposto sobre serviços, normalmente são as leis municipais, as leis do imposto de circulação de mercadoria e a questão relativa ao imposto de renda, daí falando da Lei Rouanet5 . É um universo econômico muito pequeno onde estão essas leis. Do ponto de vista econômico elas irão representar 1%, 2%, 3% em relação ao que circula em torno dos incentivos fiscais que são direcionados para os grandes segmentos empresariais da cultura. Vamos avançar nessa situação e essa é a visão internacional hoje, são assim que se realizam atividades de fomento à cultura nos Estados Unidos, na Alemanha, no Japão, na França, na Inglaterra. O Estado do Rio de Janeiro, em oito anos, deu esses passos tão tímidos, tão pequenos. Nós estamos conceituando e trouxemos isso para dentro da Secretaria Estadual de Desenvolvimento Econômico. Estamos certo que independente de qualquer resultado da eleição no Estado nós teremos continuidade para essas ações porque queremos que a indústria do automóvel, a indústria pesada, a indústria poluente cada vez mais fique em São Paulo porque queremos a indústria limpa, a indústria do conhecimento, a indústria da cultura. E que ela cada vez mais seja o fator de desenvolvimento econômico do nosso Estado, do Estado do Rio de Janeiro. Era isso que eu tinha para falar, muito obrigado. 5 Lei Federal 8.313/91
  • 7. 7 Álvaro Santi: Obrigado, Luís Carlos Prestes Filho. Eu quero convidar então o debatedor desta mesa que é o economista Leandro Valiati, que já está presente. Por favor, Leandro. O Leandro é pesquisador de Economia da Cultura da CAPES e professor da Especialização de Economia da Cultura no Programa de Pós-Graduação de Economia da UFRGS. Leandro Valiati: Primeiramente, muito bom dia a todos e boas vindas ao professor Luís Carlos. Eu me sinto muito honrado em participar desse tipo de discussão, pois, creio que é fundamentalmente necessário garantir uma espécie de sofisticação das formas de incentivo à cultura. Basicamente, eu gostaria de falar em três pontos importantes e dentre muitas outras coisas fundamentais acerca de fatores de impacto, efeitos multiplicadores que são focos analíticos muito caros à ciência econômica porque fornecem relatos reais, objetivos e efetivos dos efeitos das atividades culturais. São atividades produtivas que geram emprego, renda e bem estar social na forma real, na forma concreta. Porém eu gostaria de levantar três pontos importantes em perspectiva do que é feito lá fora sobre financiamento à cultura, e o que é a tônica das leis atuais abaixo das quais estamos submetidos no Brasil. Eu penso que um ponto importante é a questão do marketing cultural e as relações dele com a forma de incentivo dadas no Brasil. Evidentemente, do ponto de vista do investidor privado, é muito mais vantajoso vincular o seu nome a uma atividade cultural que lhe garanta renúncia fiscal, ou seja, um benefício extra além do benefício do marketing, da exposição midiática, como também, em obras culturais que lhe garantam alta exposição, do que naquelas atividades com condição de formação inicial, uma pequena exposição ou por fazer parte de um seleto grupo que poderíamos chamar de alta cultura. Não gosto muito dessa divisão, mas é o que se observa. O que ocorre é que o marketing talvez seja um elemento primordial no direcionamento da captação dos recursos e aí seja um ponto importante de participação do Estado, na medida em que temos que garantir igualdade de acesso a recursos para obras que tenham um valor cultural aproximado. E entramos em uma discussão importantíssima para a Economia e que particularmente nos tira o sono, a nós economistas que trabalhamos com a Economia da Cultura, que apesar de estar mais em evidência, ainda carece de muita discussão, de muita sofisticação e fundamentalmente carece de uma definição de parâmetros em perspectiva do valor cultural. Porque o valor econômico é tangível e a forma consagrada de valor econômico existe e aparece nos efeitos multiplicadores da economia. Sabemos quantos empregos são gerados na economia da música, sabemos o que se agrega ao PIB a partir da produção do carnaval e esse conhecimento é fundamental para que possamos ampliar as políticas públicas de cultura e direcioná-las para o que realmente pode garantir
  • 8. 8 mais emprego e maior renda. Entretanto, um componente do qual nós, economistas, carecemos de certa forma é a análise do valor cultural, o que sociologicamente pode ser compreendido como valor cultural. E isso é efetivamente uma discussão longa, que devemos ter bastante cuidado para que o Estado não passe a tomar a frente da decisão do que é ou não é cultura. A discussão do componente de valor cultural está intimamente ligada às necessidades de políticas culturais. Faço parte de um grupo de estudo de estudo de Economia da Cultura na UFRGS e nós cotidianamente vivemos uma crise existencial acerca da questão do valor cultural, o que podemos reputar como valor cultural. O que nos parece mais tangível para discutir o que é intangível, ou seja, o valor cultural, é uma perspectiva multidisciplinar, procurando além dos expedientes de análise econômica, e agregando componentes de análise histórico-cultural, de análise de antropologia da cultura, sociologia da cultura. Compreender uma característica que eu imputo como importantíssima: a questão do pertencimento. E o sentimento de pertencimento de uma sociedade a partir de uma produção particular de uma obra cultural eventualmente precede a constituição de um mercado. E esse é o segundo ponto, de interrogação que colocamos, quer dizer, como podemos de uma forma apropriada pensar o valor cultural em perspectiva das políticas tributárias de renúncia fiscal. E, em que medida isso está vinculado à concepção de marketing no momento da captação dos recursos. Bem, estamos diante de gestores culturais e que evidentemente sabem melhor que nós, economistas, que olhamos isso sob a perspectiva da academia, que é o seguinte: o momento da captação dos recursos me parece pouco regulado. É o momento em que, depois de aprovadas pelos conselhos de cultura, as atividades computadas como integrantes da política cultural do governo, transfere a um ambiente em que, para se conseguir o efetivo patrocínio, a partir de expedientes de renúncia fiscal, existe pouca regulação acerca de onde vão os recursos que lhes foram permitidos. Talvez seja uma interrogação importante para pensarmos e sofisticarmos as leis de incentivo à cultura. Porque, em minha opinião, carece de um pouco de sofisticação. E até sendo um pouco iconoclástico, creio que nesse momento de discussão, é importante ressaltarmos alguns componentes que podem ser calibrados numa perspectiva de maior eficiência das leis. Quando eu falo da perspectiva do investidor orientar seus recursos, ainda que já possuam renúncia fiscal de obras com maior valor agregado, e é isso muito lógico, do ponto de vista de quem está no mercado cultural. Entretanto, aqui está o terceiro ponto que eu gostaria de levantar, que é a questão dos bens públicos, ou seja, via de regra os bens públicos na economia são aqueles bens para os quais, na maioria dos casos, não há um mercado constituído. Enfim, e quando não há um mercado constituído? Qual o tratamento, a partir dos expedientes de renúncia fiscal que pode ser dado a esses bens? É outra interrogação
  • 9. 9 importante. Porque o nosso papel, fundamentalmente, quando se olha a produção cultural a partir de um ambiente que não é o da prática cultural, é olhar essas espécies de distorções e levantar esses questionamentos. Não tenho resposta efetiva para a maioria desses questionamentos, mas é importantíssimo levantá-los na medida em que pensamos a questão do marketing cultural e as relações entre valor econômico, que vem dos efeitos multiplicadores, e valor cultural. Pensar também como produzir bens públicos de uma maneira eficiente a partir dos mecanismos atuais de financiamento à cultura. Então, o que eu deixo a título de comentário para iniciar o debate, e que presumo que irá também contar com a participação do público, é exatamente isso: em que medida podemos sofisticar as atuais formas de incentivo à cultura? Porque eu percebo claramente uma espécie de distorção no momento da captação dos recursos. Pergunto: por que certas formas culturais se consolidam ao longo dos tempos e outras não? Muitas acabam não se viabilizando por falta de recursos, ainda que totalmente beneficiadas por expedientes de renúncia fiscal. Talvez possamos começar por aí. Por que isso ocorre? O que seria adequado no sentido de garantir que essas obras, sem haver uma distorção de recursos públicos, liberados para A ou B, que também passam por cima de instâncias deliberativas tais como os conselhos estaduais de cultura? Quais os mecanismos apropriados para que se permita um equilíbrio entre obras com um alto potencial de marketing e obras com um pequeno potencial de marketing? O que fazer para que essa situação possa ser corrigida, que possa se chegar a um equilíbrio entre fornecer os incentivos e internalizar às leis o componente de ganhos mercadológicos a partir de expedientes de propaganda? Talvez esse seja o grande motor, até acima dos mecanismos de renúncia fiscal, do valor em que o governo abre mão, talvez a questão do marketing seja o grande motor dos investimentos a partir dos expedientes de renúncia fiscal. Cabe-nos pensar sobre o equilíbrio, discutir tanto na instância acadêmica, quanto nas instâncias práticas e em perspectiva de algumas experiências internacionais que possuímos. Quais são? Existem alguns mecanismos de leilões de obras culturais. Como funcionam? As obras que têm maior valor de marketing agregado recebem um incentivo fiscal proporcionalmente menor do que as que possuem menor potencial de marketing. E como se mede isso? Quantitativamente. Número de inserções em rede nacionais e locais de televisão, número de outdoors, propaganda em geral. Isso é possivelmente captável, perfeitamente possível de se observar. Será que é uma maneira de se adequar à nossa realidade? No entanto, faz parte de uma espécie de mecanismo de sofisticação das leis. Deixo aqui esse primeiro ponto de interrogação e gostaria de ouvir o professor Prestes acerca de como vê a questão do valor intangível, do marketing cultural, ou seja, essas questões mais subjetivas associadas às leis de incentivo à cultura.
  • 10. 10 Luís Carlos Prestes Filho: Bem, não se vende um livro, um filme ou um espetáculo se não tiver política de marketing em cima. Isso é uma regra de mercado, assim como não se vende um automóvel, uma pasta de dentes, ou passagens aéreas. A área do marketing é fundamental para qualquer segmento, quando vai se discutir mercado, quando vai se discutir economia. Na área da cultura, nos nossos cálculos o segmento de marketing voltado para a área da cultura movimenta no Brasil em torno de R$ 13 bilhões, isso com os dados de 2002. No Rio de Janeiro, a prefeitura e Estado vão ter uma arrecadação fantástica, tanto de imposto sobre serviço como imposto sobre circulação de mercadorias em cima das atividades voltadas para a área do marketing, publicidade e propaganda, as quais fazem entrar nos cofres públicos uma média anual de 800 milhões de reais. Assim, se não se pensar em marketing não se pode pensar a cultura. Mas, é um campo de investigação que temos que trabalhar, não somente no foco de quando a empresa vai agregar valor a seu produto por conta de estar patrocinando uma orquestra sinfônica, um corpo de baile, uma exposição de artes plásticas, uma bolsa de estudos para algum segmento da área das artes ou algum uma peça de teatro. Voltando para a questão do filme do Homem Aranha, ou qualquer filme americano, a indústria cinematográfica americana não ganha dinheiro com a bilheteria. Hoje a bilheteria vai pagar a manutenção das salas de cinema, vai pagar salários. Hoje a pipoca, a Coca- Cola e o sanduíche faturam muito mais que o próprio filme. Por quê? O que está por trás? No lançamento de um filme, o que há de mais importante são os licenciamentos que o filme traz. Quando você assiste o lançamento dos filmes que serão colocados no mercado no Brasil, nos próximos seis meses, nós vamos ver que, por exemplo: tal filme tem 300 cópias, durante três meses vai ter páginas duplas na revista Veja, revista Isto É, revista Época, vai ter tantos outdoors espalhados pelo país, vai ter tantas chamadas de televisão, vão ser inseridas imagens nos Sucrilhos, no Nescau, no Toddinho, durante tanto tempo as mochilas irão aplicar essas imagens, vão ter tantas camisetas, tênis, a trilha sonora vai fazer parte de 30 comerciais na área de bancos, na área que vai vender sapatos, enfim... A política é feita de tal maneira que, inconscientemente, quando sentamos para assistir o filme, é um momento de prazer enorme porque nem se sabe o porquê, mas de tudo que está na tela já se viu algum fragmento, ou no seu café da manhã, ou na loja que você entrou, no site de Internet que você entrou, a música tema que você nem sabe que aquela era a música tema, mas você já viu, assistiu em tantas inserções comerciais onde essa música penetra de algum jeito. Não se pode pensar em economia da cultura, na indústria cultural se não pensar em marketing. Isso é correto. E, aí vem um projeto que temos discutido com algumas empresas de televisão no Rio de Janeiro e quem sabe isso poderia entrar novamente na nossa pauta, dos nobres deputados estaduais e
  • 11. 11 federais: por que não pensar na produção de um filme ou de uma minissérie onde os produtos que estarão no audiovisual sejam 100% fabricados no Rio Grande do Sul? Por exemplo, a cadeira, o tapete, o lustre, o refrigerante, o vinho, a jóia ou as paisagens que podem ser negociadas com agências de turismo. O americano não ganha dinheiro com o filme, ganha com os licenciamentos que o produto cultural permite e a partir daí, há toda uma repercussão de política de marketing. Quero concordar com o que foi colocado, mas esse é um campo de investigação teórica sem fim. Agora, quero dizer que não vivo uma crise existencial: simplesmente resolvi para mim de uma maneira muito simples. Nós temos uma tradição muito grande na universidade brasileira de estudos em Cultura e Sociologia, Cultura e Antropologia, Cultura e História e temos grandes pensadores nessa área. Mas, não vou discutir ética, estética e moral porque nós temos uma bibliografia gigantesca neste campo e essa bibliografia nos permitiria até mesmo por conta da produção cultural brasileira, realizar inserções, atividades, respostas para essas questões e não viver uma crise existencial porque certamente a cultura tem um valor. E, nós podemos tentar entender esse valor, por exemplo, ao estudar a economia do carnaval, foi muito curioso que a primeira escola de samba do Rio de Janeiro que surgiu em 1920, a Deixa Falar do Ismael Silva, quando, em 1935, o prefeito Pedro Ernesto legaliza pela primeira vez o carnaval e cria oficialmente os desfiles das escolas de samba no Rio, a imprensa toda diz: o carnaval morreu. Porque o carnaval dos anos 10, dos anos 20 era um carnaval onde o povo estava na rua e, agora, as escolas foram colocadas oficialmente para desfilar com legislação, com regras, com subsídios públicos, acabando com o carnaval lúdico do povo. Quando em 1945, com o apoio do Partido Comunista Brasileiro é criada a primeira Associação das Escolas de Samba do Rio de Janeiro, e começam a se organizar as agremiações, criando realmente escolas de samba com registro em cartório. Novamente: não, acabaram os desfiles lúdicos das escolas de samba. Em 35, mataram o carnaval, e morreu o carnaval pela segunda vez. Imaginem nos anos 60, quando, pela primeira vez, foram colocadas arquibancadas e começou a transmissão pela televisão, o Ismael Silva, que era o criador da primeira escola de samba, em 1920, não teve dinheiro para comprar o ingresso para assistir o carnaval. Foi a terceira morte anunciada. Quando o professor Darcy Ribeiro criou o sambódromo, novamente morreu o carnaval. E foi muito curioso porque até a Rede Globo fez uma campanha contra, tanto que a TV Globo não transmitia os carnavais do sambódromo, pois a exclusividade era da TV Manchete, que apoiou. Morreu o carnaval, acabou. E hoje, o sambódromo foi reproduzido em São Paulo, em vários Estados e agora na Inglaterra há uma cidade que faz carnaval, com 20 escolas de samba e querem criar um sambódromo. Quando nós inauguramos, com o apoio da prefeitura e do prefeito César
  • 12. 12 Maia, a Cidade do Samba, foi mais uma vez a morte anunciada do carnaval do Rio de Janeiro. Nós não podemos olhar a produção cultural hoje, em 2006, como era em 2000, em 1990, anos 20 ou em 1900. Ela acompanha o desenvolvimento científico e tecnológico. E vamos viver crises existenciais permanentes se nós não acompanharmos a evolução científica e tecnológica. Agora, como criar políticas públicas para fazer com que atividades que tem menos possam sobreviver? É tão difícil saber até onde o Estado pode ir ou não, por isso mesmo escolhi estudar Economia da Cultura. Acredito que nós não podemos escolher uma gravadora. Por exemplo, podemos incentivar qualquer gravadora no Estado do Rio de Janeiro, Sony, BMG, Warner, Universal. Mas, apenas podemos limitar ao favorecimento da área da cultura brasileira. Agora, se dizem que o grupo “Tchan” produz música, ou que a “Éguinha Pocotó” é uma canção, não posso proibir a canção apenas pelo ponto de vista estético. “Calça da Gang todo mundo quer, 50 reais para botar a bunda em pé”, se isso é produção cultural, não cabe a mim, dentro da Secretaria de Fazenda dizer que o consumidor não pode consumir tal música. Por exemplo, houve uma disputa judicial, porque uma banda se apropriou da canção acima e gravou no seu disco. Os autores da música “Calça da Gang” entraram com recurso na justiça para defender o seu direito sobre a música. Na hora em que a juíza entrou na pauta, disse: não, vamos ouvir a obra que está em questão. No corredor, já havia pessoas cantando e a juíza se dirigiu para aqueles que estavam reivindicando autoria e disse: “mas é isso, o senhor é autor disso? Isto é uma obra musical?” O advogado que estava defendendo o direito daqueles que não pagaram os direitos autorais, que usurparam o direito dos autores, falou: é isso mesmo, eles estão dizendo que isso aí tem direitos, não tem direitos, não. Quer dizer, onde estão essas questões? Creio que, para o Estado Brasileiro é muito difícil entrar na discussão estética, ética e moral. Nós podemos, sim, em alguns aspectos criar situações para que o consumidor faça a sua escolha, criar alternativas. Quando falei da TV por assinatura, ela deveria pagar vinte e cinco, mas paga quinze. Por conta desse incentivo de pagar quinze, e como é o Estado que não está recebendo, ou seja, é um dinheiro que não está entrando no poder público, ele pode dizer: queremos que divulguem as paisagens do Rio Grande do Sul ou que divulguem a poesia do Rio Grande do Sul, ou que divulguem as artes plásticas do Rio Grande do Sul. Isto está consolidado historicamente: o governo do Amazonas reduziu de vinte e cinco para quinze, mas exigiu contrapartida. Ou seja, tais contrapartidas podem ser colocadas como pontos de políticas tributárias. Terminando, no caso da Economia da Música, que está no livro, há vários mapas e nós pegamos as informações de infraestrutura de equipamentos culturais. O IBGE tem um estudo sobre indicadores municipais, onde há Biblioteca Pública, lojas de DVDs, vídeolocadoras, emissoras de rádio, televisão, editoras,
  • 13. 13 livrarias, bancas de jornal, salas de espetáculos, teatros, salas de cinema. São 17 equipamentos culturais que o IBGE levantou em todos os municípios brasileiros, e a média nacional de 17, fica em 8,2, não chega nem a 10 dos 17. A maior parte dos municípios brasileiros só tem um equipamento cultural que é o sinal da TV aberta. Ou seja, essa situação de infraestrutura é gravíssima. Quando construímos o mapa do Brasil e fizemos o geo-referenciamento deste mapa, ele se encheu de manchas brancas. Quando pegamos as informações de onde existem micros, pequena e média empresas que atuam na área da cultura, o mapa ficou cheio de manchas brancas. Porque se há micro, pequena e média empresa, e se essa infraestrutura de equipamentos culturais gerasse direito autoral, construiríamos o mapa brasileiro de arrecadação de direitos autorais. Quem sabe as políticas de leis de incentivo fiscais poderiam ser direcionadas para essas manchas brancas onde não há infraestrutura, onde não há micro ou pequeno empresário da cultura, onde não se arrecada, onde não há algum tipo de gestão de propriedade intelectual da área cultural. Porto Alegre, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Recife, Brasília, Cuiabá têm teatros, têm bibliotecas, têm salas de cinema, têm infraestrutura razoável, assim como tem muitos empresários que o mercado regula. Vamos direcionar o dinheiro público para esses municípios onde não há infraestrutura e qualificar empreendedores para que surjam atividades econômicas da cultura nessas áreas. Essa frente de trabalho poderia, de fato, modificar o cenário da produção cultural brasileira. Álvaro Santi: A primeira pergunta é para o Luís Carlos, que diz: Para onde é destinado o dinheiro arrecadado pelo ECAD? E, vou ler também a segunda e depois podem responder juntos, já que é dirigida aos dois: Embora periférico ao tema do seminário, mas, aproveitando a presença da representação do Ministério da Cultura, torna-se imperativo solicitar que volte para Porto Alegre o escritório de direitos autorais, que era antigamente na Biblioteca Central da UFRGS, pois existem três livros pendentes desde 2005. Essa pergunta é do Nadir Silveira Dias, escritor e editor. Luís Carlos Prestes Filho: Acho bacana essa solicitação do retorno do registro. É fundamental, se minha palestra provocou essa idéia: já valeu à pena vir a Porto Alegre. Sobre a questão do ECAD, seria legal entrar em seu site, para ter uma visão do que é a empresa. O ECAD é uma empresa privada, e faz gestão de direitos autorais. Os sócios do ECAD são os donos da música. Chico Buarque, Gilberto Gil, Caetano Veloso... Eles são sócios de associações de compositores, músicos, arranjadores e intérpretes e também, produtores fonográficos e editores. Nós temos 11 sociedades autorais no Brasil entre elas está a AMAR, SOCIMPRO, União Brasileira de Compositores, ABRAMUS. Essas sociedades vão se encontrar regularmente, todo mês, em uma assembléia de
  • 14. 14 acionistas para administrar os bens privados dos seus titulares. O ECAD vai promover uma arrecadação de direitos autorais, por exemplo, da TV aberta, da TV por assinatura, das rádios, das salas de cinema, das salas de teatro, também de eventos e espetáculos. Os bens que circulam hoje, na televisão, têm uma gestão interessante porque são apresentados relatórios detalhados: tal música tocou tantos minutos na tal abertura de novela ou em tal programa. Esses relatórios diários são fundamentais o ECAD tem acesso a eles. As rádios brasileiras possuem uma questão muito negativa, pois, cerca de 60% das rádios do Brasil não pagam direitos autorais. Músicas de muitos compositores no Maranhão que tocam em rádios pertencentes à família de um senador da região, por exemplo, não pagam direitos autorais. E, muitos músicos falam: que suas músicas tocaram 300 vezes na rádio tal. Mas se a rádio não pagou, não tem como fazer o pagamento para o autor. É um grave problema, a administração da música nas rádios do Brasil porque só opera com 40% das rádios pagantes. E, quero aqui dar um destaque para a importância do acordo que existe do ECAD com as rádios comunitárias, pois, tem um acompanhamento, muito sério sobre as responsabilidades de gestão dos bens autorais, dos direitos autorais que serão veiculados nessas rádios. No caso de espetáculos de música ao vivo, a legislação brasileira, assim como a internacional obriga o recolhimento na execução pública da música, como, em shopping centers, som ambiente em consultórios odontológicos. Ou seja, onde a música vai agregar valor à atividade econômica. Esse dinheiro é recolhido pelo ECAD. Acompanhei uma aluna minha em visita ao ECAD, no Rio de Janeiro, e foi muito interessante. Fazia pouco tempo, seu primeiro cd havia sido lançado, com algumas execuções públicas, e ela estava com todos os registros em dia: músicos, arranjadores, intérpretes, os números dos fonogramas, do disco e tal. Imediatamente, o ECAD levantou pelo nome, dando quantas vezes a sua música tocou em rádio, em televisão, em espetáculos. Deu, também, por seu nome como compositora e letrista, deu pelo nome dos músicos que tocaram junto e dos intérpretes, mas, também deu pelo nome da gravadora, que era o produtor fonográfico, e pela editora. E com a quantificação exata de todos os valores. Uma situação diferente eu vivi com o Guilherme Bauer, que é meu amigo, compositor de música erudita, que também questionou ECAD e, quando o ECAD abriu o seu nome e o nome da obra, não existia nada porque a sociedade que o representa não tinha atualizado seus dados cadastrais dentro da instituição. Bem, o ECAD arrecada, mas aí começa a complexidade da gestão porque o músico pode ser de uma sociedade, o arranjador de outra sociedade, o compositor de outra sociedade e o produtor fonográfico de outra sociedade e, nessa hora é quando vai ter a divisão técnica, para que sociedade. Mas, se não é sócio delas, o dinheiro não vai chegar até o músico. O dinheiro arrecadado vai para as sociedades, que têm
  • 15. 15 obrigação de repassar esse dinheiro para o compositor, músico, arranjador ou intérprete. Bem, existem sociedades e sociedades. Existem sociedades hoje que não possuem nem um computador. Imaginem fazer gestão dessa complexidade, com tal volume de informações na mão. È claro que os recursos não chegam, claro que existe sonegação. Mas, ninguém pode impedir que o músico seja sócio de uma sociedade que tecnicamente está desatualizada e que retém informações e sonega dinheiro. Mas, pode ser sócio de outras sociedades que são exemplares na questão de gestão. Nós temos a ABRAMUS bem estruturada, a União Brasileira de Compositores, a AMAR, a SOCIMPRO, ou seja, são quatro sociedades que têm uma gestão com boa qualificação e são sócias e participam das reuniões de diretoria do ECAD. Então o ECAD foi criado por lei, mas é uma empresa privada que faz gestão de bens privados e que distribui esse dinheiro para as associações dos quais os proprietários de bens privados são obrigados a acompanhar, a fazer uma gestão. Luís Carlos Prestes Filho: Voltando para a questão da propriedade intelectual: se no Brasil temos gestão razoável privada de direitos autorais de música, nós temos uma péssima gestão de direitos autorais em qualquer outra área da cultura. Não temos acompanhamento das políticas de direitos autorais da área de livros, de dança, de artes plásticas ou qualquer outra área. E o ECAD tem um know how que poderia funcionar perfeitamente para poder fazer a gestão nacional de qualquer questão da área da cultura. E, o que está acontecendo? Como a Espanha sabe que não pode mandar um segundo Colombo para cá e ocupar terras, estão sendo assinados contratos com nossos artistas através da Sociedade Geral do Autor da Espanha. Por exemplo, como Cuba não foi feito nenhum tipo de gestão de direitos autorais, 100% de seus artistas são sócios, hoje, da Sociedade Espanhola. Cerca de 20% de qualquer produto cultural cubano que hoje circula no mundo alimenta o sistema de direitos autorais espanhol. Nós estamos assistindo uma invasão da Sociedade Espanhola assinando contratos com artistas da área de dança, teatro, literatura. E onde nós podemos, se não acordarmos, em curto prazo ver a cultura brasileira alimentar o sistema de gestão de direitos autorais da Espanha. A Sociedade Geral do Autor da Espanha é uma sociedade que alimenta um segmento que resolve questões previdenciárias dos artistas porque é tanto dinheiro que ela arrecada na América Latina que possuem excesso de dinheiro. E é por isso que conseguiram comprar alguns artistas brasileiros, entre eles Caetano Veloso. Quando se escuta uma música do Caetano no rádio, na TV, em qualquer lugar, 20% do dinheiro ali arrecadado alimenta o sistema espanhol. Devemos trazer o artista brasileiro, de todos os segmentos, e pensar em administrar os nossos bens intangíveis. É uma questão estratégica e é como uma água que está vazando entre os dedos.
  • 16. 16 Leandro Valiati: Não sei quem fez a pergunta do escritório que ficava na biblioteca da UFRGS. Eu faço parte do Conselho de Cultura da Universidade e vou levar essa questão. Certo? Paulo Leônidas: Casualmente esse ano estamos fazendo 20 anos da primeira lei de incentivo do Brasil, a Lei Sarney6 . E, 20 anos depois, o discurso do ministro Gilberto Gil, do governo Lula, - e eu posso falar isso de uma maneira extremamente livre, pois pertenço ao governo Lula - também usou as mesmas palavras do José Sarney, dizendo que a lei iria promover a desconcentração e democratização dos recursos da cultura. Pertenço ao Sindicato da Indústria Audiovisual do Rio Grande do Sul. E, tenho realmente pensado muito sobre o assunto: vejo que, nos últimos 20 anos o que aconteceu foi uma transferência e uma pulverização aleatória do dinheiro e a responsabilidade pública da cultura para as empresas. Na verdade, tanto o discurso do Sarney quanto o discurso do ministro Gil sobre a desconcentração e democratização, aparentemente não aconteceu. O que houve, nos últimos 20 anos, foi simplesmente uma transferência do dinheiro público, do nosso dinheiro da cultura, a pulverização desse dinheiro, e a transferência imediata da política cultural para o privado. Certo? Então, espero que eu tenha dado objetividade para isso, nesses 20 anos, uma análise econômica, talvez a gente não a tenha, se realmente esses mecanismos se transformaram adequadamente. Munir Klamt: Na verdade eu coloco um ponto, a partir da interpretação que fiz da colocação do Leandro, que também passa a ser uma extensão da colocação do Paulo Leônidas: o que se discute é a capacidade de gestão principalmente da Lei Rouanet, na capacidade de julgar bens culturais. A opinião colocada pelo Leandro, resumindo bastante a situação, obviamente uma empresa vai se associar preferencialmente a uma peça de teatro que tenha um ator da Globo, do que uma peça ou obra de arte plástica de um grupo de vanguarda ou de um grupo específico de região de folclore. Creio que o Ministério da Cultura transfere a responsabilidade de curadoria para a iniciativa privada, sendo que, muitas vezes, a mesma não tem a capacidade de fazer essa administração cultural e ao mesmo tempo nem interesse porque o que ela prevê é basicamente a idéia de marketing cultural da sua empresa. Logo, uma das perguntas é: não há um grande equívoco de transferência de curadoria do bem público, com dinheiro público de isenção fiscal através dessa metodologia? Segunda questão: eu vejo edital como o da Votorantim e da Petrobrás e, principalmente, as diretrizes do Ministério da Cultura que estão no site, e que tem uma política de divulgação cultural popular e de benefício de acesso cultural, benefício de valorização de culturas 6 Lei nº 7.505, de 2 de julho de 1986.
  • 17. 17 mais independentes do que eu vejo sendo praticado na Lei Rouanet, dos projetos que acabam conseguindo captação. Como corrigir essa possível distorção tecnicamente e praticamente falando? Leandro Valiati: O Munir é nosso aluno do curso de Economia da Cultura, e o curso veio justamente para responder tal tipo de colocação. Quando eu penso em recurso público que envolve cultura não há como diferenciá-lo de um conceito econômico chamado custo de oportunidade, ou seja, no recurso público existe um custo inerente a ele e bem objetivo: qualquer recurso público investido para a cultura, se não investido com o objetivo máximo de formação de um bem cultural público, ou bem cultural com um grau razoável de valor cultural, ele automaticamente tem agregado a si um custo de não estar relacionado às necessidades imediatas da sociedade e que em um país como o Brasil são necessidades fundamentais como educação, saúde, sistema de formação de capital humano, sistema de captação público de bens culturais, sistema de incentivos à oferta. Não simplesmente à oferta sem qualificação, mas de qualificação de oferta e fundamentalmente de demanda de bens culturais qualificados. O que eu vejo no cenário das leis de incentivo à cultura é justamente esse processo em que pára na renúncia fiscal. Quer dizer, o recurso público bem aproveitado forma, sim, bens culturais relevantes, dinamiza segmentos culturais, amplia o mapa estrutural de produção cultural. Entretanto, há que se cuidar justamente a questão do que é feito com a renúncia fiscal. E esse mecanismo regulatório é um componente que muito precipuamente, de uma maneira muito leve, se percebe nas leis de incentivo à cultura. E, evidentemente, há que se calibrar a intervenção estatal, porém não pode deixar de se regular. Não pode deixar de perceber que existe uma estratégia cultural que não pode deixar de ser cumprida. Essa estratégia tem que ser prioritariamente fundada pelo setor público que a traçou. Talvez, exageradamente, o agente privado passa a ter uma ingerência maior do que a conveniente no sentido de cumprir essa estratégia pública de investimento à cultura a partir da decisão da alocação de recursos amparados por renúncia fiscal. Então, eu penso que sofisticar as leis de incentivo à cultura é traçar estratégias culturais a serem cumpridas e vincular o que é permitido em nível de renúncia fiscal a essas estratégias traçadas previamente. Creio que esse é um componente, pensar custos de oportunidades no setor público. E, com relação ao que Munir colocou, vejo que é extremamente saudável do ponto de vista mercadológico que as empresas tenham liberdade, ninguém está aqui falando contra as regras de mercado que geram produtos culturais, entretanto há que se diferenciar o que é mercadológico, o que se auto-sustenta, atividades que se autoviabilizam a partir de expedientes de mercado e aquelas
  • 18. 18 que carecem de atuação pública. Talvez esse seja o segundo ponto fundamental de sofisticação das leis de incentivo. Álvaro Santi: Permita-me uma provocação antes do Prestes falar? Juntando as coisas que vocês dois falaram, a questão do valor cultural e a dificuldade que tu estás relatando aqui nesse grupo de estudos e o que o Prestes falou, que o Estado enquanto gestor da economia, não se permite fazer a escolha do que tem valor cultural e o que não tem, eu me pergunto: diante dessa condição, o patrocinador, o empresário que está se beneficiando desse recurso que é público irá fazer essa opção e essa escolha diante da omissão do Estado ou dos responsáveis? Porque ele tem essa possibilidade efetiva de escolher, pelos mecanismos legais, onde ele vai investir o dinheiro. Quais são as conseqüências disso do ponto de vista da boa gestão dos recursos públicos? [...] Luís Carlos Prestes Filho: [...] hoje verdadeiros médicos que têm suas clínicas que, antes de tudo, querem estabelecer uma relação econômica, o ser humano está em terceiro, quarto, quinto plano. Raramente você terá acesso a uma clínica ou a um especialista que irá se colocar frente a um ser humano. Se você não pagou o plano de saúde, nem entra. Isso irá se reproduzir nas universidades. Como exemplo, as universidades públicas do Estado do Rio de Janeiro, que são grandes laboratórios científicos e tecnológicos, às vezes, parece que se está entrando numa lata de lixo. É um caos total. Você se sente até mal do ponto de vista da autoestima. Dar aula na UFRJ é uma coisa que faz você sentir-se mal, agredido. Pensar na gestão da vida, do que o professor público viveu nos últimos 18 anos, 20 anos, um achatamento salarial, a falta de respeito. Então, na área da cultura não será diferente. Por que seria diferente na área da cultura, se setores estratégicos como educação e saúde são tratados dessa maneira? Mas, vejo que a cultura tem uma vertente que nós podemos pensar: temos que pensar em arte de vanguarda, pensar em segmentos que estão fora do mercado, mas também temos que pensar que, ou a gente ocupa o mercado, ou não temos saída. Também temos que ter uma postura agressiva. A TV Globo não vai colocar na televisão um capítulo de uma novela com custo de R$ 100 mil de produção se não existir os R$ 100 mil para produzir o capítulo. Não tem saída. A novela vai acabar, então, é o relacionamento direto com o mercado. E, quando a TV Globo vai definir o tema de uma novela, irá fazer pesquisas nacionais para saber o que a maior parte da população está querendo ver na televisão. Se está querendo ver tal tema, será isso, irá se trabalhar em cima deste tema, porque a novela tem que ser consumida. E, já que a maioria quer esse
  • 19. 19 tema, juntamente com a novela vai ter que engolir o refrigerante, o sabonete, o automóvel. Essa discussão se coloca no mercado. Agora, como é do outro lado o cinema brasileiro? “Ah, eu faço um filme experimental”. Então, os US$ 80 milhões que investimos no cinema brasileiro, todos os anos no país, através de recursos públicos... é uma coisa fantástica, no Brasil você consegue um investimento de 125% de recursos públicos. E com autorização de retorno. Mas, nenhum filme dá retorno. Não se tem nenhuma responsabilidade de devolver esse dinheiro para os cofres públicos. Por que não trabalhar uma meta? Por exemplo, nos próximos 10 anos serão investidos os mesmos 80 milhões, mas terá que se devolver 40 milhões. Dentro de quinze anos terá que se devolver 75%. Temos que ter produtos para disputar mercado. E o que acontece? Não sabemos quais filmes teremos em 2007! Hoje temos no país em produção 250 filmes e em projetos para acontecer, 350 filmes. Chega uma hora que temos que colocar ordem na casa. É uma produção que permitiria que tivéssemos uma política de longo prazo, de início de ocupação de mercado. E temos alguns sucessos de bilheteria: Renato Aragão, Xuxa, Os Dois Filhos de Francisco, Olga. Ocuparam alguma parcela, tiveram indicadores, mas ainda em quantidade não temos. Então, é necessário também ocuparmos mercado com livros, com discos, com filmes, com teatro. Hoje queremos criar os vales, vale cultura. Já há vale família, bolsa escola. Devemos discutir também as alternativas de mercado e temos que ocupar mercado. A Marisa Monte investiu R$ 1 milhão para lançar seus dois CDs, mas ela tem que ter de volta R$ 1 milhão, ela está disputando mercado. Nós temos cineastas que levantam R$ 10 milhões e pronto, acabou. Produzem o filme, fazem uma cópia, duas cópias do filme e pronto. Não se tem política. Eu não quero dizer que os produtores, os artistas são irresponsáveis, quero dizer que temos que pensar seriamente em como a cultura brasileira vai ocupar mercado. Assim como temos planejamento estratégico: o Brasil não vai chegar a lugar algum se dentro de dez anos não tivermos um aumento de tantos por cento de geração de energia elétrica e, para isso, precisamos construir tantas usinas hidrelétricas, termelétricas. O Brasil não vai a lugar algum se não asfaltarmos tantos e tantos quilômetros de rodovias. O Brasil não vai a lugar algum se não abastecermos a população com gás natural. O Brasil não vai a lugar algum se não expandirmos nosso potencial em ferrovias e fortalecermos ainda mais nossa indústria naval e a circulação de mercadorias em torno da costa brasileira através de embarcações. Por que não planejamos a quantidade de autores que temos que ter para escrever livros, que irão garantir a presença da cultura brasileira nas futuras livrarias do Brasil? Por que não pensar a quantidade de músicas brasileiras que teremos que gerar para termos conteúdo novo entrando nas rádios e nas TVs? Por que não pensar a quantidade de horas de imagens que temos que produzir para abastecer
  • 20. 20 todo o espaço da grade de TV aberta, TV por assinatura e salas de cinema? Nós temos que pensar como vamos produzir esse conteúdo para que ele vá chegar à população brasileira da mesma maneira que chega à água mineral, que chegam as lâmpadas, como chegam os equipamentos de som, como chegam os automóveis. Nós temos que saber o padrão deste consumidor e temos que fazer com que esse consumidor consuma esses produtos. Essa é a minha visão. Álvaro Santi: Nosso tempo está se esgotando, eu gostaria de fazer uma última pergunta que é do Guilherme Carlin, da revista O Dilúvio. Ele pergunta: dentro da evolução da produção cultural, como a mesa percebe as novas experiências de produção colaborativa baseadas em copyleft? Qual a viabilidade econômica de um projeto que não reconhece como fundamentais os preceitos da propriedade intelectual? Luís Carlos Prestes Filho: Minha resposta vai ser curta. Na página 122 do livro7 , há um gráfico azul onde se desenha todo o fluxo de direitos autorais no Brasil. O direito de se oferecer de graça, o direito autoral é do artista. O Gilberto Gil falou, no Jornal do Comércio há um ano atrás, que ele não iria deixar para os filhos os direitos autorais de suas obras e iria liberá-las e, não deixaria nada por herança. Mas, ele completou com algo totalmente infeliz: “não quero que meus filhos sejam como funcionários públicos que ficam ‘mamando nas tetas’”. Como se todo funcionário público mamasse nas tetas. Bem, eu acho que é direito constitucional e é um direito por conta dos acordos internacionais de que o Brasil é signatário, junto à Organização Mundial de Propriedade Intelectual, junto à Organização Mundial do Comércio, junto aos acordos que somos signatários do Mercosul, junto a nossos relacionamentos com a Comunidade Européia, o respeito aos direitos autorais. Se o autor quer abrir mão dos seus direitos e não ganhar mais nada da música, de quadros, é seu direito exclusivo. Agora, isso não significa que esse gráfico que desenhamos aqui irá deixar de existir, vai continuar existindo. Então, é uma interação extremamente positiva, que muitos artistas podem disponibilizar seus conteúdos, seus livros, seus quadros de graça, instituições. Por exemplo, existe um esforço da Organização Mundial da Saúde de investir milhões e milhões de dólares para pesquisa sobre medicamentos da AIDS. Se a OMS, com esses recursos, conseguir criar o medicamento da cura, as patentes desses medicamentos vão pertencer à Comunidade Internacional. Vai ser direito de uso público, ninguém terá que pagar patente alguma porque são dezenas e dezenas de países que investiram esse dinheiro. Esse é um modelo novo, é um modelo extremamente interessante e tem muitas coisas curiosas que podem ser feitas nesse campo. É válido 7 Cit.
  • 21. 21 e positivo, mas isso não significa que o criador daquela música, daquele filme, daquele livro, daquele roteiro, daquela coreografia, daquela cenografia, ter o direito de fazer a gestão e ganhar por conta do que criou. Leandro Valiati: É bastante apropriada essa colocação e creio que é exatamente isso, quer dizer, o fato de abrir mão do direito autoral somente consolida a existência desse direito autoral. E o direito de propriedade é um dos componentes fundamentais do incentivo à produção. Então, sob a perspectiva do agente individual, abrir mão de um direito que existe intrinsecamente na criação da obra é válido, é perfeito. Porém, o direito à propriedade intelectual é um componente fundamental na formação das expectativas e um incentivo à produção cultural. Acho que brevemente é isso. Luís Carlos Prestes Filho: Muito obrigado a todos vocês. Leandro Valiati: Obrigado a todos e um bom final de evento.
  • 22. 22 SEMINÁRIO MECENAS NA REPÚBLICA O financiamento público à cultura Painel 2. Financiamento público federal à cultura no Brasil. Palestrantes: Adriana Moreira – MinC – Secretaria de Incentivo e Fomento à Cultura. Cristiane Olivieri – Centro de Estudos Multidisciplinares da Cultura (CULT-SP). Debatedor: Fernando Schüler – Fundação Iberê Camargo. Mediador: Cícero Aragon – Fundação Cinema do RS. Dia 24/10/2006 às 14h Cícero Aragon: Quero agradecer a presença de todos nessa tarde e dar início ao painel “Financiamento Público Federal à Cultura no Brasil”. Nossos convidados são: Cristiane Olivieri, advogada, Mestre em Política Cultural pela USP e em Administração das Artes pela Universidade de Boston, Especialista em Gestão de Processos Comunicacionais e Culturais pela USP, pesquisadora do Centro de Estudos Multidisciplinares da Cultura (CULT-SP) e autora do livro Cultura Neoliberal8 sobre leis de incentivo como políticas públicas; também está conosco Adriana Moreira que representa a Secretaria de Incentivo e Fomento à Cultura do Ministério da Cultura, Especialista em Gestão Pública e Políticas Governamentais e Economista pela Universidade Federal de Pernambuco; e o nosso gaúcho, Fernando Schüler, Mestre em Ciências Políticas pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, ex-Chefe de Gabinete do Ministro da Cultura Francisco Weffort, em Brasília, foi Diretor da Secretaria Estadual da Cultura do Estado do Rio Grande do Sul, é professor em Ciências Políticas pela Universidade Luterana do Brasil, professor de Meios de Comunicação da PUC-RS, Cadeia e Indústrias Culturais do curso de Pós-Graduação em Teoria de Comunicação, e atualmente é Diretor Executivo da Fundação Iberê Camargo. Queria 8 OLIVIERI, Cristiane Garcia. Cultura Neoliberal: Leis de incentivo como política pública de cultura. São Paulo, Escrituras, 2004.
  • 23. 23 saudar a mesa, saudar os presentes com destaque à Rosane que é a nossa Representante Regional do MinC, nosso convidado da Ancine, Zeca Zimmerman, a nossa diretora do Instituto Estadual de Cinema e demais autoridades presentes. Quero então iniciar passando a palavra para a Adriana. Adriana Moreira: Olá, boa tarde a todos. Eu trouxe alguns números do Ministério que eu gostaria de apresentar aqui e vou falar sobre as ações do Ministério atualmente e o que se pretende fazer no Ministério da Cultura em termos de fomento e incentivo à cultura. Bem, sobre as leis de incentivo, nós temos a lei de incentivo federal, a Lei Rouanet, que favorece o incentivo privado tanto de pessoas físicas quanto jurídicas no fomento à cultura no Brasil. Existem certas diferenciações quanto às questões culturais em relação a como a gente enquadra os projetos no Artigo 18, cujos benefícios fiscais são maiores, ou no Artigo 26, com menos benefícios fiscais. Há diferenciação também em relação à forma de incentivo, se é doação ou patrocínio, no caso do Artigo 26; e também o tipo de pessoa que está incentivando, se for pessoa física, que tem um incentivo maior ou pessoa jurídica. Também temos a Lei do Audiovisual9 , que dá desconto no imposto de renda de empresas que realizem investimento em produções cinematográficas, adquirindo cotas de comercialização no mercado de capitais. Isso está mais no âmbito da Ancine, que desde que foi criada tem cuidado mais da questão do audiovisual. Também as leis estaduais, cujos incentivos são em relação ao ICMS. Muitos estados já possuem leis de incentivo estaduais, alguns ainda não. Além das leis municipais, cujo incentivo é sobre o IPTU ou ISS. A Lei Rouanet instituiu o Pronac, e existem três mecanismos de incentivo. [O primeiro é] o Fundo Nacional da Cultura, que é composto principalmente de recursos do tesouro, subvenções, auxílios, loterias e emendas parlamentares. Nesse caso, a decisão é do Ministério em relação à alocação desses recursos e o Ministério procura incentivar aquelas áreas em que a iniciativa privada não tem tanto incentivo em atuar, como as culturas populares, as culturas indígenas... Mas, no caso do Fundo Nacional de Cultura, para projetos de qualquer pessoa, que sejam de natureza cultural, poderem entrar na MinC, existe uma contrapartida. O Ministério aprova a liberação de recursos até 80% do valor do projeto e os outros 20% são de contrapartida do proponente. O [segundo é o] Mecenato, que é o incentivo fiscal para investimentos em projetos culturais, será a iniciativa privada que irá fazer. Então, os incentivadores é que vão escolher quais são os projetos que interessam a eles. No caso da pessoa jurídica também, os projetos têm que ser previamente aprovados pelo MinC. E os Fundos de Investimento Cultural e Artístico (Ficart), que são fundos condominiais, privados, orientados pela capitalização de 9 Lei Federal 8685/93.
  • 24. 24 investimentos em projetos culturais de natureza eminentemente comercial. Mas o Ficart ainda não foi implementado, somente regulamentado. Bem, essas são as etapas básicas do processo de Mecenato via lei de incentivo federal. Então, como acontece? Os produtores e artistas levam ao MinC um projeto de acordo com os formulários que são padronizados no Ministério e em seguida o Ministério faz uma pré-análise desse projeto para ver se os documentos exigidos por lei foram obedecidos e o enquadramento, no caso, se for Artigo 18 ou 26. Também há um parecer técnico, a partir de uma avaliação mais especializada, vendo se aquele projeto atende as finalidades do Pronac: a relevância do projeto, a clareza dos objetivos, a coerência interna e o orçamento, ou seja, ver se o custo que está previsto no projeto condiz com os custos que são atualmente vigentes no mercado. Em seguida, a aprovação é dada pela Comissão Nacional de Incentivo à Cultura, a CNIC. No caso, se o projeto não for aprovado, existe toda uma explicação dada ao proponente dos motivos pelos quais o projeto não foi aprovado. Sendo o projeto aprovado, passa-se para a captação de recursos. O produtor já está apto a receber o recurso dos incentivadores, tanto de pessoas físicas quanto jurídicas, via depósito bancário em uma conta que é criada especificamente para isso. Realiza-se o projeto e, ao final, na prestação de contas, é feito o acompanhamento pelo MinC e a avaliação dos resultados. O que vai se observar é se os recursos estão sendo aplicados fielmente, sem desvios e tal, ver se os objetivos e os resultados previstos foram alcançados, qual o impacto daquele projeto na sociedade, e se ele atingiu a finalidade do Pronac. A partir daí o investidor desconta o valor incentivado, de acordo com o benefício fiscal. Aqui nós temos algumas das diretrizes gerais da política de fomento e incentivo à cultura. Muitas dessas diretrizes guiaram-nos na formulação de um novo Decreto, o 5.761. Eu vou falar mais dessa parte no final, quando trago as principais inovações do decreto. Então, essas diretrizes seriam: a democratização do acesso e dos benefícios gerados pelos recursos públicos investidos em cultura; ampliação dos volumes de recursos a serem investidos; diversificação das formas de financiamento e sua adequação ao perfil dos demandantes; a profissionalização das atividades culturais; a alocação de recursos para setores estruturantes das atividades culturais; processos seletivos transparentes e descentralizados; desconcentração espacial dos perfis populacionais e de renda para os investimentos públicos em cultura; estímulo à maestria e inovação criativa; valorização das tradições; integração com os mecanismos estaduais e municipais; e a formulação de uma política de investimento público em cultura com base no diálogo com setores representativos da sociedade e instrumentos de avaliação e acompanhamento de investimentos. Bom, a partir de agora eu vou trazer alguns dados do Ministério sobre a Lei Rouanet, principalmente. Então, esses daqui são em relação a 2005. Em 2005, nós
  • 25. 25 tivemos recorde de captação nacional chegando a R$ 702,3 milhões, recorde de captação em 13 estados e em todas as regiões. Esses 13 estados são: Mato Grosso do Sul, Bahia, Ceará, Maranhão, Pernambuco, Rio Grande do Norte, Acre, Espírito Santo, Minas Gerais, Rio de Janeiro, São Paulo, Rio Grande do Sul e Santa Catarina. Mas se observamos os dados desde 2004, os dois anos, 2004 e 2005, 22 estados atingiram esse recorde de captação. E, verificamos também uma melhoria na distribuição nacional de recursos desde o início da lei, considerando que São Paulo acaba captando mais de 30% dos recursos que são destinados à cultura pela iniciativa privada. Bom, continuando, tivemos recordes também no mesmo ano, em 2005, da participação das empresas patrocinadoras e, desde 2002, em todos os anos esse número foi crescendo e, em 2005, chega a 1.970 empresas patrocinadoras. Recordes também com o número de projetos com captação, porque na verdade muitos projetos são apresentados, um número menor de projetos é aprovado, mas o número de projetos com captação ou que conseguem captação parcial ou integral dos recursos realmente acaba sendo um número bem menor. Isso depende da iniciativa dos investidores, dos incentivadores, em apoiar aquele projeto e também, em parte, do esforço feito pelos proponentes para buscar esses incentivadores. Tivemos recorde também de contribuição de pessoas físicas, onde há uma pequena oscilação, mas há uma tendência de crescimento. Em 2005, acabamos tendo um recorde em 4.951. Realmente, as pessoas físicas são o grupo de incentivadores mais especial. A proporção de pessoas físicas que podem incentivar projetos é muito grande e, no ano de 2004, foram mais ou menos 15 milhões de pessoas que declararam imposto de renda como pessoa física.Esse é um potencial, mas, quantas acabam realmente incentivando projetos culturais? Apenas uns três mil por ano. É um número bem pequeno em relação ao potencial. Em 2005 há um recorde de captação, com cerca de RS$ 700 milhões.Nas áreas de artes cênicas e artes integradas, há algumas pequenas oscilações, mas também há uma tendência de crescimento no valor captado por elas, e o recorde batido foi em 2005, também. Nas artes plásticas e no audiovisual, há algumas oscilações, tendência de crescimento e recorde nas duas áreas no ano de 2005, também, nas humanidades e música. Na área de humanidades vemos também a tendência de crescimento, na música, com nos outros, o recorde foi em 2005 com tendência de crescimento. No patrimônio, temos uma tendência de ascensão à captação e recorde de captação em 2005. Na captação por região, houve algumas oscilações, mas em todas elas há um crescimento no valor captado e houve melhoria, como já tinha dito antes, na distribuição desses recursos. As regiões que conseguiam menos acabaram participando um pouco mais em relação ao total de captação nacional. Na Região Sul, vemos uma tendência de ascensão e, em 2005, também há um recorde de captação e vemos que houve uma evolução significativa em
  • 26. 26 relação ao volume de recursos captados. A grande parte desses recursos é realmente do Rio Grande do Sul. Em 2005, vemos um recorde de RS$ 43,2 milhões e em todos os anos a captação aumentou. E, se compararmos 2005 com 1998, veremos que o volume de recursos captados aumentou mais de oito vezes. Isso é bastante significativo. E como havia falado antes, o Rio Grande do Sul é o estado com maior captação no Sul e o quarto no Brasil, perdendo apenas para os estados de São Paulo, Rio de Janeiro e Minas, no Sudeste. São estados que conseguem captações bem altas. Na evolução por área, há oscilações em todas elas, já que o volume de recursos aumentou, mas variou. Mas, os projetos no Brasil foram crescendo sempre e, se compararmos 2000 com 2005, o número de projetos aprovados quase duplicou. A mesma coisa acontece com os projetos captados e, vemos que o número de projetos captados realmente está bem abaixo do número de projetos aprovados, mas isso também nos mostra que existe um potencial de incentivadores muito grande que pode ser explorado. É o que estamos tentando nesta gestão: aumentar o número de incentivadores, aumentar o volume de captação porque a percentagem de pessoas tanto físicas quanto jurídicas que incentivam projetos culturais é muito baixa comparada ao potencial daqueles que realmente poderiam incentivar. Pode-se ver que logo no início, em 1994, quase 100% dos incentivadores do Sul eram apenas do Rio Grande do Sul. Com o tempo, a lei foi ficando mais popularizada, e tanto as pessoas físicas quanto as jurídicas foram tomando conhecimento dela, então o número de incentivadores foi aumentando. Mas, mesmo assim, se pegarmos essa soma de 1994 para 2006, o número de pessoas jurídicas que incentivaram projetos culturais no sul, 54% foram para o Rio Grande do Sul, mais da metade dos incentivadores, pessoas jurídicas, estão concentradas aqui. E das pessoas físicas esse percentual é bem maior, 80% das que incentivam projetos culturais no Sul são do Rio Grande do Sul. Eu vou começar a falar mais das inovações do decreto 5.761, que é de 26 de abril de 2006. Ele regulamenta a Lei Rouanet, trazendo algumas mudanças. O Artigo 3º trata do Plano Anual do Pronac, que irá trazer as normas que devem ser seguidas. Ele é elaborado e publicado pelo MinC e deve seguir o Plano Plurianual (PPA) e a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO). O Artigo 4º traz algumas definições, no caso: a partir daqui, exige-se que seja o proponente pessoa com atuação na área cultural e da produção cultural e educativa de caráter não comercial. Aqui, demos uma definição do que seria: é aquela realizada por empresa de rádio ou televisão pública ou estatal. O Artigo 5º fala sobre editais, e foram regulamentadas três formas: O primeiro, em que o Ministério lança um edital chamando as empresas que estariam interessadas em determinadas áreas e
  • 27. 27 segmentos culturais. Essas empresas manifestam interesse, dizem quanto irão incentivar e, a partir daí, são lançados editais em cada área ou segmento para que as pessoas possam mostrar os seus projetos e, após, serem selecionados por meio de um concurso público. É uma forma de democratização do processo, trazendo transparência na medida em que os critérios são definidos no próprio edital e abrangendo maior número de pessoas. É um processo mais inclusivo. O segundo tipo de edital seria aquele em que as empresas, de forma independente, lançam seus editais, decidem escolher os projetos que vão incentivar por meio de concurso público, comunicando o edital previamente ao MinC. A Petrobras e a Natura já fizeram isso. O terceiro tipo de edital seria um mecanismo que integraria a União, os estados e os municípios. Teria então a integração de todas as leis de incentivo. No Artigo 14, há a criação da Comissão Nacional da Cultura que tem a competência de avaliar os projetos que são enviados para o FNC para serem analisados. E, no Artigo 17, os programas e projetos de ações culturais de iniciativa própria do ministério a serem financiados com recursos do FNC devem constar de seu plano anual, porque vai existir o plano anual do FNC, e, até os projetos que são do MinC têm que constar do plano. As despesas de captação dos recursos serão detalhadas em planilhas de custos, obedecendo aos limites definidos em atas do Ministério da Cultura. Alguns limites foram impostos, por exemplo: despesas administrativas, que são despesas na área-fim do projeto só podem comprometer 15% do orçamento total. O Artigo 27 é um dos mais importantes em termos de inovação porque diz que os projetos que usam recursos incentivados, ou seja, recursos provenientes do Mecenato, têm um plano de democratização, porque seguimos a linha de que os recursos públicos devem gerar benefícios públicos. Mesmo aqueles projetos que são incentivados com recursos da iniciativa privada devem trazer um plano de democratização que mostre como tornarão os preços mais acessíveis, como propiciar condições de acessibilidade a pessoas idosas, portadoras de deficiência, ou promover a distribuição gratuita aos beneficiários previamente indicados, podendo ser estudantes ou artistas daquela área que não tem condições de ter acesso ao produto cultural. Desenvolver estratégias de difusão para ampliar o processo e outras formas de ampliação do acesso. Foi uma das principais inovações realmente, pelo mérito, pela democratização e por explicitar os recursos que são públicos, oriundos de renúncia fiscal, devem realmente gerar algum benefício para a sociedade. O artigo 31 dispõe que o patrocinador, que antigamente tinha direito a até 25% do produto cultural do projeto que ele incentivasse e agora passa a ter direito de ter, no máximo, 10%. Outros 10%, o Ministério irá definir, a seu critério, para ser distribuído pelo beneficiário. Esses 10% são os limites totais, ou seja, se três patrocinadores incentivam aquele projeto, o que vai para os três, somados, será 10%. E
  • 28. 28 o que recebem é proporcional aos recursos que incentivaram no projeto. Alguns conceitos também foram ampliados, no caso, o Artigo 40 regulamenta o Artigo 39, que fala sobre a composição da CNIC. As Artes Visuais foram ampliadas para Arte Visual, Digital e Eletrônica; o Patrimônio Cultural Material e Imaterial, inclusive museológico, de expressões da cultura negra, indígena e cultura de populações mais tradicionais. O Artigo 44, que é o plano de distribuição que eu expliquei anteriormente, 10% para o patrocinador e 10% a critério do MinC. E o Artigo 47, que torna obrigatória a utilização da logomarca do Ministério nos produtos culturais e em qualquer ato de difusão, divulgação ou promoção. Qualquer coisa que divulgue aquele projeto que recebeu incentivo, camiseta, uma placa, tudo tem que ter a logomarca do Ministério. Existem alguns elementos que têm que ser pactuados entre os três níveis de governo para fazer o edital, como as diretrizes da política cultural; o uso compartilhado das leis de incentivo; a participação paritária no financiamento; os editais públicos de seleção e o processo seletivo para habilitar a organização; e os sistemas de informações. E aqui eu trago um “passo a passo”. Os estados e municípios definem as prioridades junto à sociedade. Aí, estados e municípios apresentam um pré-projeto ao MinC junto com o termo de cooperação, a organização que irá operar o edital e os documentos que são exigidos. E o MinC, os estados e os municípios irão dialogar e aperfeiçoar no que for possível esse projeto, que será apresentado à CNIC para aprovação. Os estados e municípios então informam periodicamente como está o andamento do edital. Bom, essas aqui são algumas ações que estão sendo implementadas no âmbito do financiamento e fomento à cultura. Primeiro, o ticket cultural10 , que é uma idéia que surgiu da ampliação da visão que o Decreto traz, incluindo a Economia da Cultura, com o objetivo de ampliar e facilitar o acesso das pessoas aos produtos e serviços de bens culturais. Ele seria voltado para os trabalhadores e as empresas comprariam esses tickets, funcionaria mais ou menos como um ticket alimentação. Você escolhe os serviços e bens culturais que você quer: livros, DVDs, ingressos para cinema, teatro, e as empresas adquirem esses tickets, doam aos seus funcionários e, juntamente como seus dependentes legais, podem escolher os bens e serviços culturais que querem consumir. Do valor desses tickets, a empresa pode ter uma dedução fiscal, enquadrando-se no Artigo 26 da Lei Rouanet, e não pode ser descontado do salário. E, obrigatoriamente, dar preferência para trabalhadores que recebem até cinco salários mínimos. Poderia abranger outros trabalhadores, mas de forma adicional. É uma forma de ampliar o consumo real por pessoas que realmente não têm muitas condições. O financiamento reembolsável está previsto no Decreto 5.761, porque o Fundo Nacional de Cultura pode ter financiamento a fundo 10 Posteriormente implantado com o nome de Vale-Cultura, por intermédio da Lei 12.761/2012.
  • 29. 29 perdido, em que o proponente recebe até 80% do valor do projeto sem ter que devolver para o Ministério; ou então o financiamento reembolsável, que seria um empréstimo através de instituições financeiras oficiais, credenciadas pelo MinC para produtores culturais de média e pequena renda. Seria um empréstimo com taxas de juros subsidiadas, com condições facilitadas, com prazo de carência menor, mas todo o recurso tem que ser devolvido. Outra coisa que está sendo feita é a página do investidor cultural e do proponente, uma página na Internet, com melhores informações para motivar os incentivadores culturais a investirem mais e, assim, ampliar esse número, alcançando esse número potencial que existe e que não sabe que a lei existe. Outra coisa que está se pensando são os fundos de investimentos para atividades culturais e artísticas, via bolsa de valores e via sistema bancário. Bom, é isso. Cícero Aragon: Quero passar a palavra para Cristiane Olivieri. Cristiane Olivieri: Boa tarde a todos. Bom, eu vou tentar fazer um panorama do que foram esses anos da Lei Rouanet, um pouco sobre que política cultural foi implantada. Estou partindo do pressuposto de que é de conhecimento das pessoas tudo o que a Adriana falou: como funcionam as leis e o que elas são, mas, depois podemos ir tirando dúvidas de detalhes que não ficam muito claros. Eu sou advogada, trabalho nessa área de cultura e entretenimento há mais de 20 anos e na verdade acompanhei a lei de incentivo fiscal desde a Lei Sarney, de 1986, como isso veio mudando e se transformando em “o” instrumento de financiamento à cultura no Brasil. Eu gostaria de começar com um número apresentado pelo secretário Juca Ferreira: de cada 10 reais investidos em cultura nesse país pelo Ministério da Cultura ou via Ministério da Cultura, nove reais vem de incentivo fiscal à cultura. Temos que ficar com esse número na cabeça, ou seja, 90% de todo o dinheiro é via Lei Rouanet, via Lei do Audiovisual e incentivos fiscais federais que estão em vigor. E aí, voltar um pouco antes e pensar o que se pretende com financiamento à cultura, e deve, em princípio, cobrir o fomento da produção cultural, a própria produção, a distribuição e o acesso público. Caberia ao Ministério da Cultura, como gestor, estar preocupado em disponibilizar infraestrutura para que essa cultura aconteça e para que ela possa ser desfrutada, na formação e capacitação, seja do profissional da cultura, seja do público, para que ele possa fruir melhor daquilo que está assistindo, poder compreender, para poder gostar. Também criar mecanismos de distribuição para a produção independente porque se hoje a produção das grandes gravadoras, dos grandes espetáculos não consegue circular no país, o que dirá a produção dos DVDs, dos CDs independentes, livros caseiros, etc. Caberia também a regulamentação do setor, que vem sendo feita
  • 30. 30 de alguma maneira. Creio que talvez seja o governo que mais esteja preocupado, sem fazer aqui uma análise de mérito, mas foi tentando regulamentar para que as atividades sejam mais bem resolvidas. Democratizar o acesso e afinal financiar a produção propriamente dita. Temos essa política federal no país sendo executada pelo MinC e suas entidades vinculadas, bastante concentrada no Rio de Janeiro, mas com alguma representatividade nacional. E aí voltamos à questão inicial, que é: se o dinheiro todo ou quase todo vem do incentivo fiscal, que problemas isso tem gerado nesse movimento? Temos em um primeiro lado uma crítica desenfreada e, de alguma maneira, equivocada ao incentivo fiscal. O incentivo fiscal tem um formato, tem um objetivo, tem um público para ser entendido, tem uma possibilidade, e o resto deve vir de outros lugares. Como o país só tem essa possibilidade de financiamento, nós torturamos esse financiamento para ver, quem sabe, ele pagar todas outras contas para as quais ele não foi criado. E, aí vem uma série de críticas, claro, muitas delas pertinentes, mas muitas delas querendo que o incentivo fiscal financie, por exemplo, o fomento. Não vai financiar. Que financie as produções pequenininhas. Não vai financiar. Financie a vanguarda. Não vai financiar. Pela cara com que foi montado, como ele envolve a sociedade civil representada pelos diretores de marketing que têm interesse na comunicação, claro que ele vai financiar uma série de produções mais comerciais. É ruim? Não, é maravilhoso. Nós temos que imaginar o seguinte: o Brasil não consegue viabilizar nem suas produções midiáticas com a venda de ingressos ou de livros. Se virmos o modelo americano, a produção das organizações não governamentais, e aí não estou falando de Broadway, ela se viabiliza sozinha, mas essas produções de músicas eruditas, balé, etc, 50% do custo dessas organizações vem da venda de ingresso direto. Eu pergunto: que espetáculo de balé, de orquestra sinfônica, de música clássica se viabiliza em 50% com a venda de ingressos? Eu desconheço. Não adianta dizermos que o incentivo fiscal viabiliza esses projetos de música erudita que acontecem para 150 mil pessoas em praça pública ou no teatro municipal. Viabilizam-se sem algum tipo de incentivo ou algum tipo de patrocínio, algum tipo de outro apoio financeiro? Não se viabilizam. O incentivo tem um papel real e importante, agora, o que ele não consegue, porque não é do caráter da formatação do incentivo fiscal, é cobrir outros pontos. Creio que tem uma segunda questão importante que esse incentivo criou: tornar o próprio governo refém e dependente dos incentivos. O que acontece com o Ministério da Cultura hoje? Ele não tem orçamento. Como não tem orçamento, canaliza os incentivos para cobrir o seu próprio custo. Então, quem paga o custo das entidades vinculadas são os incentivos fiscais primordialmente via estatal, mas às vezes, até via empresas privadas, através da Associação dos Amigos da Funarte, Associação dos Amigos do Teatro e assim
  • 31. 31 vai... Eu não estou aqui fazendo uma crítica porque vejo que o Ministério usa o que é possível: se ele não tem receita para manter esses organismos, usa a lei de incentivo fiscal, que é o que existe. Com isso, fica dependente também, o que é complicado, de projeto a projeto: apresente o seu projeto, aprove, patrocine. O “apresente o seu projeto, aprove, patrocine” em uma mão e, na outra mão, ele é concorrente do produtor cultural porque ele também entra no mercado para captar um dinheiro que teoricamente é da produção cultural. Com isso ficamos em uma situação real e que, durante muito tempo o próprio discurso do Ministério da Cultura e a própria sociedade civil não tinha conhecimento tão claro, acho que esse número colocado no jornal é esclarecedor, ou seja, nove reais de dez reais é muito dinheiro que o incentivo está colocando e que o governo não está colocando. Precisamos transformar, deixar de o incentivo ser “a” fonte de recursos, porque no ápice de fazer esse dinheiro chegar ao produtor, o que o governo fez? Ele tem um Fundo Nacional de Cultura que também foi criado pela Lei Rouanet, mas que nasce com um problema inicial, ele é uma verba contingenciável. O que isso quer dizer? Que o dinheiro que está lá, não está lá. Se você olhar a rubrica, no começo do ano, quanto tem no Fundo Nacional de Cultura, há uma série de verbas que compõem esse Fundo, mas a qualquer estremecimento da economia ou se o presidente precisar fazer superávit, ele passa a mão naquele dinheiro e ele vira caixa. Ele está congelado, como verba do governo, mas ele não existe como uma verba real, é um dinheiro que não pode ser gasto. Então, o Fundo Nacional de Cultura já tem um problema inicial: teria a verba para viabilizar todas produções menores, que são de vanguarda, que tem um público mais restrito porque, do ponto de vista de um patrocinador, ele prefere gastar R$ 1 milhão a gastar R$ 10 mil: ele quer que tenha algum tipo de retorno de divulgação grande, e para que isso aconteça precisa de uma verba também grande. Enquanto que, em projetos menores, o que você pode ter é um grande impacto para a comunidade. Você tem empresas fazendo isso? Tem. Você tem empresas que vão pela responsabilidade social, mas não podemos dizer que essa é uma prática generalizada. Então, caberia ao Fundo Nacional de Cultura ou a um fundo público, cobrir esses pedaços, colocar dinheiro nesses lugares. E, da maneira que está hoje, pouco importa quem é o dirigente do Ministério da Cultura, ele não consegue fazer com que aquele dinheiro permaneça lá, esse dinheiro é contingenciado sempre. E segundo, a verba não é grande, em geral é 1% da verba canalizada pelo Mecenato e ela tem um processo de seleção que não é transparente ou não tão transparente quanto os fundos que vemos fora do Brasil. O fundo americano que é o National Endowments for the Arts, através de uma verba que é disponibilizada para o Fundo anualmente, essa verba está caindo, os artistas americanos também estão chateados, o dinheiro é infinitamente maior do que temos por aqui, e a seleção entra
  • 32. 32 na análise do mérito dos projetos. Há uma comissão que é uma comissão não governamental, de especialistas naquela área, abre-se um edital para que pessoas de Artes Plásticas entrem num processo de seleção e quem faz essa seleção são seis artistas plásticos de renome nacional e unanimidades na sua área. Durante uma semana, analisam os projetos apresentados, onde não há o nome do seu autor e proponente e fazem uma análise estética e escolhem “x” número de projetos que serão viabilizados. Pode ter desvio? Não há dúvida, se você é da área pode conhecer até alguns projetos, mas como essa comissão não é permanente, mudando a cada seis meses, um desvio em um semestre é rapidamente consertado em outra ação. Então, o que nós temos no Fundo Nacional de Cultura: não temos a verba, a que existe é pouca, é contingenciada e os critérios de distribuição não são tão claros. Embora o Ministério tenha feito nesse governo alguns editais públicos de distribuição de verbas menores e tudo mais... Mas o país é muito grande proporcionalmente à verba que está sendo distribuída. Porque o que acaba acontecendo é que o grande mecenas deixa de ser o Ministério da Cultura e viram as estatais. Quem mais põe dinheiro na cultura, conforme os próprios números do Ministério, é a Petrobras, que coloca em torno de R$ 90 milhões. E aí, ela tem edital público? Tem. Mas são dos R$ 90 milhões? Não. A maior parte dos R$ 90 milhões não é distribuída por edital público. A maior parte desse dinheiro não é distribuída em relação à qualidade estética, é distribuída por um conceito provavelmente de comunicação, de relação, de interesses junto a determinados públicos. A maneira como isso está montado, quer dizer, escapa do próprio Ministério. Aí um novo decreto: como o Ministério não tem dinheiro, ele vai ao Ministério da Fazenda e pede uma renúncia fiscal para a empresa colocar o dinheiro, e, como ele continua não tendo dinheiro, vai à empresa e diz: sabe aquele dinheiro da renúncia fiscal? Agora, eu quero que você aplique nos projetos que são de interesse da política cultural. O resultado final é bom? Creio que será, porque o governo vai usar uma parte do dinheiro e distribuir democraticamente, quer dizer, ele vai dar um acesso maior. Você não precisa conhecer o diretor de marketing da empresa para poder viabilizar o seu projeto. Você precisa ter um projeto consistente do ponto de vista da produção cultural e da produção estética. É maravilhoso. Mas precisa ser repensado um pouco o processo, que vai ficando cada vez mais intrincado porque o Ministério continua não tendo verba. Essas questões não ficam muito claras e a própria produção cultural fica pressionando o governo e a mídia, no sentido de discutir resultados da Lei Rouanet, do Mecenato especificamente. Quem patrocina, quem não patrocina... O dinheiro fica apenas no Sul do país, o que é um fato. Só 20% dos projetos conseguem captação, e isso é um fato histórico, não é deste ano, acontece desde quando a Lei começou. E temos que pensar, dentro desses 20% há uma série de projetos que já entram com o
  • 33. 33 seu patrocinador estabelecido. Quantos projetos realmente entram no Ministério da Cultura sem nenhum vínculo, sem nenhum pré-relacionamento com a comunicação de uma empresa e que de fato conseguem ser realizados? Colocado isso, creio que temos que pensar esse sistema para propormos um sistema diferente: o Ministério da Cultura precisa pensar em uma solução de verba de manutenção real para si mesmo. E, por outro lado propor um Fundo Nacional de Cultura... É uma questão importante na história do país onde atravessamos um período muito grande em que a economia e a teoria neoliberal deram todas as cartas. Não que ainda não seja verdade, mas a produção cultural não pode se justificar o tempo todo pela sua cadeia econômica. Ela precisa se justificar pela sua produção estética em si. Saber o número das pessoas que trabalham, saber o impacto no PIB, etc, é relevante. O Ministério tem que ter importância suficiente dentro do governo para ter uma verba sua, gerir as suas próprias entidades, ter um fundo cultural e a lei de incentivo fiscal, seguir no seu caminho porque, se ela tivesse seguido no seu caminho originário, hoje nunca teríamos 100% de incentivo para projeto algum. A parceria seria mantida junto com a empresa privada que dá 100% de incentivo e ganha 100% de incentivo público. Por outro lado é um fato que a lei de incentivo federal originou uma série de leis estaduais e municipais que conseguem distribuir a verba de uma maneira mais localizada para a comunidade. O fazem na maior parte dando 70%, 80%, dificilmente uma lei de incentivo municipal ou estadual dá 100% de incentivo. Creio que a Lei Rouanet tem esse mérito de transformar um incentivo fiscal em um modelo mais nacional. A gestão da própria lei vem sendo especializada. O decreto que a Adriana cita, tem o grande mérito de garantir que será solicitado aos proponentes uma distribuição democrática. Se você observar quais são os objetivos do Pronac? Incentivar a produção, a distribuição e o acesso. Não é possível que não se tenha no Ministério um controle de que acesso é esse, quem está presente nas produções culturais, quem são as pessoas que assistem tudo que é viabilizado pelos incentivos fiscais e que se façam produções com R$ 350 reais o ingresso, como foi o caso do Cirque du Soleil. O Cirque du Soleil trouxe, empurrou essa discussão de uma maneira mais real, quer dizer, ela vinha sendo feita nos bastidores por causa de outros milhares de espetáculos e o Cirque foi emblemático da falta de coerência de se dar incentivo para um projeto que tem uma receita de bilheteria que o viabiliza completamente. Tal discussão apressou a regulamentação do Decreto que já estava no bolso, mas que saiu rapidamente, como uma resposta de que a sociedade não está interessada em um tipo de produção assim, e que é o mesmo caso do Chatô. Quando o Chatô pegou os R$ 12 milhões e não entregou o filme, todo o processo da Lei do Audiovisual foi revisto. Então, é um processo que vem caminhando e se especializando, vem melhorando como processo de incentivo fiscal. Não é a toa
  • 34. 34 que há dois anos a ONU declarou o mecanismo de incentivo fiscal à indústria cultural brasileira como o melhor modelo de incentivo. Então, é um modelo bom, o que precisamos, é saber qual a política federal para o país, para a cultura. Ela não pode ser uma política que se concentra no incentivo fiscal à cultura, porque o próprio governo fica refém de aprovar uma série de projetos e sem conseguir obter uma proposta mais larga, que pense a médio e longo prazo como será a política cultural. Com a mudança do Decreto, que traz um possível plano anual de cultura, pode ser que comece a apontar um pouco para a idéia de que vamos ter uma política cultural para o país em que o governo define quais são as prioridades, quais são as possibilidades, indo atrás para cumprir as metas que ele próprio colocou. Agora, o próprio governo, a sociedade civil, as pessoas que trabalham na área de produção cultural, os artistas, enfim, essas pessoas têm dificuldade de se organizar. É diferente dos lobbies dos serviços do comércio que se organizam com muita facilidade. Precisamos nos organizar para que o processo como um todo, seja de outra maneira. Porque senão a discussão vai ser sobre os incentivos fiscais que não mudam e que há 15 anos somente 20% dos projetos são captados. E o governo fica com esse Decreto e com outros que virão, cria editais públicos, maneiras de facilitar o acesso, maneira das pessoas conseguirem financiamento e o que me parece é que, para que a política seja estabelecida, precisa-se de outro dinheiro, de outro tipo de fundo. É isso. Boa tarde. Cícero Aragon: Agradeço à Cristiane e passo a palavra para o Fernando Schüler que também será o nosso debatedor, mas que tem algumas considerações iniciais que ele gostaria de apresentar. Fernando Schüler: Obrigado pelo convite, às entidades que promovem o encontro e farei alguns comentários rápidos sobre o que foi colocado. Primeiro concordando totalmente com as minhas colegas, principalmente com a Cristiane, eu creio que não vamos discutir política cultural, daria vários seminários, várias tardes aqui no Centro Érico Veríssimo. Vamos discutir a Lei Federal de incentivo à cultura e que é um braço da política cultural brasileira, criado inclusive por um governo neoliberal que foi o governo Collor de Melo, a Lei Rouanet. É um braço, concordo totalmente com ela, começamos a entender e é um problema, na medida em que há uma restrição orçamentária no governo federal e, aliás, nos governos estaduais também, e em muitos governos municipais, onde o governo tenta usar a lei de incentivo como a grande fonte, o grande tesouro de caixa de recursos para fazer política cultural porque não há outra fonte. Trabalhei no Ministério da Cultura, quase dois anos, 1995 e 1996, lá no início. O governo liberou R$ 84 milhões, atualizando hoje daria R$ 140 milhões para o Ministério aplicar diretamente em projetos no país. Era um dinheiro de
  • 35. 35 orçamento. Eu me lembro que aqui, no Rio Grande do Sul, foi feita a recuperação do MARGS, um pequeno exemplo do que foi feito em todo o Brasil. Lembro que o Ministro se reunia com os secretários de cultura dos Estados, para discutir projetos prioritários e havia uma aplicação direta de orçamento. Há outros tipos de políticas que poderiam ser citadas aqui, mas vamos discutir a lei federal de incentivo à cultura. Primeiro, características da lei para fazer um pequeno quadro. A Lei Rouanet é um caso de sucesso, e não é à toa que a Cristiane citou a ONU. Esse é o ponto inicial. Nós no Brasil somos muito críticos, gostamos de falar do governo, da lei, do mercado, etc. Lei de incentivo no Brasil é um caso de sucesso, com reconhecimento internacional. É só irmos para a Argentina, o Chile, os países da América Latina, todos têm inveja do sistema brasileiro. Nós temos todos os defeitos do mundo, só que é melhor termos essa lei com alguns defeitos do que não tê-la. Esse é o ponto de partida. Quando eu vejo algo como, “vamos fazer uma grande discussão no país para mudar a lei” já começo a ter medo porque a chance de estragar é maior que a chance de consertar. O crescimento que a Adriana mostrou é constante, desde que surgiu a Lei Rouanet. Alguns problemas continuam e posso fazer um comentário rápido, mas todos os números sempre crescem na Lei Rouanet. Esse centro cultural foi feito com a Lei Rouanet. Estamos construindo o Museu Iberê Camargo, um projeto de 35 milhões de reais e sem Lei Rouanet não haveria projeto, Então, vamos com calma. A Lei Rouanet é um sistema muito positivo, mas tem que melhorar de maneira inteligente e muito cuidadosa. Eu não sei se a Adriana tem esse dado, mas quantos fóruns e reuniões o Ministério da Cultura fez para discutir mudanças da Lei Rouanet? Cristiane Olivieri: Foi um por capital, mais duas semanas fechadas dentro do Ministério da Cultura. Fernando Schüler: Exatamente. Participei de vários em diversos locais, Brasília, Rio de Janeiro, aqui em Porto Alegre. Eu pergunto para muitas pessoas: o que mudou com esse decreto? Mudou, aperfeiçoou, introduziram o vídeo eletrônico, conceitos, os percentuais se mantiveram... Lembro que no início das discussões, poderia mudar os percentuais, iria regionalizar, iria criar os tetos por região, A Lei Rouanet ia ser revolucionada. No fim, terminou em um Decreto que introduziu os editais e eu não tenho certeza se já foi regulamentado. A Adriana pode me esclarecer. Adriana Moreira: Não. Fernando Schuler: Não foi regulamentada ainda. E, que eu saiba a única coisa nova são os editais, logo, nada mudou. Talvez, ainda bem. Gastou-se muito dinheiro com esses fóruns todos, poderia ter