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SER
MÉDICO CONSELHO REGIONAL
DE MEDICINA DO
ESTADO DE SÃO PAULO
Nº 88 • ANO XXI • JUL | AGO | SET • 2019
W W W. C R E M E S P. O R G . B R
ENTREVISTA
Patricia Moreno:
fundadora de uma
ONG, médica e
atleta
TECNOLOGIA
Os algoritmos
e a Medicina da
próxima década
HOBBY
Liberdade para
médico é unir a
medicina e a
música
OPINIÃO
"Ser médico não
basta para ser
professor de
medicina"
Do saber milenar às evidências proporcionadas pelo avanço tecnológico,
a especialidade médica complementa a medicina ocidental
S E R M É D I C O • 1
N E S TA E D I Ç Ã O
ACUPUNTURA PODE UNIR O CONHECIMENTO
MILENAR E A CIÊNCIA OCIDENTAL
ais do que discutir sobre
a especialidade, o tema
principal desta edição
da Ser Médico busca suscitar uma
reflexão a respeito da importân-
cia de se praticar a acupuntura
sob a ótica da ciência médica.
A Medicina ocidental contem-
porânea oferece à população o
que antes era inimaginável: desde
a erradicação de doenças, como a
varíola, até a possibilidade de viver
anos com órgãos transplantados.
O caminho até se chegar a essas
conquistas não foi fácil, e somente
começou a prosperar no século 17,
quando pensadores, como o filóso-
fo inglês Francis Bacon, passaram a
defender o método científico.
Paralelamente, o contato entre
o Oriente e o Ocidente também
foi se intensificando, ao longo
dos últimos séculos. Os chine-
ses, mesmo possuidores de uma
medicina tradicional milenar, ti-
veram a perspicácia de estudar,
sob a ângulo da ciência médica, o
que antes fora descrito por meio
de inferências. Um dos maiores
exemplos disso foi a descober-
ta da artemisinina,cuja história
abordamos na seção Medicina no
Mundo. Não somente na medici-
na os chineses souberam aplicar
o método científico, hoje o país é
uma potência mundial em ciência.
A entrevistada é uma ortope-
dista, atleta de alto rendimento, fi-
lantropa e mãe, que inspira muitas
outras médicas a superar limites. A
Crônica traz a doação de órgãos e
a história do pequeno Davi em sua
batalha contra conflitos familiares.
Em Hobby, mostramos a paixão de
um médico pela música. Quanto à
seção de Tecnologia, divulgamos
inovações, que podem ser aplica-
das à Medicina. A educação mé-
dica é o tema da seção Opinião e,
na Agenda Cultural, ampliamos as
sugestões para o Interior, e apre-
sentamos opções para os mais
diferentes gostos, do clássico ao
contemporâneo, do tradicional ao
alternativo. Boa leitura! 
Edoardo Filippo de Queiroz Vattimo
Coordenador da Assessoria de Comunicação
O Brasil poderia seguir os passos
da China, mas, infelizmente, muitos
de seus políticos buscam um enfra-
quecimento das ciências médicas
e a relativização e deturpação de
conceitos científicos. Assim surgiu
o Projeto de Lei nº 1549/2003, que
prevê a prática da Acupuntura por
não médicos, contra o qual o Cre-
mesp vem se opondo no Congresso
Nacional. Permitir essa indiscrimi-
nação significa afastar a especiali-
dade do caminho de um tratamen-
to com maior evidência científica,
pois a aplicação do raciocínio clíni-
co e da nosologia médica permite
que sejam criados protocolos de
estudo racionalmente fundamen-
tados, bem como sua aplicação se-
gura aos pacientes. Sendo também
médico conhecedor da medicina
ocidental, o especialista em Acu-
puntura pode reconhecer em que
momento apenas a medicina chi-
nesa não basta e outros tratamen-
tos são necessários.
Esperamos que a matéria sirva,
também, para reforçar esses con-
ceitos junto à sociedade.
Além do tema da capa, explo-
ramos ainda assuntos culturais,
como o do cirurgião que decidiu
empreender na área de culinária
oriental; e apresentamos uma re-
senha de livro que aborda ques-
tões da sociedade chinesa.
M
2 • S E R M É D I C O
EXPEDIENTE
CONSELHEIROS
Altino Pinto, Angelo Vattimo, Camila Cazerta de
Paula Eduardo, Chien Yin Lan, Christina Hajaj
Gonzalez, Cynthia Dantas Kurati, Daniel Kishi,
Edoardo Filippo de Queiroz Vattimo, Eliane
Aboud, Fernando José Gatto Ribeiro de Oliveira,
Flavia Amado Bassanezi, Flávia Bellentani
Casseb Frederico, Francisco Carlos Quevedo,
Henrique Liberato Salvador, Irene Abramovich,
Joaquim Francisco Almeida Claro, José
Gonzalez, Juliana Takiguti Toma, Julio Cesar
Zorzin, Lucio Tadeu Figueiredo, Lyane Gomes
de Matos Teixeira Cardoso Alves, Marcello
Scattolini, Maria Alice Saccani Scardoelli,
Maria Camila Lunardi, Mário Antonio Martinez
Filho, Mario Cezar Pires, Mario Jorge Tsuchyia,
Mario Mosca Neto, Mirna Yae Yassuda Tamura,
Mônica Yasmin Pinto Corrado, Paula Yoshimura
Coelho, Pedro Sinkevicius Neto, Regina Maria
Marquezini Chammes, Rodrigo Costa Aloe,
Rodrigo Lancelote Alberto, Rodrigo Souto de
Carvalho, Silvio Sozinho Pereira, Tatiana Regina
Criscuolo, Thiago Willian Gonçalves e Wagmar
Barbosa de Souza.
CONSELHO EDITORIAL:
Angelo Vattimo, Lucio Tadeu Fiqueiredo, Maria
Camila Lunardi e Rodrigo Souto.
SER MÉDICO
Coordenador do Departamento de Comunicação:
Edoardo Filippo de Queiroz Vattimo Chefe da
Assessoria de Comunicação: Nara Damante;
Editora: Fátima Barbosa; Colaboradoras:
Aglaé Silvestre, Concília Ortona e Ivolethe
Duarte; Fotografia: Osmar Bustos; Designer
Gráfico: Sophia Kraenkel; Estagiários: Arthur
Codjaian Gutierres, Júlia Remer, Maria Melo e
Bruna Goulart (texto), Bruna Gabrielle (foto),
Ian Stiepcich (designer gráfico); Impressão:
Gráfica Plural. Tiragem: 153.500 exemplares.
Periodicidade trimestral.
Opinião e conceitos emitidos em matérias
assinadas não refletem necessariamente a
opinião da Ser Médico.
ISSN: 1677-2431
E-mail: sermedico@cremesp.org.br
CONSELHO REGIONAL
DE MEDICINA
DO ESTADO DE SÃO PAULO
CAT - Central de Atendimento Telefônico: (11)
4349 - 9900. Atendimento na sede: rua Frei
Caneca, 1.282 – Consolação (das 9h às 18
horas). Departamento de Comunicação: asc@
cremesp.org.br
DIRETORIA
Presidente: Mario Jorge Tsuchiya; Vice-
presidente: Irene Abramovich; 1º secretário:
Angelo Vattimo; 2ª secretária: Maria Alice
Saccani Scardoelli; 1ª tesoureira: Christina
Hajaj Gonzalez; 2º tesoureiro: Lucio Tadeu
Figueiredo; Corregedor: Rodrigo Costa Aloe;
Vice-corregedor: José Gonzalez; Departamento
de Fiscalização: Flavia Amado Bassanezi;
Departamento de Comunicação: Edoardo Filippo
de Queiroz Vattimo; Departamento Jurídico:
Lyane Gomes de Matos Teixeira Cardoso Alves;
Delegacias da Capital e Região Metropolitana:
Pedro Sinkevicius Neto; Delegacias do Interior:
Daniel Kishi.
Certificado no escopo: atendimento, na Sede
e na Delegacia da Vila Mariana, pertinente à
prestação de serviços cartoriais de registros
de profissionais e de empresas.
ÍNDICE
6
ENTREVISTA | PATRÍCIA MORENO
Atleta profissional e fundadora do
Instituto Remo meu Rumo, a médica é
exemplo de determinação
4
CARTAS & NOTAS
Cremesp lançará revista científica
para residentes 30
TECNOLOGIA
Os algoritmos e a Medicina
da próxima década
12
CRÔNICA | MARIA CAMILA LUNARDI
A batalha do pequeno Davi contra os
conflitos familiares
18
ACUPUNTURA | RELATO DE CASO
"Não acreditava que pudessem existir
tratamentos diferentes daqueles que a
universidade me ensinara"
24
ACUPUNTURA | EM FOCO
Os riscos da prática por não médicos
28
ACUPUNTURA | VANGUARDA
Avanço tecnológico revolucionou avaliação
neurofisiológica e neurobiológica
32
MEDICINA NO MUNDO
Da tradicional medicina chinesa ao
Nobel, e outras notas
36
HOBBY
Para Eduardo Leal, a música é mais
que um hobby e possui o mesmo peso
que a medicina
39
GOURMET
Após dez anos, o cirurgião Hwang Chi
Fong abandonou a medicina para ser
chef e empreendedor
43
AGENDA CULTURAL
Confira nossas dicas culturais
47
RESENHA
As boas mulheres da China, de Xinran
48
FOTOPOESIA
Com a taça na mão, interrogo a lua
34
OPINIÃO | ENSINO MÉDICO
"Ser médico não é suficiente para ser
professor de Medicina"
14
ACUPUNTURA | HISTÓRIA
Principais fatos da trajetória da
especialidade no mundo e no Brasil
19
ACUPUNTURA | PANORAMA
Principais indicações: ginecologia e
obstetrícia, transtornos mentais, e dores
musculoesqueléticas
4 • S E R M É D I C O
CARTAS
& NOTAS
Cartas para: sermedico@cremesp.org.br ou Rua Frei Caneca, 1.282, Consolação, São
Paulo - SP — CEP 01307-002.
A Ser Médico se reserva o direito de publicar trechos das mensagens. Informar o nome
completo e número de CRM, se for médico/a.
CARTA: TRANSPLANTE DE ÚTERO
A matéria sobre a reprodução assistida e o transplante de útero [N.R. edição 87 da Ser Médico] discutiu muitos
aspectos interessantes desta questão tão polêmica. Mas, gostaria de fazer dois comentários. Primeiro, o tom
ufanista-progressista exposto no editorial (pioneirismo, avanço), que se desdobrou em tom menos enfático, mas
ainda presente, no debate, pareceu-me exagerado e fora de propósito. Segundo, faltou um contraponto mais claro
sobre a verdadeira intenção do transplante, que é a de satisfazer uma mulher estéril para que ela possa transmitir
seus genes a um único filho, sem uma barriga de aluguel. Para isso, ela se associou a médicos e outros profissionais
que, tomados de "hubris" profissional, foram capazes de expor uma pessoa hígida a uma cirurgia complicada,
arriscada e com alto grau de insucesso, na tentativa de restaurar uma capacidade que nada tem a ver com a
sobrevivência.
Como o Conselho trataria esse caso, se a paciente tivesse morrido? Acredito que o Conselho faria melhor uso de
suas capacidades se começasse a discutir de que forma esse e outros casos-limite da ética deveriam ser abordados
antes de cometidos os atos.
Eduardo F. Motti - CRM 34165
RESPOSTA
Agradecemos a manifestação quanto às matérias envolvendo o transplante de útero. No entanto, cabe salientar
que, desde 1948, quanto entrou em vigor a Constituição da Organização Mundial de Saúde (OMS), o conceito de
saúde passou a ir além da mera ausência de doença ou enfermidade, em que a sobrevivência está em risco. No
preâmbulo da Constituição da OMS, assinada pelos representantes de 61 países, a saúde é definida como “um
estado de completo bem-estar físico, mental e social.”
Nos depoimentos que colhemos com pacientes portadoras da Síndrome de Mayer-Rokitansky-Küster-Hauser
pudemos constatar como o fato de ter nascido sem um útero afeta seu bem-estar, na forma como é definido pela
OMS. Neste sentido, podemos considerar a reprodução humana como parte fundamental da saúde, cujas doenças
vêm sendo enfrentadas pela Medicina, nas últimas décadas, conforme exploramos em “História”. É claro que há
amplos debates bioéticos envolvidos, porém as pesquisas que foram abordadas na edição 87 seguiram os devidos
trâmites nos órgãos de bioética e ética, responsáveis pela análise de projetos como esse em questão, antes de sua
realização. O tom do editorial reflete um fato inequívoco do procedimento: em que pesem as controvérsias bioéticas,
o trabalho é, sim, pioneiro, colocando o Brasil e a Medicina paulista em destaque no meio científico internacional. Em
um cenário de proliferação de escolas médicas, vendas de vagas, faculdades em cidades fronteiriças e relativização
de conceitos médicos, ver que o Brasil pode ser pioneiro no mundo nos traz alento.
Edoardo Vattimo - Conselheiro e coordenador da Assessoria de Comunicação do Cremesp
S E R M É D I C O • 5
JMRR É A NOVA REVISTA CIENTÍFICA DO CREMESP
O Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (Cremesp) convida médicos
em formação – residentes e estudantes de Medicina –, e demais interessados em temas
vinculados à Clínica, Pesquisa e Bioética, entre outros, a submeterem manuscritos em sua
primeira revista científica a Journal of Medical Resident Research (JMRR).
A nova publicação é desdobramento da Revista do Médico Residente (RMR), que circulou
por meio de outros editores até o ano de 2010, tornando-se referência entre o público-alvo.
Chegou inclusive, a ser indexada na base de dados Literatura Latino-Americana e do Caribe
em Ciências da Saúde (Lilacs).
Guia de autores
O objetivo é que a revista seja editada com periodicidade trimestral, permitindo aos autores
que participem do processo permanente de divulgação de seus manuscritos. Depois de
triagem feita pelo corpo editorial da JMRR, os textos seguirão para etapas como revisão
por pares, revisão ortográfica e diagramação.
Para melhor compreensão, o Conselho Editorial do JMRR disponibiliza um Guia para
Autores (https://www.cremesp.org.br/pdfs/Guia%20de%20autores%20novo.pdf), que
traz todas as informações, como lista de termos, categoria de artigos, requisitos para a
preparação e submissão de artigos, além de políticas editoriais, entre outros.
Com o lançamento desta nova publicação, o Cremesp reitera sua vocação de contribuir
para o aprimoramento do ensino médico.
Mais informações pelo email jmrr@cremesp.org.br
CAPA:
O antigo desenho em aquarela traz a figura
de um chinês em pé, demonstrando pontos
de acupuntura usados para controlar
doenças do coração e dos órgãos sexuais.
Em detalhes, mostra um dos doze caminhos
que vão das extremidades até a garganta
e passam pelos principais órgãos internos.
Cada um deles possui um número
especificado de pontos de acupuntura,
dispostos simetricamente nos lados
esquerdo e direito.
Aquarela. China, 17- -. Wellcome Collection
6 • S E R M É D I C O
E N T R E V I S TA
os 13 anos, ela sentava ao lado da porta do clube do qual não era sócia, para esperar
o diretor de Esportes e pedir para treinar vôlei. Desde então, determinação, foco e
esforço não são meras palavras para a médica e ex-atleta profissional Patricia More-
no Grangeiro.
Como atleta, jogou pela equipe profissional de vôlei Pão de Açúcar/Colgate e pela Univer-
sidade da Flórida, nos Estados Unidos, onde foi campeã do Southeastern Conference (SEC),
do período 1991-1994; e finalista do Final Four (disputa dos quatro melhores times de vôlei
dos EUA), em 1991-1993. De volta ao Brasil, para conciliar um esporte com o curso médico,
que tinha trancado, passou a praticar remo e, logo em seguida, em 1997, foi campeã sul-a-
mericana nesse esporte, na modalidade quadruple-skiff [quatro remadores]. Em 2009, no
retorno à modalidade, foi campeã brasileira em double-skiff; em 2010, foi campeã brasileira
no quadruple skiff; e, em 2011, no oito.
Enquanto avançava em sua trajetória como atleta, Patricia foi também consolidando um
extenso currículo profissional. Formou-se médica pela Faculdade de Medicina da USP, onde
também fez Residência em Ortopedia e Traumatologia, e especialização em Ortopedia Pediá-
trica; fellowship em Reconstrução e Alongamento Ósseo, no Sinai Hospital Baltimore, nos
Estados Unidos; pós-graduação em Medicina do Esporte, na Universidade Estácio de Sá, no
Rio de Janeiro, e doutorado pela FMUSP, onde atualmente é médica assistente do Instituto
de Ortopedia. Quando jogava vôlei nos Estados Unidos, fez também o bacharelado em Neu-
rociências, na Universidade da Flórida.
A experiência no esporte e na Medicina levou Patricia a idealizar e criar o Instituto Remo
Meu Rumo, com a colaboração de seu marido e de amigos. Por meio dele, crianças e adoles-
centes com deficiência física encontram no esporte o incentivo para melhorar o condicio-
namento físico e a autoestima.
Ela é também mãe de Artur, que a acompanha em muitas atividades do Remo meu Rumo.
"Ele vai crescer acompanhando-nos neste trabalho e, também, junto com as outras crian-
ças. Isso vai influenciar positivamente a sua vida", resume.
Médica atleta
ou atleta médica?
A
S E R M É D I C O • 7[1] OSMAR BUSTOS
[1]
Patrícia atuou como atleta profissional no volêi e no remo, mas nunca abandonou a medicina
Ser Médico – Além de fazer Medici-
na, você foi uma atleta profissional
no vôlei e no remo. Como tudo
começou? 	
Patricia – Comecei a jogar vôlei por
volta dos 13 anos. Morava em São
José dos Campos, mas não era só-
cia do Tênis Clube, onde havia uma
equipe do esporte. Então, depois da
escola, na parte da manhã, chega-
va em casa, almoçava, pegava um
ônibus e ia para a frente do clube.
Ficava sentada perto da portaria
esperando o diretor de Esportes
voltar do almoço. Aí eu perguntava:
"tio, posso jogar hoje?" Fui fazendo
isso todos os dias. Minha mãe nem
sabia. Só que eu chegava uma hora
antes do início do treino, pegava as
bolas e ficava treinando na parede.
Mil toques, mil manchetes, mil cor-
tadas... Treinava muito e nem era
tão alta ainda, pois cresci bastan-
te entre os 15 e 17 anos. Mas eu
dizia para mim mesma: ‘se eu não
treinar, não vou conseguir’. Depois
chegava toda a equipe e treinava
junto, de segunda a sábado. Tinha
escolhido fazer isso. À noite, duran-
te e nos fins de semana, voltava a
estudar. Comecei a ser uma parte
importante da equipe e ganhei a
carteirinha de atleta do clube.
Ser Médico – Como você conseguiu
equilibrar esporte profissional com
os estudos?
Patricia – Fui crescendo, treinando
muito, mas sem esquecer os es-
tudos escolares, que sempre levei
muito a sério. Durante a adolescên-
cia, escolhi me dedicar a jogar e a
estudar. Queria muito ser médica.
Meu pai tinha Doença de Parkinson
e isso me ajudou a escolher a pro-
fissão. Meus pais me incentivavam
muito, tanto a fazer Medicina quan-
to a continuar a prática de esportes.
No vôlei, aos 15 anos, eu já ganhava
destaque devido à dedicação. Logo
depois, mesmo tendo de estudar
para o vestibular, continuei jogando.
Ser – Quando começou a jogar
profissionalmente?
Patricia – Fui convidada, quando ti-
nha entre 17 e 18 anos, a jogar pela
equipe Pão de Açúcar/Colgate, em
São Paulo. A Fofão [Hélia Pinto, joga-
dora da Seleção Brasileira de Volei-
8 • S E R M É D I C O
E N T R E V I S TA
A médica ganhou
campeonatos
importantes no vôlei
e no remo
bol, de 1991 a 2008] era do meu time.
Quase ao mesmo tempo, passei no
vestibular da Faculdade de Medicina
da USP e fui levando as duas ativida-
des. Nesse período, convidaram-me
para jogar nos Estados Unidos, pois
quando estava no Pão de Açúcar/
Colgate havia duas jogadoras nor-
te-americanas e, quando elas vol-
taram para os EUA, indicaram-me a
treinadoras de times de universida-
des de lá, onde o esporte é muito
forte. Aceitei o convite, tranquei a
matrícula na Medicina, no segundo
ano, e fui estudar e jogar no time de
vôlei da Universidade da Flórida.
Ser – Foi nesse período que fez
Neurociência?
Patricia – Sim, fiz o bacharelado du-
rante os três anos, em vez de quatro,
porque consegui transferir alguns
créditos da Medicina da USP. Tinha
uma bolsa de estudo integral, com
acomodação, refeição etc.
Ser – Como se deu a mudança do
vôlei para o remo?
Patricia – No período em que joguei
vôlei nos EUA, fazia parte do prepa-
ro físico o treino em um aparelho
simulador de remo chamado remo-
ergômetro. Gostava muito e me saía
bem. Quando decidi voltar ao Brasil
para terminar Medicina, depois de
finalizar o bacharelado, comecei a
treinar mais nesse equipamento.
Ser – Foi mais difícil conciliar o
esporte com a faculdade?
Patricia – Quando voltei para São
Paulo, precisei decidir se continua-
va a jogar vôlei profissionalmente,
pois era incompatível com o curso
de Medicina. Como esporte essen-
cialmente de equipe, ele demanda
mais tempo de treinamento, geral-
mente de manhã e à tarde. O remo,
na verdade, foi uma alternativa
mais adequada aos horários da fa-
culdade. Basicamente, treinava três
horas por dia, sendo 1h30 de remo,
de manhã, e 1h30 de exercícios,
como, por exemplo, musculação, à
tarde, que eu podia fazer perto da
faculdade. Acordava às 4h30 da
manhã e, às 5 horas, tinha de estar
na água remando na raia olímpica
da USP, e, às 6h30, ia para a facul-
dade, pois estava no internato. À
tarde, fazia o treino físico.
Ser – Foi difícil começar a praticar
um novo esporte?
Patricia – Tinha a experiência com
o remoergômetro e um bom preparo
físico, que é muito importante nos
Estados Unidos, e para o remo. As-
sim, consegui me destacar. Nesse
mesmo ano, fui campeã brasileira
e sul-americana de remo. Come-
cei a competir, no remo, pelo Clube
Espéria, que não existe mais. No 6º
ano da faculdade, passei na Resi-
dência para Ortopedia, mas não me
matriculei, pois fui convidada para
remar pelo Vasco da Gama, no Rio.
Lá, além do remo, fiz especialização
em Medicina do Esporte. Fiquei dois
anos, voltei, prestei a prova de novo
para Ortopedia e passei. Depois
competi pelo Clube Pinheiros, quan-
do fui campeã brasileira em 2009 e
2010, num retorno ao remo. Então,
logo que o remo entrou em minha
vida consegui algum resultado. Mas
nunca deixei de lado a parte acadê-
mica, sempre a levei bem no para-
lelo. Às vezes, deixava no stand by,
mas depois voltava a estudar. Nos
EUA, há uma facilidade maior para
levar paralelamente, mas aqui você
precisa realmente querer.
Ser – Você ganhou vários prêmios...
Patricia – Nos Estados Unidos, nos-
sa equipe foi duas vezes para o Final
Four, uma disputa entre os quatro
melhores times norte-americanos.
Nos três anos em que estive lá, jo-
gamos 110 jogos e ganhamos 100.
Era um score muito bom. A minha
treinadora foi eleita, por duas vezes,
a melhor técnica de vôlei dos EUA.
Em 2009, entrei no Instituto de Orto-
pedia da FMUSP como assistente,
ou seja, como parte do corpo clíni-
co. Tinha acabado de voltar de um
fellowship, no hospital norte-ame-
ricano Sinai Baltimore, e retomei o
remo. Foi nessa segunda fase que
fui para o Clube Pinheiros. E me
dediquei bastante, daquela mesma
S E R M É D I C O • 9
forma: das 5h às 6h30, vinha para o
hospital, e fazia uma sessão de trei-
no à tarde. Nesse ano, fui campeã
brasileira novamente.
Ser – Como surgiu o Instituto Remo
Meu Rumo?
Patricia – Depois de remar, quando
eu chegava no hospital, atendia os
pacientes crianças e adolescentes
com deficiências físicas congêni-
tas ou adquiridas e imaginava que
podiam ter a mesma oportunidade
que o esporte me deu. Perguntava
para eles se faziam alguma ativida-
de esportiva e muitos deles não fa-
ziam nada, pois eram afastados das
aulas de educação física, ou não ti-
nham oportunidades, pois não havia
locais que oferecessem esportes
adaptados para eles. Essas crian-
ças têm uma rotina muito diferente
de uma infância típica. Elas têm fi-
sioterapia quase todo dia, psicólo-
ga, fonoaudióloga etc. Fiquei, então,
imaginando como seria bom se elas
tivessem um lugar para fazer espor-
te e aprender seus valores, como
compromisso, disciplina e amizade.
Nessa época, eu treinava bastante
no Clube Pinheiros, convidei alguns
pacientes para fazerem remo lá e
treinava junto com eles. Foi surpre-
endente como deu certo. Sobretudo
nos jovens com paralisia cerebral
pude perceber que o remo tinha um
impacto enorme na condição física.
Eles melhoravam a força, a marcha
e o equilíbrio. Fiquei com muita ex-
pectativa de que isso pudesse ser
bom para essa população. Mas não
era tão fácil, pois os clubes estão
equipados para pessoas que te-
nham um potencial competitivo. Fi-
quei sonhando com isso por muito
tempo, mas não tinha como colocar
em prática. Até que, em 2013, com
a ajuda do meu marido, Ricardo Ma-
céa, que é administrador, tivemos
a ideia de montar uma Organiza-
ção Não Governamental (ONG), a
Remo meu Rumo. Hoje, ele é o di-
retor executivo dela. O presidente é
o Candido Leoneli, um ex-executivo
do mercado financeiro que rema há
50 anos e, atualmente, faz, também,
faculdade de Medicina; e a Ana He-
lena Puccetti, uma amiga que é a
maior remadora de todos os tempos
no Brasil, e psicóloga, e que também
foi campeã sul-americana comigo.
Ela ainda rema todos os dias. Desde
o início, tivemos muitos voluntários.
Em 2015, conseguimos ampliar o
atendimento, por meio da Lei de
Incentivo ao Esporte, e passamos
a ter outro professor de educação
física, fisioterapeutas, psicólogos e
"O remo tem um impacto importante na condição física das crianças com deficiências congênitas ou adquiridas"
[1] OSMAR BUSTOS
[1]
1 0 • S E R M É D I C O
E N T R E V I S TA
assistente social, com aumento da
oferta de dias. São duas sessões, de
segunda a quinta-feira, de manhã e
à tarde, e aos sábados. Atendemos
mais de 200 crianças desde que
criamos a ONG.
Ser – Como as crianças reagem e
onde elas treinam o remo?
Patricia – Na raia olímpica da USP.
Nossos alunos com deficiência mo-
tora melhoram muito com ganhos
tanto nos aspectos físicos, quanto
emocionais e sociais. O ambiente
proporciona ganho de autonomia
pela prática do remo e canoagem.
A equipe estimula todas as poten-
cialidades dos alunos e eles reagem
com melhora da autoestima e da
confiança. A idade varia entre 6 a 22
anos. É uma transição do ambiente
hospitalar, pois elas continuam fa-
zendo fisioterapia, só que de outra
forma. As crianças com paralisia
cerebral, por exemplo, fazem fisio-
terapia desde bebês. Chega um mo-
mento em que elas não aguentam
mais. Fazendo remo, é diferente,
elas ficam motivadas, e socialmente
é muito bom. Infelizmente, há pou-
quíssimas coisas para essas crian-
ças. E mesmo a gente oferecendo,
as pessoas têm muitas barreiras:
transporte, desafios financeiros etc.
A raia da USP é um oásis em São
Paulo. As próprias famílias, quando
chegam lá, sentem-se muito bem
e aproveitam para fazer uma cami-
nhada, tomar sol, faz muito bem.
Ser – Como fazer para ser
voluntário?
Patricia – Em nosso site temos um
pequeno banner para quem quer ser
voluntário e um de captação, para a
inscrição de crianças. A gente tem
bannerzinho até de doação, porque
a Lei de Incentivo Fiscal é muito
engessada e nossas despesas são
muito grandes: equipe, equipamen-
tos, contador etc. Temos de fazer
uma prestação de contas enorme.
[1]
No Instituto Remo meu Rumo, Patrícia conseguiu unir esporte e a Medicina
[2]
S E R M É D I C O • 1 1
Ser – Seus colegas médicos podem
encaminhar pacientes?
Patricia – Sim, podem. Sempre te-
mos vagas, pois há uma grande ro-
tatividade entre as crianças.
Ser – Como se sentiu ao carregar a
tocha olímpica na última Olimpíada?
Patricia – Carreguei a tocha olím-
pica, e meu marido carregou a to-
cha paralímpica [nas olimpíadas
realizadas no Brasil, em 2016]. Acho
que, talvez, sejamos o único casal
do mundo que tem as duas tochas,
pois a gente a leva para casa. Fiquei
muito emocionada, as crianças fo-
ram lá ver... Foi muito bacana. Uma
coisa que a gente fala sempre en-
tre esportistas é que não importa o
destino final, mas, sim o caminho, a
trajetória. Treinei muito, gostaria de
ter participado de uma Olimpíada,
que é o símbolo maior do esporte, e
sempre foi um alvo para mim. Mas
o que importa é o que aconteceu na
minha vida durante o período que
tive esse sonho.
Ser – Além de sua admirável tra-
jetória como atleta, você tem um
currículo muito bom na Medicina.
Qual é sua prática médica atual?
Patricia – Sou médica assistente
na Ortopedia Pediátrica e na Neuro-
-ortopedia do Instituto de Ortopedia
da FMUSP. Completei meu doutora-
do também. Tenho uma dedicação
muito grande a este instituto, quase
como uma missão. Gosto muito de
trabalhar aqui.
Ser – Como resumir a atuação na
Medicina e no esporte em sua vida?
Patricia – No meu caso, posso jun-
tar as pontas da minha vida, porque
você tem de juntar os pontos... Era
muito engraçado, quando voltei a re-
mar no Clube Pinheiros, falavam que
eu era uma médica atleta. Eu dizia
que era uma atleta médica. Então,
sempre teve essa questão: sou uma
atleta médica ou uma médica atle-
ta? Hoje em dia, acho que não sou
atleta mais. Sempre achei o esporte
muito importante para a formação
de uma pessoa. A Medicina é uma
missão. E sou muito feliz de poder
unir ambas atividades no Instituto
Remo meu Rumo. Além de tudo, uni
minha família, já que meu marido
trabalha lá, e isso fortaleceu nossa
relação. É uma união de alma. For-
taleceu também nossos laços com
alguns amigos, como o Cândido e a
Ana Helena.
Ser – E a maternidade, o que signi-
ficou para você depois de toda essa
trajetória?
Patricia – Ser mãe é um grande privi-
légio. Como ortopedista pediátrica,
já tinha muito respeito pelas mães
e pais. Sempre falo que, quando os
pais entregam os filhos para serem
levados ao centro cirúrgico, estão
entregando o maior tesouro da vida
deles nas minhas mãos. Então, é
preciso um vínculo de confiança
muito forte. Hoje, mais do que nun-
ca, percebo a grande responsabili-
dade de ser mãe e esse amor sem
medida. O Artur, para mim e para o
meu marido, é um presente. Ele vai
conosco aos treinos da ONG desde
bebê. Vai crescer ali, com as outras
crianças, vendo a gente fazer esse
trabalho. Temos certeza de que isto
será uma influência muito positiva
para a vida dele. 
Colaborou: Arthur Codjaian Gutierres
"Treinei muito, gostaria
de ter participado de
uma Olimpíada (...), mas
o que importa é o que
aconteceu na minha vida
durante esse sonho"
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1 2 • S E R M É D I C O
C R Ô N I C A
apresenta como esposa dele. Diz
que havia acordado com o estra-
nho barulho que seu marido fazia
ao respirar e, percebendo-o de-
sacordado, chamou a ambulância
imediatamente.
Expliquei os procedimentos
realizados e voltei à sala. Uma to-
mografia logo evidenciaria o que
já prevíamos, um sangramento
ocupava quase todo o hemisfério
esquerdo do cérebro. A presença
do neurocirurgião apenas con-
firmou o que eu já esperava ou-
vir – tentariam apenas passar um
cateter para controlar a pressão
intracraniana, mas acreditavam
que o paciente já estava em morte
encefálica. Antes de terminar mi-
nhas 12 horas de plantão, tive de
chamar novamente a moça assus-
tada, para dar a notícia do óbito
de seu marido.
Dia seguinte, outro plantão,
e lá estava a esposa do paciente
do dia anterior me aguardando.
Timidamente, explicou que havia
conversado com a equipe de cap-
tação de órgãos, pois sabia que
seu marido gostaria de doá-los,
mas, legalmente, não poderia as-
sinar os termos, pois não era es-
posa legítima.
Seu marido ainda era casado,
formalmente, com sua primeira
esposa, com quem não tinha con-
tato, nem com as filhas do primei-
ro casamento. Porém, pediu um
favor: seu filho, de nove anos, que-
ria se despedir do pai antes do ve-
lório. Sem titubear, autorizei. Em
poucos minutos, chegou um garo-
to lindo. Vamos chamá-lo de Davi.
Apesar da tristeza, ele me disse
que queria muito ver seu pai fora
do caixão e, por isso, quis vir ao
hospital. Com jeito manso, che-
gou ao lado do leito do pai e con-
versou com ele. Ninguém conse-
guiu ouvir o que disse, mas toda
a equipe da sala de emergência
estava comovida.
ra só mais um plantão como
todos os outros, com a sala
de emergência lotada e
aquele caos organizado que só
entende quem trabalha num PS.
Chega mais uma ambulância e
o auxiliar de enfermagem entra na
sala empurrando a maca com um
homem de meia idade aparente-
mente desacordado. Ele é obeso,
está sem camisa, e tem uma res-
piração rápida e ruidosa.
Imediatamente, a enfermeira faz
a triagem e constata que o paciente
está inconsciente. Vejo, de longe,
alguém puxar o famoso “carrinho
de parada”, e meu residente já se
posicionar à cabeceira da maca.
Com o atendimento sendo rea-
lizado e, aparentemente, tudo sob
controle, procuro algum acom-
panhante que possa dar mais in-
formações sobre aquele senhor.
Logo encontro uma moça, alguns
anos mais jovem que o pacien-
te, extremamente agitada. Ela se
A batalha do pequeno
Davi contra os conflitos familiares
Por Maria Camila Lunardi*
E
S E R M É D I C O • 1 3
Logo depois, disse-me que sua
mãe havia lhe explicado que não
poderiam doar os órgãos, mas que
tinha contado ao pai que iria con-
versar com suas irmãs mais velhas
para pedir que assinassem o do-
cumento. Perguntei se as conhe-
cia e ele respondeu que não, mas
iria pedir mesmo assim.
Já havia se passado pouco mais
de 24 horas do falecimento, e o
curto prazo para a doação de ór-
gãos já se aproximava do fim. A
assistente social havia solicitado
a presença da família “legítima”.
Logo, chegaram duas moças, qua-
se da mesma idade da esposa do
falecido. Eram as filhas, que di-
ziam ter tido pouco contato com
o pai nos últimos anos.
Enquanto lhes explicava os
trâmites, percebia que, provavel-
mente, aquele era o primeiro con-
tato com a última família do pai.
Em suas fisionomias, dava para
perceber mágoas e ressentimen-
tos, mas ao ver Davi ambas sorri-
ram discretamente.
Com sua maturidade dos nove
anos, Davi apresentou-se às duas,
e disse que sabia do desejo do pai
de ser doador. E, pediu, então,
com a meiguice de criança, que
as duas conversassem com a mãe
delas e solicitassem a autorização
de doação.
Acho que, neste momento, nem
mesmo o porteiro que acompa-
nhava de longe o diálogo, conse-
guiu se conter. Os três irmãos se
abraçaram, e elas disseram que
trariam o documento preenchido.
Nunca mais vi Davi, e sei que
nem era este seu nome. Chamei-
-o assim por ver a bravura de um
menino tão pequeno frente ao
Golias de todos aqueles confli-
tos familiares. E Davi venceu sua
batalha. Não sei se ele continuou
vendo suas irmãs ou se aquele foi
o único contato. Mas soube que,
cerca de 48 horas depois, nove
pacientes se beneficiaram com
a doação dos órgãos de seu pai,
além da doação de material gené-
tico, também realizada.
Meses depois, soube também
que Davi recebeu uma carta em
seu nome, agradecendo seu al-
truísmo e amor ao próximo. Tal-
vez existam poucos Davis, mas sei
que um só valeu a pena para mui-
tas pessoas. 
* Supervisora do Programa de Residência Médica de
Medicina de Emergência do Hospital Santa Marcelina e
conselheira do Cremesp
ILUSTRAÇÃO: JOÃO LIN
1 4 • S E R M É D I C O
s origens da Acupuntura perdem-se no tempo. Evidências ar-
queológicas permitem supor que a técnica era praticada na
Ásia, mais especificamente na China, há mais de cinco mil anos.
Na medicina tradicional chinesa (MTC), mestres antigos ensinavam ser a
doença uma alteração das funções do corpo ou desgaste deste, provocado
por fatores externos, como frio, calor, umidade, fatores emocionais, nutri-
cionais ou envelhecimento. Por meio da MTC, seria possível a promoção da
saúde.
NA CHINA
A história da MTC registra períodos em que a acupuntura atingiu um
considerável desenvolvimento, assim como outros em que permaneceu
estacionária. Durante a dinastia Tang (618-907 d.C.), ganhou grande des-
taque, com a fundação do Colégio Imperial de Medicina, onde se forma-
ram, oficialmente, os primeiros médicos acupunturistas.
Aproximadamente duzentos anos após, durante a dinastia Song (960-
1279), foi construída uma estátua em bronze representando um homem
– oca e de tamanho natural –, que continha, em seu interior, réplicas
dos órgãos. Havia, na superfície, os pontos de acupuntura perfurados
nos trajetos dos meridianos. Esse modelo, conhecido como “O Homem
de Bronze”, era utilizado no ensino e treino dos estudantes. Para tanto,
cobria-se a superfície deste com cera negra e enchia-se o modelo com
água. O aluno deveria introduzir uma agulha, deixando verter a água,
caso atingisse corretamente o ponto indicado. Esse inovador método de
Por Hong Jin Pai*
S E R M É D I C O • 1 5
ensino permitiu um considerável
desenvolvimento da técnica.
No decorrer de quase três sé-
culos (1644 - 1911), registra-se o
declínio paulatino da acupuntu-
ra, que se inicia com a exclusão
do seu ensino nas universidades.
Simultaneamente, a influência da
medicina ocidental amplia-se e
acentua-se no século 19.
Com a crescente aceitação da
medicina ocidental no início do
século 20, a acupuntura chegou
a ser proibida, junto com outras
formas de MTC. Após a instalação
do governo comunista, em 1949,
sua prática foi restabelecida, pos-
sivelmente por motivos naciona-
listas, mas também como o único
meio de fornecer níveis básicos
de saúde em massa à população.
Institutos de pesquisa de MTC
foram estabelecidos em toda a
China, e o tratamento tornou-se
disponível em departamentos
separados, nos hospitais de esti-
lo ocidental. No mesmo período,
buscou-se uma explicação mais
científica da Acupuntura, inician-
do-se pesquisas inovadoras sobre
a liberação de neurotransmisso-
res, particularmente peptídeos
opioides, por meio do tratamento.
NO MUNDO
A disseminação da Acupuntu-
ra para outros países ocorreu em
vários momentos e por diferentes
rotas. No século 6, a Coreia e o Ja-
pão assimilaram a prática da acu-
puntura e as ervas chinesas em
seus sistemas médicos.
[1]
[1] 4X-IMAGE/ISTOCK
E D I T O R I A L
1 6 • S E R M É D I C O
No Ocidente, a França adotou
o tratamento antes de outros paí-
ses. Os missionários jesuítas trou-
xeram pela primeira vez relatos de
acupuntura no século 16. Na pri-
meira metade do século 19, houve
uma onda de interesse na América
e na Inglaterra, e publicações apa-
receram na literatura científica,
incluindo um editorial da Lancet
intitulado "Acupunctura".
Em 1971, um jornalista norte-
-americano recebeu acupuntura
durante a recuperação de uma
apendicectomia de emergência
na China, que ele estava visitando
por ocasião da visita do presiden-
te Richard Nixon. Ele descreveu a
experiência no New York Times, o
que gerou um aumento da curio-
sidade do Ocidente em relação ao
tratamento. A acupuntura, atin-
giu seu atual nível de aceitabili-
dade nos EUA quando uma con-
ferência de consenso do National
Institutes of Health (NIH) relatou,
em 1997, que havia evidências po-
sitivas de sua eficácia.
NO BRASIL
No Brasil, a Acupuntura foi
considerada uma especialida-
de médica pelo Conselho Fede-
ral de Medicina (CFM) em 1995 e,
pela Associação Médica Brasileira
(AMB), em 1998, tendo sido rea-
lizado logo após o primeiro con-
curso para o Título de Especialis-
ta, no qual mais de 800 médicos
foram aprovados. Atualmente, há
cerca de 3.600 médicos nessa es-
pecialidade no País.
Aos poucos, foram criados cer-
ca de 50 cursos de especializa-
ção em Acupuntura e 90 serviços
de atendimento na rede pública,
vinculados ao Sistema Único de
Saúde (SUS), patrocinados pelas
sociedades médicas ou ligados a
hospitais universitários, nos Esta-
dos brasileiros.
ACUPUNTURA CONTEMPORÂNEA
As teorias tradicionais da Acu-
puntura foram contestadas no
Ocidente. Conceitos antigos fo-
ram substituídos por um modelo
neurológico, baseado em evidên-
cias de que as agulhas estimulam
terminações nervosas e alteram a
função cerebral, particularmente
os mecanismos intrínsecos inibi-
dores da dor.
3.000
a.c
Suposto início
da prática da
acupuntura
618 −
907 d.C
Fundação do Colégio
Imperial de Medicina,
na China, durante a
dinastia Tang
960 −
1279
Durante a dinastia Song,
é construída a estátua
"Homem de Bronze", com
pontos de acupuntura nos
trajetos dos meridianos
Séc 6
Coreia e Japão
assimilam, no século
6, a acupuntura e
as ervas chinesas
em seus sistemas
médicos
Séc 16
No Ocidente, a França
adota o tratamento
antes de outros países.
Missionários jesuítas
apresentam relatos de
acupuntura, pela primeira
vez, no século 16
[1]
[1] 4X-IMAGE/ISTOCK
S E R M É D I C O • 1 7
Há várias teorias em relação aos
mecanismos de ação, mas poucos
dados válidos sobre quais deles
são relevantes para a prática clí-
nica. Evidência de eficácia clínica
também é satisfatória para muitas
patologias, como a dor crônica.
Nos últimos anos, revisões siste-
máticas forneceram evidências
mais confiáveis do valor da acu-
puntura no tratamento de náusea
(de várias causas), dor orofacial,
lombalgias e cefaleias.
A crescente procura pela tera-
pia de acupuntura é justificada, de
um lado, pela credibilidade desta
por parte da população e, de ou-
tro, pelo desejo de melhor quali-
dade de vida, porque o paciente,
ao ser tratado com a acupuntura,
registra melhora em vários aspec-
tos e, praticamente, sem desagra-
dáveis efeitos adversos.
Entretanto, a quase totalidade
dos pacientes desconhece o me-
canismo de ação da acupuntura.
Alguns só sabem um pouco de sua
história, e, outros, que as agulhas
são inseridas em alguns lugares
do corpo, proporcionando resul-
tados favoráveis. Alguns pacientes
recebem as informações por meio
de colegas ou de sites que, muitas
vezes, limitam-se a divulgar notí-
cias pouco científicas e que, em
vez de esclarecer, acabam geran-
do mais dúvidas.
O progresso da acupuntura e da
MTC tem sido constante e notável.
Evidências científicas acumulam-
-se acerca de sua eficácia, e a ex-
plicação de seu mecanismo de ação
está sendo buscada em muitos cen-
tros médicos do mundo, incluindo
hospitais universitários na China e
em nosso próprio País. Para que se
obtenham os melhores resultados,
a tendência é, de fato, a inclusão
da acupuntura na especialidade do
médico, como, por exemplo, a acu-
puntura aplicada à pediatria, à or-
topedia, à ginecologia, e assim por
diante. É fundamental a associação
dos conceitos da MTC com os da
Medicina Ocidental, potencializan-
do assim os resultados positivos al-
mejados pelos pacientes. 
Médico voluntário de Acupuntura do Centro de Dor da
Neurologia do HC- FMUSP, professor colaborador do
Instituto de Ortopedia e Traumatologia do HC- FMUSP, e
Prof. pelo World Federation of Chinese Medicine Societies
1644 − 1911
Entre 1644 e 1911, há um
declínio paulatino da acupuntura,
simultaneamente à influência da
Medicina Ocidental
1971
Em 1971, aumenta a curiosidade do
Ocidente em relação à prática, depois
que um jornalista norte-americano
publicou um artigo, após ter recebido
acupuntura, na China
1995−
1998
No Brasil, a Acupuntura é
considerada especialidade
médica pelo Conselho Federal de
Medicina (CFM) em 1995 e, pela
Associação Médica Brasileira
(AMB), em 1998
Séc 21
Nos últimos anos,
revisões sistemáticas
fornecem evidências
do valor da
Acupuntura em alguns
tratamentos
1949
Com a instalação
do governo
comunista, em
1949, na China,
a prática da
acupuntura é
restabelecida
1997
Conferência do National
Institutes of Health
(NIH), nos Estados
Unidos, relata, em 1997,
evidências positivas da
eficácia da prática para
certas patologias
[2]
[3]
[2] COMMITTEE OF CONCERNED ASIAN SCHOLARS, 1971 [3] MATÉRIA DO JORNALISTA JAMES RESTON NO NEW YORK TIMES EM 26/06/1971
E D I T O R I A L
1 8 • S E R M É D I C O
im, vou ser cardiologista. Tive certeza disso já no primeiro ano da Faculdade de
Medicina, quando cursei a disciplina de Biofísica. Depois de muitos anos atuando
nessa especialidade, em um típico dia de consultas fui desafiada por um paciente
renal crônico a lhe dar uma alternativa para as dores de joelho (artrose), uma vez
que o tinha orientado a não fazer uso de antiinflamatórios: “doutora, então me receite um
medicamento que tenha a mesma eficácia, e que não piore meu quadro renal”, disse ele.
Confesso que, até então, minha visão médica era muito cartesiana. Naquele mesmo dia,
iniciei uma pesquisa sobre dor que me levou à Acupuntura. Fiquei realmente curiosa com o
que lia a respeito da especialidade, pois não acreditava que pudessem existir tratamentos
diferentes daqueles que a universidade me ensinara.
Às leituras somaram-se o encontro com pessoas que também estudavam o assunto, além
de uma pesquisa veiculada pela Organização Mundial de Saúde (OMS) sobre o tema, na qual
descobri a lista de algumas doenças que poderiam ser tratadas com a Acupuntura. Hoje,
entendo ser possível acrescentar a ela muitas outras doenças.
Julgo ser coincidência receber, dias depois, uma revista médica que fazia propaganda
de cursos de Acupuntura para médicos já formados. Interessei-me por um que achei mais
adequado às minhas expectativas.
Foi, então, que as dificuldades começaram. Durante os dois anos de curso, eu exercia minha
especialidade no consultório cardiológico, enquanto estudava conceitos extremamente abstra-
tos na minha restrita visão médica. Entretanto, quanto mais me aprofundava no assunto, mais
fascinada eu ficava pela Medicina Oriental. Até, finalmente, entender que as medicinas, oriental
e ocidental, complementam-se, ampliando muito minha visão sobre a profissão médica.
Hoje, digo, com certeza, que, ao utilizar as duas abordagens no tratamento de um mesmo pa-
ciente, tenho a oportunidade de levar alternativas adicionais que elevam o potencial de melhora
mais rapidamente e com menos uso de medicamentos e, assim, com menos efeitos colaterais. 
*Médica cardiologista, especialista em Medicina Tradicional Chinesa e Acupuntura pelo Colégio Médico de Acupuntura e Associação Médica Brasileira,
voluntária do ambulatório de Acupuntura do Departamento de Neurologia do HCFMUSP, e conselheira do Cremesp
S
Por Eliane Aboud*
S E R M É D I C O • 1 9
P r i n c i p a i s
indicacões da
especialidade
Historicamente, a Acupuntura está vinculada ao tratamento de pato-
logias dolorosas. Porém, vem crescendo muito a integração com outras
especialidades médicas, como a Ginecologia e Obstetrícia, cujas princi-
pais contribuições são também referentes a casos de dor, como a disme-
norreia primária, a endometriose e a dor pélvica crônica. Ultimamente, o
grande avanço é o tratamento de sintomas climatéricos.
Apesar de ser um estado fisiológico da mulher, o período climatérico
apresenta diversas sintomatologias que causam desconforto e queixas
das pacientes. Estes sintomas já eram conhecidos desde a China antiga
Ginecologia e Obstetrícia
Por Luciano Ricardo Curuci de Souza*
−
[1]ANDREYPOPOV/ISTOCK
[1]
E D I T O R I A L
2 0 • S E R M É D I C O
e descritos em livros, como o clássico Princípios de
Medicina interna do Imperador Amarelo. Escrito há
mais de 4.000 anos, ele trata de uma conversa do Im-
perador Amarelo, Huang Di, com seu médico, a res-
peito de doenças e seus tratamentos.
O livro é dividido em duas partes, Su Wen e Ling
Shu, ambas com 81 capítulos. Na Ling Shu, é descri-
ta a evolução fisiológica da mulher, com ciclos de
maturidade de sete em sete anos. A descrição con-
fere, exatamente, com os ensinamentos modernos
do climatério. Aos 35 anos, (7x5) a mulher começa a
apresentar secura facial e os cabelos começam a ficar
mais fracos. Aos 42 anos (6x7) o rosto das mulheres
começa a enrugar e os cabelos começam a se tornar
esbranquiçados. Aos 49 anos (7x7), a aparência física
está prejudicada e a mulher não pode mais ter filhos.
Em relação às definições modernas do climatério,
pode-se fazer analogia com a perimenopausa inicial,
aos 35 anos, quando iniciam-se as queixas de defi-
ciência estrogênica, progestogênica e androgênica,
com secura de pele e ciclos menstruais irregulares.
Dos 45 aos 55 anos anos, temos a perimenopau-
sa intermediária, com atrofia cutânea e de mucosa
vaginal, amenorreia e cabelos esbranquiçados. E fi-
nalmente temos a menopausa, por volta dos 49 anos,
quando os ciclos menstruais cessam e a vida fértil da
mulher se encerra.
A acupuntura vem sendo utilizada como grande
adjuvante no tratamento climatérico, principalmente
no combate às crises de fogachos e sintomas vaso-
motores, para as pacientes com histórico de câncer
de mama, ou apenas nos casos de fator de risco fami-
liar em que a terapia hormonal estrogênica está con-
traindicada de forma absoluta ou relativa.
Estudos modernos indicam que, quanto mais cri-
ses de ondas de calor a mulher apresenta, maior será
a chance de Doença de Alzheimer no futuro, devido
à desnaturação de acetilcolina e diminuição de suas
ações no hipocampo.
Porém, uma área cerebral pode ser ativada, inicial-
mente, após a estimulação de um acuponto. Os ór-
gãos-alvos respondem à estimulação da acupuntura
por meio do sistema regulador neuroendócrino-hu-
moral. Este padrão regulador pode explicar o fenô-
meno de múltiplos alvos, múltiplas vias e regulação
sistemática da acupuntura para Doença de Alzheimer.
Evidências de ensaios clínicos randomizados
apoiam o uso da acupuntura como um tratamento
adjuvante ou autônomo para reduzir sintomas vaso
motores, insônia, labilidade afetiva, nervosismo, ver-
tigens e fraqueza, que acompanham o climatério, e,
assim, melhorar os resultados de qualidade de vida.
Outro grande avanço encontra-se no campo da re-
produção humana. Em 2002, Wolfgang Paulus publi-
cou o resultado de seus estudos, demonstrando que
a utilização da acupuntura, em casos de fertilização
assistida, dobra a chance de sucesso de uma gravi-
dez. Atualmente, utilizamos o que chamamos de Pro-
tocolo de Paulus Modificado, para auxiliar os médicos
fertileutas em um maior sucesso terapêutico.
Dentro da Obstetrícia, a acupuntura é, habitual-
mente, utilizada em casos de náuseas e vômitos do
primeiro trimestre de gestação, diminuindo, inclusi-
ve, o número de internações hospitalares nos casos
de hiperêmese gravídica.
[1]
[1] WAVEBREAKMEDIA/ISTOCK
S E R M É D I C O • 2 1
Em 1936, Walter Cannon, eminente fisiologis-
ta americano, postulou o conceito de homeostase,
como a constante busca, pelo organismo, de seu
equilíbrio interno, sendo fundamental para a realiza-
ção dos processos fisiológicos.
As doenças físicas ou psíquicas seriam, assim, con-
sequências de desajustes nos processos fisiológicos
relacionados à perda da homeostase.
Em 1959, o endocrinologista Hans Selye definiu o
conceito de estresse. Os autores brasileiros Mello Fi-
lho e Diniz Moreira, em 1992, revisando o conceito,
definiram estresse como "um conjunto de reações e
estímulos, físicos, psíquicos ou sociais, que causam
distúrbios no equilíbrio do organismo, frequente-
mente com efeitos danosos."
As inadequações alimentares e dos hábitos de
vida, a sobrecarga de trabalho, a insegurança social
e política, o excesso de informações e o isolamento
social são exemplos de fatores estressantes. Mesmo
situações prazerosas, como a promoção no trabalho,
viagens, relacionamentos amorosos, nascimento de
filhos ou netos, aposentadoria, podem causar dese-
Transtornos Mentais
Por Luiz Carlos Sampaio*
Também podemos empregar a
acupuntura em demais patologias e
sintomas que acompanham a ges-
tante durante a evolução da gravi-
dez, com o intuito de diminuirmos
a utilização de medicações analgé-
sicas e antiinflamatórias, que po-
dem prejudicar o binômio mãe-fe-
to. Dessa forma, podemos recorrer
a um tratamento conjunto nos
episódios de lombalgias e dores
abdominais em gestantes, além de
auxiliar nos casos de constipação
intestinal, tão comuns em nossas
pacientes obstétricas.
Durante a fase final da gesta-
ção, a acupuntura pode, também,
ser empregada com segurança na
indução e na condução do tra-
balho de parto, além de permitir
uma analgesia de parto menos
invasiva e com menor quantidade
de fármacos.
Outra situação em que a acu-
puntura tem demonstrado suces-
so é na versão fetal, na qual o feto
em apresentação pélvica após 34
semanas de gestação consegue se
posicionar para uma apresentação
cefálica, propiciando um parto
normal a termo e diminuindo a in-
cidência de cesáreas pela indica-
ção de variação de posição fetal. 
*Médico ginecologista e acupunturista, e diretor de Co-
municação do Colégio Médico de Acupuntura do Estado
de São Paulo
[2]
[2] ROBEDERO/ISTOCK
E D I T O R I A L
2 2 • S E R M É D I C O
quilíbrio emocional e desenca-
dear sintomas e doenças, dentre
eles a insônia, os transtornos de
ansiedade e a depressão.
Há mais de 2000 anos, os médi-
cos chineses, por meio de obser-
vações minuciosas, chegaram às
mesmas conclusões que os cien-
tistas modernos. Afirmaram que
a doença se instala no organismo
quando temos um desequilíbrio
entre o yin e o yang.
Yin e yang – termos topográfi-
cos, onde yang se refere ao lado
iluminado da montanha e yin, o
lado escuro – foram apropriados
pela filosofia taoista e, a partir
de generalizações e analogias,
passaram a representar os lados
opostos de todos os fenômenos
que ocorrem na natureza.
No ser humano, o par yin/yang
corresponde a várias característi-
cas, tais como as atividades fisioló-
gicas ao yang, enquanto as estru-
turas ao yin. Por exemplo, no caso
dos hormônios: a melatonina, liga-
da ao sono e repouso, é relaciona-
da ao yin; o cortisol, vinculado à
atividade, ao yang. As funções do
sistema nervoso autônomo simpá-
tico têm característica yang, en-
quanto as do parassimpático, yin.
Para a medicina chinesa, os
mesmos fatores relacionados ao
conceito moderno de estresse
são responsáveis pela quebra da
homeostase entre o yin e o yang,
conduzindo ao aparecimento de
sintomas e doenças.
O tratamento por acupuntura,
na insônia, nos transtornos de
ansiedade ou depressivos, têm
como objetivo reequilibrar o yin/
yang, devolvendo ao organismo
sua condição de homeostase.
Estudos atuais demonstram que
o tratamento por acupuntura re-
gula as funções do sistema simpá-
tico, que é hiperativo nas situações
de estresse, com a consequente li-
beração de noradrenalina, respon-
sável pelos sintomas vivenciados
nos transtornos de ansiedade.
O ciclo vigília/sono também
pode ser entendido como par
yang/yin, e seu desequilíbrio
como causa de insônia inicial, in-
termediária ou final.
A pesquisa básica em Acupuntu-
ra demonstrou a liberação de neu-
rotransmissores, como endorfinas
e serotonina, fundamentais no tra-
tamento da ansiedade e depressão.
Não se deve esquecer, entre-
tanto, de dois elementos funda-
mentais dos chamados trans-
tornos mentais: a reorganização
psíquica que fundamentará as
mudanças de hábitos inadequa-
dos de vida; e a relação médico/
paciente, em que o olhar do médi-
co deve estar dirigido, principal-
mente, ao paciente, e não à doen-
ça, que se está tratando. 
*Médico psiquiatra e acupunturista, e diretor de Defesa do
Paciente do Colégio Médico Brasileiro de Acupuntura e do
Colégio Médico de Acupuntura do Estado de São Paulo
S E R M É D I C O • 2 3
No Brasil e em todo o mundo, inclusive na China, a Acupuntura tem
sido uma ferramenta importante e cada vez mais usada no tratamento da
dor musculoesquelética. Especialmente nas condições crônicas, em que
os próprios pacientes buscam uma terapêutica menos farmacológica.
De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), a Acupun-
tura apresenta eficácia no tratamento da lombalgia crônica, cervicalgia
crônica, osteoartrite de joelhos, periartralgia dos ombros, epicondilite
lateral e dor pós-operatória.
No Centro de Acupuntura do Instituto de Ortopedia e Traumatolo-
gia do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo, por exemplo,
mais de 90% dos atendimentos estão concentrados nas dores crônicas
da cintura pélvica (lombalgias, lombociatalgias, síndrome do piriforme,
tendinite do glúteo médio), escapular (cervicalgias, cervicobraquialgias,
tendinites do ombro, capsulite adesiva) e articulações de carga (osteo-
artrite de quadril e joelho, e fascite plantar). Os pacientes encaminhados
para o nosso setor recebem em média de 7 a 10 sessões semanais, com
duração entre 20 a 40 minutos.
Em algumas situações, cujos sintomas são mais agudos e/ou intensos,
podemos oferecer o tratamento com frequência maior (dias intercala-
dos, por exemplo), sempre após a realização de um diagnóstico preciso,
afastando, assim, as chamadas "bandeiras vermelhas" (red flags). De modo
geral, é importante o afastamento de doenças infecciosas, isquêmicas,
traumáticas e oncológicas que necessitem de um tratamento específico.
Os mecanismos envolvidos na analgesia pela Acupuntura ainda não es-
tão totalmente esclarecidos, mas sabemos que seu estímulo tem efeito
neuromodulatório ao nível do cor-
no posterior da medula espinhal
(CPME), bem como em diversas
áreas do Sistema Nervoso Central
(SNC), como o córtex frontal e o
sistema límbico, ativando o meca-
nismo supressor da dor.
Outro provável mecanismo en-
volvido na diminuição da dor é a
inativação de pontos-gatilhos (mio-
fasciais) ou Trigger Points (TrP), ca-
racterística da Síndrome Dolorosa
Miofascial (SDM), e que estão pre-
sentes na grande maioria dos casos
de dor ortopédica, sejam elas agu-
das ou crônicas, sendo responsá-
vel muitas vezes pela perpetuação
da dor de nossos pacientes. Frente
a esse fato, usamos a acupuntura
para duas finalidades:
- Auxílio no diagnóstico dife-
rencial, nas cervicobraquialgias ou
lombociatalgias, nas quais, algu-
mas vezes, o padrão de dor irradia-
da de um Trigger Point (TrP) pode
mimetizar uma radiculopatia.
- Complemento ao tratamento
conservador, tendo em vista a alta
eficácianotratamentodador,pos-
sibilitando uma reabilitação mais
rápida e eficiente dos pacientes. 
* Médico ortopedista e acupunturista, presidente do Co-
légio Médico de Acupuntura de São Paulo, ex-presidente
da Comissão de Dor da SBOT e vice- supervisor do Pro-
grama de Residência Médica em Acupuntura do Hospital
das Clínicas da FMUSP
Dores musculoesquelética
Por André Wan Wen Tsai*
[1] LORENZOANTONUCCI/ISTOCK
[1]
E D I T O R I A L
Por Ricardo Morad Bassetto*
2 4 • S E R M É D I C O
[1]
xistem versões contra-
ditórias sobre a prática
da especialidade médi-
ca chamada, no mundo
ocidental, de Acupuntura, com
justificativas diversas para dife-
rentes intentos. Em sua origem,
na China, a prática recebe o nome
ZhenJiu, cujo significado é “agu-
lha e moxa”, descrevendo a área
da Medicina Tradicional Chinesa
(MTC) que usa estímulos, intro-
dução de agulhas ou aquecimento
de pontos em regiões do corpo
para tratamento de doentes, con-
trole de doenças ou alívio de sin-
tomas.
Esse sistema clínico/terapêu-
tico desenvolveu-se, e vem se
desenvolvendo, na China e, pos-
teriormente, em todo o mundo,
por meio de escolas. Inicialmente,
a bem da verdade, por relação di-
reta mestre-discípulo. O objetivo
foi, e continua sendo, desenvolver
o entendimento das enfermida-
des e dos doentes – conhecimen-
to e descrição das doenças e do
estado dos doentes, fisiopatologia
e diagnóstico –, além, obviamen-
te, da expertise na forma de usar
os métodos de estímulo (agulhas,
moxa, ventosas etc), evoluindo
continuamente até hoje, com o
objetivo de criar competências
específicas para o exercício da
especialidade.
Podemos inferir que as com-
petências que condicionam dire-
tamente a eficácia e a segurança
do método são resultado da soma
dos conhecimentos originais –
todos gerados pela observação,
estudo e pesquisa, ao longo de
mais de 2.500 anos de história da
prática na Medicina.
Mas, afinal, quais controvér-
sias podem decorrer da análise
de risco na prática da Acupuntura
por profissionais sem formação
médica? O tema é bastante sen-
sível, sobretudo para aqueles que
buscam ou recebem indicação de
tratamento por essa especialida-
de, mas também para todos que,
porventura, tenham necessidade
de atendimento médico.
O senso comum enxerga facil-
mente os riscos na prática de um
método invasivo, como a introdu-
ção de agulhas em várias regiões
do corpo, por profissionais que
não desenvolveram as compe-
tências para fazê-lo. Entende a
possibilidade de lesão em alguma
estrutura importante do organis-
mo humano, com potencial de ge-
rar dor, sequelas ou até mesmo a
morte. O medo, que não é infun-
dado, é superado, muitas vezes,
com informações e alguma lógi-
ca, que consideram profissionais
da área de saúde – não médicos,
com conhecimento de anatomia
e treinamento no manuseio tera-
pêutico de instrumentos perfuro-
cortantes –, competentes para a
aplicação da Acupuntura.
Em outras circunstâncias, o
medo pode nem existir, por ab-
soluto desconhecimento dos ris-
cos, dirimido por teorias com bem
menos lógica, segundo as quais a
acupuntura é um método que lida
com “energias” e que esse "saber"
é suficiente para usar as tais agu-
lhas, ou, ainda, que a anatomia e
expertise necessárias para aplica-
ção da acupuntura aprende-se fa-
cilmente em cursos notoriamente
limitados em extensão e profun-
didade desses conteúdos.
Estão no cerne dessa discus-
são as questões envolvidas no
reconhecimento das compe-
tências específicas necessárias
para o exercício de cada ativida-
de profissional. No âmbito das
profissões pertencentes à área
de saúde, mas não só nelas, es-
sas competências são definidas,
na formação, pelos conteúdos e
treinamentos desenvolvidos, com
E
S E R M É D I C O • 2 5[1] MICROGEN/ISTOCK
E D I T O R I A L
carga horária suficiente para o
aprendizado e domínio técnico do
saber imprescindível para eficácia
e segurança. Estes são os parâ-
metros principais que norteiam
as leis que regem as práticas per-
mitidas por cada área profissio-
nal. Dessa forma, por não terem a
formação específica, já na origem,
é vetado a algumas profissões da
área de saúde o uso de métodos
invasivos, com agulhas ou outros
instrumentos, para tratamento.
Em outro segmento, encon-
tram-se aqueles que não possuem
qualquer formação relacionada à
área de saúde. Alguns até desen-
volveram, ao longo de suas vidas,
competências para os mais di-
versos ofícios, mas nenhuma que
os prepare para tratar doentes e
abordar doenças, excetuando,
talvez, alguma informação em
cursos com base curricular in-
completa, que desprezam os co-
nhecimentos mínimos obrigató-
rios para a prática de qualquer ato
médico, seja oriundo das medici-
nas chamadas tradicionais, como
é o caso da Acupuntura, seja no
contexto da Medicina contempo-
rânea, fundamentada pela ciência
reconhecida e testada em todo o
planeta.
Na China, essa é uma especia-
lidade que faz parte da chama-
da Medicina Tradicional Chinesa
(MTC), que forma médicos espe-
cialistas com competência para
tratar doentes e compreender as
doenças, incorporando os funda-
mentos da ciência médica con-
temporânea aos sólidos conheci-
mentos tradicionais, garantindo
segurança, diminuição de riscos e
aumento da eficiência do método.
Não se formam médicos em cur-
sos com programas restritos, sem
garantias de desenvolvimento das
tais competências necessárias
para o exercício da medicina.
QUAIS OS RISCOS?
Se existem profissões da área
de saúde, não médicas, que de-
senvolvem competências relativas
ao conhecimento do corpo huma-
no e seu funcionamento (anato-
mia e fisiologia), assim como do
uso e manuseio de instrumentos
perfurocortantes, qual o risco que
pode decorrer da prática da acu-
puntura por esses profissionais?
A Medicina é a área de conhe-
cimento, portanto Ciência, que se
ocupa dos doentes, das doenças
e suas interrelações. A origem,
desenvolvimento e evolução das
doenças, bem como os estados
possíveis na relação humana com
a condição de patologia (patolo-
gia, fisiopatologia, diagnóstico,
prognóstico e formas possíveis de
tratamento) são saberes obriga-
tórios exigidos exclusivamente na
formação e exercício profissional
em apenas três áreas de saúde:
Medicina humana, Medicina ve-
terinária e Odontologia, cada qual
relacionada a sua área específica
de atuação.
Apenas a formação nessas três
áreas da saúde garante as compe-
tências para diagnosticar e tratar
2 6 • S E R M É D I C O [1] KOKOUU/ISTOCK
[1]
doentes e/ou doenças utilizando
agulhas ou outros instrumentos.
Conhecimentos extensos da ana-
tomia, fisiologia, fisiopatologia,
patologia, propedêutica, diagnós-
tico e terapêutica são quesitos
obrigatórios que, se ignorados,
podem transformar a arte e a ciên-
cia de tratar doentes e doenças
em crime. Ou seja, precisamos
conhecer possibilidades, limites e
riscos em cada prática.
Todavia, não seria completa
esta discussão se deixássemos de
abordar o necessário aprendiza-
do, pelo especialista em Acupun-
tura, dos conceitos originais da
MTC, cujo arcabouço fundamen-
tal data, aproximadamente, do
século 6 a.C., contextualizando e
contemporizando-os.
A MTC é ciência empírica, nas-
cida e desenvolvida pela observa-
ção dos fatos. Observação do meio
em que vivemos e suas relações
intrínsecas, do ser humano em
estado de saúde ou enfermo (diag-
nóstico dos “padrões de adoeci-
mento” ou “síndromes da MTC”) e
das doenças que, por suas carac-
terísticas peculiares, recebiam
nomes (diagnóstico das doenças–
diagnóstico nosológico). A pecu-
liaridade dessa ciência tradicional
se encontra na forma de descrever
o que foi e continua sendo obser-
vado, utilizando linguagem simbó-
lica e analógica, condicionada por
conceitos filosóficos oriundos do
confucionismo e do taoismo.
Contudo, é importante salien-
tar que a MTC não se desenvol-
veu fundamentada na observação
de fatos e objetos misteriosos ou
místicos relacionados a questões
sobrenaturais.
Os objetos de observação, o
homem no meio ambiente e suas
relações intrínsecas, a saúde e a
doença são os fatos objetivos que
continuamos a observar, estudan-
do e testando em nossas pesqui-
sas, ainda hoje. Portanto, a ciência
médica atual não se contrapõe,
mas acrescenta e aprofunda o en-
tendimento original, estabelecen-
do balizas seguras para a eficácia,
gerenciamento de riscos e evolu-
ção do saber.
Historicamente, os textos anti-
gos consideravam pouco mais de
200 nomes de doenças conheci-
das parcialmente. Atualmente, o
conhecimento das doenças é ex-
tenso e complexo, além de con-
tinuar avançando, diariamente,
nos centros de pesquisa e univer-
sidades. A MTC desenvolveu-se,
principalmente, na compreensão
peculiar dos modos de adoecer de
cada paciente, mas incorpora pro-
gressivamente a compreensão das
doenças de forma mais profunda.
Na prática atual de atos médi-
cos, que necessariamente envol-
vem o estudo e a compreensão
da doença e do doente, para pos-
terior instituição de um procedi-
mento ou orientação terapêuti-
ca – cujos resultados biológicos
sejam minimamente previsíveis
e compatíveis com o que está se
tratando –, não cabem fundamen-
tações baseadas em crença ou no
desconhecimento do objeto de
estudo, seja no que tange ao ser
humano, seja no que se refere aos
métodos de tratá-lo. Este rigor é
fundamental para que possamos
diferenciar e destacar riscos e
possibilidades.
* Médico especialista em Clínica Médica e Acupuntura,
com certificado de área de atuação em Dor, e mestre em
Ciências da Saúde (Unifesp)
S E R M É D I C O • 2 7
2 8 • S E R M É D I C O
National Institute of
Health (NIH) dos Es-
tados Unidos divulgou
um consenso, em 1997,
afirmando que “há evidências
suficientes sobre o valor da Acu-
puntura para expandir seu uso na
medicina convencional e encora-
jar novos estudos que corrobo-
rem seu valor fisiológico e clíni-
co”. Segundo o NIH, sua eficácia
Por Marcus Pai *
e segurança para a maioria das
patologias apresentaram resulta-
dos promissores, que devem ser
vistos, no entanto, com ressalvas,
uma vez que o número de pesqui-
sas com metodologias sólidas era
relativamente baixo.
Desde então, o campo da pes-
quisa em Acupuntura se expandiu
significativamente. Uma ampla
gama de estudos de pesquisa bá-
O
[1]
S E R M É D I C O • 2 9
sica identificou numerosos com-
postos bioquímicos e correlatos
fisiológicos da acupuntura. Novos
ensaios clínicos randomizados
com maior qualidade vêm sendo
realizados e publicados em revis-
tas de maior impacto como a JAMA
e Archives of Internal Medicine.
Estudos de revisão sistemática do
Instituto Cochrane, com milhares
de pacientes, foram publicados,
encontrando resultados modera-
damente superiores da acupuntu-
ra em relação ao placebo no trata-
mento de diversas dores crônicas.
• Estudos de neuroimagem Um
avanço nos últimos anos para a
pesquisa na Acupuntura – que
permitiu, inclusive, uma revo-
lução na maneira de entender o
mecanismo de ação nas ativida-
des funcionais neurais, bem como
uma ferramenta para aferir mais
objetivamente os ganhos atra-
vés dela –, foi o da tecnologia de
neuroimagem não invasiva, como
a tomografia por emissão de pó-
sitrons, ressonância magnética
funcional, além de outros exames
como a termografia. Por meio
desses exames, constatou-se que
a acupuntura pode causar mu-
danças de atividades em diferen-
tes áreas funcionais cerebrais.
Muitos estudos de imagem ana-
lisam o mecanismo por trás do
processamento da dor. Uma série
de áreas corticais demonstrou es-
tar envolvida, como o córtex so-
matossensorial primário, a ínsula,
e o córtex pré-frontal. Viu-se que a
acupuntura parece modular a ati-
vidade cerebral em muitas dessas
regiões, se comparada a um tra-
tamento sham, uma vez que ficou
demonstrada que ela mobiliza uma
rede límbico-paralímbico-neocor-
tical em múltiplos níveis.
• Marcadores biológicos A acu-
puntura pode afetar a síntese,
liberação e ação de vários neuro-
transmissores (como serotonina,
dopamina, acetilcolina) e neuro-
peptídeos (como ocitocina, cole-
cistocinina, substância P) no sis-
tema nervoso central e periférico.
Porém, os resultados de literatura
nas alterações dos neurotrans-
missores e neuropeptídeos são
muito variáveis, podendo, inclu-
sive ser influenciados por dife-
rentes doenças ou parâmetros de
agulhamento.
• Eletroneuromiografia Um ar-
tigo recente publicado na Brain
encontrou evidências de que a
acupuntura poderia melhorar pa-
râmetros da neurofisiologia do
nervo mediano, como a veloci-
dade de condução, evidenciados
pela eletroneuromiografia, bem
como a representação cortical,
constatados na ressonância fun-
cional, e que havia uma correlação
positiva na melhora sintomática a
longo prazo desses parâmetros.
• Termografia A termografia per-
mite a medição dos perfis de tem-
peratura da superfície da pele,
através do contato direto das
sondas com a mesma, sem estres-
se. Após agulhamento, observa-se
diminuição significativa na tem-
peratura da superfície, que pode
ser explicada pela ativação do
sistema nervoso simpático e con-
sequente vasoconstrição causada
pela dor local.
CONCLUSÃO
A avaliação neurofisiológica e
neurobiológicas da acupuntura,
por meio do avanço das tecno-
logias, revolucionou a pesquisa
científica na área, permitindo en-
tender os seus diferentes efeitos
no cérebro e sistema nervoso pe-
riférico à luz da medicina baseada
em evidências. Os resultados são
promissores, mas ainda há incer-
tezas sobre a especificidade de
seus efeitos. 
*Médico especialista em Fisiatria e Acupuntura, área de
atuação em Dor pela Associação Médica Brasileira, e co-
laborador do Grupo de Dor do HC-FMUSP
[1] POPARTIC/ISTOCK
3 0 • S E R M É D I C O
T E C N O LO G I A
Os algoritmos
e a Medicina da
próxima década
Por Júlio César Barbour*
o primeiro ano do curso
médico, as aulas de pro-
pedêutica nos ensinam
a arte de curar. Mas a Medicina
também é ciência, e, ao longo da
formação, muito conteúdo nos é
passado. Ao final do sexto ano, a
quantidade de temas é imensa,
impossível para um só cérebro. E
se pudéssemos ampliar nossa ca-
pacidade cognitiva com ajuda de
alguma ferramenta externa? Mui-
tos médicos ao redor do mundo
já se convenceram de que existe
uma maneira "artificial" de fazer
isso, com o uso de algoritmos de
aprendizado de máquina – ma-
chine learning. Assim, o médico
conseguirá melhorar sua acurácia
diagnóstica e terapêutica, e au-
mentar sua eficiência.
A Medicina da próxima década
nos apresenta grandes desafios;
conseguir aproveitar a imensa
quantidade de dados gerados no
contexto médico – real-world data
–, para fazer medicina personali-
N
zada com algoritmos que proces-
sam milhões de informações em
tempo real e classificam cada pa-
ciente, levando-se em conta todo
o universo de evidência médica. O
modelo data-driven, que vem re-
volucionando diversos setores da
economia nos últimos anos, com
a chamada revolução 4.0, está co-
meçando a provar o seu valor em
áreas mais resistentes a mudan-
ças, como a Educação e a Medici-
na. A inteligência artificial é a nova
eletricidade.
Contudo, muitas das iniciativas
que envolvem inteligência arti-
ficial e Medicina são conduzidas
por pessoas sem formação na
área médica. Em consequência,
muitas das reportagens, artigos
científicos e healthtechs não se
aprofundam adequadamente nas
questões médicas, pois só enxer-
gam a face ciência da Medicina.
Porém, a ciência médica enquan-
to arte não pode ser ensinada a
um computador. É preciso vivê-la
nas enfermarias, nos consultó-
rios, nos prontos-socorros, nas
salas cirúrgicas. Ter bons médi-
cos envolvidos nessas iniciativas é
essencial para gerar bons frutos.
A discussão da utilização des-
ses algoritmos já é realidade nos
Estados Unidos. O Food and Drug
Administration (FDA) tem regras
para regulamentá-los e diversos
já foram aprovados. Um deles au-
xilia o médico no diagnóstico de
hemorragia intracraniana agu-
da em imagens de tomografia de
crânio. Outro exemplo é um al-
goritmo que faz o diagnóstico de
retinopatia diabética. O estudo
clínico para sua aprovação contou
com mais de 800 pacientes e ob-
teve uma sensibilidade de 87% e
especificidade de 91%.
A telemedicina já é amplamente
discutida na comunidade médica,
e a busca por regularização está
em fase avançada. Esse passo é
importante também para aplica-
ção de inteligência artificial na
S E R M É D I C O • 3 1
Medicina, pois os avanços têm de
estar alinhados com os princípios
éticos e morais da profissão.
Qualquer cientista de dados está
apto a construir um algoritmo para
fazer recomendações médicas.
Mas quais são os desdobramentos
das fragilidades desses algoritmos
na vida real? Quem fez o algoritmo
conhece a fundo as variáveis que
estão no modelo? Profissionais da
área médica que tenham interesse
e vontade em se especializar nas
áreas de estatística, programação
e machine learning serão profissio-
nais essenciais na próxima década.
Os médicos serão substituídos
pelos robôs inteligentes? O pa-
pel de médico jamais poderá ser
substituído integralmente por
uma máquina, dada a complexida-
de e importância da relação mé-
dico-paciente. É claro que, com a
otimização de seu trabalho, o que
era feito por dois médicos poderá
ser realizado por apenas um. Isso
poderá, sim, ter um impacto na
demanda de trabalho para esses
profissionais, mas, consideran-
do os altos índices de burnout na
profissão e a insuficiência de ser-
viços médicos em diversas regi-
ões do País, uma reestruturação
nesse sentido pode trazer mais
saúde para médicos e pacientes.
Na próxima década, todo o po-
tencial de transformação que a
inteligência artificial pode trazer
para a Medicina será posto à prova.
Há grande risco de muitos dos al-
goritmos não terem o impacto que
tanto se fala. Porém, considerando
a complexidade dos desafios e o
potencial de melhoria, é essencial
que os médicos se comprometam
a entender um pouco mais sobre
o assunto e participem ativamente
dos estudos e das discussões para
sua implantação. É uma ferramen-
ta com muito potencial e, se bem
usada, pode nos ajudar a superar
os desafios do alto custo em saú-
de, manejo das doenças crônicas,
tratamento de doenças raras e, até
mesmo, no combate ao câncer. 
*Bacharel em Física pela Unicamp, médico pela Facul-
dade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo,
Head de Saúde da Semantix
[1]
[1] METAMORWORKS/ISTOCK
3 2 • S E R M É D I C O
M E D I C I N A N O M U N D O
DA TRADICIONAL
MEDICINA CHINESA AO NOBEL
A malária continua foco de preocupação por parte da
Organização Mundial da Saúde (OMS), que registra cerca de
200 milhões de novos casos por ano, em especial, na África. No
Brasil, foram quase 200 mil em 2018, a maioria na região Norte.
A apreensão, no entanto, não se dá pela proliferação do parasita
ou de novas epidemias, mas por estagnação das iniciativas de
controle da doença nas últimas décadas.
Justiça seja feita: não fosse pela contenção do vetor
(mosquitos Anopheles) e o desenvolvimento da artemisinina
e seus derivados para tratar a malária resistente à cloroquina,
nos anos sessenta, milhões de vidas seriam perdidas. O uso da
artemisinina foi ainda mais longe, tornando-se uma “ponte” entre
a tradicional medicina chinesa e a ocidental, tão incontestável
que mereceu o Nobel de Fisiologia ou Medicina em 2015.
Extraída da Artemisia annua, conhecida também como
“doce absinto” e Qing Hao, em chinês, essa erva medicinal foi
documentada pelos chineses em 340 a.C. como “tratamento
para febres sazonais”. Portanto, há séculos já se percebia a
eficácia da planta contra o Plasmodium, porém, os resultados
eram inconsistentes. Tal mérito coube à cientista Youyou Tu e
seu grupo da Universidade Médica de Pequim, que conseguiram
isolar o princípio ativo da artemisinina, demonstrando sua
eficiência em animais e humanos.
O início: durante a guerra entre a República Democrática
do Vietnã (Vietnã do Norte, socialista) e a então República
do Vietnã (Vietnã do Sul, capitalista), entre 1955 e 1975, o
governo da primeira pediu a um de seus aliados, a China, que
fornecesse drogas antimaláricas como parte do projeto secreto
denominado “523”. Propósito: ajudar os militares vietnamitas
do Norte a combater a malária, obtendo vantagem estratégica
aos opositores do Sul, que contavam com o apoio dos EUA.
Sob tais condições adversas, a farmacologista Youyou e
equipe – incluídas por anos no rol das Cinco Categorias Negras,
perseguidas, e até mortas, durante o regime comunista de seu
país – não só desenvolveram a artemisinina, como sintetizaram
um derivado mais potente, a diidroartemisinina.
Além do Nobel (compartilhado com William Cecil Campbell
e Satoshi Omura, descobridores da avermectina, contra a
oncocercose), Youyou recebeu o Prêmio Lasker-DeBakey
de Pesquisa Médico-Clínica de 2011. Apenas mais um fato
histórico: o projeto 523 foi tão secreto que, até o ano de 2005,
não se sabia o nome da descobridora da artemisinina, tão
empenhada no trabalho, que estava disposta a sacrificar “a vida
pessoal e o cuidado da filha” em favor das crianças que viu
morrendo de malária, conforme disse à New Scientist, em 2011.
Fontes: ScienceDirect, revista Quimica Nova e G1
Por Concília Ortona
[1] NIKOLAY_DONETSK/ISTOCK
[1]
S E R M É D I C O • 3 3
COMITÊ NACIONAL DE
BIOÉTICA DA ITÁLIA
CONSIDERA QUE SUICÍDIO
ASSISTIDO NÃO É
ASSASSINATO
Em decisão inédita em sua
trajetória, o Comitê Nacional de
Bioética (CNB), da Itália, posicionou-
se favorável ao suicídio assistido.
Em meio a uma acirrada
discussão por conta da lei sobre
eutanásia no país, que tramita na
Câmara há mais de um ano, o CNB
opinou que suicídio assistido não é
o mesmo que eutanásia e que “não
corresponde a um assassinato“.
Esse raciocínio esteve longe
da unanimidade. Os membros
que defendem a legalização da
prática partiram do argumento
de que “o valor da proteção da
vida deve ser equilibrado com
outros bens relevantes, como a
autodeterminação do paciente”.
Quem se posicionou contra opinou
que o suicídio assistido “é uma
transformação inaceitável do
paradigma do cuidar”.
Agora, o parecer será usado
em consulta pública no tema.
A discussão partiu do caso de
Fabiano Antonioni – o DJ Fabo –
que, em 2014, aos 39 anos, ficou
cego e tetraplégico após acidente
de carro. Sem permissão para ser
submetido à eutanásia na Itália,
realizou-a na Suíça, com a ajuda de
Marco Cappato, militante da causa,
que, pela participação, foi acusado
criminalmente.
Fonte: Corriere della sera
CÉLULAS HUMANAS EM
DE RATOS
Conforme a mitologia grega,
quimera é um monstro “com cabeça
de leão, corpo de cabra e cauda de
dragão”. Em Ciência, o termo designa
a junção proposital de duas espécies
diferentes, como a que foi tema de
artigo publicado pela revista Nature:
cientistas japoneses pretendem
realizar experimentos com embriões
humanos e animais.
A diferença é que agora há apoio
do Ministério de Educação e Ciência
local, que, em março, retirou as
barreiras éticas em relação a tais
estudos. Hiromitsu Nakauchi, líder do
estudo nas Universidades de Tóquio
e Stanford (Califórnia), planeja inserir
células humanas em embriões de ratos
e camundongos e, então, transplantá-
los em úteros substitutos de fêmeas
dessas mesmas espécies. Objetivo
final: produzir animais híbridos, com
órgãos que, um dia, possam ser
transplantados em pessoas.
Nakauchi diz que planeja continuar
devagar, e não tentará levar nenhum
embrião híbrido a termo, pelo menos
por enquanto.
Fonte: Nature
CONFLITOS
NÃO DECLARADOS
Estudo divulgado no British
Medical Journal (BMJ) relata
paradoxo: enquanto as políticas
editoriais dos principais periódicos
médicos exigem que autores de
artigos divulguem potenciais
conflitos de interesse, apenas 12%
tornam públicas tais informações
quanto aos seus próprios editores.
Isso, apesar de signatários das
normas do Comitê Internacional
de Editores de Revistas Médicas
(ICMJE), que obriga editores e
equipes a declarar vínculos desta
natureza. “Deveriam aplicar a si
mesmas a transparência exigida dos
autores”, escreveu Rafael Dal-Ré,
principal autor do estudo.
Em outubro de 2018, a equipe
pesquisou sites oficiais de revistas
influentes nas políticas sobre o
assunto. Nenhuma das 22 listadas
dos grupos Lancet, JAMA, e Nature
Review, reportou potenciais conflitos
de interesse de editores individuais.
O Journal of American College of
Cardiology e o JACC: Cardiovascular
Imaging, editadas por um mesmo
pool, informaram todos os valores
recebidos. Já o grupo BMJ relatou
conflitos individuais em publicações
como Annals of the Rheumatic
Diseases, Gut e Journal of Neurology
Neurosurgery and Phsychiatry.
Quando contatados pela Science,
os editores de algumas revistas
disseram que “tomarão medidas
para gerenciar” os conflitos internos.
Fontes: Science e BMJ Open
[1] OLENA KURASHOVA/ISTOCK
[2]
3 4 • S E R M É D I C O
O P I N I Ã O
"Ser médico não
é suficiente para
ser professor de
Medicina"
ensino médico no Brasil e no mundo passa por
inúmeros desafios, sendo o mais importante a
sua profissionalização. Ser médico não é sufi-
ciente para ser professor de Medicina. É fundamental
que esse profissional aprenda a utilizar as novas in-
formações sobre metodologias de ensino e avaliações.
Apenas a aula expositiva e a avaliação cognitiva não
são suficientes como recursos pedagógicos.
Os números são assustadores no Brasil. O País já é
vice-campeão na quantidade de escolas médicas no
mundo, superando a China e os Estados Unidos. Só
perdemos para a Índia, que tem mais de 400 esco-
las médicas, mas com 1 bilhão de habitantes. Temos
338 escolas médicas, com 35.078 vagas para alunos
do primeiro ano. Apenas no Estado de São Paulo, são
65 escolas, com 7.616 vagas nesse período.
Um dos processos mais importantes a enfrentar é o
de acreditação das escolas – para que elas façam uma
autoavaliação e uma autorreflexão –, por meio de uma
avaliação externa. A acreditação e os dados do Minis-
O
Por Aécio Gois*
S E R M É D I C O • 3 5
tério da Educação e Cultura (MEC)
possibilitarão um diagnóstico com
proposições de qualidade.
MODELOS
O ensino médico passou, nos
últimos 100 anos, por três grandes
modelos: 1) o flexneriano, no início
do século 20, que dividia o ensi-
no em três ciclos: básico, clínico
e internato, ainda muito utilizado
em nossas escolas tradicionais; 2)
o PBL (Problem Based Learning),
surgido no fim dos anos 60 na
Universidade de McMaster, no Ca-
nadá, utilizado no Brasil a partir
dos anos 90 e, ainda hoje, por inú-
meras faculdades abertas nos últi-
mos tempos; 3) o mais recente: o
ensino baseado em competências,
que utiliza diversas metodologias
ativas, com um feedback contínuo
do aluno durante sua trajetória na
escola, sendo um grande desafio a
ser implementado.
Acreditamos que um modelo
híbrido – com predominância de
metodologias ativas e algumas
conferências, com professores e
tutores conhecendo os métodos
de avaliação tradicionais e novos,
e fazendo o feedback contínuo,
com simulação e aulas práticas
com pacientes – seja o melhor.
A simulação é, cada vez mais,
uma alternativa importante, prin-
cipalmente para a segurança do
paciente. Por exemplo, não há mais
espaço para aprender a colher uma
gasometria arterial em um paciente
sem ter treinado, exaustivamente,
na simulação. Para tanto, é preciso
que as aulas ocorram em grupos
pequenos, para que os professores
possam acompanhar os alunos de
perto e fazer uma devolutiva.
Quanto à avaliação dos alunos, é
necessário sair de um modelo ex-
clusivamente cognitivo, que classi-
fica-os (somativo), e adotar um for-
mativo, utilizando modelos como
o Objective Structured Clinical
Examination (OSCE), Mini Ciex, ou
Avaliação a 360 graus. Ela deve ser
um momento rico de aprendizado.
As faculdades deveriam, ao ad-
mitir professores, exigir o conhe-
cimento de metodologias de ensi-
no e de avaliação. Não existe mais
espaço para frases como “eu sem-
pre dei aula assim, e o povo apren-
dia com minha aula expositiva de
quatro horas com 200 slides, não
vejo necessidade de mudar”.
A geração Z, à qual pertence
nossos atuais alunos, já nasceu na
era da tecnologia e se desconcen-
tra muito facilmente. Por outro
lado, possui capacidade de acesso
a informações de forma extrema-
mente rápida e quer fazer parte do
processo de aprendizado. Uma de
suas principais reclamações é “sair
de casa para assistir um professor
ler os seus slides por duas horas, os
mesmos que ele não muda há mais
de 10 anos, é realmente frustran-
te”. A tecnologia, portanto, pode
ser um caminho de troca entre
aluno e professor no processo de
aprendizado.
VÁRIOS DESAFIOS
Um dos desafios, talvez, seja
utilizar cada vez mais a sala de
aula invertida, em que o aluno
estuda o material ou busca a in-
formação em casa, recebendo o
material previamente, inclusive os
slides da aula, e, na escola, apro-
veita o tempo discutindo com o
professor as experiências e as dú-
vidas. É importante fazer com que
o aluno tenha mais vontade de
participar das aulas e consiga ad-
quirir as suas competências, em
especial a comunicação.
Os alunos devem ter, também,
vivências nos mais diversos níveis
de atenção: primária, secundária
e terciária. É preciso sair do mo-
delo hospitalocêntrico, mas é im-
portante que as escolas médicas
que não têm hospital passem a
tê-los, com a supervisão adequa-
da dos alunos.
Conhecer mais os egressos
para fazer mudanças apropriadas
nos currículos é fundamental. É
necessário tentar evitar o mode-
lo de superespecialistas, e inserir
o aluno, cada vez mais, na aten-
ção primária e nos programas de
saúde da família. A flexibilização
do currículo e dos horários prote-
gidos para o aluno poder estudar
em casa ou na faculdade é outro
grande desafio.
O ensino de urgência e emer-
gência, além do transporte hos-
pitalar, deve ser implementado,
com supervisão adequada de
emergencistas, pois, muitas ve-
zes, esses dois cenários são os
mais utilizados pelos egressos.
Devemos ensinar conteúdos que
façam parte do cotidiano do mé-
dico generalista.
São muitos os desafios a serem
enfrentados, porém o processo de
acreditação das escolas médicas e
o processo de desenvolvimento de
docentes são os principais deles.
*Médico clínico geral, cardiologista, emergencista e in-
tensivista, e coordenador da graduacão de Medicina, da
Universidade Federal de São Paulo (Unifesp)
FOTO: OSMAR BUSTOS
E D I T O R I A L
3 6 • S E R M É D I C O3 6 • S E R M É D I C O
H O B BY
Notas de liberdade
úsico, compositor, arranjador, psiquiatra e psicanalista. É assim que Eduardo Leal
se define. A pluralidade o acompanha desde que iniciou, aos 11 anos, estudos de
violão e guitarra em São José dos Campos, sua cidade natal e, mais tarde, quando,
aos 17, deixou suas raízes e mergulhou no universo da Medicina ao ingressar na Universidade
de São Paulo (USP). "A música antecedeu a escolha da profissão, mas posso dizer que para
mim, atualmente, ela possui o mesmo peso que a Psiquiatria", afirma.
O médico conta que seu primeiro contato com o meio musical foi em forma de hobby,
com o exemplo de seu pai, habilidoso pianista amador, e sua avó, dedicada cantora de coral.
Entretanto, o mundo das notas e das melodias foi consolidando-se como algo muito além de
um entretenimento – uma necessidade. "Compor tem força central para mim. Hobby você
M
[1] DANIEL PORTO
[1]
S E R M É D I C O • 3 7S E R M É D I C O • 3 7
faz se der tempo, tem um envolvi-
mento pequeno. É o contrário do
que faço", comenta.
Antes de mudar-se para São
Paulo, Edu Leal, como é conhecido
no ramo artístico, assemelhava-se
à boa parte dos jovens da década
de 80, reproduzindo obras voltadas
ao rock e ao heavy metal. Integrou
diversas bandas em São José dos
Campos, incluindo a Gestalt, que,
posteriormente, gravou um CD
com músicas autorais, e participou
como finalista do V Projeto Nascen-
te, realizado pela USP, em parceria
com a Editora Abril, em 1995.
Ao ingressar na universidade,
em 1992, enveredou pelo caminho
do rock progressivo e do jazz. Em
contrapartida, enfrentou grandes
dificuldades para se habituar à
vida na capital paulista, o que, de
certa forma, acabou influindo na
escolha da especialização de sua
profissão. "Quando saí do Interior
tive uma grave crise emocional.
Porém, não posso negar que ela
me ajudou a me apaixonar pela
Psiquiatria, justamente pelo fato
de ser uma especialidade que faz
com que você se entenda melhor
e entenda o outro", explica.
A faculdade fomentou sua pai-
xão pela música. A república es-
tudantil em que Edu Leal residia,
na época, contava com estudantes
dos cursos de Medicina e de Ma-
temática, que nutriam o mesmo
amor pelo universo musical. O
local foi tão significativo na traje-
tória do médico que, mais tarde,
tornou-se inspiração para uma
composição, denominada "Repú-
blica dos salames".
As atividades voltadas ao âmbito
musical, promovidas pela universi-
dade, atuaram como ponto-chave
para Edu, permitindo que ele não
só apresentasse seu trabalho aos
demais, como também vivenciasse
sua paixão em consonância com o
meio acadêmico. Além do V Proje-
to Nascente, participou do 2° Fest-
Med, no qual foi premiado com o
2° lugar, e da Semana de Artes,
também organizada pela USP. As-
sim, foi obtendo o reconhecimen-
to pelo seu trabalho e percebendo
que conciliar a Medicina e a músi-
ca não era algo impossível.
A MÚSICA TAMBÉM
COMO PROFISSÃO
O médico conta que em seu pri-
meiro ano de Residência, no Hos-
pital do Servidor Público Estadual,
desenvolveu um projeto de com-
posição com outros dois amigos
e, paralelamente, atuou na banda
"Genesis Live", dedicada a repro-
duzir a fase progressista da banda
"Genesis". Com ela, teve oportuni-
dade de tocar em diversas casas
consagradas da noite paulistana.
"Eu tocava muito menos do que,
de fato, almejava, principalmen-
te no início da faculdade. Minha
principal dificuldade era conciliar
tudo isso, mas sempre me esfor-
cei", conta.
Figuras renomadas como o
músico e zoólogo Paulo Vanzoli-
ni, o violinista carioca e dentista
Guinga, e o compositor e psiquia-
tra Aldir Blanc, serviram – e ainda
servem – como inspirações que
auxiliam Leal a permanecer no
ramo musical. Afinal, se eles con-
seguem aliar a música à profissão,
por que ele não conseguiria?
Após iniciar seu trabalho de
composição solo, em 1999, com ar-
ranjos de Fernando Cardoso Perei-
ra – pianista, cravista e compositor,
com formação erudita –, Edu mer-
gulhou no universo dos concursos
e festivais brasileiros. Os feedbacks
positivos reiteraram seu talento e,
em 2011, finalmente teve seu so-
nho materializado, ao lançar seu
primeiro disco autoral, Vida Nova,
que obteve patrocínio da Prefeitu-
ra Municipal de São Paulo e contou
com a participação de grandes no-
mes da música nacional, como Lei-
la Pinheiro, Filó Machado e Adriana
Godoy, entre outros.
A escolha do nome do álbum
não foi por acaso. "Além de ser
uma música que compus, Vida
Nova, na verdade, foi o reconhe-
"Compor tem um papel
central para mim. Hobby você
faz se der tempo. É o contrário
do que eu faço"
E D I T O R I A L
3 8 • S E R M É D I C O3 8 • S E R M É D I C O
H O B BY
cimento que tive de que a música
não devia ser apenas um hobby
para mim", comenta. O projeto
também marcou o início da atua-
ção de Edu como produtor musi-
cal e arranjador de instrumentos
de sopro, cordas e baixo.
LIVRE
Em 2016, o médico e músico ade-
riu a uma nova banda, denominada
"A Conjuntura", e, um ano depois,
lançou o disco Livre – integralmen-
te escrito e arranjado por ele –, que
contou com o apoio da Secretaria
da Cultura do Estado de São Paulo
e a participação de 21 músicos, res-
ponsáveis por ecléticas formações
instrumentais, como quinteto de
cordas, quarteto de metais, corne
inglês e oboé, entre outros.
Apesar de gostar muito de can-
ções, Edu conta que, cada vez
mais, está migrando para o âmbito
puramente instrumental. A forte
presença da subjetividade o en-
canta e interliga-se diretamente
com a Psiquiatria. "A música para
mim é como um devaneio, um so-
nho acordado. Ela tem questões
que vão além da palavra. A música
abarca a música", explica.
O psiquiatra conta que se con-
sidera meio "maestro", já que seu
papel é orquestrar notas e melo-
dias, e orgulha-se de poder afir-
mar que, atualmente, também
é maestro de si. Após dez anos
trabalhando no Hospital do Man-
daqui, pediu demissão para atuar
exclusivamente em seu consultó-
rio e dedicar-se assiduamente à
música. A liberdade e autonomia
que tanto almejava, finalmente se
concretizou.
Para o futuro, conta que já pos-
sui elementos para o próximo dis-
co, que promete ser um compila-
do de músicas instrumentais com
"caráter mais agressivo do que
os anteriores". Pretende também
continuar atuando como profis-
sional liberal e tendo uma relação
harmoniosa com suas duas pro-
fissões. "A Psiquiatria me inspira
também. Em meu primeiro disco,
tem uma música chamada Lógica
absurda da tristeza, com referên-
cias aos sintomas depressivos.
Bebo um pouco da água do sofri-
mento humano", confessa.
Edu Leal, que sempre buscou
a sensação visceral de sentir-se
livre, hoje afirma que a encon-
trou na convergência de seus dois
amores. "Têm algumas emoções e
formas do 'sofrer' que são muito
difíceis de colocar em palavras,
então a música é um veículo de
expressão. Ela pode salvar vidas,
assim como a Medicina. Essa é a
minha paixão", finaliza. 
Colaborou: Julia Remer
[1] OSMAR BUSTOS
[1]
Eduardo Leal e seu disco: "a música pode salvar vidas, assim como a Medicina"
S E R M É D I C O • 3 9
G O U R M E T
[2] OSMAR BUSTOS
O cirurgião que virou
chef e empreendedor
[2]
última cirurgia foi há 13
anos e, quando se deu con-
ta, já estava no primeiro dia
de aula na escola de gastronomia
francesa, Le Cordon Bleu – uma das
melhores do mundo –, realizando
um desejo da infância. A transição
da Medicina para a gastronomia
contou com o apoio da esposa,
mas o pai de Hwang Chi Fong não
aprovou a decisão e deixou de falar
A
4 0 • S E R M É D I C O
G O U R M E T
com ele durante um tempo. Só vol-
taram a conversar na volta do filho
ao Brasil.
Formado em Medicina pela Uni-
versidade de São Paulo (USP), e com
Residência em Cirurgia Geral e em
Cirurgia Oncológica pela mesma
instituição, ele exerceu a profis-
são durante 10 anos. A decisão de
abandoná-la e ir atrás de seu sonho
estava bem alicerçada. "Eu queria
mudar. Sempre gostei de culiná-
ria, já brincava bastante em casa, e
percebia que tinha certo talento e
gosto pela cozinha oriental. Então
abracei a oportunidade”.
Ao final do curso de chef de
cozinha na Le Cordon Bleu – filial
de Miami – é preciso passar por
uma espécie de estágio obriga-
tório. Chi Fong trabalhou, então,
três meses no Grand Lux Café, do
grupo Cheesecake, naquela mes-
ma cidade. Queria continuar nos
Estados Unidos, mas devido à cri-
se econômica que assolava o país,
em 2008, viu que um eventual ne-
gócio não sobreviveria sequer um
ano, e resolveu voltar ao Brasil,
com a família.
Dois anos depois do retorno
ao País, o médico abriu, em 2010,
um restaurante de comida natu-
ral e, logo depois, mudou e abriu
outro de comida oriental, ramo
no qual se considera especialista,
que logo evoluiu para uma rede de
yakisoba. Percebeu que o negócio
estava dando mais retorno que a
Medicina, não apenas em termos
financeiros, mas pelo prazer de
fazer algo com que tanto sonhara.
No sexto mês, sua rede foi elei-
ta a segunda melhor da especia-
lidade em São Paulo pela revista
Veja. “A partir daí, vários grupos
me procuraram para fazer ex-
pansão como franquia. Uma delas
foi bem interessante e acabei to-
pando”, conta. Entretanto, no ano
passado a parceria com a empresa
de franquia se rompeu.
CLOUD KITCHEN
No ano passado, o agora conhe-
cido chef Kiko – o sobrenome Chi
Fong quando pronunciado no dia-
leto chinês fica “kinkon” – recebeu
algumas propostas para montar
cozinhas virtuais, adotando a nova
tendência do mercado de delivery,
a cloud kitchen, uma espécie de
“cozinha na nuvem”­— que ajuda os
Hwang Chi Fong exerceu a medicina por 10 anos, mas deixou a profissão para ser chef de cozinha e empreendedor
S E R M É D I C O • 4 1
donos de restaurantes a lidar com
o crescente aumento de pedidos
de comida por aplicativos, diversi-
ficando sua estratégia de mercado.
Atualmente, além das seis lojas
físicas de yakisoba, o médico tem
também um restaurante de sushi
que atende somente por delivery
em uma cloud kitchen, que fun-
ciona junto a outras 19 cozinhas,
também administradas por ele,
num espaço de 200 metros qua-
drados. Em apenas um dia, che-
gou a atender mil pedidos. “É um
mercado de baixo custo, portanto
a comida fica com um preço mais
acessível", observa.
Há uma grande revolução gas-
tronômica em curso, explica o chef
e, agora, empresário. Segundo ele,
a geração millennial (nascidos en-
tre 1979 e 1995) — criada com as fa-
cilidades tecnológicas como com-
putadores, smartphones e redes
sociais — daqui a alguns anos não
vai mais querer cozinhar, pois pre-
za muito seu tempo. Portanto, ava-
O YAKISOBA PERFEITO
O chef Kiko não revela sua receita, mas conta que o
yakisoba perfeito é aquele que contém uma leve crocância
no macarrão e um molho consistente. Seus clientes,
entretanto, passam por uma experiência diferenciada,
garante. Segundo explica, ele e sua equipe fizeram alguns
estudos para que o cliente pudesse, receber em casa ou no
escritório um prato como se tivesse sido preparado naquela
hora. “Nós desenvolvemos toda uma ciência de cocção. O
meu yakisoba chega na casa do cliente no ponto”, afirma.
O médico diz que muitos concorrentes enviam ao
cliente um macarrão empapado. Isso acontece, comenta,
porque os restaurantes mandam para as residências das
pessoas a mesma receita que já está pronta no salão, e,
durante o processo de entrega, o macarrão vai sugando o
molho e cozinhando ainda mais.
“O meu yakisoba sai do delivery um pouco mais
duro e com o molho mais líquido, para que, quando
chegar até o cliente, esteja no ponto certo, com o molho
mais consistente, porque vai cozinhando dentro da
embalagem”, revela.
Desde criança, o
médico gostava
de brincar com
culinária e
percebia ter
talento para a
cozinha oriental
FOTOS: OSMAR BUSTOS
Acupuntura une conhecimento milenar e ciência
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Acupuntura une conhecimento milenar e ciência

  • 1. SER MÉDICO CONSELHO REGIONAL DE MEDICINA DO ESTADO DE SÃO PAULO Nº 88 • ANO XXI • JUL | AGO | SET • 2019 W W W. C R E M E S P. O R G . B R ENTREVISTA Patricia Moreno: fundadora de uma ONG, médica e atleta TECNOLOGIA Os algoritmos e a Medicina da próxima década HOBBY Liberdade para médico é unir a medicina e a música OPINIÃO "Ser médico não basta para ser professor de medicina" Do saber milenar às evidências proporcionadas pelo avanço tecnológico, a especialidade médica complementa a medicina ocidental
  • 2.
  • 3. S E R M É D I C O • 1 N E S TA E D I Ç Ã O ACUPUNTURA PODE UNIR O CONHECIMENTO MILENAR E A CIÊNCIA OCIDENTAL ais do que discutir sobre a especialidade, o tema principal desta edição da Ser Médico busca suscitar uma reflexão a respeito da importân- cia de se praticar a acupuntura sob a ótica da ciência médica. A Medicina ocidental contem- porânea oferece à população o que antes era inimaginável: desde a erradicação de doenças, como a varíola, até a possibilidade de viver anos com órgãos transplantados. O caminho até se chegar a essas conquistas não foi fácil, e somente começou a prosperar no século 17, quando pensadores, como o filóso- fo inglês Francis Bacon, passaram a defender o método científico. Paralelamente, o contato entre o Oriente e o Ocidente também foi se intensificando, ao longo dos últimos séculos. Os chine- ses, mesmo possuidores de uma medicina tradicional milenar, ti- veram a perspicácia de estudar, sob a ângulo da ciência médica, o que antes fora descrito por meio de inferências. Um dos maiores exemplos disso foi a descober- ta da artemisinina,cuja história abordamos na seção Medicina no Mundo. Não somente na medici- na os chineses souberam aplicar o método científico, hoje o país é uma potência mundial em ciência. A entrevistada é uma ortope- dista, atleta de alto rendimento, fi- lantropa e mãe, que inspira muitas outras médicas a superar limites. A Crônica traz a doação de órgãos e a história do pequeno Davi em sua batalha contra conflitos familiares. Em Hobby, mostramos a paixão de um médico pela música. Quanto à seção de Tecnologia, divulgamos inovações, que podem ser aplica- das à Medicina. A educação mé- dica é o tema da seção Opinião e, na Agenda Cultural, ampliamos as sugestões para o Interior, e apre- sentamos opções para os mais diferentes gostos, do clássico ao contemporâneo, do tradicional ao alternativo. Boa leitura!  Edoardo Filippo de Queiroz Vattimo Coordenador da Assessoria de Comunicação O Brasil poderia seguir os passos da China, mas, infelizmente, muitos de seus políticos buscam um enfra- quecimento das ciências médicas e a relativização e deturpação de conceitos científicos. Assim surgiu o Projeto de Lei nº 1549/2003, que prevê a prática da Acupuntura por não médicos, contra o qual o Cre- mesp vem se opondo no Congresso Nacional. Permitir essa indiscrimi- nação significa afastar a especiali- dade do caminho de um tratamen- to com maior evidência científica, pois a aplicação do raciocínio clíni- co e da nosologia médica permite que sejam criados protocolos de estudo racionalmente fundamen- tados, bem como sua aplicação se- gura aos pacientes. Sendo também médico conhecedor da medicina ocidental, o especialista em Acu- puntura pode reconhecer em que momento apenas a medicina chi- nesa não basta e outros tratamen- tos são necessários. Esperamos que a matéria sirva, também, para reforçar esses con- ceitos junto à sociedade. Além do tema da capa, explo- ramos ainda assuntos culturais, como o do cirurgião que decidiu empreender na área de culinária oriental; e apresentamos uma re- senha de livro que aborda ques- tões da sociedade chinesa. M
  • 4. 2 • S E R M É D I C O EXPEDIENTE CONSELHEIROS Altino Pinto, Angelo Vattimo, Camila Cazerta de Paula Eduardo, Chien Yin Lan, Christina Hajaj Gonzalez, Cynthia Dantas Kurati, Daniel Kishi, Edoardo Filippo de Queiroz Vattimo, Eliane Aboud, Fernando José Gatto Ribeiro de Oliveira, Flavia Amado Bassanezi, Flávia Bellentani Casseb Frederico, Francisco Carlos Quevedo, Henrique Liberato Salvador, Irene Abramovich, Joaquim Francisco Almeida Claro, José Gonzalez, Juliana Takiguti Toma, Julio Cesar Zorzin, Lucio Tadeu Figueiredo, Lyane Gomes de Matos Teixeira Cardoso Alves, Marcello Scattolini, Maria Alice Saccani Scardoelli, Maria Camila Lunardi, Mário Antonio Martinez Filho, Mario Cezar Pires, Mario Jorge Tsuchyia, Mario Mosca Neto, Mirna Yae Yassuda Tamura, Mônica Yasmin Pinto Corrado, Paula Yoshimura Coelho, Pedro Sinkevicius Neto, Regina Maria Marquezini Chammes, Rodrigo Costa Aloe, Rodrigo Lancelote Alberto, Rodrigo Souto de Carvalho, Silvio Sozinho Pereira, Tatiana Regina Criscuolo, Thiago Willian Gonçalves e Wagmar Barbosa de Souza. CONSELHO EDITORIAL: Angelo Vattimo, Lucio Tadeu Fiqueiredo, Maria Camila Lunardi e Rodrigo Souto. SER MÉDICO Coordenador do Departamento de Comunicação: Edoardo Filippo de Queiroz Vattimo Chefe da Assessoria de Comunicação: Nara Damante; Editora: Fátima Barbosa; Colaboradoras: Aglaé Silvestre, Concília Ortona e Ivolethe Duarte; Fotografia: Osmar Bustos; Designer Gráfico: Sophia Kraenkel; Estagiários: Arthur Codjaian Gutierres, Júlia Remer, Maria Melo e Bruna Goulart (texto), Bruna Gabrielle (foto), Ian Stiepcich (designer gráfico); Impressão: Gráfica Plural. Tiragem: 153.500 exemplares. Periodicidade trimestral. Opinião e conceitos emitidos em matérias assinadas não refletem necessariamente a opinião da Ser Médico. ISSN: 1677-2431 E-mail: sermedico@cremesp.org.br CONSELHO REGIONAL DE MEDICINA DO ESTADO DE SÃO PAULO CAT - Central de Atendimento Telefônico: (11) 4349 - 9900. Atendimento na sede: rua Frei Caneca, 1.282 – Consolação (das 9h às 18 horas). Departamento de Comunicação: asc@ cremesp.org.br DIRETORIA Presidente: Mario Jorge Tsuchiya; Vice- presidente: Irene Abramovich; 1º secretário: Angelo Vattimo; 2ª secretária: Maria Alice Saccani Scardoelli; 1ª tesoureira: Christina Hajaj Gonzalez; 2º tesoureiro: Lucio Tadeu Figueiredo; Corregedor: Rodrigo Costa Aloe; Vice-corregedor: José Gonzalez; Departamento de Fiscalização: Flavia Amado Bassanezi; Departamento de Comunicação: Edoardo Filippo de Queiroz Vattimo; Departamento Jurídico: Lyane Gomes de Matos Teixeira Cardoso Alves; Delegacias da Capital e Região Metropolitana: Pedro Sinkevicius Neto; Delegacias do Interior: Daniel Kishi. Certificado no escopo: atendimento, na Sede e na Delegacia da Vila Mariana, pertinente à prestação de serviços cartoriais de registros de profissionais e de empresas.
  • 5. ÍNDICE 6 ENTREVISTA | PATRÍCIA MORENO Atleta profissional e fundadora do Instituto Remo meu Rumo, a médica é exemplo de determinação 4 CARTAS & NOTAS Cremesp lançará revista científica para residentes 30 TECNOLOGIA Os algoritmos e a Medicina da próxima década 12 CRÔNICA | MARIA CAMILA LUNARDI A batalha do pequeno Davi contra os conflitos familiares 18 ACUPUNTURA | RELATO DE CASO "Não acreditava que pudessem existir tratamentos diferentes daqueles que a universidade me ensinara" 24 ACUPUNTURA | EM FOCO Os riscos da prática por não médicos 28 ACUPUNTURA | VANGUARDA Avanço tecnológico revolucionou avaliação neurofisiológica e neurobiológica 32 MEDICINA NO MUNDO Da tradicional medicina chinesa ao Nobel, e outras notas 36 HOBBY Para Eduardo Leal, a música é mais que um hobby e possui o mesmo peso que a medicina 39 GOURMET Após dez anos, o cirurgião Hwang Chi Fong abandonou a medicina para ser chef e empreendedor 43 AGENDA CULTURAL Confira nossas dicas culturais 47 RESENHA As boas mulheres da China, de Xinran 48 FOTOPOESIA Com a taça na mão, interrogo a lua 34 OPINIÃO | ENSINO MÉDICO "Ser médico não é suficiente para ser professor de Medicina" 14 ACUPUNTURA | HISTÓRIA Principais fatos da trajetória da especialidade no mundo e no Brasil 19 ACUPUNTURA | PANORAMA Principais indicações: ginecologia e obstetrícia, transtornos mentais, e dores musculoesqueléticas
  • 6. 4 • S E R M É D I C O CARTAS & NOTAS Cartas para: sermedico@cremesp.org.br ou Rua Frei Caneca, 1.282, Consolação, São Paulo - SP — CEP 01307-002. A Ser Médico se reserva o direito de publicar trechos das mensagens. Informar o nome completo e número de CRM, se for médico/a. CARTA: TRANSPLANTE DE ÚTERO A matéria sobre a reprodução assistida e o transplante de útero [N.R. edição 87 da Ser Médico] discutiu muitos aspectos interessantes desta questão tão polêmica. Mas, gostaria de fazer dois comentários. Primeiro, o tom ufanista-progressista exposto no editorial (pioneirismo, avanço), que se desdobrou em tom menos enfático, mas ainda presente, no debate, pareceu-me exagerado e fora de propósito. Segundo, faltou um contraponto mais claro sobre a verdadeira intenção do transplante, que é a de satisfazer uma mulher estéril para que ela possa transmitir seus genes a um único filho, sem uma barriga de aluguel. Para isso, ela se associou a médicos e outros profissionais que, tomados de "hubris" profissional, foram capazes de expor uma pessoa hígida a uma cirurgia complicada, arriscada e com alto grau de insucesso, na tentativa de restaurar uma capacidade que nada tem a ver com a sobrevivência. Como o Conselho trataria esse caso, se a paciente tivesse morrido? Acredito que o Conselho faria melhor uso de suas capacidades se começasse a discutir de que forma esse e outros casos-limite da ética deveriam ser abordados antes de cometidos os atos. Eduardo F. Motti - CRM 34165 RESPOSTA Agradecemos a manifestação quanto às matérias envolvendo o transplante de útero. No entanto, cabe salientar que, desde 1948, quanto entrou em vigor a Constituição da Organização Mundial de Saúde (OMS), o conceito de saúde passou a ir além da mera ausência de doença ou enfermidade, em que a sobrevivência está em risco. No preâmbulo da Constituição da OMS, assinada pelos representantes de 61 países, a saúde é definida como “um estado de completo bem-estar físico, mental e social.” Nos depoimentos que colhemos com pacientes portadoras da Síndrome de Mayer-Rokitansky-Küster-Hauser pudemos constatar como o fato de ter nascido sem um útero afeta seu bem-estar, na forma como é definido pela OMS. Neste sentido, podemos considerar a reprodução humana como parte fundamental da saúde, cujas doenças vêm sendo enfrentadas pela Medicina, nas últimas décadas, conforme exploramos em “História”. É claro que há amplos debates bioéticos envolvidos, porém as pesquisas que foram abordadas na edição 87 seguiram os devidos trâmites nos órgãos de bioética e ética, responsáveis pela análise de projetos como esse em questão, antes de sua realização. O tom do editorial reflete um fato inequívoco do procedimento: em que pesem as controvérsias bioéticas, o trabalho é, sim, pioneiro, colocando o Brasil e a Medicina paulista em destaque no meio científico internacional. Em um cenário de proliferação de escolas médicas, vendas de vagas, faculdades em cidades fronteiriças e relativização de conceitos médicos, ver que o Brasil pode ser pioneiro no mundo nos traz alento. Edoardo Vattimo - Conselheiro e coordenador da Assessoria de Comunicação do Cremesp
  • 7. S E R M É D I C O • 5 JMRR É A NOVA REVISTA CIENTÍFICA DO CREMESP O Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (Cremesp) convida médicos em formação – residentes e estudantes de Medicina –, e demais interessados em temas vinculados à Clínica, Pesquisa e Bioética, entre outros, a submeterem manuscritos em sua primeira revista científica a Journal of Medical Resident Research (JMRR). A nova publicação é desdobramento da Revista do Médico Residente (RMR), que circulou por meio de outros editores até o ano de 2010, tornando-se referência entre o público-alvo. Chegou inclusive, a ser indexada na base de dados Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde (Lilacs). Guia de autores O objetivo é que a revista seja editada com periodicidade trimestral, permitindo aos autores que participem do processo permanente de divulgação de seus manuscritos. Depois de triagem feita pelo corpo editorial da JMRR, os textos seguirão para etapas como revisão por pares, revisão ortográfica e diagramação. Para melhor compreensão, o Conselho Editorial do JMRR disponibiliza um Guia para Autores (https://www.cremesp.org.br/pdfs/Guia%20de%20autores%20novo.pdf), que traz todas as informações, como lista de termos, categoria de artigos, requisitos para a preparação e submissão de artigos, além de políticas editoriais, entre outros. Com o lançamento desta nova publicação, o Cremesp reitera sua vocação de contribuir para o aprimoramento do ensino médico. Mais informações pelo email jmrr@cremesp.org.br CAPA: O antigo desenho em aquarela traz a figura de um chinês em pé, demonstrando pontos de acupuntura usados para controlar doenças do coração e dos órgãos sexuais. Em detalhes, mostra um dos doze caminhos que vão das extremidades até a garganta e passam pelos principais órgãos internos. Cada um deles possui um número especificado de pontos de acupuntura, dispostos simetricamente nos lados esquerdo e direito. Aquarela. China, 17- -. Wellcome Collection
  • 8. 6 • S E R M É D I C O E N T R E V I S TA os 13 anos, ela sentava ao lado da porta do clube do qual não era sócia, para esperar o diretor de Esportes e pedir para treinar vôlei. Desde então, determinação, foco e esforço não são meras palavras para a médica e ex-atleta profissional Patricia More- no Grangeiro. Como atleta, jogou pela equipe profissional de vôlei Pão de Açúcar/Colgate e pela Univer- sidade da Flórida, nos Estados Unidos, onde foi campeã do Southeastern Conference (SEC), do período 1991-1994; e finalista do Final Four (disputa dos quatro melhores times de vôlei dos EUA), em 1991-1993. De volta ao Brasil, para conciliar um esporte com o curso médico, que tinha trancado, passou a praticar remo e, logo em seguida, em 1997, foi campeã sul-a- mericana nesse esporte, na modalidade quadruple-skiff [quatro remadores]. Em 2009, no retorno à modalidade, foi campeã brasileira em double-skiff; em 2010, foi campeã brasileira no quadruple skiff; e, em 2011, no oito. Enquanto avançava em sua trajetória como atleta, Patricia foi também consolidando um extenso currículo profissional. Formou-se médica pela Faculdade de Medicina da USP, onde também fez Residência em Ortopedia e Traumatologia, e especialização em Ortopedia Pediá- trica; fellowship em Reconstrução e Alongamento Ósseo, no Sinai Hospital Baltimore, nos Estados Unidos; pós-graduação em Medicina do Esporte, na Universidade Estácio de Sá, no Rio de Janeiro, e doutorado pela FMUSP, onde atualmente é médica assistente do Instituto de Ortopedia. Quando jogava vôlei nos Estados Unidos, fez também o bacharelado em Neu- rociências, na Universidade da Flórida. A experiência no esporte e na Medicina levou Patricia a idealizar e criar o Instituto Remo Meu Rumo, com a colaboração de seu marido e de amigos. Por meio dele, crianças e adoles- centes com deficiência física encontram no esporte o incentivo para melhorar o condicio- namento físico e a autoestima. Ela é também mãe de Artur, que a acompanha em muitas atividades do Remo meu Rumo. "Ele vai crescer acompanhando-nos neste trabalho e, também, junto com as outras crian- ças. Isso vai influenciar positivamente a sua vida", resume. Médica atleta ou atleta médica? A
  • 9. S E R M É D I C O • 7[1] OSMAR BUSTOS [1] Patrícia atuou como atleta profissional no volêi e no remo, mas nunca abandonou a medicina Ser Médico – Além de fazer Medici- na, você foi uma atleta profissional no vôlei e no remo. Como tudo começou? Patricia – Comecei a jogar vôlei por volta dos 13 anos. Morava em São José dos Campos, mas não era só- cia do Tênis Clube, onde havia uma equipe do esporte. Então, depois da escola, na parte da manhã, chega- va em casa, almoçava, pegava um ônibus e ia para a frente do clube. Ficava sentada perto da portaria esperando o diretor de Esportes voltar do almoço. Aí eu perguntava: "tio, posso jogar hoje?" Fui fazendo isso todos os dias. Minha mãe nem sabia. Só que eu chegava uma hora antes do início do treino, pegava as bolas e ficava treinando na parede. Mil toques, mil manchetes, mil cor- tadas... Treinava muito e nem era tão alta ainda, pois cresci bastan- te entre os 15 e 17 anos. Mas eu dizia para mim mesma: ‘se eu não treinar, não vou conseguir’. Depois chegava toda a equipe e treinava junto, de segunda a sábado. Tinha escolhido fazer isso. À noite, duran- te e nos fins de semana, voltava a estudar. Comecei a ser uma parte importante da equipe e ganhei a carteirinha de atleta do clube. Ser Médico – Como você conseguiu equilibrar esporte profissional com os estudos? Patricia – Fui crescendo, treinando muito, mas sem esquecer os es- tudos escolares, que sempre levei muito a sério. Durante a adolescên- cia, escolhi me dedicar a jogar e a estudar. Queria muito ser médica. Meu pai tinha Doença de Parkinson e isso me ajudou a escolher a pro- fissão. Meus pais me incentivavam muito, tanto a fazer Medicina quan- to a continuar a prática de esportes. No vôlei, aos 15 anos, eu já ganhava destaque devido à dedicação. Logo depois, mesmo tendo de estudar para o vestibular, continuei jogando. Ser – Quando começou a jogar profissionalmente? Patricia – Fui convidada, quando ti- nha entre 17 e 18 anos, a jogar pela equipe Pão de Açúcar/Colgate, em São Paulo. A Fofão [Hélia Pinto, joga- dora da Seleção Brasileira de Volei-
  • 10. 8 • S E R M É D I C O E N T R E V I S TA A médica ganhou campeonatos importantes no vôlei e no remo bol, de 1991 a 2008] era do meu time. Quase ao mesmo tempo, passei no vestibular da Faculdade de Medicina da USP e fui levando as duas ativida- des. Nesse período, convidaram-me para jogar nos Estados Unidos, pois quando estava no Pão de Açúcar/ Colgate havia duas jogadoras nor- te-americanas e, quando elas vol- taram para os EUA, indicaram-me a treinadoras de times de universida- des de lá, onde o esporte é muito forte. Aceitei o convite, tranquei a matrícula na Medicina, no segundo ano, e fui estudar e jogar no time de vôlei da Universidade da Flórida. Ser – Foi nesse período que fez Neurociência? Patricia – Sim, fiz o bacharelado du- rante os três anos, em vez de quatro, porque consegui transferir alguns créditos da Medicina da USP. Tinha uma bolsa de estudo integral, com acomodação, refeição etc. Ser – Como se deu a mudança do vôlei para o remo? Patricia – No período em que joguei vôlei nos EUA, fazia parte do prepa- ro físico o treino em um aparelho simulador de remo chamado remo- ergômetro. Gostava muito e me saía bem. Quando decidi voltar ao Brasil para terminar Medicina, depois de finalizar o bacharelado, comecei a treinar mais nesse equipamento. Ser – Foi mais difícil conciliar o esporte com a faculdade? Patricia – Quando voltei para São Paulo, precisei decidir se continua- va a jogar vôlei profissionalmente, pois era incompatível com o curso de Medicina. Como esporte essen- cialmente de equipe, ele demanda mais tempo de treinamento, geral- mente de manhã e à tarde. O remo, na verdade, foi uma alternativa mais adequada aos horários da fa- culdade. Basicamente, treinava três horas por dia, sendo 1h30 de remo, de manhã, e 1h30 de exercícios, como, por exemplo, musculação, à tarde, que eu podia fazer perto da faculdade. Acordava às 4h30 da manhã e, às 5 horas, tinha de estar na água remando na raia olímpica da USP, e, às 6h30, ia para a facul- dade, pois estava no internato. À tarde, fazia o treino físico. Ser – Foi difícil começar a praticar um novo esporte? Patricia – Tinha a experiência com o remoergômetro e um bom preparo físico, que é muito importante nos Estados Unidos, e para o remo. As- sim, consegui me destacar. Nesse mesmo ano, fui campeã brasileira e sul-americana de remo. Come- cei a competir, no remo, pelo Clube Espéria, que não existe mais. No 6º ano da faculdade, passei na Resi- dência para Ortopedia, mas não me matriculei, pois fui convidada para remar pelo Vasco da Gama, no Rio. Lá, além do remo, fiz especialização em Medicina do Esporte. Fiquei dois anos, voltei, prestei a prova de novo para Ortopedia e passei. Depois competi pelo Clube Pinheiros, quan- do fui campeã brasileira em 2009 e 2010, num retorno ao remo. Então, logo que o remo entrou em minha vida consegui algum resultado. Mas nunca deixei de lado a parte acadê- mica, sempre a levei bem no para- lelo. Às vezes, deixava no stand by, mas depois voltava a estudar. Nos EUA, há uma facilidade maior para levar paralelamente, mas aqui você precisa realmente querer. Ser – Você ganhou vários prêmios... Patricia – Nos Estados Unidos, nos- sa equipe foi duas vezes para o Final Four, uma disputa entre os quatro melhores times norte-americanos. Nos três anos em que estive lá, jo- gamos 110 jogos e ganhamos 100. Era um score muito bom. A minha treinadora foi eleita, por duas vezes, a melhor técnica de vôlei dos EUA. Em 2009, entrei no Instituto de Orto- pedia da FMUSP como assistente, ou seja, como parte do corpo clíni- co. Tinha acabado de voltar de um fellowship, no hospital norte-ame- ricano Sinai Baltimore, e retomei o remo. Foi nessa segunda fase que fui para o Clube Pinheiros. E me dediquei bastante, daquela mesma
  • 11. S E R M É D I C O • 9 forma: das 5h às 6h30, vinha para o hospital, e fazia uma sessão de trei- no à tarde. Nesse ano, fui campeã brasileira novamente. Ser – Como surgiu o Instituto Remo Meu Rumo? Patricia – Depois de remar, quando eu chegava no hospital, atendia os pacientes crianças e adolescentes com deficiências físicas congêni- tas ou adquiridas e imaginava que podiam ter a mesma oportunidade que o esporte me deu. Perguntava para eles se faziam alguma ativida- de esportiva e muitos deles não fa- ziam nada, pois eram afastados das aulas de educação física, ou não ti- nham oportunidades, pois não havia locais que oferecessem esportes adaptados para eles. Essas crian- ças têm uma rotina muito diferente de uma infância típica. Elas têm fi- sioterapia quase todo dia, psicólo- ga, fonoaudióloga etc. Fiquei, então, imaginando como seria bom se elas tivessem um lugar para fazer espor- te e aprender seus valores, como compromisso, disciplina e amizade. Nessa época, eu treinava bastante no Clube Pinheiros, convidei alguns pacientes para fazerem remo lá e treinava junto com eles. Foi surpre- endente como deu certo. Sobretudo nos jovens com paralisia cerebral pude perceber que o remo tinha um impacto enorme na condição física. Eles melhoravam a força, a marcha e o equilíbrio. Fiquei com muita ex- pectativa de que isso pudesse ser bom para essa população. Mas não era tão fácil, pois os clubes estão equipados para pessoas que te- nham um potencial competitivo. Fi- quei sonhando com isso por muito tempo, mas não tinha como colocar em prática. Até que, em 2013, com a ajuda do meu marido, Ricardo Ma- céa, que é administrador, tivemos a ideia de montar uma Organiza- ção Não Governamental (ONG), a Remo meu Rumo. Hoje, ele é o di- retor executivo dela. O presidente é o Candido Leoneli, um ex-executivo do mercado financeiro que rema há 50 anos e, atualmente, faz, também, faculdade de Medicina; e a Ana He- lena Puccetti, uma amiga que é a maior remadora de todos os tempos no Brasil, e psicóloga, e que também foi campeã sul-americana comigo. Ela ainda rema todos os dias. Desde o início, tivemos muitos voluntários. Em 2015, conseguimos ampliar o atendimento, por meio da Lei de Incentivo ao Esporte, e passamos a ter outro professor de educação física, fisioterapeutas, psicólogos e "O remo tem um impacto importante na condição física das crianças com deficiências congênitas ou adquiridas" [1] OSMAR BUSTOS [1]
  • 12. 1 0 • S E R M É D I C O E N T R E V I S TA assistente social, com aumento da oferta de dias. São duas sessões, de segunda a quinta-feira, de manhã e à tarde, e aos sábados. Atendemos mais de 200 crianças desde que criamos a ONG. Ser – Como as crianças reagem e onde elas treinam o remo? Patricia – Na raia olímpica da USP. Nossos alunos com deficiência mo- tora melhoram muito com ganhos tanto nos aspectos físicos, quanto emocionais e sociais. O ambiente proporciona ganho de autonomia pela prática do remo e canoagem. A equipe estimula todas as poten- cialidades dos alunos e eles reagem com melhora da autoestima e da confiança. A idade varia entre 6 a 22 anos. É uma transição do ambiente hospitalar, pois elas continuam fa- zendo fisioterapia, só que de outra forma. As crianças com paralisia cerebral, por exemplo, fazem fisio- terapia desde bebês. Chega um mo- mento em que elas não aguentam mais. Fazendo remo, é diferente, elas ficam motivadas, e socialmente é muito bom. Infelizmente, há pou- quíssimas coisas para essas crian- ças. E mesmo a gente oferecendo, as pessoas têm muitas barreiras: transporte, desafios financeiros etc. A raia da USP é um oásis em São Paulo. As próprias famílias, quando chegam lá, sentem-se muito bem e aproveitam para fazer uma cami- nhada, tomar sol, faz muito bem. Ser – Como fazer para ser voluntário? Patricia – Em nosso site temos um pequeno banner para quem quer ser voluntário e um de captação, para a inscrição de crianças. A gente tem bannerzinho até de doação, porque a Lei de Incentivo Fiscal é muito engessada e nossas despesas são muito grandes: equipe, equipamen- tos, contador etc. Temos de fazer uma prestação de contas enorme. [1] No Instituto Remo meu Rumo, Patrícia conseguiu unir esporte e a Medicina [2]
  • 13. S E R M É D I C O • 1 1 Ser – Seus colegas médicos podem encaminhar pacientes? Patricia – Sim, podem. Sempre te- mos vagas, pois há uma grande ro- tatividade entre as crianças. Ser – Como se sentiu ao carregar a tocha olímpica na última Olimpíada? Patricia – Carreguei a tocha olím- pica, e meu marido carregou a to- cha paralímpica [nas olimpíadas realizadas no Brasil, em 2016]. Acho que, talvez, sejamos o único casal do mundo que tem as duas tochas, pois a gente a leva para casa. Fiquei muito emocionada, as crianças fo- ram lá ver... Foi muito bacana. Uma coisa que a gente fala sempre en- tre esportistas é que não importa o destino final, mas, sim o caminho, a trajetória. Treinei muito, gostaria de ter participado de uma Olimpíada, que é o símbolo maior do esporte, e sempre foi um alvo para mim. Mas o que importa é o que aconteceu na minha vida durante o período que tive esse sonho. Ser – Além de sua admirável tra- jetória como atleta, você tem um currículo muito bom na Medicina. Qual é sua prática médica atual? Patricia – Sou médica assistente na Ortopedia Pediátrica e na Neuro- -ortopedia do Instituto de Ortopedia da FMUSP. Completei meu doutora- do também. Tenho uma dedicação muito grande a este instituto, quase como uma missão. Gosto muito de trabalhar aqui. Ser – Como resumir a atuação na Medicina e no esporte em sua vida? Patricia – No meu caso, posso jun- tar as pontas da minha vida, porque você tem de juntar os pontos... Era muito engraçado, quando voltei a re- mar no Clube Pinheiros, falavam que eu era uma médica atleta. Eu dizia que era uma atleta médica. Então, sempre teve essa questão: sou uma atleta médica ou uma médica atle- ta? Hoje em dia, acho que não sou atleta mais. Sempre achei o esporte muito importante para a formação de uma pessoa. A Medicina é uma missão. E sou muito feliz de poder unir ambas atividades no Instituto Remo meu Rumo. Além de tudo, uni minha família, já que meu marido trabalha lá, e isso fortaleceu nossa relação. É uma união de alma. For- taleceu também nossos laços com alguns amigos, como o Cândido e a Ana Helena. Ser – E a maternidade, o que signi- ficou para você depois de toda essa trajetória? Patricia – Ser mãe é um grande privi- légio. Como ortopedista pediátrica, já tinha muito respeito pelas mães e pais. Sempre falo que, quando os pais entregam os filhos para serem levados ao centro cirúrgico, estão entregando o maior tesouro da vida deles nas minhas mãos. Então, é preciso um vínculo de confiança muito forte. Hoje, mais do que nun- ca, percebo a grande responsabili- dade de ser mãe e esse amor sem medida. O Artur, para mim e para o meu marido, é um presente. Ele vai conosco aos treinos da ONG desde bebê. Vai crescer ali, com as outras crianças, vendo a gente fazer esse trabalho. Temos certeza de que isto será uma influência muito positiva para a vida dele.  Colaborou: Arthur Codjaian Gutierres "Treinei muito, gostaria de ter participado de uma Olimpíada (...), mas o que importa é o que aconteceu na minha vida durante esse sonho" PARA CONTATAR O INSTITUTO REMO MEU RUMO: Site: www.remomeurumo.org.br Telefone: (11) 96606-7006 [1]BETO LIMA [2] OSMAR BUSTOS
  • 14. 1 2 • S E R M É D I C O C R Ô N I C A apresenta como esposa dele. Diz que havia acordado com o estra- nho barulho que seu marido fazia ao respirar e, percebendo-o de- sacordado, chamou a ambulância imediatamente. Expliquei os procedimentos realizados e voltei à sala. Uma to- mografia logo evidenciaria o que já prevíamos, um sangramento ocupava quase todo o hemisfério esquerdo do cérebro. A presença do neurocirurgião apenas con- firmou o que eu já esperava ou- vir – tentariam apenas passar um cateter para controlar a pressão intracraniana, mas acreditavam que o paciente já estava em morte encefálica. Antes de terminar mi- nhas 12 horas de plantão, tive de chamar novamente a moça assus- tada, para dar a notícia do óbito de seu marido. Dia seguinte, outro plantão, e lá estava a esposa do paciente do dia anterior me aguardando. Timidamente, explicou que havia conversado com a equipe de cap- tação de órgãos, pois sabia que seu marido gostaria de doá-los, mas, legalmente, não poderia as- sinar os termos, pois não era es- posa legítima. Seu marido ainda era casado, formalmente, com sua primeira esposa, com quem não tinha con- tato, nem com as filhas do primei- ro casamento. Porém, pediu um favor: seu filho, de nove anos, que- ria se despedir do pai antes do ve- lório. Sem titubear, autorizei. Em poucos minutos, chegou um garo- to lindo. Vamos chamá-lo de Davi. Apesar da tristeza, ele me disse que queria muito ver seu pai fora do caixão e, por isso, quis vir ao hospital. Com jeito manso, che- gou ao lado do leito do pai e con- versou com ele. Ninguém conse- guiu ouvir o que disse, mas toda a equipe da sala de emergência estava comovida. ra só mais um plantão como todos os outros, com a sala de emergência lotada e aquele caos organizado que só entende quem trabalha num PS. Chega mais uma ambulância e o auxiliar de enfermagem entra na sala empurrando a maca com um homem de meia idade aparente- mente desacordado. Ele é obeso, está sem camisa, e tem uma res- piração rápida e ruidosa. Imediatamente, a enfermeira faz a triagem e constata que o paciente está inconsciente. Vejo, de longe, alguém puxar o famoso “carrinho de parada”, e meu residente já se posicionar à cabeceira da maca. Com o atendimento sendo rea- lizado e, aparentemente, tudo sob controle, procuro algum acom- panhante que possa dar mais in- formações sobre aquele senhor. Logo encontro uma moça, alguns anos mais jovem que o pacien- te, extremamente agitada. Ela se A batalha do pequeno Davi contra os conflitos familiares Por Maria Camila Lunardi* E
  • 15. S E R M É D I C O • 1 3 Logo depois, disse-me que sua mãe havia lhe explicado que não poderiam doar os órgãos, mas que tinha contado ao pai que iria con- versar com suas irmãs mais velhas para pedir que assinassem o do- cumento. Perguntei se as conhe- cia e ele respondeu que não, mas iria pedir mesmo assim. Já havia se passado pouco mais de 24 horas do falecimento, e o curto prazo para a doação de ór- gãos já se aproximava do fim. A assistente social havia solicitado a presença da família “legítima”. Logo, chegaram duas moças, qua- se da mesma idade da esposa do falecido. Eram as filhas, que di- ziam ter tido pouco contato com o pai nos últimos anos. Enquanto lhes explicava os trâmites, percebia que, provavel- mente, aquele era o primeiro con- tato com a última família do pai. Em suas fisionomias, dava para perceber mágoas e ressentimen- tos, mas ao ver Davi ambas sorri- ram discretamente. Com sua maturidade dos nove anos, Davi apresentou-se às duas, e disse que sabia do desejo do pai de ser doador. E, pediu, então, com a meiguice de criança, que as duas conversassem com a mãe delas e solicitassem a autorização de doação. Acho que, neste momento, nem mesmo o porteiro que acompa- nhava de longe o diálogo, conse- guiu se conter. Os três irmãos se abraçaram, e elas disseram que trariam o documento preenchido. Nunca mais vi Davi, e sei que nem era este seu nome. Chamei- -o assim por ver a bravura de um menino tão pequeno frente ao Golias de todos aqueles confli- tos familiares. E Davi venceu sua batalha. Não sei se ele continuou vendo suas irmãs ou se aquele foi o único contato. Mas soube que, cerca de 48 horas depois, nove pacientes se beneficiaram com a doação dos órgãos de seu pai, além da doação de material gené- tico, também realizada. Meses depois, soube também que Davi recebeu uma carta em seu nome, agradecendo seu al- truísmo e amor ao próximo. Tal- vez existam poucos Davis, mas sei que um só valeu a pena para mui- tas pessoas.  * Supervisora do Programa de Residência Médica de Medicina de Emergência do Hospital Santa Marcelina e conselheira do Cremesp ILUSTRAÇÃO: JOÃO LIN
  • 16. 1 4 • S E R M É D I C O s origens da Acupuntura perdem-se no tempo. Evidências ar- queológicas permitem supor que a técnica era praticada na Ásia, mais especificamente na China, há mais de cinco mil anos. Na medicina tradicional chinesa (MTC), mestres antigos ensinavam ser a doença uma alteração das funções do corpo ou desgaste deste, provocado por fatores externos, como frio, calor, umidade, fatores emocionais, nutri- cionais ou envelhecimento. Por meio da MTC, seria possível a promoção da saúde. NA CHINA A história da MTC registra períodos em que a acupuntura atingiu um considerável desenvolvimento, assim como outros em que permaneceu estacionária. Durante a dinastia Tang (618-907 d.C.), ganhou grande des- taque, com a fundação do Colégio Imperial de Medicina, onde se forma- ram, oficialmente, os primeiros médicos acupunturistas. Aproximadamente duzentos anos após, durante a dinastia Song (960- 1279), foi construída uma estátua em bronze representando um homem – oca e de tamanho natural –, que continha, em seu interior, réplicas dos órgãos. Havia, na superfície, os pontos de acupuntura perfurados nos trajetos dos meridianos. Esse modelo, conhecido como “O Homem de Bronze”, era utilizado no ensino e treino dos estudantes. Para tanto, cobria-se a superfície deste com cera negra e enchia-se o modelo com água. O aluno deveria introduzir uma agulha, deixando verter a água, caso atingisse corretamente o ponto indicado. Esse inovador método de Por Hong Jin Pai*
  • 17. S E R M É D I C O • 1 5 ensino permitiu um considerável desenvolvimento da técnica. No decorrer de quase três sé- culos (1644 - 1911), registra-se o declínio paulatino da acupuntu- ra, que se inicia com a exclusão do seu ensino nas universidades. Simultaneamente, a influência da medicina ocidental amplia-se e acentua-se no século 19. Com a crescente aceitação da medicina ocidental no início do século 20, a acupuntura chegou a ser proibida, junto com outras formas de MTC. Após a instalação do governo comunista, em 1949, sua prática foi restabelecida, pos- sivelmente por motivos naciona- listas, mas também como o único meio de fornecer níveis básicos de saúde em massa à população. Institutos de pesquisa de MTC foram estabelecidos em toda a China, e o tratamento tornou-se disponível em departamentos separados, nos hospitais de esti- lo ocidental. No mesmo período, buscou-se uma explicação mais científica da Acupuntura, inician- do-se pesquisas inovadoras sobre a liberação de neurotransmisso- res, particularmente peptídeos opioides, por meio do tratamento. NO MUNDO A disseminação da Acupuntu- ra para outros países ocorreu em vários momentos e por diferentes rotas. No século 6, a Coreia e o Ja- pão assimilaram a prática da acu- puntura e as ervas chinesas em seus sistemas médicos. [1] [1] 4X-IMAGE/ISTOCK
  • 18. E D I T O R I A L 1 6 • S E R M É D I C O No Ocidente, a França adotou o tratamento antes de outros paí- ses. Os missionários jesuítas trou- xeram pela primeira vez relatos de acupuntura no século 16. Na pri- meira metade do século 19, houve uma onda de interesse na América e na Inglaterra, e publicações apa- receram na literatura científica, incluindo um editorial da Lancet intitulado "Acupunctura". Em 1971, um jornalista norte- -americano recebeu acupuntura durante a recuperação de uma apendicectomia de emergência na China, que ele estava visitando por ocasião da visita do presiden- te Richard Nixon. Ele descreveu a experiência no New York Times, o que gerou um aumento da curio- sidade do Ocidente em relação ao tratamento. A acupuntura, atin- giu seu atual nível de aceitabili- dade nos EUA quando uma con- ferência de consenso do National Institutes of Health (NIH) relatou, em 1997, que havia evidências po- sitivas de sua eficácia. NO BRASIL No Brasil, a Acupuntura foi considerada uma especialida- de médica pelo Conselho Fede- ral de Medicina (CFM) em 1995 e, pela Associação Médica Brasileira (AMB), em 1998, tendo sido rea- lizado logo após o primeiro con- curso para o Título de Especialis- ta, no qual mais de 800 médicos foram aprovados. Atualmente, há cerca de 3.600 médicos nessa es- pecialidade no País. Aos poucos, foram criados cer- ca de 50 cursos de especializa- ção em Acupuntura e 90 serviços de atendimento na rede pública, vinculados ao Sistema Único de Saúde (SUS), patrocinados pelas sociedades médicas ou ligados a hospitais universitários, nos Esta- dos brasileiros. ACUPUNTURA CONTEMPORÂNEA As teorias tradicionais da Acu- puntura foram contestadas no Ocidente. Conceitos antigos fo- ram substituídos por um modelo neurológico, baseado em evidên- cias de que as agulhas estimulam terminações nervosas e alteram a função cerebral, particularmente os mecanismos intrínsecos inibi- dores da dor. 3.000 a.c Suposto início da prática da acupuntura 618 − 907 d.C Fundação do Colégio Imperial de Medicina, na China, durante a dinastia Tang 960 − 1279 Durante a dinastia Song, é construída a estátua "Homem de Bronze", com pontos de acupuntura nos trajetos dos meridianos Séc 6 Coreia e Japão assimilam, no século 6, a acupuntura e as ervas chinesas em seus sistemas médicos Séc 16 No Ocidente, a França adota o tratamento antes de outros países. Missionários jesuítas apresentam relatos de acupuntura, pela primeira vez, no século 16 [1] [1] 4X-IMAGE/ISTOCK
  • 19. S E R M É D I C O • 1 7 Há várias teorias em relação aos mecanismos de ação, mas poucos dados válidos sobre quais deles são relevantes para a prática clí- nica. Evidência de eficácia clínica também é satisfatória para muitas patologias, como a dor crônica. Nos últimos anos, revisões siste- máticas forneceram evidências mais confiáveis do valor da acu- puntura no tratamento de náusea (de várias causas), dor orofacial, lombalgias e cefaleias. A crescente procura pela tera- pia de acupuntura é justificada, de um lado, pela credibilidade desta por parte da população e, de ou- tro, pelo desejo de melhor quali- dade de vida, porque o paciente, ao ser tratado com a acupuntura, registra melhora em vários aspec- tos e, praticamente, sem desagra- dáveis efeitos adversos. Entretanto, a quase totalidade dos pacientes desconhece o me- canismo de ação da acupuntura. Alguns só sabem um pouco de sua história, e, outros, que as agulhas são inseridas em alguns lugares do corpo, proporcionando resul- tados favoráveis. Alguns pacientes recebem as informações por meio de colegas ou de sites que, muitas vezes, limitam-se a divulgar notí- cias pouco científicas e que, em vez de esclarecer, acabam geran- do mais dúvidas. O progresso da acupuntura e da MTC tem sido constante e notável. Evidências científicas acumulam- -se acerca de sua eficácia, e a ex- plicação de seu mecanismo de ação está sendo buscada em muitos cen- tros médicos do mundo, incluindo hospitais universitários na China e em nosso próprio País. Para que se obtenham os melhores resultados, a tendência é, de fato, a inclusão da acupuntura na especialidade do médico, como, por exemplo, a acu- puntura aplicada à pediatria, à or- topedia, à ginecologia, e assim por diante. É fundamental a associação dos conceitos da MTC com os da Medicina Ocidental, potencializan- do assim os resultados positivos al- mejados pelos pacientes.  Médico voluntário de Acupuntura do Centro de Dor da Neurologia do HC- FMUSP, professor colaborador do Instituto de Ortopedia e Traumatologia do HC- FMUSP, e Prof. pelo World Federation of Chinese Medicine Societies 1644 − 1911 Entre 1644 e 1911, há um declínio paulatino da acupuntura, simultaneamente à influência da Medicina Ocidental 1971 Em 1971, aumenta a curiosidade do Ocidente em relação à prática, depois que um jornalista norte-americano publicou um artigo, após ter recebido acupuntura, na China 1995− 1998 No Brasil, a Acupuntura é considerada especialidade médica pelo Conselho Federal de Medicina (CFM) em 1995 e, pela Associação Médica Brasileira (AMB), em 1998 Séc 21 Nos últimos anos, revisões sistemáticas fornecem evidências do valor da Acupuntura em alguns tratamentos 1949 Com a instalação do governo comunista, em 1949, na China, a prática da acupuntura é restabelecida 1997 Conferência do National Institutes of Health (NIH), nos Estados Unidos, relata, em 1997, evidências positivas da eficácia da prática para certas patologias [2] [3] [2] COMMITTEE OF CONCERNED ASIAN SCHOLARS, 1971 [3] MATÉRIA DO JORNALISTA JAMES RESTON NO NEW YORK TIMES EM 26/06/1971
  • 20. E D I T O R I A L 1 8 • S E R M É D I C O im, vou ser cardiologista. Tive certeza disso já no primeiro ano da Faculdade de Medicina, quando cursei a disciplina de Biofísica. Depois de muitos anos atuando nessa especialidade, em um típico dia de consultas fui desafiada por um paciente renal crônico a lhe dar uma alternativa para as dores de joelho (artrose), uma vez que o tinha orientado a não fazer uso de antiinflamatórios: “doutora, então me receite um medicamento que tenha a mesma eficácia, e que não piore meu quadro renal”, disse ele. Confesso que, até então, minha visão médica era muito cartesiana. Naquele mesmo dia, iniciei uma pesquisa sobre dor que me levou à Acupuntura. Fiquei realmente curiosa com o que lia a respeito da especialidade, pois não acreditava que pudessem existir tratamentos diferentes daqueles que a universidade me ensinara. Às leituras somaram-se o encontro com pessoas que também estudavam o assunto, além de uma pesquisa veiculada pela Organização Mundial de Saúde (OMS) sobre o tema, na qual descobri a lista de algumas doenças que poderiam ser tratadas com a Acupuntura. Hoje, entendo ser possível acrescentar a ela muitas outras doenças. Julgo ser coincidência receber, dias depois, uma revista médica que fazia propaganda de cursos de Acupuntura para médicos já formados. Interessei-me por um que achei mais adequado às minhas expectativas. Foi, então, que as dificuldades começaram. Durante os dois anos de curso, eu exercia minha especialidade no consultório cardiológico, enquanto estudava conceitos extremamente abstra- tos na minha restrita visão médica. Entretanto, quanto mais me aprofundava no assunto, mais fascinada eu ficava pela Medicina Oriental. Até, finalmente, entender que as medicinas, oriental e ocidental, complementam-se, ampliando muito minha visão sobre a profissão médica. Hoje, digo, com certeza, que, ao utilizar as duas abordagens no tratamento de um mesmo pa- ciente, tenho a oportunidade de levar alternativas adicionais que elevam o potencial de melhora mais rapidamente e com menos uso de medicamentos e, assim, com menos efeitos colaterais.  *Médica cardiologista, especialista em Medicina Tradicional Chinesa e Acupuntura pelo Colégio Médico de Acupuntura e Associação Médica Brasileira, voluntária do ambulatório de Acupuntura do Departamento de Neurologia do HCFMUSP, e conselheira do Cremesp S Por Eliane Aboud*
  • 21. S E R M É D I C O • 1 9 P r i n c i p a i s indicacões da especialidade Historicamente, a Acupuntura está vinculada ao tratamento de pato- logias dolorosas. Porém, vem crescendo muito a integração com outras especialidades médicas, como a Ginecologia e Obstetrícia, cujas princi- pais contribuições são também referentes a casos de dor, como a disme- norreia primária, a endometriose e a dor pélvica crônica. Ultimamente, o grande avanço é o tratamento de sintomas climatéricos. Apesar de ser um estado fisiológico da mulher, o período climatérico apresenta diversas sintomatologias que causam desconforto e queixas das pacientes. Estes sintomas já eram conhecidos desde a China antiga Ginecologia e Obstetrícia Por Luciano Ricardo Curuci de Souza* − [1]ANDREYPOPOV/ISTOCK [1]
  • 22. E D I T O R I A L 2 0 • S E R M É D I C O e descritos em livros, como o clássico Princípios de Medicina interna do Imperador Amarelo. Escrito há mais de 4.000 anos, ele trata de uma conversa do Im- perador Amarelo, Huang Di, com seu médico, a res- peito de doenças e seus tratamentos. O livro é dividido em duas partes, Su Wen e Ling Shu, ambas com 81 capítulos. Na Ling Shu, é descri- ta a evolução fisiológica da mulher, com ciclos de maturidade de sete em sete anos. A descrição con- fere, exatamente, com os ensinamentos modernos do climatério. Aos 35 anos, (7x5) a mulher começa a apresentar secura facial e os cabelos começam a ficar mais fracos. Aos 42 anos (6x7) o rosto das mulheres começa a enrugar e os cabelos começam a se tornar esbranquiçados. Aos 49 anos (7x7), a aparência física está prejudicada e a mulher não pode mais ter filhos. Em relação às definições modernas do climatério, pode-se fazer analogia com a perimenopausa inicial, aos 35 anos, quando iniciam-se as queixas de defi- ciência estrogênica, progestogênica e androgênica, com secura de pele e ciclos menstruais irregulares. Dos 45 aos 55 anos anos, temos a perimenopau- sa intermediária, com atrofia cutânea e de mucosa vaginal, amenorreia e cabelos esbranquiçados. E fi- nalmente temos a menopausa, por volta dos 49 anos, quando os ciclos menstruais cessam e a vida fértil da mulher se encerra. A acupuntura vem sendo utilizada como grande adjuvante no tratamento climatérico, principalmente no combate às crises de fogachos e sintomas vaso- motores, para as pacientes com histórico de câncer de mama, ou apenas nos casos de fator de risco fami- liar em que a terapia hormonal estrogênica está con- traindicada de forma absoluta ou relativa. Estudos modernos indicam que, quanto mais cri- ses de ondas de calor a mulher apresenta, maior será a chance de Doença de Alzheimer no futuro, devido à desnaturação de acetilcolina e diminuição de suas ações no hipocampo. Porém, uma área cerebral pode ser ativada, inicial- mente, após a estimulação de um acuponto. Os ór- gãos-alvos respondem à estimulação da acupuntura por meio do sistema regulador neuroendócrino-hu- moral. Este padrão regulador pode explicar o fenô- meno de múltiplos alvos, múltiplas vias e regulação sistemática da acupuntura para Doença de Alzheimer. Evidências de ensaios clínicos randomizados apoiam o uso da acupuntura como um tratamento adjuvante ou autônomo para reduzir sintomas vaso motores, insônia, labilidade afetiva, nervosismo, ver- tigens e fraqueza, que acompanham o climatério, e, assim, melhorar os resultados de qualidade de vida. Outro grande avanço encontra-se no campo da re- produção humana. Em 2002, Wolfgang Paulus publi- cou o resultado de seus estudos, demonstrando que a utilização da acupuntura, em casos de fertilização assistida, dobra a chance de sucesso de uma gravi- dez. Atualmente, utilizamos o que chamamos de Pro- tocolo de Paulus Modificado, para auxiliar os médicos fertileutas em um maior sucesso terapêutico. Dentro da Obstetrícia, a acupuntura é, habitual- mente, utilizada em casos de náuseas e vômitos do primeiro trimestre de gestação, diminuindo, inclusi- ve, o número de internações hospitalares nos casos de hiperêmese gravídica. [1] [1] WAVEBREAKMEDIA/ISTOCK
  • 23. S E R M É D I C O • 2 1 Em 1936, Walter Cannon, eminente fisiologis- ta americano, postulou o conceito de homeostase, como a constante busca, pelo organismo, de seu equilíbrio interno, sendo fundamental para a realiza- ção dos processos fisiológicos. As doenças físicas ou psíquicas seriam, assim, con- sequências de desajustes nos processos fisiológicos relacionados à perda da homeostase. Em 1959, o endocrinologista Hans Selye definiu o conceito de estresse. Os autores brasileiros Mello Fi- lho e Diniz Moreira, em 1992, revisando o conceito, definiram estresse como "um conjunto de reações e estímulos, físicos, psíquicos ou sociais, que causam distúrbios no equilíbrio do organismo, frequente- mente com efeitos danosos." As inadequações alimentares e dos hábitos de vida, a sobrecarga de trabalho, a insegurança social e política, o excesso de informações e o isolamento social são exemplos de fatores estressantes. Mesmo situações prazerosas, como a promoção no trabalho, viagens, relacionamentos amorosos, nascimento de filhos ou netos, aposentadoria, podem causar dese- Transtornos Mentais Por Luiz Carlos Sampaio* Também podemos empregar a acupuntura em demais patologias e sintomas que acompanham a ges- tante durante a evolução da gravi- dez, com o intuito de diminuirmos a utilização de medicações analgé- sicas e antiinflamatórias, que po- dem prejudicar o binômio mãe-fe- to. Dessa forma, podemos recorrer a um tratamento conjunto nos episódios de lombalgias e dores abdominais em gestantes, além de auxiliar nos casos de constipação intestinal, tão comuns em nossas pacientes obstétricas. Durante a fase final da gesta- ção, a acupuntura pode, também, ser empregada com segurança na indução e na condução do tra- balho de parto, além de permitir uma analgesia de parto menos invasiva e com menor quantidade de fármacos. Outra situação em que a acu- puntura tem demonstrado suces- so é na versão fetal, na qual o feto em apresentação pélvica após 34 semanas de gestação consegue se posicionar para uma apresentação cefálica, propiciando um parto normal a termo e diminuindo a in- cidência de cesáreas pela indica- ção de variação de posição fetal.  *Médico ginecologista e acupunturista, e diretor de Co- municação do Colégio Médico de Acupuntura do Estado de São Paulo [2] [2] ROBEDERO/ISTOCK
  • 24. E D I T O R I A L 2 2 • S E R M É D I C O quilíbrio emocional e desenca- dear sintomas e doenças, dentre eles a insônia, os transtornos de ansiedade e a depressão. Há mais de 2000 anos, os médi- cos chineses, por meio de obser- vações minuciosas, chegaram às mesmas conclusões que os cien- tistas modernos. Afirmaram que a doença se instala no organismo quando temos um desequilíbrio entre o yin e o yang. Yin e yang – termos topográfi- cos, onde yang se refere ao lado iluminado da montanha e yin, o lado escuro – foram apropriados pela filosofia taoista e, a partir de generalizações e analogias, passaram a representar os lados opostos de todos os fenômenos que ocorrem na natureza. No ser humano, o par yin/yang corresponde a várias característi- cas, tais como as atividades fisioló- gicas ao yang, enquanto as estru- turas ao yin. Por exemplo, no caso dos hormônios: a melatonina, liga- da ao sono e repouso, é relaciona- da ao yin; o cortisol, vinculado à atividade, ao yang. As funções do sistema nervoso autônomo simpá- tico têm característica yang, en- quanto as do parassimpático, yin. Para a medicina chinesa, os mesmos fatores relacionados ao conceito moderno de estresse são responsáveis pela quebra da homeostase entre o yin e o yang, conduzindo ao aparecimento de sintomas e doenças. O tratamento por acupuntura, na insônia, nos transtornos de ansiedade ou depressivos, têm como objetivo reequilibrar o yin/ yang, devolvendo ao organismo sua condição de homeostase. Estudos atuais demonstram que o tratamento por acupuntura re- gula as funções do sistema simpá- tico, que é hiperativo nas situações de estresse, com a consequente li- beração de noradrenalina, respon- sável pelos sintomas vivenciados nos transtornos de ansiedade. O ciclo vigília/sono também pode ser entendido como par yang/yin, e seu desequilíbrio como causa de insônia inicial, in- termediária ou final. A pesquisa básica em Acupuntu- ra demonstrou a liberação de neu- rotransmissores, como endorfinas e serotonina, fundamentais no tra- tamento da ansiedade e depressão. Não se deve esquecer, entre- tanto, de dois elementos funda- mentais dos chamados trans- tornos mentais: a reorganização psíquica que fundamentará as mudanças de hábitos inadequa- dos de vida; e a relação médico/ paciente, em que o olhar do médi- co deve estar dirigido, principal- mente, ao paciente, e não à doen- ça, que se está tratando.  *Médico psiquiatra e acupunturista, e diretor de Defesa do Paciente do Colégio Médico Brasileiro de Acupuntura e do Colégio Médico de Acupuntura do Estado de São Paulo
  • 25. S E R M É D I C O • 2 3 No Brasil e em todo o mundo, inclusive na China, a Acupuntura tem sido uma ferramenta importante e cada vez mais usada no tratamento da dor musculoesquelética. Especialmente nas condições crônicas, em que os próprios pacientes buscam uma terapêutica menos farmacológica. De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), a Acupun- tura apresenta eficácia no tratamento da lombalgia crônica, cervicalgia crônica, osteoartrite de joelhos, periartralgia dos ombros, epicondilite lateral e dor pós-operatória. No Centro de Acupuntura do Instituto de Ortopedia e Traumatolo- gia do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo, por exemplo, mais de 90% dos atendimentos estão concentrados nas dores crônicas da cintura pélvica (lombalgias, lombociatalgias, síndrome do piriforme, tendinite do glúteo médio), escapular (cervicalgias, cervicobraquialgias, tendinites do ombro, capsulite adesiva) e articulações de carga (osteo- artrite de quadril e joelho, e fascite plantar). Os pacientes encaminhados para o nosso setor recebem em média de 7 a 10 sessões semanais, com duração entre 20 a 40 minutos. Em algumas situações, cujos sintomas são mais agudos e/ou intensos, podemos oferecer o tratamento com frequência maior (dias intercala- dos, por exemplo), sempre após a realização de um diagnóstico preciso, afastando, assim, as chamadas "bandeiras vermelhas" (red flags). De modo geral, é importante o afastamento de doenças infecciosas, isquêmicas, traumáticas e oncológicas que necessitem de um tratamento específico. Os mecanismos envolvidos na analgesia pela Acupuntura ainda não es- tão totalmente esclarecidos, mas sabemos que seu estímulo tem efeito neuromodulatório ao nível do cor- no posterior da medula espinhal (CPME), bem como em diversas áreas do Sistema Nervoso Central (SNC), como o córtex frontal e o sistema límbico, ativando o meca- nismo supressor da dor. Outro provável mecanismo en- volvido na diminuição da dor é a inativação de pontos-gatilhos (mio- fasciais) ou Trigger Points (TrP), ca- racterística da Síndrome Dolorosa Miofascial (SDM), e que estão pre- sentes na grande maioria dos casos de dor ortopédica, sejam elas agu- das ou crônicas, sendo responsá- vel muitas vezes pela perpetuação da dor de nossos pacientes. Frente a esse fato, usamos a acupuntura para duas finalidades: - Auxílio no diagnóstico dife- rencial, nas cervicobraquialgias ou lombociatalgias, nas quais, algu- mas vezes, o padrão de dor irradia- da de um Trigger Point (TrP) pode mimetizar uma radiculopatia. - Complemento ao tratamento conservador, tendo em vista a alta eficácianotratamentodador,pos- sibilitando uma reabilitação mais rápida e eficiente dos pacientes.  * Médico ortopedista e acupunturista, presidente do Co- légio Médico de Acupuntura de São Paulo, ex-presidente da Comissão de Dor da SBOT e vice- supervisor do Pro- grama de Residência Médica em Acupuntura do Hospital das Clínicas da FMUSP Dores musculoesquelética Por André Wan Wen Tsai* [1] LORENZOANTONUCCI/ISTOCK [1]
  • 26. E D I T O R I A L Por Ricardo Morad Bassetto* 2 4 • S E R M É D I C O [1]
  • 27. xistem versões contra- ditórias sobre a prática da especialidade médi- ca chamada, no mundo ocidental, de Acupuntura, com justificativas diversas para dife- rentes intentos. Em sua origem, na China, a prática recebe o nome ZhenJiu, cujo significado é “agu- lha e moxa”, descrevendo a área da Medicina Tradicional Chinesa (MTC) que usa estímulos, intro- dução de agulhas ou aquecimento de pontos em regiões do corpo para tratamento de doentes, con- trole de doenças ou alívio de sin- tomas. Esse sistema clínico/terapêu- tico desenvolveu-se, e vem se desenvolvendo, na China e, pos- teriormente, em todo o mundo, por meio de escolas. Inicialmente, a bem da verdade, por relação di- reta mestre-discípulo. O objetivo foi, e continua sendo, desenvolver o entendimento das enfermida- des e dos doentes – conhecimen- to e descrição das doenças e do estado dos doentes, fisiopatologia e diagnóstico –, além, obviamen- te, da expertise na forma de usar os métodos de estímulo (agulhas, moxa, ventosas etc), evoluindo continuamente até hoje, com o objetivo de criar competências específicas para o exercício da especialidade. Podemos inferir que as com- petências que condicionam dire- tamente a eficácia e a segurança do método são resultado da soma dos conhecimentos originais – todos gerados pela observação, estudo e pesquisa, ao longo de mais de 2.500 anos de história da prática na Medicina. Mas, afinal, quais controvér- sias podem decorrer da análise de risco na prática da Acupuntura por profissionais sem formação médica? O tema é bastante sen- sível, sobretudo para aqueles que buscam ou recebem indicação de tratamento por essa especialida- de, mas também para todos que, porventura, tenham necessidade de atendimento médico. O senso comum enxerga facil- mente os riscos na prática de um método invasivo, como a introdu- ção de agulhas em várias regiões do corpo, por profissionais que não desenvolveram as compe- tências para fazê-lo. Entende a possibilidade de lesão em alguma estrutura importante do organis- mo humano, com potencial de ge- rar dor, sequelas ou até mesmo a morte. O medo, que não é infun- dado, é superado, muitas vezes, com informações e alguma lógi- ca, que consideram profissionais da área de saúde – não médicos, com conhecimento de anatomia e treinamento no manuseio tera- pêutico de instrumentos perfuro- cortantes –, competentes para a aplicação da Acupuntura. Em outras circunstâncias, o medo pode nem existir, por ab- soluto desconhecimento dos ris- cos, dirimido por teorias com bem menos lógica, segundo as quais a acupuntura é um método que lida com “energias” e que esse "saber" é suficiente para usar as tais agu- lhas, ou, ainda, que a anatomia e expertise necessárias para aplica- ção da acupuntura aprende-se fa- cilmente em cursos notoriamente limitados em extensão e profun- didade desses conteúdos. Estão no cerne dessa discus- são as questões envolvidas no reconhecimento das compe- tências específicas necessárias para o exercício de cada ativida- de profissional. No âmbito das profissões pertencentes à área de saúde, mas não só nelas, es- sas competências são definidas, na formação, pelos conteúdos e treinamentos desenvolvidos, com E S E R M É D I C O • 2 5[1] MICROGEN/ISTOCK
  • 28. E D I T O R I A L carga horária suficiente para o aprendizado e domínio técnico do saber imprescindível para eficácia e segurança. Estes são os parâ- metros principais que norteiam as leis que regem as práticas per- mitidas por cada área profissio- nal. Dessa forma, por não terem a formação específica, já na origem, é vetado a algumas profissões da área de saúde o uso de métodos invasivos, com agulhas ou outros instrumentos, para tratamento. Em outro segmento, encon- tram-se aqueles que não possuem qualquer formação relacionada à área de saúde. Alguns até desen- volveram, ao longo de suas vidas, competências para os mais di- versos ofícios, mas nenhuma que os prepare para tratar doentes e abordar doenças, excetuando, talvez, alguma informação em cursos com base curricular in- completa, que desprezam os co- nhecimentos mínimos obrigató- rios para a prática de qualquer ato médico, seja oriundo das medici- nas chamadas tradicionais, como é o caso da Acupuntura, seja no contexto da Medicina contempo- rânea, fundamentada pela ciência reconhecida e testada em todo o planeta. Na China, essa é uma especia- lidade que faz parte da chama- da Medicina Tradicional Chinesa (MTC), que forma médicos espe- cialistas com competência para tratar doentes e compreender as doenças, incorporando os funda- mentos da ciência médica con- temporânea aos sólidos conheci- mentos tradicionais, garantindo segurança, diminuição de riscos e aumento da eficiência do método. Não se formam médicos em cur- sos com programas restritos, sem garantias de desenvolvimento das tais competências necessárias para o exercício da medicina. QUAIS OS RISCOS? Se existem profissões da área de saúde, não médicas, que de- senvolvem competências relativas ao conhecimento do corpo huma- no e seu funcionamento (anato- mia e fisiologia), assim como do uso e manuseio de instrumentos perfurocortantes, qual o risco que pode decorrer da prática da acu- puntura por esses profissionais? A Medicina é a área de conhe- cimento, portanto Ciência, que se ocupa dos doentes, das doenças e suas interrelações. A origem, desenvolvimento e evolução das doenças, bem como os estados possíveis na relação humana com a condição de patologia (patolo- gia, fisiopatologia, diagnóstico, prognóstico e formas possíveis de tratamento) são saberes obriga- tórios exigidos exclusivamente na formação e exercício profissional em apenas três áreas de saúde: Medicina humana, Medicina ve- terinária e Odontologia, cada qual relacionada a sua área específica de atuação. Apenas a formação nessas três áreas da saúde garante as compe- tências para diagnosticar e tratar 2 6 • S E R M É D I C O [1] KOKOUU/ISTOCK [1]
  • 29. doentes e/ou doenças utilizando agulhas ou outros instrumentos. Conhecimentos extensos da ana- tomia, fisiologia, fisiopatologia, patologia, propedêutica, diagnós- tico e terapêutica são quesitos obrigatórios que, se ignorados, podem transformar a arte e a ciên- cia de tratar doentes e doenças em crime. Ou seja, precisamos conhecer possibilidades, limites e riscos em cada prática. Todavia, não seria completa esta discussão se deixássemos de abordar o necessário aprendiza- do, pelo especialista em Acupun- tura, dos conceitos originais da MTC, cujo arcabouço fundamen- tal data, aproximadamente, do século 6 a.C., contextualizando e contemporizando-os. A MTC é ciência empírica, nas- cida e desenvolvida pela observa- ção dos fatos. Observação do meio em que vivemos e suas relações intrínsecas, do ser humano em estado de saúde ou enfermo (diag- nóstico dos “padrões de adoeci- mento” ou “síndromes da MTC”) e das doenças que, por suas carac- terísticas peculiares, recebiam nomes (diagnóstico das doenças– diagnóstico nosológico). A pecu- liaridade dessa ciência tradicional se encontra na forma de descrever o que foi e continua sendo obser- vado, utilizando linguagem simbó- lica e analógica, condicionada por conceitos filosóficos oriundos do confucionismo e do taoismo. Contudo, é importante salien- tar que a MTC não se desenvol- veu fundamentada na observação de fatos e objetos misteriosos ou místicos relacionados a questões sobrenaturais. Os objetos de observação, o homem no meio ambiente e suas relações intrínsecas, a saúde e a doença são os fatos objetivos que continuamos a observar, estudan- do e testando em nossas pesqui- sas, ainda hoje. Portanto, a ciência médica atual não se contrapõe, mas acrescenta e aprofunda o en- tendimento original, estabelecen- do balizas seguras para a eficácia, gerenciamento de riscos e evolu- ção do saber. Historicamente, os textos anti- gos consideravam pouco mais de 200 nomes de doenças conheci- das parcialmente. Atualmente, o conhecimento das doenças é ex- tenso e complexo, além de con- tinuar avançando, diariamente, nos centros de pesquisa e univer- sidades. A MTC desenvolveu-se, principalmente, na compreensão peculiar dos modos de adoecer de cada paciente, mas incorpora pro- gressivamente a compreensão das doenças de forma mais profunda. Na prática atual de atos médi- cos, que necessariamente envol- vem o estudo e a compreensão da doença e do doente, para pos- terior instituição de um procedi- mento ou orientação terapêuti- ca – cujos resultados biológicos sejam minimamente previsíveis e compatíveis com o que está se tratando –, não cabem fundamen- tações baseadas em crença ou no desconhecimento do objeto de estudo, seja no que tange ao ser humano, seja no que se refere aos métodos de tratá-lo. Este rigor é fundamental para que possamos diferenciar e destacar riscos e possibilidades. * Médico especialista em Clínica Médica e Acupuntura, com certificado de área de atuação em Dor, e mestre em Ciências da Saúde (Unifesp) S E R M É D I C O • 2 7
  • 30. 2 8 • S E R M É D I C O National Institute of Health (NIH) dos Es- tados Unidos divulgou um consenso, em 1997, afirmando que “há evidências suficientes sobre o valor da Acu- puntura para expandir seu uso na medicina convencional e encora- jar novos estudos que corrobo- rem seu valor fisiológico e clíni- co”. Segundo o NIH, sua eficácia Por Marcus Pai * e segurança para a maioria das patologias apresentaram resulta- dos promissores, que devem ser vistos, no entanto, com ressalvas, uma vez que o número de pesqui- sas com metodologias sólidas era relativamente baixo. Desde então, o campo da pes- quisa em Acupuntura se expandiu significativamente. Uma ampla gama de estudos de pesquisa bá- O [1]
  • 31. S E R M É D I C O • 2 9 sica identificou numerosos com- postos bioquímicos e correlatos fisiológicos da acupuntura. Novos ensaios clínicos randomizados com maior qualidade vêm sendo realizados e publicados em revis- tas de maior impacto como a JAMA e Archives of Internal Medicine. Estudos de revisão sistemática do Instituto Cochrane, com milhares de pacientes, foram publicados, encontrando resultados modera- damente superiores da acupuntu- ra em relação ao placebo no trata- mento de diversas dores crônicas. • Estudos de neuroimagem Um avanço nos últimos anos para a pesquisa na Acupuntura – que permitiu, inclusive, uma revo- lução na maneira de entender o mecanismo de ação nas ativida- des funcionais neurais, bem como uma ferramenta para aferir mais objetivamente os ganhos atra- vés dela –, foi o da tecnologia de neuroimagem não invasiva, como a tomografia por emissão de pó- sitrons, ressonância magnética funcional, além de outros exames como a termografia. Por meio desses exames, constatou-se que a acupuntura pode causar mu- danças de atividades em diferen- tes áreas funcionais cerebrais. Muitos estudos de imagem ana- lisam o mecanismo por trás do processamento da dor. Uma série de áreas corticais demonstrou es- tar envolvida, como o córtex so- matossensorial primário, a ínsula, e o córtex pré-frontal. Viu-se que a acupuntura parece modular a ati- vidade cerebral em muitas dessas regiões, se comparada a um tra- tamento sham, uma vez que ficou demonstrada que ela mobiliza uma rede límbico-paralímbico-neocor- tical em múltiplos níveis. • Marcadores biológicos A acu- puntura pode afetar a síntese, liberação e ação de vários neuro- transmissores (como serotonina, dopamina, acetilcolina) e neuro- peptídeos (como ocitocina, cole- cistocinina, substância P) no sis- tema nervoso central e periférico. Porém, os resultados de literatura nas alterações dos neurotrans- missores e neuropeptídeos são muito variáveis, podendo, inclu- sive ser influenciados por dife- rentes doenças ou parâmetros de agulhamento. • Eletroneuromiografia Um ar- tigo recente publicado na Brain encontrou evidências de que a acupuntura poderia melhorar pa- râmetros da neurofisiologia do nervo mediano, como a veloci- dade de condução, evidenciados pela eletroneuromiografia, bem como a representação cortical, constatados na ressonância fun- cional, e que havia uma correlação positiva na melhora sintomática a longo prazo desses parâmetros. • Termografia A termografia per- mite a medição dos perfis de tem- peratura da superfície da pele, através do contato direto das sondas com a mesma, sem estres- se. Após agulhamento, observa-se diminuição significativa na tem- peratura da superfície, que pode ser explicada pela ativação do sistema nervoso simpático e con- sequente vasoconstrição causada pela dor local. CONCLUSÃO A avaliação neurofisiológica e neurobiológicas da acupuntura, por meio do avanço das tecno- logias, revolucionou a pesquisa científica na área, permitindo en- tender os seus diferentes efeitos no cérebro e sistema nervoso pe- riférico à luz da medicina baseada em evidências. Os resultados são promissores, mas ainda há incer- tezas sobre a especificidade de seus efeitos.  *Médico especialista em Fisiatria e Acupuntura, área de atuação em Dor pela Associação Médica Brasileira, e co- laborador do Grupo de Dor do HC-FMUSP [1] POPARTIC/ISTOCK
  • 32. 3 0 • S E R M É D I C O T E C N O LO G I A Os algoritmos e a Medicina da próxima década Por Júlio César Barbour* o primeiro ano do curso médico, as aulas de pro- pedêutica nos ensinam a arte de curar. Mas a Medicina também é ciência, e, ao longo da formação, muito conteúdo nos é passado. Ao final do sexto ano, a quantidade de temas é imensa, impossível para um só cérebro. E se pudéssemos ampliar nossa ca- pacidade cognitiva com ajuda de alguma ferramenta externa? Mui- tos médicos ao redor do mundo já se convenceram de que existe uma maneira "artificial" de fazer isso, com o uso de algoritmos de aprendizado de máquina – ma- chine learning. Assim, o médico conseguirá melhorar sua acurácia diagnóstica e terapêutica, e au- mentar sua eficiência. A Medicina da próxima década nos apresenta grandes desafios; conseguir aproveitar a imensa quantidade de dados gerados no contexto médico – real-world data –, para fazer medicina personali- N zada com algoritmos que proces- sam milhões de informações em tempo real e classificam cada pa- ciente, levando-se em conta todo o universo de evidência médica. O modelo data-driven, que vem re- volucionando diversos setores da economia nos últimos anos, com a chamada revolução 4.0, está co- meçando a provar o seu valor em áreas mais resistentes a mudan- ças, como a Educação e a Medici- na. A inteligência artificial é a nova eletricidade. Contudo, muitas das iniciativas que envolvem inteligência arti- ficial e Medicina são conduzidas por pessoas sem formação na área médica. Em consequência, muitas das reportagens, artigos científicos e healthtechs não se aprofundam adequadamente nas questões médicas, pois só enxer- gam a face ciência da Medicina. Porém, a ciência médica enquan- to arte não pode ser ensinada a um computador. É preciso vivê-la nas enfermarias, nos consultó- rios, nos prontos-socorros, nas salas cirúrgicas. Ter bons médi- cos envolvidos nessas iniciativas é essencial para gerar bons frutos. A discussão da utilização des- ses algoritmos já é realidade nos Estados Unidos. O Food and Drug Administration (FDA) tem regras para regulamentá-los e diversos já foram aprovados. Um deles au- xilia o médico no diagnóstico de hemorragia intracraniana agu- da em imagens de tomografia de crânio. Outro exemplo é um al- goritmo que faz o diagnóstico de retinopatia diabética. O estudo clínico para sua aprovação contou com mais de 800 pacientes e ob- teve uma sensibilidade de 87% e especificidade de 91%. A telemedicina já é amplamente discutida na comunidade médica, e a busca por regularização está em fase avançada. Esse passo é importante também para aplica- ção de inteligência artificial na
  • 33. S E R M É D I C O • 3 1 Medicina, pois os avanços têm de estar alinhados com os princípios éticos e morais da profissão. Qualquer cientista de dados está apto a construir um algoritmo para fazer recomendações médicas. Mas quais são os desdobramentos das fragilidades desses algoritmos na vida real? Quem fez o algoritmo conhece a fundo as variáveis que estão no modelo? Profissionais da área médica que tenham interesse e vontade em se especializar nas áreas de estatística, programação e machine learning serão profissio- nais essenciais na próxima década. Os médicos serão substituídos pelos robôs inteligentes? O pa- pel de médico jamais poderá ser substituído integralmente por uma máquina, dada a complexida- de e importância da relação mé- dico-paciente. É claro que, com a otimização de seu trabalho, o que era feito por dois médicos poderá ser realizado por apenas um. Isso poderá, sim, ter um impacto na demanda de trabalho para esses profissionais, mas, consideran- do os altos índices de burnout na profissão e a insuficiência de ser- viços médicos em diversas regi- ões do País, uma reestruturação nesse sentido pode trazer mais saúde para médicos e pacientes. Na próxima década, todo o po- tencial de transformação que a inteligência artificial pode trazer para a Medicina será posto à prova. Há grande risco de muitos dos al- goritmos não terem o impacto que tanto se fala. Porém, considerando a complexidade dos desafios e o potencial de melhoria, é essencial que os médicos se comprometam a entender um pouco mais sobre o assunto e participem ativamente dos estudos e das discussões para sua implantação. É uma ferramen- ta com muito potencial e, se bem usada, pode nos ajudar a superar os desafios do alto custo em saú- de, manejo das doenças crônicas, tratamento de doenças raras e, até mesmo, no combate ao câncer.  *Bacharel em Física pela Unicamp, médico pela Facul- dade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo, Head de Saúde da Semantix [1] [1] METAMORWORKS/ISTOCK
  • 34. 3 2 • S E R M É D I C O M E D I C I N A N O M U N D O DA TRADICIONAL MEDICINA CHINESA AO NOBEL A malária continua foco de preocupação por parte da Organização Mundial da Saúde (OMS), que registra cerca de 200 milhões de novos casos por ano, em especial, na África. No Brasil, foram quase 200 mil em 2018, a maioria na região Norte. A apreensão, no entanto, não se dá pela proliferação do parasita ou de novas epidemias, mas por estagnação das iniciativas de controle da doença nas últimas décadas. Justiça seja feita: não fosse pela contenção do vetor (mosquitos Anopheles) e o desenvolvimento da artemisinina e seus derivados para tratar a malária resistente à cloroquina, nos anos sessenta, milhões de vidas seriam perdidas. O uso da artemisinina foi ainda mais longe, tornando-se uma “ponte” entre a tradicional medicina chinesa e a ocidental, tão incontestável que mereceu o Nobel de Fisiologia ou Medicina em 2015. Extraída da Artemisia annua, conhecida também como “doce absinto” e Qing Hao, em chinês, essa erva medicinal foi documentada pelos chineses em 340 a.C. como “tratamento para febres sazonais”. Portanto, há séculos já se percebia a eficácia da planta contra o Plasmodium, porém, os resultados eram inconsistentes. Tal mérito coube à cientista Youyou Tu e seu grupo da Universidade Médica de Pequim, que conseguiram isolar o princípio ativo da artemisinina, demonstrando sua eficiência em animais e humanos. O início: durante a guerra entre a República Democrática do Vietnã (Vietnã do Norte, socialista) e a então República do Vietnã (Vietnã do Sul, capitalista), entre 1955 e 1975, o governo da primeira pediu a um de seus aliados, a China, que fornecesse drogas antimaláricas como parte do projeto secreto denominado “523”. Propósito: ajudar os militares vietnamitas do Norte a combater a malária, obtendo vantagem estratégica aos opositores do Sul, que contavam com o apoio dos EUA. Sob tais condições adversas, a farmacologista Youyou e equipe – incluídas por anos no rol das Cinco Categorias Negras, perseguidas, e até mortas, durante o regime comunista de seu país – não só desenvolveram a artemisinina, como sintetizaram um derivado mais potente, a diidroartemisinina. Além do Nobel (compartilhado com William Cecil Campbell e Satoshi Omura, descobridores da avermectina, contra a oncocercose), Youyou recebeu o Prêmio Lasker-DeBakey de Pesquisa Médico-Clínica de 2011. Apenas mais um fato histórico: o projeto 523 foi tão secreto que, até o ano de 2005, não se sabia o nome da descobridora da artemisinina, tão empenhada no trabalho, que estava disposta a sacrificar “a vida pessoal e o cuidado da filha” em favor das crianças que viu morrendo de malária, conforme disse à New Scientist, em 2011. Fontes: ScienceDirect, revista Quimica Nova e G1 Por Concília Ortona [1] NIKOLAY_DONETSK/ISTOCK [1]
  • 35. S E R M É D I C O • 3 3 COMITÊ NACIONAL DE BIOÉTICA DA ITÁLIA CONSIDERA QUE SUICÍDIO ASSISTIDO NÃO É ASSASSINATO Em decisão inédita em sua trajetória, o Comitê Nacional de Bioética (CNB), da Itália, posicionou- se favorável ao suicídio assistido. Em meio a uma acirrada discussão por conta da lei sobre eutanásia no país, que tramita na Câmara há mais de um ano, o CNB opinou que suicídio assistido não é o mesmo que eutanásia e que “não corresponde a um assassinato“. Esse raciocínio esteve longe da unanimidade. Os membros que defendem a legalização da prática partiram do argumento de que “o valor da proteção da vida deve ser equilibrado com outros bens relevantes, como a autodeterminação do paciente”. Quem se posicionou contra opinou que o suicídio assistido “é uma transformação inaceitável do paradigma do cuidar”. Agora, o parecer será usado em consulta pública no tema. A discussão partiu do caso de Fabiano Antonioni – o DJ Fabo – que, em 2014, aos 39 anos, ficou cego e tetraplégico após acidente de carro. Sem permissão para ser submetido à eutanásia na Itália, realizou-a na Suíça, com a ajuda de Marco Cappato, militante da causa, que, pela participação, foi acusado criminalmente. Fonte: Corriere della sera CÉLULAS HUMANAS EM DE RATOS Conforme a mitologia grega, quimera é um monstro “com cabeça de leão, corpo de cabra e cauda de dragão”. Em Ciência, o termo designa a junção proposital de duas espécies diferentes, como a que foi tema de artigo publicado pela revista Nature: cientistas japoneses pretendem realizar experimentos com embriões humanos e animais. A diferença é que agora há apoio do Ministério de Educação e Ciência local, que, em março, retirou as barreiras éticas em relação a tais estudos. Hiromitsu Nakauchi, líder do estudo nas Universidades de Tóquio e Stanford (Califórnia), planeja inserir células humanas em embriões de ratos e camundongos e, então, transplantá- los em úteros substitutos de fêmeas dessas mesmas espécies. Objetivo final: produzir animais híbridos, com órgãos que, um dia, possam ser transplantados em pessoas. Nakauchi diz que planeja continuar devagar, e não tentará levar nenhum embrião híbrido a termo, pelo menos por enquanto. Fonte: Nature CONFLITOS NÃO DECLARADOS Estudo divulgado no British Medical Journal (BMJ) relata paradoxo: enquanto as políticas editoriais dos principais periódicos médicos exigem que autores de artigos divulguem potenciais conflitos de interesse, apenas 12% tornam públicas tais informações quanto aos seus próprios editores. Isso, apesar de signatários das normas do Comitê Internacional de Editores de Revistas Médicas (ICMJE), que obriga editores e equipes a declarar vínculos desta natureza. “Deveriam aplicar a si mesmas a transparência exigida dos autores”, escreveu Rafael Dal-Ré, principal autor do estudo. Em outubro de 2018, a equipe pesquisou sites oficiais de revistas influentes nas políticas sobre o assunto. Nenhuma das 22 listadas dos grupos Lancet, JAMA, e Nature Review, reportou potenciais conflitos de interesse de editores individuais. O Journal of American College of Cardiology e o JACC: Cardiovascular Imaging, editadas por um mesmo pool, informaram todos os valores recebidos. Já o grupo BMJ relatou conflitos individuais em publicações como Annals of the Rheumatic Diseases, Gut e Journal of Neurology Neurosurgery and Phsychiatry. Quando contatados pela Science, os editores de algumas revistas disseram que “tomarão medidas para gerenciar” os conflitos internos. Fontes: Science e BMJ Open [1] OLENA KURASHOVA/ISTOCK [2]
  • 36. 3 4 • S E R M É D I C O O P I N I Ã O "Ser médico não é suficiente para ser professor de Medicina" ensino médico no Brasil e no mundo passa por inúmeros desafios, sendo o mais importante a sua profissionalização. Ser médico não é sufi- ciente para ser professor de Medicina. É fundamental que esse profissional aprenda a utilizar as novas in- formações sobre metodologias de ensino e avaliações. Apenas a aula expositiva e a avaliação cognitiva não são suficientes como recursos pedagógicos. Os números são assustadores no Brasil. O País já é vice-campeão na quantidade de escolas médicas no mundo, superando a China e os Estados Unidos. Só perdemos para a Índia, que tem mais de 400 esco- las médicas, mas com 1 bilhão de habitantes. Temos 338 escolas médicas, com 35.078 vagas para alunos do primeiro ano. Apenas no Estado de São Paulo, são 65 escolas, com 7.616 vagas nesse período. Um dos processos mais importantes a enfrentar é o de acreditação das escolas – para que elas façam uma autoavaliação e uma autorreflexão –, por meio de uma avaliação externa. A acreditação e os dados do Minis- O Por Aécio Gois*
  • 37. S E R M É D I C O • 3 5 tério da Educação e Cultura (MEC) possibilitarão um diagnóstico com proposições de qualidade. MODELOS O ensino médico passou, nos últimos 100 anos, por três grandes modelos: 1) o flexneriano, no início do século 20, que dividia o ensi- no em três ciclos: básico, clínico e internato, ainda muito utilizado em nossas escolas tradicionais; 2) o PBL (Problem Based Learning), surgido no fim dos anos 60 na Universidade de McMaster, no Ca- nadá, utilizado no Brasil a partir dos anos 90 e, ainda hoje, por inú- meras faculdades abertas nos últi- mos tempos; 3) o mais recente: o ensino baseado em competências, que utiliza diversas metodologias ativas, com um feedback contínuo do aluno durante sua trajetória na escola, sendo um grande desafio a ser implementado. Acreditamos que um modelo híbrido – com predominância de metodologias ativas e algumas conferências, com professores e tutores conhecendo os métodos de avaliação tradicionais e novos, e fazendo o feedback contínuo, com simulação e aulas práticas com pacientes – seja o melhor. A simulação é, cada vez mais, uma alternativa importante, prin- cipalmente para a segurança do paciente. Por exemplo, não há mais espaço para aprender a colher uma gasometria arterial em um paciente sem ter treinado, exaustivamente, na simulação. Para tanto, é preciso que as aulas ocorram em grupos pequenos, para que os professores possam acompanhar os alunos de perto e fazer uma devolutiva. Quanto à avaliação dos alunos, é necessário sair de um modelo ex- clusivamente cognitivo, que classi- fica-os (somativo), e adotar um for- mativo, utilizando modelos como o Objective Structured Clinical Examination (OSCE), Mini Ciex, ou Avaliação a 360 graus. Ela deve ser um momento rico de aprendizado. As faculdades deveriam, ao ad- mitir professores, exigir o conhe- cimento de metodologias de ensi- no e de avaliação. Não existe mais espaço para frases como “eu sem- pre dei aula assim, e o povo apren- dia com minha aula expositiva de quatro horas com 200 slides, não vejo necessidade de mudar”. A geração Z, à qual pertence nossos atuais alunos, já nasceu na era da tecnologia e se desconcen- tra muito facilmente. Por outro lado, possui capacidade de acesso a informações de forma extrema- mente rápida e quer fazer parte do processo de aprendizado. Uma de suas principais reclamações é “sair de casa para assistir um professor ler os seus slides por duas horas, os mesmos que ele não muda há mais de 10 anos, é realmente frustran- te”. A tecnologia, portanto, pode ser um caminho de troca entre aluno e professor no processo de aprendizado. VÁRIOS DESAFIOS Um dos desafios, talvez, seja utilizar cada vez mais a sala de aula invertida, em que o aluno estuda o material ou busca a in- formação em casa, recebendo o material previamente, inclusive os slides da aula, e, na escola, apro- veita o tempo discutindo com o professor as experiências e as dú- vidas. É importante fazer com que o aluno tenha mais vontade de participar das aulas e consiga ad- quirir as suas competências, em especial a comunicação. Os alunos devem ter, também, vivências nos mais diversos níveis de atenção: primária, secundária e terciária. É preciso sair do mo- delo hospitalocêntrico, mas é im- portante que as escolas médicas que não têm hospital passem a tê-los, com a supervisão adequa- da dos alunos. Conhecer mais os egressos para fazer mudanças apropriadas nos currículos é fundamental. É necessário tentar evitar o mode- lo de superespecialistas, e inserir o aluno, cada vez mais, na aten- ção primária e nos programas de saúde da família. A flexibilização do currículo e dos horários prote- gidos para o aluno poder estudar em casa ou na faculdade é outro grande desafio. O ensino de urgência e emer- gência, além do transporte hos- pitalar, deve ser implementado, com supervisão adequada de emergencistas, pois, muitas ve- zes, esses dois cenários são os mais utilizados pelos egressos. Devemos ensinar conteúdos que façam parte do cotidiano do mé- dico generalista. São muitos os desafios a serem enfrentados, porém o processo de acreditação das escolas médicas e o processo de desenvolvimento de docentes são os principais deles. *Médico clínico geral, cardiologista, emergencista e in- tensivista, e coordenador da graduacão de Medicina, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) FOTO: OSMAR BUSTOS
  • 38. E D I T O R I A L 3 6 • S E R M É D I C O3 6 • S E R M É D I C O H O B BY Notas de liberdade úsico, compositor, arranjador, psiquiatra e psicanalista. É assim que Eduardo Leal se define. A pluralidade o acompanha desde que iniciou, aos 11 anos, estudos de violão e guitarra em São José dos Campos, sua cidade natal e, mais tarde, quando, aos 17, deixou suas raízes e mergulhou no universo da Medicina ao ingressar na Universidade de São Paulo (USP). "A música antecedeu a escolha da profissão, mas posso dizer que para mim, atualmente, ela possui o mesmo peso que a Psiquiatria", afirma. O médico conta que seu primeiro contato com o meio musical foi em forma de hobby, com o exemplo de seu pai, habilidoso pianista amador, e sua avó, dedicada cantora de coral. Entretanto, o mundo das notas e das melodias foi consolidando-se como algo muito além de um entretenimento – uma necessidade. "Compor tem força central para mim. Hobby você M [1] DANIEL PORTO [1]
  • 39. S E R M É D I C O • 3 7S E R M É D I C O • 3 7 faz se der tempo, tem um envolvi- mento pequeno. É o contrário do que faço", comenta. Antes de mudar-se para São Paulo, Edu Leal, como é conhecido no ramo artístico, assemelhava-se à boa parte dos jovens da década de 80, reproduzindo obras voltadas ao rock e ao heavy metal. Integrou diversas bandas em São José dos Campos, incluindo a Gestalt, que, posteriormente, gravou um CD com músicas autorais, e participou como finalista do V Projeto Nascen- te, realizado pela USP, em parceria com a Editora Abril, em 1995. Ao ingressar na universidade, em 1992, enveredou pelo caminho do rock progressivo e do jazz. Em contrapartida, enfrentou grandes dificuldades para se habituar à vida na capital paulista, o que, de certa forma, acabou influindo na escolha da especialização de sua profissão. "Quando saí do Interior tive uma grave crise emocional. Porém, não posso negar que ela me ajudou a me apaixonar pela Psiquiatria, justamente pelo fato de ser uma especialidade que faz com que você se entenda melhor e entenda o outro", explica. A faculdade fomentou sua pai- xão pela música. A república es- tudantil em que Edu Leal residia, na época, contava com estudantes dos cursos de Medicina e de Ma- temática, que nutriam o mesmo amor pelo universo musical. O local foi tão significativo na traje- tória do médico que, mais tarde, tornou-se inspiração para uma composição, denominada "Repú- blica dos salames". As atividades voltadas ao âmbito musical, promovidas pela universi- dade, atuaram como ponto-chave para Edu, permitindo que ele não só apresentasse seu trabalho aos demais, como também vivenciasse sua paixão em consonância com o meio acadêmico. Além do V Proje- to Nascente, participou do 2° Fest- Med, no qual foi premiado com o 2° lugar, e da Semana de Artes, também organizada pela USP. As- sim, foi obtendo o reconhecimen- to pelo seu trabalho e percebendo que conciliar a Medicina e a músi- ca não era algo impossível. A MÚSICA TAMBÉM COMO PROFISSÃO O médico conta que em seu pri- meiro ano de Residência, no Hos- pital do Servidor Público Estadual, desenvolveu um projeto de com- posição com outros dois amigos e, paralelamente, atuou na banda "Genesis Live", dedicada a repro- duzir a fase progressista da banda "Genesis". Com ela, teve oportuni- dade de tocar em diversas casas consagradas da noite paulistana. "Eu tocava muito menos do que, de fato, almejava, principalmen- te no início da faculdade. Minha principal dificuldade era conciliar tudo isso, mas sempre me esfor- cei", conta. Figuras renomadas como o músico e zoólogo Paulo Vanzoli- ni, o violinista carioca e dentista Guinga, e o compositor e psiquia- tra Aldir Blanc, serviram – e ainda servem – como inspirações que auxiliam Leal a permanecer no ramo musical. Afinal, se eles con- seguem aliar a música à profissão, por que ele não conseguiria? Após iniciar seu trabalho de composição solo, em 1999, com ar- ranjos de Fernando Cardoso Perei- ra – pianista, cravista e compositor, com formação erudita –, Edu mer- gulhou no universo dos concursos e festivais brasileiros. Os feedbacks positivos reiteraram seu talento e, em 2011, finalmente teve seu so- nho materializado, ao lançar seu primeiro disco autoral, Vida Nova, que obteve patrocínio da Prefeitu- ra Municipal de São Paulo e contou com a participação de grandes no- mes da música nacional, como Lei- la Pinheiro, Filó Machado e Adriana Godoy, entre outros. A escolha do nome do álbum não foi por acaso. "Além de ser uma música que compus, Vida Nova, na verdade, foi o reconhe- "Compor tem um papel central para mim. Hobby você faz se der tempo. É o contrário do que eu faço"
  • 40. E D I T O R I A L 3 8 • S E R M É D I C O3 8 • S E R M É D I C O H O B BY cimento que tive de que a música não devia ser apenas um hobby para mim", comenta. O projeto também marcou o início da atua- ção de Edu como produtor musi- cal e arranjador de instrumentos de sopro, cordas e baixo. LIVRE Em 2016, o médico e músico ade- riu a uma nova banda, denominada "A Conjuntura", e, um ano depois, lançou o disco Livre – integralmen- te escrito e arranjado por ele –, que contou com o apoio da Secretaria da Cultura do Estado de São Paulo e a participação de 21 músicos, res- ponsáveis por ecléticas formações instrumentais, como quinteto de cordas, quarteto de metais, corne inglês e oboé, entre outros. Apesar de gostar muito de can- ções, Edu conta que, cada vez mais, está migrando para o âmbito puramente instrumental. A forte presença da subjetividade o en- canta e interliga-se diretamente com a Psiquiatria. "A música para mim é como um devaneio, um so- nho acordado. Ela tem questões que vão além da palavra. A música abarca a música", explica. O psiquiatra conta que se con- sidera meio "maestro", já que seu papel é orquestrar notas e melo- dias, e orgulha-se de poder afir- mar que, atualmente, também é maestro de si. Após dez anos trabalhando no Hospital do Man- daqui, pediu demissão para atuar exclusivamente em seu consultó- rio e dedicar-se assiduamente à música. A liberdade e autonomia que tanto almejava, finalmente se concretizou. Para o futuro, conta que já pos- sui elementos para o próximo dis- co, que promete ser um compila- do de músicas instrumentais com "caráter mais agressivo do que os anteriores". Pretende também continuar atuando como profis- sional liberal e tendo uma relação harmoniosa com suas duas pro- fissões. "A Psiquiatria me inspira também. Em meu primeiro disco, tem uma música chamada Lógica absurda da tristeza, com referên- cias aos sintomas depressivos. Bebo um pouco da água do sofri- mento humano", confessa. Edu Leal, que sempre buscou a sensação visceral de sentir-se livre, hoje afirma que a encon- trou na convergência de seus dois amores. "Têm algumas emoções e formas do 'sofrer' que são muito difíceis de colocar em palavras, então a música é um veículo de expressão. Ela pode salvar vidas, assim como a Medicina. Essa é a minha paixão", finaliza.  Colaborou: Julia Remer [1] OSMAR BUSTOS [1] Eduardo Leal e seu disco: "a música pode salvar vidas, assim como a Medicina"
  • 41. S E R M É D I C O • 3 9 G O U R M E T [2] OSMAR BUSTOS O cirurgião que virou chef e empreendedor [2] última cirurgia foi há 13 anos e, quando se deu con- ta, já estava no primeiro dia de aula na escola de gastronomia francesa, Le Cordon Bleu – uma das melhores do mundo –, realizando um desejo da infância. A transição da Medicina para a gastronomia contou com o apoio da esposa, mas o pai de Hwang Chi Fong não aprovou a decisão e deixou de falar A
  • 42. 4 0 • S E R M É D I C O G O U R M E T com ele durante um tempo. Só vol- taram a conversar na volta do filho ao Brasil. Formado em Medicina pela Uni- versidade de São Paulo (USP), e com Residência em Cirurgia Geral e em Cirurgia Oncológica pela mesma instituição, ele exerceu a profis- são durante 10 anos. A decisão de abandoná-la e ir atrás de seu sonho estava bem alicerçada. "Eu queria mudar. Sempre gostei de culiná- ria, já brincava bastante em casa, e percebia que tinha certo talento e gosto pela cozinha oriental. Então abracei a oportunidade”. Ao final do curso de chef de cozinha na Le Cordon Bleu – filial de Miami – é preciso passar por uma espécie de estágio obriga- tório. Chi Fong trabalhou, então, três meses no Grand Lux Café, do grupo Cheesecake, naquela mes- ma cidade. Queria continuar nos Estados Unidos, mas devido à cri- se econômica que assolava o país, em 2008, viu que um eventual ne- gócio não sobreviveria sequer um ano, e resolveu voltar ao Brasil, com a família. Dois anos depois do retorno ao País, o médico abriu, em 2010, um restaurante de comida natu- ral e, logo depois, mudou e abriu outro de comida oriental, ramo no qual se considera especialista, que logo evoluiu para uma rede de yakisoba. Percebeu que o negócio estava dando mais retorno que a Medicina, não apenas em termos financeiros, mas pelo prazer de fazer algo com que tanto sonhara. No sexto mês, sua rede foi elei- ta a segunda melhor da especia- lidade em São Paulo pela revista Veja. “A partir daí, vários grupos me procuraram para fazer ex- pansão como franquia. Uma delas foi bem interessante e acabei to- pando”, conta. Entretanto, no ano passado a parceria com a empresa de franquia se rompeu. CLOUD KITCHEN No ano passado, o agora conhe- cido chef Kiko – o sobrenome Chi Fong quando pronunciado no dia- leto chinês fica “kinkon” – recebeu algumas propostas para montar cozinhas virtuais, adotando a nova tendência do mercado de delivery, a cloud kitchen, uma espécie de “cozinha na nuvem”­— que ajuda os Hwang Chi Fong exerceu a medicina por 10 anos, mas deixou a profissão para ser chef de cozinha e empreendedor
  • 43. S E R M É D I C O • 4 1 donos de restaurantes a lidar com o crescente aumento de pedidos de comida por aplicativos, diversi- ficando sua estratégia de mercado. Atualmente, além das seis lojas físicas de yakisoba, o médico tem também um restaurante de sushi que atende somente por delivery em uma cloud kitchen, que fun- ciona junto a outras 19 cozinhas, também administradas por ele, num espaço de 200 metros qua- drados. Em apenas um dia, che- gou a atender mil pedidos. “É um mercado de baixo custo, portanto a comida fica com um preço mais acessível", observa. Há uma grande revolução gas- tronômica em curso, explica o chef e, agora, empresário. Segundo ele, a geração millennial (nascidos en- tre 1979 e 1995) — criada com as fa- cilidades tecnológicas como com- putadores, smartphones e redes sociais — daqui a alguns anos não vai mais querer cozinhar, pois pre- za muito seu tempo. Portanto, ava- O YAKISOBA PERFEITO O chef Kiko não revela sua receita, mas conta que o yakisoba perfeito é aquele que contém uma leve crocância no macarrão e um molho consistente. Seus clientes, entretanto, passam por uma experiência diferenciada, garante. Segundo explica, ele e sua equipe fizeram alguns estudos para que o cliente pudesse, receber em casa ou no escritório um prato como se tivesse sido preparado naquela hora. “Nós desenvolvemos toda uma ciência de cocção. O meu yakisoba chega na casa do cliente no ponto”, afirma. O médico diz que muitos concorrentes enviam ao cliente um macarrão empapado. Isso acontece, comenta, porque os restaurantes mandam para as residências das pessoas a mesma receita que já está pronta no salão, e, durante o processo de entrega, o macarrão vai sugando o molho e cozinhando ainda mais. “O meu yakisoba sai do delivery um pouco mais duro e com o molho mais líquido, para que, quando chegar até o cliente, esteja no ponto certo, com o molho mais consistente, porque vai cozinhando dentro da embalagem”, revela. Desde criança, o médico gostava de brincar com culinária e percebia ter talento para a cozinha oriental FOTOS: OSMAR BUSTOS