1. 1
Compilação de poemas
celebrando o
25 de Abril e a Liberdade
Agrupamento de Escolas Infante D. Henrique
Bibliotecas Escolares
Ano letivo 2023-2024
2. 2
25 de Abril
Era um dia puro e limpo,
Aquele dia de abril,
Em que as ovelhas do medo
Fugiram do seu redil.
Um dia que amanheceu,
Com os capitães da guerra,
A lutarem pela paz
Com gente da nossa terra.
Dia de cravos vermelhos,
Nos canos das espingardas,
Dos gritos de liberdade
Nas bocas amordaçadas.
Não pode morrer abril,
Que nós não vamos deixar.
Hão de florir sempre cravos,
Basta alguém os semear.
Luísa Ducla Soares
3. 3
25 de Abril
Sophia de Mello Breyner Andresen, in O Nome das Coisas
Esta é a madrugada que eu esperava
O dia inicial inteiro e limpo
Onde emergimos da noite e do silêncio
E livres habitamos a substância do tempo
4. 4
Revolução
Como casa limpa
Como chão varrido
Como porta aberta
Como puro início
Como tempo novo
Sem mancha nem vício
Como a voz do mar
Interior de um povo
Como página em branco
Onde o poema emerge
Como arquitetura
Do homem que ergue
Sua habitação
Sophia de Mello Breyner Andresen, in O Nome das Coisas
5. 5
O dia da Liberdade
Este dia é um canteiro
com flores todo o ano
e veleiros lá ao largo
navegando a todo o pano.
E assim se lembra outro dia febril
que em tempos mudou a história
numa madrugada de Abril,
quando os meninos de hoje
ainda não tinham nascido
e a nossa liberdade
era um fruto prometido,
tantas vezes proibido,
que tinha o sabor secreto
da esperança e do afeto
e dos amigos todos juntos
debaixo do mesmo teto.
José Jorge Letria in O livro dos dias
6. 6
NÃO QUERO, NÃO
Não quero, não quero, não,
ser soldado nem capitão.
Quero um cavalo só meu,
seja baio ou alazão,
sentir o vento na cara,
sentir a rédea na mão.
Não quero, não quero, não,
ser soldado nem capitão.
Não quero muito do mundo:
quero saber-lhe a razão,
sentir-me dono de mim,
ao resto dizer que não.
Não quero, não quero, não,
ser soldado nem capitão.
Eugénio de Andrade, in Aquela nuvem e outras
7. 7
Tanto Mar
Sei que estás em festa, pá
Fico contente
E enquanto estou ausente
Guarda um cravo pra mim
Eu queria estar na festa, pá
Com a tua gente
E colher pessoalmente
Uma flor do teu jardim
Sei que há léguas a nos separar
Tanto mar, tanto mar
Sei também que é preciso, pá
Navegar, navegar
Lá faz primavera, pá
Cá estou doente
Manda urgentemente
Algum cheirinho de alecrim.
Chico Buarque
8. 8
Elefante de Abril
A Revolução
teve uma flor
o cravo.
Não teve um animal
e, como tal,
proponho o elefante
tão paciente e sofredor
durante tanto ano
mas quando a paciência se esgotou
foi coisa de se ver
violento
eficaz
empolgante.
Depois, voltou a ser
lento
bom rapaz
algo distante.
Mas, atenção
nunca se viu morrer
um elefante!
Carlos Pinhão, in Bichos de Abril
9. 9
Crocodilo de trazer por casa
Aquilo
do crocodilo
era uma mania
que Madame vestia.
Tinha crocodilo para todo o serviço
– sapato de crocodilo
– mala de crocodilo
– aplicações de crocodilo
no casaco e no chapéu.
O crocodilo era todo seu.
Ao quilo.
E não se ficou por aqui
digo eu que vi
Madame Reaça
cheia de graça
tirar um frasco da mala
e pôr pinguinhos nos olhos
enquanto explicava
aos circunstantes
reverentes
que não usava óculos
(isso era dantes)
usava lentes.
Só que, no Verão
não via bem secava-se-lhe a vista
e, de aí, o expediente
do frasco lacrimal.
Conclusão a tirar: eram de crocodilo as lágrimas também.
Carlos Pinhão, in Bichos de Abril
10. 10
Ser ou não ser carneiro
Votava de cruz
à ordem do pastor
mas veio Abril
e já começa a ter cor
e já começa a saber
o que quer
e já começa a votar
a pensar
pela própria cabeça
e não pela cabeça do parceiro.
Em resumo já não é carneiro.
Carlos Pinhão, in Bichos de Abril
11. 11
Oportunismo
O camaleão
tem a cor da ocasião.
Usa-se muito em política
é prática muito vista
– a situação pode mudar
ele não
é sempre situacionista
Carlos Pinhão, in Bichos de Abril
12. 12
Somos livres (uma gaivota voava voava)
Ontem apenas
fomos a voz sufocada
dum povo a dizer não quero;
fomos os bobos-do-rei
mastigando desespero.
Ontem apenas
fomos o povo a chorar
na sarjeta dos que, à força,
ultrajaram e venderam
esta terra, hoje nossa.
Uma gaivota voava, voava,
assas de vento,
coração de mar.
Como ela, somos livres,
somos livres de voar.
Uma papoila crescia, crescia,
grito vermelho
num campo qualquer.
Como ela somos livres,
somos livres de crescer.
Uma criança dizia, dizia
'quando for grande
não vou combater'.
Como ela, somos livres,
somos livres de dizer.
Somos um povo que cerra fileiras,
parte à conquista
do pão e da paz.
Somos livres, somos livres,
não voltaremos atrás. Ermelinda Duarte
13. 13
Mulheres do meu País
Deu-nos Abril
o gesto e a palavra
fala de nós
por dentro da raiz
Mulheres
quebrámos as grandes barricadas
dizendo: igualdade
a quem ouvir nos quis
E assim continuamos
de mãos dadas
O povo somos:
Mulheres do meu país
Maria Teresa Horta, in Mulheres de Abril
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Vejam bem
Vejam bem
que não há só gaivotas em terra
quando um homem se põe a pensar
quando um homem se põe a pensar
Quem lá vem
dorme à noite ao relento na areia
dorme à noite ao relento no mar
dorme à noite ao relento no mar
E se houver
uma praça de gente madura
e uma estátua
e uma estátua de d febre a arder
Anda alguém
pela noite de breu à procura
e não há quem lhe queira valer
e não há quem lhe queira valer
Vejam bem
daquele homem a fraca figura
desbravando os caminhos do pão
desbravando os caminhos do pão
E se houver
uma praça de gente madura
ninguém vai
ninguém vai levantá-lo do chão
Zeca Afonso in Cantares de Andarilho
15. 15
Ei-los que partem
novos e velhos
buscando a sorte
noutras paragens
noutras aragens
entre outros povos
ei-los que partem
velhos e novos
Ei-los que partem
de olhos molhados
coração triste
e a saca às costas
esperança em riste
sonhos dourados
ei-los que partem
de olhos molhados
Virão um dia
ricos ou não
contando histórias
de lá de longe
onde o suor
se fez em pão
virão um dia
ou não
Manuel Freire
16. 16
Liberdade
Viemos com o peso do passado e da semente
Esperar tantos anos torna tudo mais urgente
e a sede de uma espera só se estanca na torrente
e a sede de uma espera só se estanca na torrente
Vivemos tantos anos a falar pela calada
Só se pode querer tudo quando não se teve nada
Só quer a vida cheia quem teve a vida parada
Só quer a vida cheia quem teve a vida parada
Só há liberdade a sério quando houver
A paz o pão
habitação
saúde educação
Só há liberdade a sério quando houver
Liberdade de mudar e decidir
quando pertencer ao povo o que o povo produzir
quando pertencer ao povo o que o povo produzir.
Sérgio Godinho, Canções de Sérgio Godinho