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O CASO ENRON - MODELO DO QUE NÃO FAZER
EM ADMINISTRAÇÃO FINANCEIRA
Função Financeira na Empresa
“A administração financeira preocupa-se com as tarefas do administrador financeiro na
empresa. Os administradores financeiros devem gerir ativamente os assuntos financeiros
de qualquer tipo de empresa – financeiras e não financeiras privadas e públicas grandes e
pequenas, com ou sem fins lucrativos”. (Gittman, 2004, p.4)
Esta definição de Gittman sobre o papel da administração e dos administradores
financeiros deixa bem clara a questão do foco que deve haver em gerir os ativos da
empresa de acordo com os interesses da mesma. No entanto, há uma figura que
regulamenta o limite de tais interesses que é o governo, o qual deve exercer um papel de
fiscalizador eficiente para que não hajam abusos por parte das empresas (Publicas ou
Privadas) em suas ações dentro do campo da gestão financeira.
As Relações da Administração Financeira com a Contabilidade e Economia
Numa empresa grande há a figura do controller e do tesoureiro ou gerente financeiro.
Ambos são subordinados ao diretor financeiro, mas possuem focos de atuação bastante
distintos, sendo o controller responsável pela parte contábil e fiscal da empresa e o
tesoureiro pela parte financeira.
O Administrador Financeiro
Como parte de suas atribuições, o administrador financeiro deve compreender a
conjuntura econômica, suas tendências e seu impacto no mercado em que atua, além de
realizar análises constantes de oferta e demanda e Análise marginal das ações a serem
tomadas do ponto de vista financeiro, sempre buscando benefícios marginais maiores que
custos marginais.
Sendo assim, o administrador financeiro trabalha o regime de caixa, pois sua preocupação
é gerir a entrada e saída de caixa na empresa, enquanto o controller opera no regime de
competência, pois seu foco é gerar dados para a tomada de decisões na empresa.
O Objetivo da Empresa
“O objetivo da empresa, e, portanto, de todos os seus administradores e funcionários é
maximizar a riqueza de seus proprietários, em nome dos quais ela é gerida.” (Gittman,
2004, pág 13).
Um engano muito comum é a crença de que a maximização do lucro é o objetivo da
empresa, quando não o é. Gerar e maximizar a riqueza dos acionistas é que é de fato o
objetivo de uma empresa privada. E isto se baseia em três questões cruciais: A
distribuição do dinheiro no tempo, os fluxos de caixa e os riscos.
A distribuição no tempo leva em consideração que a empresa sempre deverá preferir
recebimentos mais rápidos, podendo assim, optar por investir em um projeto que tenha
maior liquidez no curto prazo, mesmo que sua lucratividade seja menor que outros, pois ao
agir assim, a empresa ficará capitalizada e aumentará seu poder de investimentos
conseguindo lucros maiores neste mesmo projeto no futuro.
A Enron criou um mecanismo de administração financeira que se baseava justamente
nesta premissa: Recebimentos mais rápidos. O problema é que os mecanismos utilizados
pela Enron foram fraudulentos, ou seja, ela agiu de má fé e manipulou sua contabilidade
para garantir a geração de recebimentos mais rápidos via mercado financeiro.
Os fluxos de caixa positivos e com tendência de crescimento é que são os melhores
indicadores da situação da empresa, pois mensuram a geração de recursos da atividade
da empresa. Se forem analisados somente os lucros para indicar a situação da empresa,
um grande erro estará sendo cometido, pois a empresa pode ter se desfeito de ativos ou
diminuído seus investimentos na operação, o que significa que ela não foi eficaz naquele
período e isto vai gerar um ônus no futuro.
No caso da Enron, seus fluxos de caixa apresentavam sempre resultados positivos, mas,
como eram forjados, esta situação não traduzia a realidade da empresa, fazendo com que
os investidores tivessem a sensação de que tudo ia perfeitamente bem, quando não era
esta a realidade.
A terceira questão, o risco, se baseia na premissa básica da administração financeira, que
é a relação entre risco e retorno. Tomando como exemplo o caso da SADIA no Brasil, que
investia mais que 50% de seu capital em operações no mercado financeiro (fora de seu
contexto operacional) percebe-se que o risco assumido pela empresa trouxe no curto
prazo altos retornos, mas no longo prazo representou prejuízos enormes e sua venda à
principal concorrente. Como há na contabilidade o princípio da continuidade das
empresas, seu objetivo deve ser o de maximizar a riqueza dos acionistas de forma gradual
e sólida, buscando minimizar riscos e ser eficiente na geração de caixa positivo.
A Enron também errou bastante quando decidiu “apostar todas as suas fichas” no mercado
financeiro. No caso específico da Enron, as operações da empresa geravam prejuízos, o
que era recompensado pelas operações financeiras. É perfeitamente compreensível que
uma empresa que não reinveste em suas operações, demite funcionários anualmente (a
Enron tinha um programa fixo de corte de 15% de seu quadro) e não estimula sua força de
vendas, não irá conseguir se manter no mercado por muito tempo, haja vista que o
mercado financeiro é um processo de alto risco, e principalmente baseado nos resultados
operacionais da empresa. Como a Enron fraudava bons resultados operacionais, o
mercado trazia benefícios para a empresa, investindo nela, mas, a partir do momento em
que foram descobertas suas fraudes, o “jogo” no mercado financeiro mudou totalmente e
causou a falência da Enron em tempo recorde.
Ética e Problema de Agência
A Enron cometeu várias ações antiéticas, que vão desde o financiamento de campanhas
políticas até a venda de ações de seus funcionários de forma ilegal. Foi justamente por
conta das fraudes e da falência da Enron que foi criada a lei Sarbanes Oxley (SOX), que
endurece os procedimentos de controles e auditoria nas empresas.
A Enron sempre manteve relações próximas com a família Bush. Logo após sua fundação,
ela foi amplamente beneficiada com subsídios do governo, - subsídios estes que pairavam
na casa dos bilhões - além de quê, Ken Lay, seu fundador, ganhou bastante visibilidade
como embaixador da desregulamentação do setor de Energia no governo de George W.
Bush pai.
Esta relação continuou tão próspera a ponto de a Enron ser a maior contribuinte
corporativa para a campanha presidencial de George W. Bush filho. Ao financiar boa parte
da campanha presidencial de George W. Bush filho e ser beneficiada futuramente por ele
na questão da regulamentação da energia na disputa com o governo da Califórnia, a
Enron mostrou toda a sua postura antiética, pois se valeu do apoio do presidente
americano, que também era amigo particular de seu CEO[1], para conseguir que seus
interesses fossem salvaguardados numa esfera judicial. Na ocasião, Bush foi muito
criticado. No entanto, conseguir provar legalmente que houve um Lobby e um benefício
por parte da Enron é muito complicado, haja vista que a legislação permite que pessoas
físicas e jurídicas sejam doadoras de campanhas políticas.
Mas o fato é que além de ser uma grande financiadora da sua campanha, a Enron
pressionou muito o congresso em Washington e a Casa Branca para que houvesse a
desregulamentação total no setor de energia e gás natural, o que ocorreu. Com o caminho
livre e o setor de energia desregulamentado, a Enron cometeu crimes, tanto do mercado
financeiro, quanto crimes contra o Estado e a população, ao espalhar boatos sobre o valor
da energia para supervalorizá-lo e ao mesmo tempo parar propositalmente a geração de
energia na Califórnia.
Desta forma, pressionado, o governo da Califórnia toma ações no sentido de regulamentar
o setor de energia, mas tropeça na legislação e vai pedir ao governo federal (Casa Branca)
para que interceda e resolva tal problema. Neste momento, o presidente George W. Bush
se tomou uma decisão que poderia ser interpretada – e foi – pela sociedade como uma
decisão de privilegiar a empresa que lhe beneficiou financeiramente no passado e com a
qual mantinha um bom relacionamento através de seu CEO e sócio majoritário.
A questão da Ética é muito importante neste aspecto. Segundo Thiry-Cherques em Ética
para Executivos, (2008: p. 30) a Ética é “uma reflexão sobre os fundamentos das normas
morais e sobre a sua justificação”. Assim sendo, uma pessoa com relações tão próximas a
uma empresa que está sendo julgada na posição de réu não pode ser seu julgador, por
motivos óbvios. E quando Bush não se isentou do julgamento e tomou a decisão de “lavar
as mãos”, indiretamente beneficiou a Enron em detrimento da população, a qual o elegeu
e tem em sua figura seu representante direto. Bush foi antiético ao beneficiar o particular
em detrimento do público, e a Enron, também foi anti-ética porque provocou tal situação de
decisão. Um outro ponto que é importante destacar, e se assemelha tanto à questão Ética
quanto à questão do problema de agência é que o governador da Califórnia seria o
próximo concorrente de Bush nas eleições presidenciais, ou seja, indiretamente ele ajudou
a Enron e deixou de beneficiar (decisão que seria a mais justa perante a necessidade
popular) um provável adversário nas urnas.
Para Gitman, quando um executivo da área financeira ou correlata (que possua alguma
ligação com a área financeira) coloca seus interesses pessoais à frente dos interesses da
empresa, ele comete um problema de agência (2004:p. 17), e foi justamente isso o que
ocorreu na Enron, e em várias ocasiões.
Já em 1986, um ano após a fundação da Enron, seu presidente na época, Louis Bourget e
seu contador, Tom Mastroeni desviavam dinheiro dos fundos corporativos para suas
contas pessoais. Neste momento, Ken Lay soube da situação, mas decidiu não interferir
nem punir os culpados, mas continuar com a operação, pois gerava dinheiro muito à
empresa. Assim, Ken Lay não apenas praticou problema de agência, mas incentivou sua
equipe a fazer o mesmo.
Louis Bourget se arriscou tanto que chegou a perder 90 milhões em cinco dias, o que foi
devidamente contornado pela Enron, ou numa expressão mais correta, “maquiado”. Assim,
mais uma vez, Ken Lay mostrou que se importava mais com seus interesses pessoais e
não demitiu os traders[2] que cometeram as falcatruas, mesmo eles tendo cometido um
problema sério de agência. Para Ken Lay, o que realmente importava era se ele também
estava ganhando dinheiro. No entanto, logo após este escândalo, Louis Bourget foi preso
por fraude e Ken Lay teve que conseguir um novo “ganhador de dinheiro” para a Enron.
Ações e Bolsa de Valores
Com a saída de Louis Bourget, Ken Lay descobriu Jeff Skilling, que também era visionário
e possuía grandes idéias. Para a Enron, ele levou a idéia de expandir a geração de
energia, tornando-a uma espécie de bolsa de valores do gás natural. Assim, a Enron
transformou a Energia em instrumentos financeiros negociáveis como ações e títulos,
saindo do horizonte do fluxo físico dos gasodutos.
A Enron começou a seguir uma cultura impulsionada por Skilling e baseada no preço de
suas ações, onde boa parte dos funcionários era paga em ações e esperava o fechamento
do trimestre para comemorar a alta destas ações. Mas o que a maioria destes funcionários
não sabia é que quem empurrava o preço das ações para cima eram os próprios
executivos com suas manobras contábeis.
O mercado, assim como a sociedade eram ludibriados pela Enron, através de sua
estratégia de Relações Públicas tão eficiente, a qual vendia uma imagem excelente ao
mercado.
Mas os analistas financeiros mais próximos, os que acompanhavam de perto a Enron, não
podiam se dar ao luxo de desconfiar de suas ações (houve casos de demissão de
analistas que rebaixaram as avaliações da Enron e não recomendaram suas opções de
compras de ações). Sendo assim, a Enron possuía firmas de auditoria e bancos
renomados avalizando suas ações, como a firma de auditoria Arthur Andersein e o banco
de investimentos Merryl Linch, o que garantia certa tranqüilidade e credibilidade ao
mercado. A regra na Enron era nunca perder, a qualquer custo, e para isso eram
realizadas diversas manobras no mercado de ações.
Desta forma, com seu método contábil de marcação a mercado, Jeff Skilling conseguia
manipular os lucros presentes e futuros da Enron, passando a sensação de que tudo
estaria ótimo para a empresa. Ora, se ele criou o modelo de negociação na bolsa de
valores – e a operação na bolsa é muito arriscada – faltava apenas criar uma redoma de
segurança para que sua empresa apenas lucrasse, custasse o que custasse. E foi o que
ele conseguiu, pois este método permitia registrar lucros futuros mesmo sem terem
ocorrido ainda e gerou muito dinheiro à Enron durante alguns anos, mas também a
afundou.
A derrocada Da Enron
A Enron foi sucumbida por sua ganância, que fazia seus executivos se arriscarem mais e
mais no dia-a-dia para realizar fraudes e garantir o retorno financeiro da empresa. E foi
este risco demasiado que levou uma jornalista da Fortune e um investidor, a desconfiarem
dos balanços da empresa.
A jornalista publicou um artigo questionando de onde viria o dinheiro da Enron, o que foi o
suficiente para mexer com o mercado, deixando-o em alerta e deixar os executivos da
Enron muito nervosos. A partir daí, a derrocada da Enron ocorreu a passos largos,
chegando a ser decretada falência em menos de 6 meses após o início da investigação da
jornalista.
A lição que fica neste estudo de caso é que a Ética sempre deve prevalecer no mundo dos
negócios, especialmente para os administradores financeiros, que são os responsáveis por
gerir com polidez e responsabilidade os recursos financeiros da empresa, além de quê não
deve haver desregulamentação no mercado, ou seja, o governo deve sempre manter o
controle sobre as ações do mercado, especialmente o financeiro, para que casos como o
da Enron não voltem a acontecer.

[1] Chief Executive Officer – É o presidente de uma empresa.
[2] Trader é o operador da bolsa de valores no mercado financeiro.
Diogenes Monclair
Administrador de Empresas pela FGV - Nova Roma

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O caso enron

  • 1. O CASO ENRON - MODELO DO QUE NÃO FAZER EM ADMINISTRAÇÃO FINANCEIRA Função Financeira na Empresa “A administração financeira preocupa-se com as tarefas do administrador financeiro na empresa. Os administradores financeiros devem gerir ativamente os assuntos financeiros de qualquer tipo de empresa – financeiras e não financeiras privadas e públicas grandes e pequenas, com ou sem fins lucrativos”. (Gittman, 2004, p.4) Esta definição de Gittman sobre o papel da administração e dos administradores financeiros deixa bem clara a questão do foco que deve haver em gerir os ativos da empresa de acordo com os interesses da mesma. No entanto, há uma figura que regulamenta o limite de tais interesses que é o governo, o qual deve exercer um papel de fiscalizador eficiente para que não hajam abusos por parte das empresas (Publicas ou Privadas) em suas ações dentro do campo da gestão financeira. As Relações da Administração Financeira com a Contabilidade e Economia Numa empresa grande há a figura do controller e do tesoureiro ou gerente financeiro. Ambos são subordinados ao diretor financeiro, mas possuem focos de atuação bastante distintos, sendo o controller responsável pela parte contábil e fiscal da empresa e o tesoureiro pela parte financeira. O Administrador Financeiro Como parte de suas atribuições, o administrador financeiro deve compreender a conjuntura econômica, suas tendências e seu impacto no mercado em que atua, além de realizar análises constantes de oferta e demanda e Análise marginal das ações a serem tomadas do ponto de vista financeiro, sempre buscando benefícios marginais maiores que custos marginais. Sendo assim, o administrador financeiro trabalha o regime de caixa, pois sua preocupação é gerir a entrada e saída de caixa na empresa, enquanto o controller opera no regime de competência, pois seu foco é gerar dados para a tomada de decisões na empresa. O Objetivo da Empresa “O objetivo da empresa, e, portanto, de todos os seus administradores e funcionários é maximizar a riqueza de seus proprietários, em nome dos quais ela é gerida.” (Gittman, 2004, pág 13). Um engano muito comum é a crença de que a maximização do lucro é o objetivo da empresa, quando não o é. Gerar e maximizar a riqueza dos acionistas é que é de fato o objetivo de uma empresa privada. E isto se baseia em três questões cruciais: A distribuição do dinheiro no tempo, os fluxos de caixa e os riscos.
  • 2. A distribuição no tempo leva em consideração que a empresa sempre deverá preferir recebimentos mais rápidos, podendo assim, optar por investir em um projeto que tenha maior liquidez no curto prazo, mesmo que sua lucratividade seja menor que outros, pois ao agir assim, a empresa ficará capitalizada e aumentará seu poder de investimentos conseguindo lucros maiores neste mesmo projeto no futuro. A Enron criou um mecanismo de administração financeira que se baseava justamente nesta premissa: Recebimentos mais rápidos. O problema é que os mecanismos utilizados pela Enron foram fraudulentos, ou seja, ela agiu de má fé e manipulou sua contabilidade para garantir a geração de recebimentos mais rápidos via mercado financeiro. Os fluxos de caixa positivos e com tendência de crescimento é que são os melhores indicadores da situação da empresa, pois mensuram a geração de recursos da atividade da empresa. Se forem analisados somente os lucros para indicar a situação da empresa, um grande erro estará sendo cometido, pois a empresa pode ter se desfeito de ativos ou diminuído seus investimentos na operação, o que significa que ela não foi eficaz naquele período e isto vai gerar um ônus no futuro. No caso da Enron, seus fluxos de caixa apresentavam sempre resultados positivos, mas, como eram forjados, esta situação não traduzia a realidade da empresa, fazendo com que os investidores tivessem a sensação de que tudo ia perfeitamente bem, quando não era esta a realidade. A terceira questão, o risco, se baseia na premissa básica da administração financeira, que é a relação entre risco e retorno. Tomando como exemplo o caso da SADIA no Brasil, que investia mais que 50% de seu capital em operações no mercado financeiro (fora de seu contexto operacional) percebe-se que o risco assumido pela empresa trouxe no curto prazo altos retornos, mas no longo prazo representou prejuízos enormes e sua venda à principal concorrente. Como há na contabilidade o princípio da continuidade das empresas, seu objetivo deve ser o de maximizar a riqueza dos acionistas de forma gradual e sólida, buscando minimizar riscos e ser eficiente na geração de caixa positivo. A Enron também errou bastante quando decidiu “apostar todas as suas fichas” no mercado financeiro. No caso específico da Enron, as operações da empresa geravam prejuízos, o que era recompensado pelas operações financeiras. É perfeitamente compreensível que uma empresa que não reinveste em suas operações, demite funcionários anualmente (a Enron tinha um programa fixo de corte de 15% de seu quadro) e não estimula sua força de vendas, não irá conseguir se manter no mercado por muito tempo, haja vista que o mercado financeiro é um processo de alto risco, e principalmente baseado nos resultados operacionais da empresa. Como a Enron fraudava bons resultados operacionais, o mercado trazia benefícios para a empresa, investindo nela, mas, a partir do momento em que foram descobertas suas fraudes, o “jogo” no mercado financeiro mudou totalmente e causou a falência da Enron em tempo recorde. Ética e Problema de Agência A Enron cometeu várias ações antiéticas, que vão desde o financiamento de campanhas políticas até a venda de ações de seus funcionários de forma ilegal. Foi justamente por conta das fraudes e da falência da Enron que foi criada a lei Sarbanes Oxley (SOX), que endurece os procedimentos de controles e auditoria nas empresas.
  • 3. A Enron sempre manteve relações próximas com a família Bush. Logo após sua fundação, ela foi amplamente beneficiada com subsídios do governo, - subsídios estes que pairavam na casa dos bilhões - além de quê, Ken Lay, seu fundador, ganhou bastante visibilidade como embaixador da desregulamentação do setor de Energia no governo de George W. Bush pai. Esta relação continuou tão próspera a ponto de a Enron ser a maior contribuinte corporativa para a campanha presidencial de George W. Bush filho. Ao financiar boa parte da campanha presidencial de George W. Bush filho e ser beneficiada futuramente por ele na questão da regulamentação da energia na disputa com o governo da Califórnia, a Enron mostrou toda a sua postura antiética, pois se valeu do apoio do presidente americano, que também era amigo particular de seu CEO[1], para conseguir que seus interesses fossem salvaguardados numa esfera judicial. Na ocasião, Bush foi muito criticado. No entanto, conseguir provar legalmente que houve um Lobby e um benefício por parte da Enron é muito complicado, haja vista que a legislação permite que pessoas físicas e jurídicas sejam doadoras de campanhas políticas. Mas o fato é que além de ser uma grande financiadora da sua campanha, a Enron pressionou muito o congresso em Washington e a Casa Branca para que houvesse a desregulamentação total no setor de energia e gás natural, o que ocorreu. Com o caminho livre e o setor de energia desregulamentado, a Enron cometeu crimes, tanto do mercado financeiro, quanto crimes contra o Estado e a população, ao espalhar boatos sobre o valor da energia para supervalorizá-lo e ao mesmo tempo parar propositalmente a geração de energia na Califórnia. Desta forma, pressionado, o governo da Califórnia toma ações no sentido de regulamentar o setor de energia, mas tropeça na legislação e vai pedir ao governo federal (Casa Branca) para que interceda e resolva tal problema. Neste momento, o presidente George W. Bush se tomou uma decisão que poderia ser interpretada – e foi – pela sociedade como uma decisão de privilegiar a empresa que lhe beneficiou financeiramente no passado e com a qual mantinha um bom relacionamento através de seu CEO e sócio majoritário. A questão da Ética é muito importante neste aspecto. Segundo Thiry-Cherques em Ética para Executivos, (2008: p. 30) a Ética é “uma reflexão sobre os fundamentos das normas morais e sobre a sua justificação”. Assim sendo, uma pessoa com relações tão próximas a uma empresa que está sendo julgada na posição de réu não pode ser seu julgador, por motivos óbvios. E quando Bush não se isentou do julgamento e tomou a decisão de “lavar as mãos”, indiretamente beneficiou a Enron em detrimento da população, a qual o elegeu e tem em sua figura seu representante direto. Bush foi antiético ao beneficiar o particular em detrimento do público, e a Enron, também foi anti-ética porque provocou tal situação de decisão. Um outro ponto que é importante destacar, e se assemelha tanto à questão Ética quanto à questão do problema de agência é que o governador da Califórnia seria o próximo concorrente de Bush nas eleições presidenciais, ou seja, indiretamente ele ajudou a Enron e deixou de beneficiar (decisão que seria a mais justa perante a necessidade popular) um provável adversário nas urnas. Para Gitman, quando um executivo da área financeira ou correlata (que possua alguma ligação com a área financeira) coloca seus interesses pessoais à frente dos interesses da empresa, ele comete um problema de agência (2004:p. 17), e foi justamente isso o que ocorreu na Enron, e em várias ocasiões.
  • 4. Já em 1986, um ano após a fundação da Enron, seu presidente na época, Louis Bourget e seu contador, Tom Mastroeni desviavam dinheiro dos fundos corporativos para suas contas pessoais. Neste momento, Ken Lay soube da situação, mas decidiu não interferir nem punir os culpados, mas continuar com a operação, pois gerava dinheiro muito à empresa. Assim, Ken Lay não apenas praticou problema de agência, mas incentivou sua equipe a fazer o mesmo. Louis Bourget se arriscou tanto que chegou a perder 90 milhões em cinco dias, o que foi devidamente contornado pela Enron, ou numa expressão mais correta, “maquiado”. Assim, mais uma vez, Ken Lay mostrou que se importava mais com seus interesses pessoais e não demitiu os traders[2] que cometeram as falcatruas, mesmo eles tendo cometido um problema sério de agência. Para Ken Lay, o que realmente importava era se ele também estava ganhando dinheiro. No entanto, logo após este escândalo, Louis Bourget foi preso por fraude e Ken Lay teve que conseguir um novo “ganhador de dinheiro” para a Enron. Ações e Bolsa de Valores Com a saída de Louis Bourget, Ken Lay descobriu Jeff Skilling, que também era visionário e possuía grandes idéias. Para a Enron, ele levou a idéia de expandir a geração de energia, tornando-a uma espécie de bolsa de valores do gás natural. Assim, a Enron transformou a Energia em instrumentos financeiros negociáveis como ações e títulos, saindo do horizonte do fluxo físico dos gasodutos. A Enron começou a seguir uma cultura impulsionada por Skilling e baseada no preço de suas ações, onde boa parte dos funcionários era paga em ações e esperava o fechamento do trimestre para comemorar a alta destas ações. Mas o que a maioria destes funcionários não sabia é que quem empurrava o preço das ações para cima eram os próprios executivos com suas manobras contábeis. O mercado, assim como a sociedade eram ludibriados pela Enron, através de sua estratégia de Relações Públicas tão eficiente, a qual vendia uma imagem excelente ao mercado. Mas os analistas financeiros mais próximos, os que acompanhavam de perto a Enron, não podiam se dar ao luxo de desconfiar de suas ações (houve casos de demissão de analistas que rebaixaram as avaliações da Enron e não recomendaram suas opções de compras de ações). Sendo assim, a Enron possuía firmas de auditoria e bancos renomados avalizando suas ações, como a firma de auditoria Arthur Andersein e o banco de investimentos Merryl Linch, o que garantia certa tranqüilidade e credibilidade ao mercado. A regra na Enron era nunca perder, a qualquer custo, e para isso eram realizadas diversas manobras no mercado de ações. Desta forma, com seu método contábil de marcação a mercado, Jeff Skilling conseguia manipular os lucros presentes e futuros da Enron, passando a sensação de que tudo estaria ótimo para a empresa. Ora, se ele criou o modelo de negociação na bolsa de valores – e a operação na bolsa é muito arriscada – faltava apenas criar uma redoma de segurança para que sua empresa apenas lucrasse, custasse o que custasse. E foi o que ele conseguiu, pois este método permitia registrar lucros futuros mesmo sem terem ocorrido ainda e gerou muito dinheiro à Enron durante alguns anos, mas também a afundou.
  • 5. A derrocada Da Enron A Enron foi sucumbida por sua ganância, que fazia seus executivos se arriscarem mais e mais no dia-a-dia para realizar fraudes e garantir o retorno financeiro da empresa. E foi este risco demasiado que levou uma jornalista da Fortune e um investidor, a desconfiarem dos balanços da empresa. A jornalista publicou um artigo questionando de onde viria o dinheiro da Enron, o que foi o suficiente para mexer com o mercado, deixando-o em alerta e deixar os executivos da Enron muito nervosos. A partir daí, a derrocada da Enron ocorreu a passos largos, chegando a ser decretada falência em menos de 6 meses após o início da investigação da jornalista. A lição que fica neste estudo de caso é que a Ética sempre deve prevalecer no mundo dos negócios, especialmente para os administradores financeiros, que são os responsáveis por gerir com polidez e responsabilidade os recursos financeiros da empresa, além de quê não deve haver desregulamentação no mercado, ou seja, o governo deve sempre manter o controle sobre as ações do mercado, especialmente o financeiro, para que casos como o da Enron não voltem a acontecer. [1] Chief Executive Officer – É o presidente de uma empresa. [2] Trader é o operador da bolsa de valores no mercado financeiro. Diogenes Monclair Administrador de Empresas pela FGV - Nova Roma