1. O documento apresenta um modelo para cálculo de flechas em vigas de concreto armado considerando estádio I e II. É descrito como calcular a rigidez equivalente, momentos de inércia e posição da linha neutra.
2. É apresentada uma equação para calcular a flecha adicional devido à fluência do concreto ao longo do tempo.
3. É fornecido um exemplo numérico para verificar o estado limite de serviço de deformação excessiva (flecha) em uma viga biapoiada de edifício residencial.
1. 1
CENTRO FEDERAL DE EDUCAÇÃO TECNOLÓGICA DE MINAS GERAIS
DEPARTAMENTO DE ENGENHARIA DE PRODUÇÃO CIVIL
NOTAS DE AULA DE CONCRETO II
Professora: Eliene Pires Carvalho
Colaboração: Marina Dias da Mota
2. 2
Tema 1: Flechas em vigas de concreto armado
__________________________________________________________________________
1. Estados Limites de Serviço (ELS)
São aqueles que correspondem a condições em serviço. Sua ocorrência,
repetição ou duração podem causar efeitos estruturais que não respeitam
condições especificadas para o uso normal da construção ou que são
indícios de comprometimento da durabilidade. Podem ser citados como
exemplos:
a) Danos estruturais localizados que comprometem a estética ou a
durabilidade da estrutura − fissuração;
b) Deformações excessivas que afetem a utilização normal da construção
ou o seu aspecto estético − flechas;
c) Vibrações excessivas que causem desconforto a pessoas ou danos a
equipamentos sensíveis.
Nestas notas de aula será especificado um modelo para o cálculo de flechas em vigas de concreto armado,
considerando-se estádio I e estádio II, conforme será descrito nos itens seguintes.
Segundo a NBR 6118:2014, no estado limite de serviço a estrutura pode trabalhar parcialmente no estádio
I (não fissurada) e parcialmente no estádio II (fissurada), conforme mostrado na figura 1.
Figura 1 – Comportamento de uma viga biapoiada
Observe na viga mostrada na figura 1 que a seção a-a encontra-se no estádio I (não fissurada) e a seção
b-b no estágio II (fissurada).
Para avaliar se as seções transversais da viga estão no estádio I ou II, faz-se a comparação entre o
momento de serviço (Md,serv) e o momento de fissuração (Mr).
Se Md,serv ≤ Mr tem-se estádio I, caso contrário, estádio II
P0 P0
P1 P1
P2
P2
3. 3
O momento de serviço deve ser calculado adotando-se a combinação de ações para o ELS apresentada na
equação 1:
Mqi,k - é o valor característico do momento produzido pela ação variável direta (i).
O momento de fissuração pode ser calculado adotando-se a equação 2:
onde:
= 1,2 para seções T;
= 1,3 para seções I;
= 1,5 para seções retangulares;
é o fator que correlaciona, aproximadamente, a resistência à tração na flexão com a resistência à
tração direta;
yt é a distância do centro de gravidade da seção à fibra mais tracionada;
Ic é o momento de inércia da seção bruta de concreto;
fct é a resistência à tração direta do concreto. No caso da determinação do momento de fissuração
deve ser usado o fct,m para o cálculo da flecha e verificação do ELS de deformação excessiva.
- para concretos de classes até C50:
fct,m = 0,3 fck
2/3
fct,m e fck são expressos em megapascal
- para concreto de classes de C50 até C90:
fct,m = 2,12 ln (1 + 0,11 fck)
fct,m e fck são expressos em megapascal
(1)
(2)
4. 4
2 Cálculo da flecha em vigas de concreto armado
De acordo a teoria das estruturas o cálculo dos deslocamentos (flechas) em barras devido à flexão se
baseia na solução da equação diferencial clássica da linha elástica para vigas:
2
2
d y M
EI
dx
y - é a equação da linha elástica, função da variável x, eixo da viga;
M - equação de momento fletor, função de x;
E - módulo de elasticidade longitudinal do concreto (secante);
I - momento de inércia da seção transversal de concreto, que é função da sua geometria e do detalhamento
das armaduras e EI - rigidez à flexão.
PINHEIRO (2010) apresenta a tabela abaixo para o cálculo de flechas em vigas considerando-se a
equação (3) com algumas condições de carregamento e apoio.
(3)
5. 5
Observe que em todas as expressões o produto EI (rigidez à flexão da viga) aparece no denominador e
influencia diretamente no cálculo da flecha. Portanto, a ordem de grandeza da flecha depende do módulo
de elasticidade do material e do momento de inércia da seção transversal. . Importante citar que, quando a
viga começa a apresentar fissuração, a rigidez à flexão (EI) diminui e há um aumento no valor da flecha
que deve ser considerado no cálculo. Uma vez que a seção de concreto armado é composta por dois
materiais diferentes (aço e concreto) e pode estar no estádio I ou II (fissurada ou não), a verificação da
flecha deve ser realizada através de modelos que considerem a presença da armadura e a existência de
fissuras no concreto. Por isto a importância de se avaliar inicialmente se as seções da viga estão
trabalhando no estágio I ou II, como citado no item anterior. Para levar em consideração os fatores citados
acima, de uma forma aproximada, a ABNT NBR 6118 apresenta a equação 4 para o cálculo da rigidez
equivalente (EI)eq das seções de concreto armado.
1
3
3
( ) I I I
r
r
eq cs c II cs c
a a
M
M
EI E E
M M
Ic é o momento de inércia da seção bruta de concreto;
III é o momento de inércia da seção fissurada de concreto no estádio II;
Ma é o momento fletor na seção crítica do vão considerado, ou seja, o momento máximo no vão para vigas
biapoiadas ou contínuas e momento no apoio para balanços, para a combinação de ações no ELS.
Mr é o momento de fissuração do elemento estrutural.
Ecs é o módulo de elasticidade secante do concreto. Ecs = i . Eci i = 0,8+0,2 .
80
ck
f
≤ 1,0
Eci = E. 5600 ck
f , para fck de 20 MPa a 50 MPa;
Eci = 21,5.10
3
. E .
3
/
1
ck
25
,
1
10
f
, para fck de 55 MPa a 90MPa.
E = 1,2 para basalto e diabásio
E = 1,0 para granito e gnaisse
E = 0,9 para calcário
E = 0,7 para arenito
Onde:
Eci e fck são dados em megapascals (MPa).
O valor de (EI)eq pode ser adotado para uma avaliação aproximada da flecha imediata em vigas de
concreto armado e depende, entre outros fatores, do momento de inércia da seção bruta de concreto e do
momento de inércia da seção fissurada (estádio II). No item seguinte serão apresentados os conceitos e as
expressões para o cálculo dessas duas propriedades.
(4)
6. 6
3 Homogeneização das seções de concreto armado e cálculo dos momentos de
inércia no estádio I e no estádio II
Para o cálculo do momento de inércia da seção de concreto no estádio II é necessário homogeneizar a
seção transversal, uma vez que ela é formada por dois materiais com propriedades diferentes – concreto e
aço. Essa homogeneização é feita substituindo-se a área de aço por uma área correspondente de
concreto. Ou seja, a área de aço As é multiplicada pela relação n = ES/Ecs entre os módulos de elasticidade
do aço e do concreto, conforme mostrado na figura 2.
Seção original Seção Homogeneizada
Figura 2 – Homogeneização da seção de concreto armado
De acordo com a figura 2, no estádio II o concreto tracionado que se encontra abaixo da LN é desprezado,
pois ele está fissurado. A seção homogeneizada fica então representada por uma área de concreto
comprimida (1) e uma área de aço transformada teoricamente em concreto (2) na região tracionada.
O cálculo do momento de inércia da seção homogeneizada no estádio II deve ser feito com relação à linha
neutra (LN), portanto o primeiro passo será determinar a posição da mesma.
Para a determinação da posição da LN, considerando-se a seção homogeneizada como uma figura
composta pelas figuras 1 e 2, faz-se o momento estático da seção com relação ao centroide (C) igual a
zero (MC=0), ou seja:
. . . 0
2
xII
M b x nAs d x
C II II
n = ES/Ecs e Es = 210 GPa=21000 kN/cm
2
A área de aço (As) da viga deve ser calculada previamente, conforme apresentado no curso de concreto I.
O momento de inércia da seção no estágio II pode ser calculado adotando-se a equação 6:
3
2
.
3
bxII
I nAs d x
II II
1
2
(5)
(6)
xII
7. 7
Essa equação foi deduzida com base no teorema dos eixos paralelos (Teorema de Steiner) para a
determinação do momento de inércia de figuras compostas.
Figura 3 – Momento de inércia e teorema de Steiner (Prof. Damin Apostila de tópicos de Mecânica )
Para o caso da seção homogeneizada da figura 2:
Momento de inércia da área de concreto (1) com relação à LN:
3
1
3
bxII
I
Momento de inércia da área de aço após homogeneização (2) com relação à LN:
2
.
2
I I nAs d xII
No caso da armadura I pode ser desprezado.
O momento de inércia total da figura composta: III= I1+I2 de acordo com a equação (6).
O momento de inércia da seção transversal no estádio I (seção não fissurada) é calculado considerando-se
que o concreto resiste à tração. Para a seção retangular, a posição da linha neutra e o momento de inércia
podem ser calculados com base na Figura 4.
Figura 4 – Seção de concreto Estádio I
Por simplificação o momento de inércia da seção no estádio I será considerado igual ao da seção bruta de
concreto (Ic=bh
3
/12).
8. 8
4 Flecha adicional devido à fluência do concreto
Conforme visto em Concreto I, a fluência é uma deformação que depende do carregamento e é
caracterizada pelo aumento da deformação imediata ou inicial, mesmo quando se mantém constante a
tensão aplicada. Ela ocorre devido à explulsão de àgua quimicamente inerte de camadas mais internas
para regiões superficiais da peça, o que desencadeia um processo de crescimento da deformação inicial
até um valor máximo no tempo infinito. Portanto, a flecha imediata, a ser calculada conforme mostrado nos
itens anteriores, sofrerá um acréscimo ao longo do tempo de serviço da viga.
A flecha adicional diferida, decorrente das cargas de longa duração em função da fluência, pode ser
calculada de maneira aproximada pela multiplicação da flecha imediata pelo fator f dado pela equação 7:
50
1
f
d
b
As
é um coeficiente função do tempo, que pode ser obtido diretamente na tabela 2 ou ser calculado
pelas expressões seguintes:
)
(
)
( 0
t
t
0,32
)
996
,
0
(
68
,
0 t
(t) t
para t 70 meses
(t) = 2 para t > 70 meses
Tabela 2 - Valores do coeficiente em função do tempo
Tempo (t)
meses
0 0,5 1 2 3 4 5 10 20 40 70
Coeficiente
(t)
0 0,54 0,68 0,84 0,95 1,04 1,12 1,36 1,64 1,89 2
sendo:
t é o tempo, em meses, quando se deseja o valor da flecha diferida;
O valor da flecha total deve ser obtido multiplicando a flecha imediata por (1 + f).
A flecha total obtida deve ser comparada ao valor limite apresentado na ABNT NBR 6118 (ELS para
deformação). Caso esse limite seja ultrapassado, tem-se entre as soluções possíveis:
• aumentar a idade para aplicação da carga (aumentar t0), mantendo o escoramento por mais tempo.
• adotar uma contraflecha.
A flecha máxima admissível em vigas quando atuar o carregamento de serviço, segundo a ABNT NBR
6118, é fadm = /250 ( = vão da viga)
Caso seja adotada uma contraflecha, ela não poderá ser maior que /350.
(7)
9. 9
ck
5 Exemplo – Livro Comentários técnicos e exemplos de aplicação da NB-1
Fazer a verificação do estado limite de serviço correspondente à deformação excessiva (flecha) para a
viga biapoiada de um edifício residencial (Figura 5).
Figura 5 – Viga biapoiada
Considere seção transversal de 22cm x 40cm, vão equivalente l = 410cm, concreto C25, aço CA-50,
armadura longitudinal 4ϕ20 (12,60cm
2
) e d = 35,9cm. Considere também a retirada do escoramento
aos 28 dias e concreto feito com brita gnaisse.
As ações serão compostas por carga permanente (gk) e carga acidental (qk) com valores característicos
dados por:
gk = 40 kN/m e qk = 10 kN/m
a) Análise inicial:
Conforme visto no item 4, a flecha máxima admissível em vigas quando atuar o carregamento de serviço é:
fadm = /250 ( = vão da viga). Portanto, em serviço, a viga do exemplo deve apresentar flecha máxima
igual a:
fadm = /250 = 410/250 = 1,64 cm.
Nos itens seguintes vamos calcular a flecha da viga sob as ações de serviço e vamos comparar com este
valor máximo admissível. Iniciaremos com o cálculo do momento de fissuração e as verificações sobre o
comportamento da viga no estádio I ou II.
b) Momento de fissuração
Considerando-se a equação (2) apresentada no texto:
= 1,5 (seção retangular) e yt = 40/2=20 cm
3 3
22.40 4
117333
12 12
bh
Ic cm
fct fctm 0,3 f 2/ 3
0,3.252/3
2,565 MPa 0,2565 kN / cm2
M
1,5 0,2565 117333
2257 kN.cm 22,6 kN.m
r
20
10. 10
c) Momento de serviço x Momento de fissuração
Combinação para o estado limite de serviço (ELS) (ver página 3)
Fd,serv= gk +ψ2 qk = 40+0,3.10 = 43 kN/m
2
43.4,1
90,35 .
,
8
M kN m
d serv
Como Md,serv > Mr = 22,6 kN.m a viga pode estar fissurada e é necessário calcular a posição
da linha neutra (xII) e o momento de inércia ( III) no estádio II.
d) Cálculo da posição da linha neutra e da inércia da seção no estádio II
Para seção retangular com armadura simples, xII é obtido com a equação (5)
. . . 0
2
xII
M b x nAs d x
LN II II
Es = 210 GPa = 210 000 MPa
Para o cálculo do módulo de elasticidade do concreto ver página 5.
Ecs = i . Eci i = 0,8+0,2 .
80
ck
f
=0,86
Eci = 1. 5600 ck
f = 28000 MPa
Ecs = 0,86 Eci = 0,86. 28000=24080 MPa
n
Es
Ecs
210 000
24080
8,72
22
x 2
8,72.12.60x 8,72.12,60.35.9 0
2
xII = 14,6 cm (a raiz negativa é ignorada)
O momento de inércia é dado ela equação 6:
3
22.(14,6) 2 4
8,72.12,6 . 35,9 14,6 73242
3
I cm
II
11. 11
A rigidez equivalente é dada pela equação (4):
1
3
3
22,6
22,6
( ) 2408 117333 73242 2408 73932,07
90,35 90,35
x
eq
EI
e) Cálculo da flecha imediata
De acordo com a tabela 1:
4 4
5 5 43/100 410
,
0,9
384 384 2408 73932,06
F l
d serv
f cm
i
EI
eq
f) Cálculo da flecha diferida e da flecha total no tempo t=∞
Considerando-se a retirada do escoramento aos 28 dias e de acordo com a equação (7) e tabela 2:
0 ( )
armadura simples
(t) (t ) 2 0,68 1,32
0
1,32
1 50
f
Flecha total= f(t=∞)=fi . (1 + f) =0,9. (1+1,32)=2,09 cm
g) Comparação da flecha total diferida no tempo com a Flecha admissível (ELS)
Conforme analisado anteriormente, a flecha admissível é:
fadm = /250 = 410/250 = 1,64 cm.
Portanto haverá necessidade de especificar uma contraflecha pois f(t=∞)=2,09 cm >fadm=1,64 cm.
A contraflecha máxima não pode passar de 410/350= 1,17 cm.
Para atender aos dois critérios será especificada no projeto uma contraflecha igual a 1,0 cm.
Outras providências
Quando forem necessárias, outras providências podem ser adotadas para diminuir as deformações. As mais
comuns são: aumentar a seção transversal (b ou h), aumentar As ou adotar armadura de compressão A’
s.
12. 12
EXERCÍCIO PROPOSTO 1:
Fazer a verificação do estado limite de serviço correspondente à deformação excessiva (flecha) para a viga
biapoiada de um edifício residencial (Figura 6).
Figura 6 – Viga biapoiada
Considere seção transversal de 22cm x 50cm, vão equivalente l = 450cm, concreto C30, aço CA-50, armadura
longitudinal 4ϕ20 (12,60cm
2
) e d =4 5 cm. Considere a retirada do escoramento aos 7 dias e concreto feito com
brita gnaisse e cimento CPIII.
As ações serão compostas por carga permanente (gk) e carga acidental (qk) com valores característicos dados por:
gk = 45 kN/m e qk = 10 kN/m
EXERCÍCIO PROPOSTO 2:
Refazer o Exercício Proposto 1 considerando a retirada do escoramento aos 28 dias.
Referências Bibliográficas
ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. Projeto de estruturas de concreto –
Procedimento, NBR 6118. Rio de Janeiro, ABNT, 2014, 238p.
ABNT NBR 6118 Comentários e Exemplos de Aplicação.Ed: IBRACON
NEY AMORIM SILVA– Apostila de Concreto Armado I – Universidade Federal de
Minas Gerais- Departamento de Engenharia de Estruturas, 2015.
LIBÂNIO M. PINHEIRO e CASSIANE D. MUZARDO – Apostila de Estruturas de
Concreto – capítulo 14 – 2004.