Este documento discute a relação entre os saberes tradicionais da cultura amazônica e a aprendizagem matemática escolar. Ele apresenta uma pesquisa realizada com alunos ribeirinhos da Ilha Grande de Belém para identificar os saberes matemáticos presentes em suas práticas tradicionais e explorar como esses saberes podem contribuir para a aprendizagem escolar e vice-versa. A pesquisa envolveu observações em sala de aula e entrevistas na comunidade para mapear os saberes locais e discutir form
2. SABE RE S/FAZERES TRADI CIONAIS DA CULTU RA AMAZÔNI CA
E A APRENDIZAGEM MATEMÁTICA ESCOÏÁR
Márci a Aparecidapueíroq 6EDUC -PA)6
Isabel Cristina Rodrìgau del-acenaT
INTRODUçÃO
No presente, torÍrâ-se importante compreender os sabetes/fazeres
tradicionais que orientam as prátìcas socioculturais e de manejo das
comunidades locais, bem como as possíveis mudanças ocorridas em suâs
realidades ao longo do tempo. Isto Porque precisamos identificar nesses
sabercsf fazeres potencialidades matemátic s para que possamos estabelecer
relações com a matemâíca escolar propiciando entendimento do que, neste
estudo, chamamos de saberet tradicìonais,quer dizss, saberes popukçõu tradicionais
de
da Cultura Ama{ntca. Nesses termos, saber traücìonal é uma categoria que está
incoqporada no que se refere às atividades no modo de produção e no modo de
vida das populações tradicionais. Vale dizer, ainda, que o uso desta exptessão
saberes tradicionaisnão está, pois, relacionado à idéia de saberes saberes
altrapassados,
rudirzeúares, lmas a saberes de grupos sociais que üspõem de expetíências
e uiuências pn5prias.
Neste artigo, tratamos de algumas das reflexões de Queiroz (2009)8,
atinentes reconhecimento de outÍas formas de expressão do saber
^e
construído historicamente por grupos locais, acrescido do enfoque de
(re)ligação ou complementaridade de perspectivas que, possivelmente, implicará
em uma redefinição dos laços sociais, no retorÍìo do sujeito, na valorização da
ética e no redimensionamento do imaginário.
Sabemos que o âcesso às novas tecnologias tem se tornado, muitas vezes,
obsúculo para as populações madicionais, por getar novos conflitos. De um
laáo, hâ os grandes agentes econômicos interessados Íìos ÍecuÍsos naturais e
territoriais; e, de outro, os povos ttadicionais que têm üreitos sobre seus
recuÍsÕs narurais e que Írecessitam ser incluídos nos avanços da ciência que
6 Professorada Rede Púbüca Estadual do Pará (SEDUC), Mestte em Bducação em Ciênciase
Matemáticas pela Univenidade Federal doPatâ. E-mail: metciaquetoz@yúoo.com.br
7 Professora do Prograrna de Pós-Graduação em Educação em Ciências e Matemáticas do
Instituto de Educação Matemática e Cíentífica da Univetsidade Fedetal doPel:â, cootdenadora do
Grupo de Estudos e Pesquisasem Educação Matemâaca e Culn:ra Amazônica (GEMAZ).
E -maí-l:ilucena@aípa.t:t
8 Reflexões coristantes da dissertaçãode mestrado de
Queiroz (2009).
3. ,il) l',lat,4tttt h/lilmnilìrit r ( ,lnLuntr1ntayônìca EdacaçãoMatemática e Cultara Amaqônica 37
iltinlìclÌì () câlÌll)(). llír, ptlis, c()ní:follt()cntfe o saber científìCOdO podef ABORDAGEM INVESTIGAÏTVA DA PESQUISA
Irt.gcrrrônit:oc () s^l)cìr tratliciorritl. t'i ir"rstamenteo saber tradicional qÌ]e a
societlarlc otrtriz;l(l'à tcm lutado pafa c()nservaÍ e ga:rantit Seus diÍeitos sobre A compreensão das formas pelas quais as comunidades tradicionais
tt'rritílriosamcaçaclos. estrutuÍam suas práticas sociais estabelecem relãções com os recuÍsos da
A ca<lanova forma cle poder que se estabelecena sociedade, a educaçáo é floresta e se organtzan socialmente, toÍna-se importante, pzía uma
srrlrrnctida â novâs atribuições de valores, tânto em rrJ;açãoaos métodos de aproxìmaçã.o üilógica, como dissemos, entre as potencialidades matemáticas
crrsino, quanto em relação às políticas educacionais.A Educação Matemática desses saberes tradicionais da Cultus Amazõnca e os saberes ditos escolates.
trrrrrlrónr faz parte dessahistória. Temos como pressuposto que o saber tradicional desses sujeitos, além de
'fodavia, quando exist€ um grupo de pessoas teunidas pafa se soiral6z^r, orientar as suas práticas sociais, permite resolver problemas práticos e
utÌìâ ()rclem social é desenvolvida Pâfa aquele Sfupo pafticular de indivíduos, imediatos, tais como maneiar os recursos da floresta, de forma sustenúvel ou
inrlcpendente da cultura, da raça, da reügião. Isto acontece nas escolas' nas não, assegurando, de marrdÍz- sistemática, sua reprodução social, cultural e de
fiillricas, nos hospitais, nos escfitófios, Íras comuÍridades onde quer que âs seu grupo familiar.
de alguma forma. Nesse olhar sutge a necessidade de questioÍÌar, por exemplo, como esses
l)cssoas se encontfem reguiaÍmente pafi- sociâlizarem-se
l,lxiste uma ética de orgarização e um sentido que é peculiâf a este grupo saberes da tradição dos alunos de uma dada comunidade amazõnica, podem
cspecificamente. Na comunidade ribeirinha da Ilha Grande Belém onde corìtribúr p^ra a aprendizagem da matemática escolar e os sâberes escolâÍes,
rcüzamos estâ pesqúsa não é diferente. Sem dúvida, foi necessário estudarmos por sua vez, podem contdbuir p^n aúda dessesalunos?
â culturâ dessegrupo observando o contexto que o envolve. Essa foi à problemática que nos direcioriou a destacaÍ, neste esrudo,
Quando se tfatâ das matemátÍcas, tida como um fenômeno intemacional dentre os diversos atores sociais que fazem parte da Cultura Amazõntca, 1"1
c cultufâl, âcfeditamos que não existe nenhuma t^zã.o pela quai â educâção alunos ribeirinhos de uma f.atxa etâria entre 10 e 14 anos, vhculados à de 5"
lnatemática deva ser igual em todas aS sociedades, mesmo sabendo que, em série do ensino fundamental. Estudantes de uma escola oública da zona urbana
nível sociocultural as matemáticas são mediatizadâs por diversas instituições da de Belém do Pará e residentes na nha Grande Belém, nas proximidades da
s()ciedade e que, pof sua vez, estas estão submetidas a forças políticas e capital, estes estudântes fazem a travessia do rio Guamâ todos os dias pata
i<fcolcigicas de cada sociedade. Porém, reconhecef que a Educação é condnuar os estudos apafrt da 5'série (atual 6" ano).
cìssencialmente um pÍocesso social e que, em conseqüência, a F;dacaçáo Para desenvolver e rcfletfu sobre esta problemáticâ estâbelecemos como
Matemática também deve contemplar em seu núcleo essa suposição, significa objetivo getal desta investigação o seguinte - Cornpreender a relação
(:ompfeendef que a Educação MatemâAca poÍ tef uma Íìatufezâ social, humana recíproca entre saberes tradicionais da cultura dos alunos dbeirinhos e
c interpessoal, ignora a pressâ em adquitir técnicas matemáticas Para efltão sabetes matemáticos escolares na construção de saberes outÍos,
c()nseg;iÍ uma Educaç ãr:'Matemâttca "efi ciente" (BISHOP, 1999, p. 31)' relevantes à vida do aluno ÍÌo seu cotidiano, incluindo o escolar.
Os estudos interculturais nos mostram, ainda, que o erisino e a Definindo este iÍÌtuito, sentimos necessidadede desdobrar tal objetivo geral em
das matemáticas em uma sociedade predominantemerÌte agricola, dois objetivos específi.cos, quais sejamr a) Identificar que saberes maremático
^Í)rendiz^gem dos de uma sociedade podem seÍ encontrado nas práticas ttadicionais dos alunos ribeirinhos da Ilha
1rìr. exemplo, pode sef Írotavelmente diferente
iccnológica. Podemos üze! também, Que, em nívei social, sociedades Grande Belém e que não são levados em conta no trâtamenta da matemâaca
<ìiferentàs podem empenhar-se parâ que suas instituições educativas formais e escolar, e b) Refletir sobre as possibilidades de (re)ügação desses saberes em
infìrrmais cÌirecionem suas abordagens de ensino e aptenlizagem das sala de aula ou fora dela.
rnatemáticas em função de suas aspirações e de suas metâs sociais. A pesquisa de campo foí rcaüzada em duas etapas, em cenários
Diante desse discufso, faz-Se necessáfio comPfeendef o coÍÌtexto da sobremaneira diferenciados. De um lado, a Escola Estadual de Ensino
investigação para podermos sitLtaf discussões e feflexões subsequentes. Fundamental em Regime de Convênio "Monsenhor Azevedo", situada na zon
penÍénca de Belém. De outro lado, a comunidade ribeirinha da Ilha Grande
Belém situada a 1"2 km ao Sul desta capital, cuias condições de vida e de
trabalho centrâm-se no extrativismo e no cultivo do açaí, bem como, em menor
4. 32 I idnaçiitt Malntálu e (,lnltsra Ána76nìca
EdxcaçãoMatenrítica e Cl ltura Amazôtica 33
gss2 esta medida contando quantospalmos tem do untbìgo para baìxo de um honen qae,
lrloporçlìo, no cxtrativismo tlo ca(:au c do cupuaçu. Isto quet rlirzsl qus
segundo os moradores, sempre dará ctncrs palmos; se o homem for "muito
tcnì c()nl() cerne (le sua subsistênita a extração dos produtos
r:otrrtrrri<l,,rrlc
baixo", são arescentados trêsa quatro d.edos
de acimado umbìgo.
1rr<xluzidos pela floresta. Por isso mesmo a sua relação com o rio torna-se
A partit das teflexões que tais saberes propiciam, buscamos compreender
rrrrritoimportatrte.
(,<rrno procedimentos metodológicos foram reaJszadas cnno eisessaberes podem contribaìr para a uida dos alunos m sea cotidiano, incluindo o
observações na sala
cotidìanoescolar.
tlc: atrla, as quais foram registradas em diário de câmpo pelo período de um mês
Para ttnto, elegemos para intengir coÍrosco em um diálogo cognitivo o
lctivo. Nesse período, foi feito um diagnóstico sócio cultural dos alunos da
processo (i) de cultivo, (ii) de colheita, (ut) d. transporte e (iv) de comércio do
trrrnra selecionadade 33 alunos por meio de um questionário com perguÍrtas
açaí, fatos que ïepreseÍÌtâm a realidade vivenciada pela maioria dos alunos da
lrbcrtas e fechadas, sendo observado, também, o conhecimento matemático
sala de aula pesquisada. Nosso intuito é mostrar a possìbilìdade un diálogo
de
lrrrrpedêuticc'r série em curso. Aeapa subseqüente dareahzaçáo deste estudo
à
etaomatenáticoentre os saberes tradicionaìs dos alunos e os saberes matemátìcaesmlar
da
cnvolveu o ambiente cotidiano dos alunos. Entreüsta semi-estruturada e
(ì()rìvers?ìs informais fotam registradas no diario de campo, âssim como fotam facilitando a (re)contexíualìryção conhecimentos.
dos Sabemos qlle essâspotencialidades
do conhecimerrto matemático presente no cotidiano de uma comunidade, por
tcit<rs registros fotográficos que serviram de meios para coletar e analisar
vários fatores, não são deúdamente exploradas na realidade educacional.
inÍìrrmações. Como havia alunos que residiam em vários locais que implicavam
De outro Iado, a forma como o ensino é veiculado nas instituições
rrnra 'diversiclade de cotidianos', em várias ilhas e também em vários bairros da
escolares, na qual o conhecimento matemático é desvirruado de sua praticidade
tl>na penfêúca da cidade, ümos necessidade de fazer uma seleção. Em função
e âssume uma conotâção absttata pel se, sem relação com o universo do aluno.
rlcssa seleção, a investigação foi rcalizada no ambiente cotidiano de um grupo
Palz adequar o trabalho escolar a esta nova realidade, mzrcada pela crescente
rlc l L alunos, moÍadores da llha Grande Belém.
necessidade de qualificar a formação humana em consonância com suas
As constantes visitas à Ilha possibiütâram-rìos defrontar com a tealidade
necessidadestecnológicas e, ao mesmo tempo, coÍÌservar as tradições fazendo
socioambiental e cultuml da comunidade, bem como a tef acesso aos
esses saberes üalogarem, acreditamos que, como professores de matemáú,ca,
stúteresffrzeres produzidos por esse grupo de alunos ribeirinhos e de sua
devemos criar novos ambientes de aprendizâgem nos quais se pnonze a
comunidade no cotidiano sócio cultural. Isso disse respeito às práticas
elaboração de novas metodologias de ensino.
rcligiosas, culturais e econômicas, marcantes na vida social da comunidade, as
Em função disso, no desenvolvimeÍrto deste esürdo foram estimuladas
quais puderam ser observadas em festas juninas e de farrúlias, em reuniões de
reflexões sobre a interação eflt(e saberes matemáticos escolafes e saberes
interesse comunitário, ern atividades produtivas, bem como nas ttadições orais.
tradicionais dos alunos, para evidenciar e compreender a importância da relação
Para estudo, investigamos as potencialidades mâtemáticas eúdenciadas
entÍe esses saberes, levando em consideração as dificuldades de aprendizagem
rr<rssaberes/fazercs desses dbeirinhos, nas quais identificamos especialmente a
das matemáticas apresentadaspelos estudantes.
Íasae, úma unidade de medida usada para quantificar peso e volume dos
1'rrodutos gu€, além de diferir das unidades de medida conhecidas e
rt:conhecidas pela escola, são usadas nessa comunidade como principal
irrstrumento na orgatização do processo da extração e até de cometcialtzação
DIÁLOGO ENTRE AS MATEMÁTICAS DE coNTE,xToS
<kt açai e de outros produtos. Outra forma de medida diferenciada que a
ESCOIÁRESE RIBEIRINHOS
t:omunidade ainda :ut:üza é o palmo, como a medida de comprimeÍrto, quer
As idéias centÍais das reflexões que advieram desta investigação foram
<lizcr, são usados 05 pahnospara contabiÏzantn netro. Comprovam, erÌtretanto,
orgatizadas, didaticamente, em três eixos temáticos, a saber: (a) Intetação
enffe aluno e o sabet matemático escola4 S) Interação ente aluno e
sabetes ttadícionaÍs, G) fntetação entÍe sabet escolat e sabetes
') [ Ítn ripo de cesto confeccionado de talas dt gaatzmã (um tipo de cipó) e jacìtara (outto tipo de
tradicionais.
t ipti) utilizado como unidade de medida de quantidade equiva.lente a duas latas de 18 litros/ou
t rLl.racicla<le im pafleim (outro tipo de cesto).
de Todavia, neste estudo, incidiremos ÍÌossas arválisessobte as reflexões dos
eixos (h) e (c), com o objetivo de ptopiciar aos professores e pesguisadores da
5. 34 I ilwu'ììo M alentútìm t ( )slara .Amazônica EducaçãoMaÍerzática e Cuhara Ama76nìca J5
lilucação Matemática, e de árcas afìns, a explicitação dessa experiência Tais idéias são complemenradas por artefutos e ment{atos (experiências e
pcrlagógica de forma tal que possamos evidenciar possibilidades e apontâr pensates), pois a humanidade age em função de sua capacidade sensorial, que
rlcsafìos de uma abordagem do ensino de Matemática de qualidade, sem perdet responde ao mate:l,al (artefatos), e de sua imagjnaçáo, chamada de cdatividade,
<lc vista a Etnomatemática. que responde abstrato (mentefatos), segundo explicita D,Ambrósio
^o
Sabemos quc as necessidades cotidianas fazem corr, que os alunos QA0.Cada ser humano processa a informação acumulada por ele e pela sua
rfescnvolvam capacidades de natarcza ptâaca pan ltdat com a atividade cultura, definindo sua açào que resulta em seu comportamento e rÌa geração de
rrratemática, () que lhe permite reconhecer ptoblemas, buscar e selecionar mais conhecimento.
informações, bem como tomar decisões. Quando essa capao'dade é No contexto da ha Grande, o principal alimento presente na mesa dos
potcncializada pela escola, a aptendizagem âPreseÍÌtamelhor resultado. Por isso, ribeirinhos é o açaí, além deste ser a principal fonte econômica daquela
ó fundamental não subestimar o potencial matemático dos alunos, comunidade. Â preocupação com a. extta,çã.o,o cultivo, o transporte e a rcIaçào
reconhecendo que muitos deles resolvem problemas, razoavelrnente unidade de medida-valor comercial do produto é notável quando qualquer
complexos, ao Iançar mão de seus conhecimentos sobre o assuÍtto e buscat membro da llha se refere aos saberesffazeres da comunidade. Nessa
t:stabelecer relações enúe o já conhecido e o novo. O significado da atiúdade perspectiva, o cotidiano da comunidade esú sempre impregnado dos saberes e
matemâtica para estudantes resulta de conexões que estes estabelecem eÍltÍe os fazeres da própria üvência. D'Âmbrosio (2001, p. 19), esclarece a tr/ração
rliferentes temas matemáticos, entre temas e as demais areas do conhecimento, dinâmica deste saber-faqrao afrtrnr:oir seguinte;
o
c as sitnações do cotìdiano vivenciado por eles dentro e fota da escola.
Ao relacionar idéias matemáticas entÍe si, os estudaÍÌtes podem reconhecef Âs distintas maneiras d.e fazer [práticas] e de saber
princípios gerais, tais como proporcionalidade, igualdade, composição, fteorias], qwe ca.r:acteizamrmà cultura, são parte de um
decomposição, indusão e percebet que processos como o estabelecimento de conhecimento compartilhado e do coínportamento
compatibiJizado, Assim como comportamento e
analogias, de indução e dedução estão presentes tanto no trabalho com
conhecimento,as maneirasde sabere de fazer estão em
números e operações quanto no trabalho que envolve esPaço, formas e
permanenteinteração,São faisasas dicotomiasentre sâber
meclidas. O estabelecimento de relações é fundamental palc- que o aluno e fazet, assimcomo entre teoriâ e ptâttca,
compreenda efetivamente os conteúdos matemáticos, pois, abordados de fotma
isolada, eles não se tornâm uma ferramenta eftcaz para resolver problemas e A necessidade de uma unidade de meüda parz. o comércio e para o
para aprendizagem/construção de novos coÍrceitos, de procedimentos e de transPorte do açat, como produto, evidencia o fato de que existe uma ciência
;rritudes. incorporada à cultura tradicional daquela comunidade. Isso é observável de
forma geral nas atividades cotidianas ligadas à sobrevivência da comunidade,
nas técnicaspatao cultivo, nas crenças,nos costumes enos mitos. Tais saberes
INTERAçÕBS BN:rNB ALUNO-SABER TRADICIONAL são decorrentes de certo conhecimento compartilhado e do comporramenro
compatibiüzado que catactenzam aquela cultura. Os conhecimentos são
A matemáticâ se apresenta no mundo, em todos os ambientes, de diversas cultivados e transmitidos de pai para ftlho, que passâm de uma pessoa à outra.
tìrrmas. Para os ribeirinhos, a matemâica p^rece ser vista como uma teia de Neste estudo buscamos compreendet a matemârtca imersa no processo de
signiÍicados que é tecida de acordo com a necessidade de cada um. As extraçãoe caÌtiuo,Íransportee comerrialì(ação açaí reahzado pelos ribeirinhos. o
do
muclanças que aconteceÍn no sabetffazer deles, no estilo de vicla da recorte das atividades comunitárias relativa a este produto foi escolhido pelo
cornunidade não âcontecem, poÍ acaso, ou a partir do planejamento para tal fato de se{em estas atividades tradicionais, nas quais os alunos expÍessam
acontecimento ou evolução clesses, pelo conuádo, existe a necessidade que tece envolvimento completo e intenso juntamente com seus pais e familares. A
o signìficado no comportamento das pessoas. unidade de medida usada é considerada em tefinos de um princípio
Identificar ideias matemáticas nos saberes e fazeres tradicionais desses etnomatemático, ou seja, uma forma própria daquela comunidade quantificar
alunos não foi dificil, ainda que essas estivessem implícitas, pois, a r.eahdade seu produto.
percebida por cada indivíduo da espécie humana é uma realidade ütz "Ítatittal".
6. 36 Edwação Matemática e Czltara Amaqônica EducaçãoMatenática e Caltura Amaqônica 37
Neste eixo temático, âs potencialidades matemáticas vivenciada pelos
alun<-rs em suas atividacles cotidianas serão orgatizadas de forma a ser
iclentificada como saberes tadicionais e, no eixo subseqüente serão
cntrelaçados aos saberes escolates ou a saberes outros.
* Unidade de medida dbeirinha
os valores socioculturais, pfeseÍrtes na vida dos dbeirinhos, evidenciam o
seu desenvolvimento ao longo da história. Para os saberes acadêmicos, pensar
sobre unidade de medidas nos remete a gfama, liüo, ârea, volume, etc. Neste
eixo não tratamos particularmente das unidades de medidas reconhecidas pelo
Sistema Internacional (sr) de Medidas, mas damos ênfase à unidade de medida
utilizada pelos ribeirinhos na sua comunidade - tasa- - poÍ esta caractenzat
valores e potencialidades matemáticas daquela cultura.^
Figura 1. Rasas:Unidades de medida dos ribeirinhos
A palawa rasa é onginâna do latim, pam designar uma antiga medida de (Foto: Queiro z, Mârira, 2008)
capacidade, eqúvalente ao alqueire que, por sLtavez, é uma antiga unidade de
medida de capacidade p^r^ secos e líquidos, vaiâvel de lugar paruhugar. É oma Para os ribeirinhos, na hora de comerciahzat o produto, o volume faz a
solução prâaca, que dispensa. pesat os produtos a gtanel cotno açaí, cacav e diferença. Nesse sentido, registramos o diálogo seguinte deflagtado quando
outros. os instrumentos de medida são confeccionados com mateÍial questionei o fato de haver rasasque tinham um volume maior que outras:
abundante na Região sendo de fácil reintegração ao meio ambiente depois do
rlescarte. outra importante função do recipierate rasa é permitir r"tução do, p Porqae dgumas rasas estãobem iltàa:, qztoseàenamando e
Frutos maduros. Isto porque, neste caso, o açaí é altamente perecível," oatras não maito chdas?
prrincipalmente depois de colhido, e o processo de fermentaçã.o é acdeìado caso
seja mantido em locais abafados. 1. (12 anos) - Professora,Íe a rasa não esiiuer bem cbeia tem
No presente, a telação de quantidade determinada pela definição de rasa /reguêsque não qaer comprar.Mas rc a genteencbermuìtopodcfcar
não é mais respeitada da forma explicitada aama.Dependendo da microrregião, ilo preJilí<o.
ó possível encontrar rasâs com capacidades variadas. Em Belém, ut ãs"s
P - Sín. E aí comouoêsfaTen?
cncontradas têm capacidade aproximada de 30 kg ou seja, duas latas de 36
litros. Já em Macapá, uma Íasa eqúvale à metade da medida usada em Belém,
V/, - Tentamosnegociar,Se a rasa "nzrmaÌ" e$iuer custandaW
ou seja, .umalal.a correspondente a 15 kg. A figura abaixo mostra algumas rasas 30,04, a gente fala asim: essaoatra é R8 35;00 por que ela utá
de vátios tamanhos. "mait elteia'. p*ando a fregaêspede desnnto a gente lende a qae
e$á "menoscÌleia".
A preocupação com o tratamento dado ao volume, à quantidade e à
qualidade do produto nessa comunidade é constante. Todavia, é habitual os
alunos dizslsrn que em uma'tasà' - tomada como unidade de medida uti)tzada
por eles - cabem duas latas de frutos e que cada lata dessas contém 18 litros.
Porém, ao mesmo tempo, surgirem dúvidas entre eles, já que alguns dizem que
umalata não contém L8 litros, mas,20 litros. No entanto, as dúvidas suÍgem
7. 3tl Mrcação Mahmálica t (,nllara Ána76nica EdzcaçãoMatenática e Caltwa Amaqônìca 39
t:rrr Íìrnção da ideia de lim que eles possuem: amalata de óleo de cozinha, por pré-história fá mostrarn a constante preocupação do homem em contâr e medir,
c,xc:rrplo, ó um Jitro, enquanto esta, nâ vefdade, tem volume de 900 rnl. Os homens primitivos podiam contaï apeÍÌas apontando os obietos contados
um a um. Da mesma rnaneita, os objetos eram importantes nas primeiras
Os fatos e as situações são considerados em relação à medidas. Para medir, o homem usava instrumentos de medida como pés, uara,
unidade de rnedida que a comunidade dbeitinha conhece, braça,palmo ou cribito, dentre outros. Segundo Baroni, Batârçe e Nascimento
dento de sua vivência. Esses saberes e fazeres estão (2001), no devido tempo, tais termos perderam seus significados primitivos e,
constitúdos nos contextos citcunstanciais das atividadese
no presente, pensamos neles como medidas abstratas.
âs suasrepresentações cognitivas dependemdos recursos
Na comunidade por nós pesquisada, ainda se utjïza coÍrcretamente o
simbólicos disponíveis na rcfenda cultura $ESUS, 2007,
p."t25). palmo como unidade de medida de comprimento, ou seja, o metro deles é a
medida do umbigo até os pés que, segundo eles, tem cinco palmos. Quando a
Nos diálogos coÍlosco, os moradores da Ilha explicaram que esse aftefato pessoa é muito brixa colocam-se quatiro ou cinco dedos a mais acima do
r.rtilizado como unidade de medida tem a durabilidade geralmente de uma safra, umbigo. Pallz- merTrt uma distância maior como o perímeuo de uma âtea de
teÍfa, mede se um metro, ou seja, com urna vaïa ov corda mede-se do umbigo
lx)sto que o valor p^ra comprat uma tasavatia de acordo com o tamanho desta.
l.lma rasa grande que tem capacidade pata daas latas de í8 litros ou i0 qailos é para ba-ixo ou cinco palmos. Da mesrna forma, estudos apontam que os
vcn<lida pelo valor de R$ 7,00 a unidade, jâ a rasa corusiderada peqzena com padrões de comprimerÌto e volume nasceram obedecendo às carências de caãa
comunidade, estando associados às atividades humanas, crençâs e tradições. As
capaciclade patt- trma ,latade 18 liíros ou í 5 quìlos é vendida pelo valor de R$ 4,00 a
r-rnidade.Além desses dois tamanhos, os vendedores ainda confeccionam uma necessidadesde construção, as exigências de produção agtícoIa ou da pecuária,
rasa maior que tem capacidade para duas ktas e meia ou 45 litros owi7,5 quìlos que bem como de seu controle ou comercializaçáo determinavam os padrões a
t unlizada pan o transporte do açat da gJrata P^r^ cas e eqúvale a uma serem estabelecidos pare gatannr padronização entre os grr.rpos que os
ltasquetal0 cbeia. wlilizav am (ZUIN, 2009).
Como mostrâ a Figtra 01 apresentada acima, a rasa ê confeccionada com
o fundo quadrado e a "bnca" circular. Segundo os dbeirinhos, esta fotma de $- Exttação ou colheita do açaí
produção foi pensada p^r^ set produzida há muito tempo, não só como
A extração ou colheita do açaí consiste no processo de escaladano pé da
instrumento de medida, mas também como instrumento pan guardat e
planta e é mostrado esquemad"cameÍrte fìgura apresentada na seqüência (Fig.
na
tfanspoftâr os produtos em cânoas e outros tipos de embarcação que
2).
apresentam espaços curvos no seu interior. Âcredita-se que a rasâ foi pensada,
A etapa de coleta dos frutos se inicia com a identifìcação do cacho de açú
assim, na lateral e na "boca" curvâ para serem mais bem orgarizadas nas
maduro Qnírò. Em seguida o @unhadar escolhe o estipe mais resistente da
cmbarcações, já o fundo quadrado seria para asseguÍâÍ um melhor equiÏbrio e,
tounìra, coloca a faca no cós da bermuda, com o cabo para baixo, envolve os
também paru não desperdiçar açai. A confecção da :o,sae outros artefatos são
dois pés na peconha{, abruça a palmeira com as mãos, trânça os dedos e
reaü,zados nha pelo pai, mãe ou parente próximo desses alunos.
na
executa a escaladacom movimentos repetìdos de flexão e extensão das pernas.
A identìflcação dessa unidade de medida ó uma evidência da
Os pés, unidos pela peconha,servem de apoio, enquanto as mãos eqi'ilig1asi 6
potencialidade matemática encontÍada nessa comunidade, muito embora defua
auxiÌiam a pvxat o colpo. Â escalada é reaJtzadanpidamente. O cacho é então
das unidades de medida representada pelos saberes escolares.As obsetvações e
cortado em um dos lados da iunção com o estipe e atancado. Se existirem
os diáIogos com â presença de alunos em sua própria comunidade fazem-nos
outros cachos maduros na mesma touceira, o apanhadoros aÌcança e os reúa
rcfletir sobre como ocorre as relações matemáticas rìessas situações que torna
também. Se necessário, passa para ouúos estìpes sem precisar descer, o qÌle
cvidente a "etflomâtemática deles".
Tratando de unidades de medid4 é notório que não podemos identìficar
as origens das medidas, mas todos os sinais e informações encontradas desde a 11 Attefato de forma circular, Êeita de folhagens
É .,.
da palmeira do açai enÍolâda. I) l.]tllTzacl^
envolvida nos pés da pessoa para facüta.r a subida no açaizeiro.
I () Uma caixa retanguìar plástica" wtltzadapatz aÍrlrazeíaÍ e transPortaÍ produtos agrícolas.
8. 4r) li,lttL,rt,ht lll,itnlh.t | ( thr,rv ,'lntitinhrt ll,t/ru,iltrit r ( .thtr,t . larrTìnrrt
l'.,1n,t1,t,, 4l
f',rrlÍffc rTì,ri()r ()
l)r(xlutivirlarlc. ufanhalorrlcsr:ctlo estifetru.endo rÌâ mão oS
(:irclr()s ()s (lel)(,sit?Ì chão, evitand() (luc os f'rutos se percâm, ou seja,fiquem
e: rìo
tlurriíì<:a<los,câso seiam ârremessâdos.Para reduzir â contâminâção, os frutos
rntritrrs vczes são colocados sobre sacos plásticos para fazet a debulha e a
r:llssií-tcaçâ1o.
( ) aluno $í, de 1.2 anos, faz todo esse processo, e ainda constrói a
Íì'rrarncnta utilizada por ele na hora da subida, isto é, um aro no formato de
t'ircr.rrrferência feita de folhas do próprio açuzeko e que exige muita
rcsponsabilidacle, pois se o nó desata,ele cai.
As fotografias e o diálogo eÍÌcetâdo por ele em uÍn dos momentos que
Írrn<rs juntos à mata explicam com ênfase o saber adqúrido por essa críarrçafl^ Figura 2. Classificação qualidadedo fruto do açaí.ffoto:
por eiroz,Matcia,2008)
cxpcriência vivida. Nossas pefguntâs e as respostas do aluno se deram assim:
A fcrto acima mostra um aluno classificando o açaí. Na mão dele se
P - Á peconha um tamanltoúnico?Vocêsabedìqerqtal o
tem encontra o açaí, que ainda não está maduto, o qual, segundo os alunos
conpünento pennhaqaeuocês
da fa4em? ribeirinhos é denom.inado "pàroI", ou seja, o açaí não está bom para apanhar.
Veja como ele explica:
W. (12 anos) - Cada umfaq do tamanltoqaeqiler,para fcar
boa,,, Não pode ser muito grande nem muítopeqzefla,lrlas o R. (12 anos) - Esse açaí e$á parol, ningaén pode Íirar e/e,
tamanbo dapeconba quesermaisoa ,ltenzs
tem asdm,..{ele abdrw parque á ruint de uender,
não terz sabor.
os braços e estìcou, mostrando o tamanho que a correflte
deveria tetl. Agora, qaandoela éfeita desaco dura nais, de
aí Ir - Cona dápara saberseéparol?
t*" srisobe
&tas ae<es reguran(a,
em depois que
not faTn
tlr:^" k - Pruta atenção,ProJessora, açaí bom tnesnl é o tuíra, ele é
o
tãopreto qae "fea cinqento" (tic) é o melhor que tetl, tem um sabar
Naturalmente, isso implica em que, antes de desenvolverem unidades de de prìneìra... En vgundo uent o preto, o preto é norwa/, está
rrredida, existe uma necessidade cultural evidente de que a linguagem seja capaz maduro...pode leuarpara uender. Agom, se leuarpxol i prquíry
dc expressar qualidades mediante método comparativo e ordenado, A na cer'ïa.
"lgo-
rrredição esú relacionada com idéias como lmais que) e lmenas qae2,porque a
necessidade de medir só existe se queremos comparaÍ dois ou mais fenômenos P - Você disrc qte eiv que está na sua rtão é patol, mas e/e
(IìISÍIOP, I99. É, possível percebet, qr. u .óIheita do açai passa por um tarubén ëpreto, comouoasabera dzferença?
l)rocesso amplo que inclui (i) subir no pé do açaí, (l) coÍrar o cacho, (iii) trazer R . hlaitoJácil de saber...é sd olhar a "bocadele" (sic).,. se esÍìuer
rrt.éo chão, depois de muitos cachos rirados, (iv) debulhar o açaíe (v) catar, ou
branqatnha, abetta, comoesse, estápatol, não está botz para
ele
scja, separar os frutos selecionando-os em açaípreto e açaítuíra. somente depois
uender.E que ek pimeiro é uerde,depoisqaando rnuda dt cor,fca
rle completado o processo o açaí ê depositado na r^s^ e üâosportâdo para casa patol é ro>cìnha,mat co77/ "bocabranca".
a
'tras costâs'. Ao chegar a c s^ o produto é colocado nas rasas de tamanho padrão
para comercíalizâÍ e ou na basquetd. Percebemos que o aluno faz comparações com a qualidade clo açaí em
suas diversas etapas de desenvolvimento ainda no pé e a necessidade de saber
âs câÍacterísticas do fruto já coihido patz. cometciahzar e ganhar dinheiro.
Nesse sentido, compâra,: mais de dois objetos desenvolve a ideia cle
ordenaçã0.Fazer est-imações "no olhcl" é ì.1ma técïúca verbai que se ernpÍega no
mundo inteiro para colocar oÌ:rietos em ordem. Porém, segundo Bishop (1999),
9. 42 LidacaçãoMatemática e Cultara Arzaqônìca EducaçãoMatemátìca e Caltara Ama4ônica 43
ì nrcclida qu.c uma qualidade cresce em importância e âÌrmerìta o número de desenvolvida nas atividades do cultivo, exüação, transporte e cometitaltzação
rrlrictcrs, a linguagem também desenvolve tanto palavras p^r^ os números do açaí são perceptíveis na comunidade represeniando bem a trj.evància da
medição.
ordinnis como a objetivação dessa qualidade, ou seja, os termos adjetivos
O transporte do açú depende da matê. A quantidade de açaí a ser
lrre<:eclem termos substantivos.
os
Analisamos o processo da colheita ãté a comerciaJizaçào do açaí e transportado depende do espaço disponível, ou seja, depende da ârea que pode
vcriÍìcarnos o conhecimento necessário, iniciando-se no manejo. Até pouco ser ocupada pelas rasas ou basquetas denrro do barco. Atualmente Qa0B-2009),
tcr'Ììpo atrá.s,a quantidade de açasccllhido era muito menor na Ilha. Não existia a ilha dispõe de barco com disponibilidade para até 40 basquetas ou 40 rasas.
pfanejamento par manejo, pois se extraia apenas o açaí natiuo.No preserìte, o Eles organizam as basquetas formando três filas de largtra por cinco de
c:r:ltjvo com técnicâs do manejo jâ faz parte da tradição da comunidade e, na aitura e duas de comprimento, somando 30- Na frente dessas duas filas de
lrtrra ticr manejo, é preciso matematìqarparaaprodação aummtar. comprimento eles fazem mais uma por duas de largora e cinco de altura,
Cursos oferecidos e realizadospelo SEBRÂEIz e SECOYT: já fazem parte somando L0 e peúazendo um total de 40 basquetas.
<la vida dos ribeirinhos de Ilha Grande. Eles já sabem, por exemplo, porque
lhcs é recomendado, reahzar o manejo deixando 2 oa 3 árvores adultas, 3
f-ìlhotas e 3 filhos em cada touceira. Os pais aprendem e pâssâm estâ
inÍ.c>rmaçãofconhecimento pat^ os filhos. Muitos levam os filhos pate- as
rcr-rnifies porque dizem que a rìova gerâção tem maior capacidade de
aprenclizagem. Acreditamos que para educadores - não só matemáticos - se
torna sobremaneira interessante observar que âs crianças dessa comunidade são
construtoras de seus saberes e estão peffiarìentemente atentas a tudo que
lrcontece no seu üa-a-üa. Portanto, esses saberes podem e devem ser
rcconhecidos e valorizados na sala de aula. ilrganizaão
deBasquetas [mdhamer& lasqu*as
de
$ O tansporte do açaí
C) principal meio de transporte dos amazônidas ribeirinhos é a barco,uma
vcz que aíntça via que dá acesso ao continente e a outras regiões ê af/auial.
() transporte do açaí é feito em duas etapas, a saber (1) a primeira etapa é
o clcsÌocamento do açai da mata (açaizal) pata a casa dos dbeirinhos. O tajeto
inicia-se na m ta, quando depois de classificado é colocado em rasas feita
t:specìalmente pàn esse tíânsporte, elas são maiores do que as comercializadas
c fc:m a capacidade em torno de duas latas e meia, ou seja, 45 litros ou ainda Figura 3 - Ilustração da orgatização das basquetas no inrerior do barco.
.i7,5 quilos. O úansporte da rasa é feito rias costas, presa a um cinto de fibra
(lìre se apóia passandopela testa. As 40 rasas ou basquetas transportadas de uma únicavez no barco, nunca
(2) A segunda etapa.é o transporte do açai rias rasas com tamanho padrão de um único ribeirinho. Eles se otganizam de forma que cada familtaleva certo
r rir bzrsqueta,via ÍÌuvial em diferentes tipos de barco. O açaí é levado da 'tll:,aaté número de rasas ou bâsquetas e as despesas do batco pata cada famíh,a sãa
r r lÌorto da Palha, onde se locahza a fei.ta e os ribeirinhos da llha Grande e de proporcionais a tal quantidade. Observem a farcna de organtzação das
()utras ilhas comerci:azam seus produtos. A preocupação e organização basquetas no interior do barco:
De acordo com a embatcaçào, são "atmazenadas" as rasas cheias do
produto em grãos. O número de rasas depende do tipo de embarcação para
l:r Scrviç<-r
Brasileúode Apoio ao Empreendedor (e ao PequenoEmpresário).
I i SecretatiaMunicioal de Bconomia.
10. 44 EdacaçãoMaterzriüca e Ctltura Amaqônica EducaçãoMatenáíica e Cuhura Áma4ônica 45
transportar, a distribuição das rasas ê feita levando em considetaçáo o peso e o Na hora da comercializaSo, segundo as vozes dos alunos que muitas
cspaço ocupado. vezes acompanham seus pais e o que foi possível eu presenciar na fein é
Os ribeirinhos também utiïzam as rabetasla quando queÍem transportaÍ o possível comparar com a bolsa de valoÍes, a diferença é que os valores
produto em pequena quantidade. A maioria das famílias tem umâ nbeta e negociados são menores e a linguagem utihzaü é diferente. Os preços sobem e
mr-ritas já possuem um barco de maior proporção. Â percepção é que cada descem da mesma forma. Perguntei parâ um aluno se eles vendiam somente
famt]ta faz o manejo do seu açuzd,, planeja sua colheitâ, seu comércio de forma uma rasa cheia, e se eu quisesse comprâr menos como seria. Ele me respondeu:
inclividualizada, mas sempre respeitando as regras da comunidade com o intuito
de presewarem o necessáno pata a valornação de sua cultuta e sobrevivência - A nossamedìda a rasa.E/a é uendìda
á clteìa, ofregaês
se qaiser
através de seu trabalho indiúduai e coletivo. D'Ambrosio (2001), afirma que nenls, czmpra,ma ftrrapeqilena é metade grande quìser
qae da se
"graças a um elaborado sistema de comunicação, as maneitas e modos de lidar mais,compraumabasqaeta, ofreguês
escolhe
(R.).
com as situações vão sendo compartilhadas, ftansmitidas e difundidas".
Perguntei intencionalmente para ele como seria o preço nesse caso, outro
cometcielizaçfl,s do açaí aluno respondeu com muito entusiasmo:
*Â
R.efletindo, é fato que em toda a cadeia de coleta e comercialização ftca - Há proJàsnra éfídl, a ratapeqilena metade grande,o
ìsso é da
preçoíantbém metade, a rangrandeestá
é Se custando 30,00, a
R{
evidente que a medição esú profundamente emergida na vida econômica e
genteãiuiCe preçz,a rasa
o peqtrcfla serW 15,00,porqueé a
uai
comercial de uma comunidade. Por tanto é incontestável que além de implicar
metade certinha a basqueta maiscamR# 45,00 elapesamaìs,
e é
numéricos, a medição também apresenta um forte âspecto social" nas seofregwê,r qai,rer
netaãe basqaeía
da complìmporquenãotem
^spectos
 comercial-ização tradicional dos frutos do açat é feita com semelhurça batqaeta
^ Pequna, entãoa gentenão uende metade basqaeta.
da
()utros produtos agrícolas, com a particularidade de ocupar espaços específi.cos Agora n ofregaâs inistir a geníe
podepegara basqaeta uirar na
lrela impottância, em razão da grande procuÍa, do gtande volume rarapequefia uender
e SJ.).
<'.omerciahzado da proximidade entre produtores e consumidores. A produção
e
tln llha Grande é comerciahzada na feira do Porto da Palha em Belém, pois a  intenção seria observar a capacidade que eles apresentav^m parrz-
rnesma fica mais próxima àilb'a e também é rnúto rcferenciada. resolver um problema de medição na atìvidade cotidiana deles. Pelo diálogo
O produto na muoria das vezes é comercia-lizado pelo próprio pÍodutor. percebe-se que ele avançou nas idéias, além de apresentar uma solução paffi o
Mas é comum que muitos compradores sejam também intermediários. probÌema, indicou que tem conhecimento de operações básicas e undamostrou
f .cml>rando que o fruto comercidizado ainda será beneficiadct, jâ que o produto como faria se o problema fosse com o outro insirumento de venda, no caso a
fìnal é a bebida. Desta maneira, o açaa também atravessa uma intrincada rede cle basquetâ.
c.<tmercíahzação, interferindo no preço. A comercialização ê feita nas pdmeiras De acordo com Bishop (1999), medir é considerado a terceta auvidade
horas do dia. Geralmente às 07h tudo iá foi vendido. Devido à informaiidade, a u.niversal, e tem grande importância pan o desenvolvimento de idéias
(fì.rantidâdeexata comerciahzada é controvertida. matemáticas se ocupando de comparar, ordenar e quantificar qualidades que
No porto os barcos chegam todos os dias do âno com o fruto, na safra tem valot e importância. Nesse enfoque ainda que todas as culturas
crrr rrraior quantidade. Na feira, os ribeirinhos depositam suâs rasas e basquetas reconheçam a imporância de certas coisas, nem todas as culturas valorizam as
rìrrrÌì espaço reservado para eles. Na safra geralmente todos os que têm açaiza) mesmas coisas na mesmâ medida, pois na maioria das vezes depencle do
sc tlcslocam pata a, feira todos os dias, mâs na entre-safra alguns só vão uma contexto local e das necessidades que esse provoca. O diálogo apresentado
v(:z por semana,outros duas e assim por diante. acima reflete essâ sinração em que normalmente, o contexto local imediato é
quem proporciona as qualidades que se tem de medir além das unidac{es de
medidas.
l '1 I lr rr l ipo tle canoa construída cle difetentes tamanhos, com a adaptação de um motor.
Dessa forma, no comércio o açú ê vendido nâs rasas ou basqueta. Na rasa
cabem duas latas do fruto em grãos, portanto 36 ütros ou 30 kg, já na basqueta
11. 4(r Iidscacão Malemútìca e (-.alt,araAmazônica Educação
Matemútìca CulturaAnaytnica
e 47
são aproximadamcnte duas latas e meia, 45 ütros ou 37,5 kg quando está bem escala é pafa swa, convivência, um excesso de precisão pode converteÍ em um
cheia. inconrreniente pEÂCH apud BISHOP,'1.999).
Observem rzsa e a basqueta nas fotos alsaixo e as formas matemáticas Dentre as idéias matemáticas presentes na vivencia desses alunos
^
irnersas Íìessesartefatos nos respectivos desenhos: podemos destacar as seguintesi conta classifi.car, ordenar, compaLÍar,incluir,
apeïa etc., porém em nível informal ampliamos as simbolizações e as
concepções das matemáticas de ama maneira implícita e imprecisa. Âs idéias
matemáticas podem estar em sua maior parte emergidas no contexto de uma
situação e os valores matemáticos podem s€r anulados por distintas
considerações emocionais e sociais.
Assim, a rírsa, esse artefato ügado ao cotidiano dos ribeirinhos é parte dos
saberesf fazeres tradicionais da Cultun Amazôrttca e estâ ligado há, tada uma
cultura histórica. Os ribeidnhos se reúnem para levarem seus produtos à feira,
discutem a melhor forma de vendê-lo e preocupam-se especialmente com a
rnedição do produto por vários fatores, um deles ê, a trJraçãovolume-valor
cometcial.
A partìr das possíveis análises das interações vivenciadas ,unto aos alunos
B,rs()LrËïA e sua comunidade nesse estudo, é possível inferir a matemânca v"liz.ada. por
eles, possibilitando a compreensão de um princípio etnomatemático
ídentifìcado Íaa construção da pnnca de medição dessa comunidade,
demonstrando também a rrj.'evãncia desses saberes, vafonzando-os. Mendes
(2006) atuma que:
Esses sistemas gïaças à dinâmica cultural, não são
esáticos, mortos. A emomatemâtca lança mão dos
diversos meios de que âs culturas se utilizam para
Figura 4 - Foto e desenhoreptesentando obietos rasae basqueta,
os
classiÍìcar, rn6dir, enconttar explícações para a sua
respectivamente (foto: Queiroz, Mâtcia, 2008)"
realidade e vencer as diâculdades que possam surgir no
seu dia-a-dia.Em todas as cultrrras,
porém, nessabuscade
Para comerciahzat muitas vezes eles colocam somente duas latas bem
entendimento, acaba-se tendo necessidade quantìficar,
de
c:heiasna basqueta, ou seja, sempre acabam medindo rra rusa>detramam uma comPâraf, o qtrc faZ surgir a matemática espontrneamente
rnsa bem cheia dentro da basqueta, de maneira que não chega a ser exatâmerÌte
G,29-30).
mcia lata a mais. Trabalhar com a basqueta, segundo os ribeirinhos é mais
lucrativo, o atravessador entende que sempre vai ter na basqueta mela lata a Outra idéia identificada relwante é que a rasa se tomou um instrumeato
rnais que n rasa,e por isso P^gam sempre mais pela basqueta. que fepresenta na comuflidade duas grandezas a um só tempo. A unidade de
Eles trabalham com medidas aproximadas e têm consciência dessas medida de massa e a unidade de medida de capacidade (volume), ou seja, uma
aproximações, assim como também os que negociam com eles sabem que suâs rasa de açaicomporta duas latas de 18 ütros, mas também podemos dizer que
rnedições não têm exatidão. Nesse sentido sabe-se que uma das peculiaridades ela pesa 30 kg. Conobotando com Mendes (2006):
rln sociedade cientifica é de que uma escala ideal deve ser evidente, com
c:xaticlão.Jâ em outÍas condições, se tem preferido escâIâs fáceis de usaÍ, no De acotdo com a evolução human4 a representação
scntido de serem aproximadas, pois muitas vezes quando o critério de uma boa formal das ações vivenciadas se deu através da
sistematização clas icléias presenres ta tentativa de
12. 4tì Iidumção Mnhnálìu t ( laltura Ama4ônica EducaçãoMatewáÍica e Cultura Amaqônica 49
que envolvia as atividades
solucionar siturq:ires-problema outras culturas têm gerado e segúrão gerando outras tecnoÌogias simbóìicas, o
claspopulaçõrcs 49).
(p. gue Íros permite compreender a existência cle ouüas matemâttcas.
Procuramos nessâ perspectiva visualizar e compreender Pârte dos
stbercsffazeres dessa comunidade. Conhecer e refleú para possibitat a INTERAçÃO ENTRE SABER TRAD ICIONAL.SABE R E SCOLAR
construção de telações entre esses saberes tradicionais e os saberes da
natemâEca escolar na expectativa de conseguir (re)contexltahzar os conteúdos Fazer üilogar o saber tadicional e o saber escolar ê tentar compreender o
tnatemáticos escolares com intúto de desenvolver habilidades, competêÍrcias, complexo mundo em que vivemos. Refletindo teorias e práticas vivenciadas,
procedimentos e atitudes na apfenüzagem dos alunos fotmando-os cidadão seria possível afrrmar que o fundamental, o ponto de partida é conhecer esses
crítjcos e integrados na sociedade. clois saberes. Nesse estudo trato de uma possibiüdade de intetação desses
Freire (2005) enfatna a importância dos educadores compreendetem que sâberes, discutem-se exemplos de como esses saberes dialogados podem
homens e mulheres são seres histórico-culturais e que o papel da cultura no contdbür na aptenàizagem matemática dos alunos no seu cotidiano social-
processo de libetação das classes oprimidas diz que o respeito à pessoa do fani]jar e escolar.
oLrtro se constitui pelo tespeito à cultura do outro, que se processâ por meio de Conhecer o cotidiano vivenciado pelos alunos fora da escola é
urna relação dialogal; extremamente importante. Nesse estudo foi uma forma enconfrada para
compreender a cultura matemâíca dos ribeirinhos em sua comunidade e
O meu respeito da identidade cultural do ouro exige de articulá-lo à cultura matemáaca escolar. Entendemos que no contexto da sala
mim que eu não pretencla impor ao outro rÌma forma de de aula, o planejamento das aulas de matemâúca deve partir de um diagnóstico
ser de minha cultura, que t€m outros cursos, mas também intelectual, social e cultural da turma. Cada grupo de alunos e sua comunidade
o meu respeito não me impõe negar ao outro o que a têm uma maneira própria de matematiz^t yuasidâas, ou seia, todas as culturas
cunosidadedo outto e o que ele quet sabermais daquilo
desenvolvem maneitas próprias de explicar, de conhecer, de lidar com sua
que sua cultuta propõe [...] não é compreender só a
reaüdade, e isso está em corÌstante evolução. Q)'AMBROSIO, 2001).
cultura de 1á,nem só a cultura de que eu faço parte,mas é,
sobretudo compreender a re)ação entre essas duas A"tasa", é a unidade de medida :onlizafla e identificada na comunidade
culturas,O problema é de relação:a verdadenão esú nem pesqúsada como medida de capacidade e massa trata de um artefato utilizado e
na cultura de lá e nem na minha, a verdade do ponto de confeccionado por algumas pessoas ribeirinha da Ilha Grande para medir,
vista da minha compreensãoc{ela, está é na relaçãoentre servindo também para tÍansportar e comercialszar o açaí como vimos no eixo
as duas(FREIRE, 2004,p.83 e 75). anterior. Para medir comprimento eles usam o palmo. Entretanto não significa
que eles não conheçam o metÍo, paddo reconhecido pela escola. Âlguns até
Essa ação üúógSca do educadoï Passa a ser importante mediante os possú ama frta métrica em sua residência, mas preferem medir no palmo. A
conflìtos de saberes entre as gerações apontadas nas próprias falas dos questão é se, e como podemos corÌectar m^tem^tica escolar a todo esse
ribeirinhos. Esses, proveniente das mudanças socioculturais e educacionais ptocesso? ^
cÍltfe â educação como estudo e a cultura de conversa do seu gfuPo. Âcreditamos que atualmente a matelr:râíca escolar já vem se conectando
Sustentadas por Bishop (1999) podemos dizer que como matemáticas são de alguma forma nesse processo da cultura social familiar dos alunos. Para
parte de nossa cultura possúndo a tecnologia simbólica específica e que interagir os dois sabetes é preciso conectaÍ essessaberes tradicionais da cultura
sustenta os diversos valores. Falar das atiüdades de contar, Iocalszat, medir, dos alunos à matemática escolar. Esses conhecimentos cultr:rais adquiridos
tìizer, iulgar e explicar tem desempenhado um papel decisivo, em iÍrteração no socialmente em uma comunidade podem ser aproveitados na sala de aula pa:a
<lesenvolvimento das complexas simbolizações e conceitualizações Matemáticas contextuâlizar ou (re)contextuaLzar os diversos conteúdos da matemática
clue ajusta a discipüna internacionalizaàa qu;e conhecemos hoie na escola' escolar conferindo significados na constrLlção e valoitzação desses saberes e
l:lntfetârìto, esta tecnologia simbólica na realidade é o resultado de um coniunto salreresoutfos. Mas, como fazet üalogaf essessaberes?
rìeterminado de interações culturais e desenvolvimentos sociais. Dessa forma,
13. 50 ItdacaçãoMatenática e Cultara Antaqônica EdzcaçãoMatenátì ca e Cultura Áma7ôdca 51
't^alvez compreendendo que esses alunos não estão fora do coÍÌtexto Na área de Educação Matemâaca pàt conectar, articulando esses saberes
trrlrirnn, ou melhor, não vivencia somente um contexto, o social fanttliarlâna elegemos a Etnomatemâttca como um diálogo capaz de entrelaçat os saberes
sua comunidacle. De outro lado, podemos estar pensando como aproveitar tradicionais e os saberes escolares como uma teia que pode ser tecida junto.
csses saberesf ízzeres da comunidade, se nem todos os altrnos da sala de zt;Ja Patatratzr os conteúdos podem ser usadas diversas estratégiasde ensìno, aquela
vivcnciam, ou seja, moÍâm num mesmo ambiente fazparte do mesmo contexto que melhor abatcat o cofltexto vivenciado na sala de aula. O fundamental é o
cxtra-escolar? professor conhecer o contexto cultural fanfiar e escolar de seus alunos e
Enüetanto, nesse mundo globalizado que vivemos hoje, qtem faz patte respeitá-los.
aï)enas de um contexto? Quem parricipa somente de uma cultura? O mundo Observações como essa da vivencia dos alunos, possibütam o professor
est.á cada vez mais complexo e precisamos deixar nossos alunos conscientes (re)contextualizar os conteúdos matemáticos, tendo como porìto de partida
rlessa junção, desse entrelaçar de conhecimentos, dessa diversidade de cultutas potencialidades da cultura famj)ta4 social e ou escoÌar para desenvolver não só
<1ue necessâno pata a sobtevivência e a construção de um mundo melhor. Do
é conceitos matemáticos, mâs valores, procedimentos e atitudes, pois
t:<:mplexomundo que vivemos. construindo conceitos de grandezas, porcentagern, cálculos aritrnéticos e a
A investigação mosfta que eles (os alunos da llha Grande Belém), todos geometria, podemos elencar pxa^ compreensão de outros conceitos e valores
<rs dias atíavessam o r,ct para chegat à escola, mâs nesse PercuÍso vivenciam em especial a vaTorização de sua identidade, e da identidade do outro.
()utros cotidianos que não é o da escola. Nesse caso, a feiralocaJjzada no porto Acreditamos assim ser possível o aluno consüuir seu próprio conhecimento,
<xrdc eles desembarcam; âs ruas e comércios que eles circulam ântes e depois da despertar seu espírito investigativo, construir valores, o que contdbairâ para o
cscola e a ptópita escola são exemplos de cotidianos,/culturas diversificadas. desem'olvimento do cidadão ético, crítico e soJidário, seja qual for sua cultura.
Nesse petcurso os alunos estão em cofltato com outras formas de maLemaizat
como a de medir e quantificar. Compram produtos industrializados que
trtilizam os padrões de medida reconhecidos pela escola, como o arroz, POSSIBILIDADES DE (RE)LIGÂçÃO DE SABERES
rt:Íiigerante, etc. grandezas que não são percebidas ao serem manuseadas no
c:oticliano famitar deles, mas que de ceft^ fofir:a eles tem contâto. A investigação tata da possibilidade de (re)ìigar os saberes/fazeres
Todavia, é habitual os alunos dizerem que em rtma'rasa',cabem duas latas tradicionais e os saberes escolares de alunos de uma 5" série (ataal 6" ano) , de
tlc frutos e que cada Ìata dessas tem 18 litros, e ao mesmo tempo surgirem uma escola pública urbana de Belém/Parâ, rcgqão Amazôntca. Nessa série, o
<fúvidas enúe eles, iâ quc alguns rliz.em que a lata não tem 18 ütros e sim 20 professot de matemática geralmente faz uma revisão de todo o conteúdo
litros. A idéia de litro que eles possuem, é que umalata de óleo de cozinha, por desenvolvido nas séries anteriores, entretanto com mais profundidade. Todavia,
cxemplo, é um lìtro, enquanto que a mesma tem volume de 900 ml. Isso mostra espaços do multiculturalisrno os conteúdos não podem estar distantes das
rlue na escola eles não apreenderam conceitos sobre grandezas e medidas, o qÌre diversas vivencias e saberes dos sujeitos que histórica e biologicamente
difìculta a aprcnüzagem para a construção de competência pata entender â constroem a Amazôtia. Os Parâmetros Curriculares e os Temas Transversais
idéia de diferentes tipos de grandezas e medidas. sugeíem uma íìovâ forrna de otgantzação do currículo escolar, não no sentido
O tratamento dado a conteúdos sobre grandezas e medidas na sala de aula de produzir uma escola de carâter unicamente utilitarista pata dat respostas às
lrocleria ser iniciado apaÍt:t da unidade de medida que esse grupo de alunos já exigências dos sistemas produtivos, mas para cumprir com a finalidade de
conhece e manuseia p^rà depois seÍem introduzidos os conceitos fotmar seres humanos capazesde exercer sua cidadaniaplena.
(mmprimento, massa, tempo, capacidade, temperatura). As atividades em que Sabemos do consenso que há, a Íim de que os currículos de Matemática
as noções de grandezas e medidas são exploradas proporcionam melhor contemplem o estudo dos números e das operações (no campo da Aritmética e
t:ompreensão de conceitos relativos ao espaço e às formas. São contextos da Âlgebra), o estudo do espaço e das formas (no campo da Geometda) e o
relevantes paÍâ o trabalho com os significados dos números e das operações, da estudo das grandezas e das medidas (que permite intedigações entre os campos
irléia de proporcionaiidade e um campo fêrnl para uma abotdagem histórica da Aritrnética, da Àlgebn, e da Geometria e de outros campos do
(IIRASIL, 2007,p.52). conhecimento). Âssim como também, há necessidade de acrescentar a esses
conteúdos aquele que permite ao cidadão "tÍataf informações que recebe
14. 52 HdacaçãoMatentática e Ciultura Arnaqônìca
EducaçãoMatenátiea e Caltara Arzaqônìca 53
c()ti(üanamente, aprendendo a üdar com dados estatísticos, tabelas e gráficos, a
dessa discussão tetia por objetivo valorizar sua própria identidade e da do
raciocinar utiïzando idéias relativas à ptobabilidade e à combiaatória..
outro, isso seria evidenciado gradualmente. A provocação à cutiosidade pelo
Nesse caso, propomos e refletimos possibìüdades de (re)ligação entre o
diferente, que não é tão clifetente assim, o disjunto que se investigarmos é
saber ttadicional e o saber escolar e/ou vice-versâ que pode/poderá ser junto, desperta o espírito irn'estigativo dos alunos pata adentarem Íìos saberes
explorada na sala de alrla, como prática pedagógica, no sentido de tornar a
tradicionais mesmo que seja ÍÌo contexto da sala de aula, isso acontece quando
apr.enüzagem signifìcativa pma o aluno. O exemplo poderá ser desenvolvido
um aluno, ou o próprio professor levanta a questão de que atualmente ainda
com os conteúdos indicados para o Terceiro Ciclo, correspondente à 5" e 6
são usados diferentes tipos de medidas e grandezas na sociedade em gera),ef oa
série, tendo como base os Parâmetros Curuiculares, visto que todos os
diferentes formas de matematizar as meüdas e grandezas, assim como, em
professores podem ter acesso a ess€ documento e os alunos pesqúsados
alguns locais há a prevalência de idéias matemáticas diversificadas.
cnrsâm (2008) 5" e 6" séries.
Nesse enfoque, as aúas devem ser conduzidas intencionalmente pelo
Como no estudo ê enfadzada a unidade de medida como um pdncípio
professor, isto é, o ptofessor além de estÃr ztvaf:z,ado,dominat o conteúdo da
etnomatemático identificado nos saberes üadicionais dos alunos, a idêia ê c>
sua disciplina situando-o num contexto global, deve ser consciente de que o
ltloco Crandeqase Medìdas ser tema central, ou seja, os conteúdos dos outros
principal objetivo da educaçã.oem qualquer discipJina é a aptendizagem do
blocos estâÍiam conectados a esse, levando em consideração que a tasa estÁ"
aluno. Âssim, situâÍ-se no contexto local, torna-se fundamental. E nesse
preseÍrte em todas as etapas do processo discutido na irnrestigação. O tema
sentido qì.re as aulas devem ser norteadas a partit da compreensão de mútos
airrda poderia ser denominada: Grandeqas e Medidas na Amaqilni4 o que não
questionamentos: Quem são essesalunos que formam essa turma? Onde eles
cstaria de forma alguma teduzido aos saberes de ribeirinhos, índios, ou aos
moram? Do que eles gostam? O que eles conhecem/sabe/fazem em seus
citadinos, mas sim multirreferençiado a diversidade implícita a ser trabalhado na
cotidianos extra-escolares? Porque eles estão na escola? Quais são suas
Matemâttca e em outJâs disciplinas a parnr de um único tema.
perspectivas parahoie ef oa aman}.rã?O que envolve a realidade vivenciada
Nas aulas de Matemádca a tdéia deve partir da compreensão do professor
dessesalunos?
de que a cnação do sistema de medidas daquela comunidade, também nasceu
Nesse sentido, D'Ambrósio (1998) mostra sua preocupação quando fala
com base na unidade de volume do sistema internacional de medidas, a ütro.
da necessidade da matemâttca no sentido de set uma rl:raneirade conhecer e
Porém, neste sistema cle medida eles utilieam um recipiente chamado ra.ia,uína
tomaÍ-se significativa par: o aluno:
rnccüda padtotizada que comporta não um único litro, mas duas latas de L8
litros, perfazendo um volume de 36.000 cm3, o que corresponde a 36 cm3, que E necessário modifìcarmos a imagem que a matemâtica
é exatamente €ual a 36 Jitros, ou ainda 30 kg. A sugestão nesse caso é o possü de funcionar como umâ máquina seletora que
planejamento das aulas serem divididos em momentos. determina quais alunos irão conclujr cadaesúgio escolar.
No primeiro momento nz sala de av7a,é relevante o professor interagir Devemos discutir também sobre a imoortância da
com turma, questionando-os sobre o tema, como por exemplo, perguntândo matemârscz pâÍã a construção da cidadania,com ênfase,
^ principalmente, na participação ctítica e autôooma dos
o que eles entendem ou sabem sobre medidas e grandezas. A idéia é pegar o
viés histórico do tema ttabalhado, esclarecer para os alunos de que este sistemâ alunos, proporcionando-lhes o estabelecimento de
cle medidas que foi adotado no nosso país foi íàeahzado pelo governo francês conexões da matemáticâcom ouüos temâs de sua vida
corídiana(D'AMBRÓSIO, 1998,p. 327).
cm 1795 e ìmposto ao Brasil em 1862. Mosúar que o sistema partiu da
necessidade de trabalhar os sistemas de medidas interügados ao sistema de
Assim, a investigação maternática entr:arraem ceÍlâ. O professor poderá
numeração decimal, visto que, as coÍÌtageÍìs também são feitas com multiplos
corneçar a discussão corn os alunos a respeito do que eles conhecem de
tlc dez, de forma que assim f.aci:Í,anatodo o pÍocesso de medição.
medidas, induzindo de certa forma eles perceberem que na vivencia cultural e
As histórias da evolução de diferentes povos e épocas estariam eüdentes e
fanti)tar, eles utilizam unidades de medidã de capacidade e de massa que difere
as aulas ainda podem ser complementadas ou motivadas por pesquisas. No
da unidade de medida de capa.cidade e massa do Sistema Internacional de
caso da 5" série, vídeos que retrâta idéias matemáticas de outras culturas e de
Medidas estudado na escola.
()utros povos seriam atê mais interessante para iticiar uma discussão. Parte
15. 54 EdacacãoMatemáüca e Cultura Amazônha Educação e
Maternática CnlturaAmaqfinìca 55
A partir dessa cliscussão,o professor poderá planejar junto com os alunos 1. 1 cacho de aça:.= 1 unidade;
uma pesqúsa de campo, uma excursão. Os objetivos no primeiro momento da
irrvestigação sefiam mútos, um deles seria os alunos que não fazem parte da 1. l0cachos deaçú = l0unidades = 1 dezenâouumarasa;
vivência da ilha, conhecer o contexto vivenciado pelos colegas, assim como,
conhecer a pnaca do manejo, da colheita e do transporte da principal 2. 100 cachos de açat = 100 unidades = 1.0dezenasou 10 rasas;
cc<rn<-rmia daquela comunidade, e que também é presente na mesa da rl:aioria
clcrscitadinos. Par:- os alunos que tesidem ria ilhâ, o objetivo principal seria o de 3. 1000 cachos deaça1= 1000 unidades = 100 dezenasou 100 rasas:
enxefgar o seu ambiente com outfos olhos, e se perceberem como coÍrstrutofes
de saberes. Esse é um exemplo de interação entfe os saberes, partindo de
É fundamental a orientação do professor em prepatâ-los na sala de aula saberesf fazeres da üvencia de um grupo de alunos e possível de ser articulado
pan à excursão como ajudá-los na ptodução do roteiro de entrevistas, orientá- para desenvolver o conteúdo matemático escolar. Esses saberes poderão ser
los quanto a disciplina, a educação ambiental, o respeito pelo o outro, os desenvolvidos (orgatizados didaticamente) na sala de aula de inúmeras formas
cuidados a serem tomados, os pontos a serem observados, etc. de acordo com a capacidade cognitiva da turma, da séde trabalhada e da
Na etapa da colheita do açú como discutido no eixo anteriot, eles criatividade e autonomia do professor, assim como poderiam ser tratados em
constroem sua ferramenta (a peconha), sobem nos estipes, cortam os cachos, outras disciplinas, com outro enfoque.
descem com cúdado e vão juntando os cachos. Os alunos provavelmente ao Outro exemplo notável dos saberes tradicionais que se pode
observarem os agricultores ribeirinhos debulharem os cachos do fruto, problematizar na salade aula é o manejo do açaí, a âtea ocapada pela planàção
classificá-Ios e medit, perceberão ou poderão ser chamados pelo professor a e a quantidade estimada da produção. Cada touceira deve ficar com 02 à 03
perceberem a quantidade de cachos de frutos necessários para enúer a rasa, o árvores adultas, 02 à 03 filhotas e 02 à 03 filhos. Essa técnica de manejo
que na muoria das vezes são necessários dez cachos de açai. De volta à sala de atualmente realtzada na comunidade patz melhorar a safra do produto pode ser
aula, com esse dpo de informação provenientes da excutsão, poderá se tatado na sala de aula também como uma tecnologia inovadora abrindo espâço
(:e)iniciar o esü-rdo do sistema de numeração, clecimal, com a idéia de pat se tratar informações e discutir o social, podendo-se discorrer de assuntos
agrupamentos de dez unidades. Partiríamos do agrupamento de cachos para globais junto aos assuntoslocais.
formar t)m r^sa, ou seja, levaríamos em consideração que cada cacho é uma O Tratamento de informações poderá ser trabalhado paralelamente
unidade e que uma msa eqúvale awma dezena. Observem: aüavés da leitura de gráficos, estatística de produções de outras safras,
cornparação da produção enrÍe safra e entre-safra e principalmente
reÌacionando o modelo de produção dos ribeirinhos à de outras culturas. Dessa
forma, motivando-os a perceberem que a busca constaflte de melhodas é
imprescindível tanto nas grandes empresas, como em qualquer meio de
produção. Pode-se adentrar ainda na discussão emergida, a necessidade de que
essasmelhorias devam ser buscadas com responsabilidade e comprometimento
não só com o pensamento voltado p^ra o momento atualmente vivenciado,
mas com gerações futurâ.
O tmnsporte do açaí também pode ser explorado na sala de aula com
muito rigor Íro tratamento dado ao bloco Espaço e Forma, Números e
Operações e no Trâtâmento de Informações. O rio como única via de acesso
Figura 5 - Agrupamento de cachos de açai que fonnam uma râsâ para eles comerciahzarem seus produtos e o barco como meio de transporte
podeú dar abertura pa:rr- vânas discipJinas trabalharem juntas, ou seja, num
projeto interdisciplinar. Em Matemâica seria relevante levantar
questionamentos como: Qual a capacidade de carga do barco? Qual sua