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Ilustrador Odilon Moraes
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Projeto gráfico Fabiano dos Santos Mariano
Diagrama dores Andréia' Lopes Crema
Fabiano dos Santos Mariano
Sheila Moraes
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Assistente de produção Vânia Aparecida dos Santos
Iconografia
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Assistente: Maria Rosa Alexandre
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Coordenação: Cartosizzi
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Índices para catálogo sistemático
1. Literatura infanto-juvenil 028.5
2. Literatura juvenil 028.5
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)
Castro, Teima Guimarães de
Meu avô e eu / Teima Guimarães de Castro;
ilustrações Odilon Moraes. - São Paulo: FTD,
2000.
1. Literatura infanto-juvenil I. Moraes, Odilon.
II. Título.
Este livro que está em suas mãos
foi todo digitalizado artesanalmente e
posteriormente adaptado para letras
ampliadas, fonte 28, a fim de atender
às necessidades de nossos alunos
baixa visão.
Por que todo esse trabalho em
digitalizar folha por folha e ampliar a
fonte de um livro que já está pronto?
Porque os livros convencionais
não atendem as necessidades dos
alunos Cegos e com baixa visão.
Preocupados com essa situação e
considerando que existem hoje no
Brasil mais de 582 mil cegos e mais
de 6 milhões de pessoas com baixa
visão (Censo 2010), para os quais o
livro convencional não é legível,
tentamos fazer a diferença
oferecendo o livro didático ou
literário, em Braille, para nossos
alunos cegos, e em fonte cujo
tamanho seja adequado aos nossos
alunos de visão subnormal, que
cursam o Ensino Fundamental da
Rede Municipal de Içara.
O uso do texto em braile, para os
alunos cegos, e de letras ampliadas,
para alunos baixa visão, possibilita
que a criança possa ler o livro
interagir e compartilhar a história com
a família e com os colegas de aula,
sentindo-se incluída e participando
ativamente do ambiente escolar.
Professoras do AEE
E. M. E. F. Mª Arlete Bitencourt Lodetti
E. M. E. F. Lucia de Lucca
"Posso admitir que o deficiente seja
vítima do destino, porém não posso
admitir que seja vítima da indiferença"
John Kennedy
Apresentação
Na minha cidade tinha um asilo
chamado Mansão lsmael. Eram
tantos os velhinhos... Uns, visitados
por seus familiares, sorriam sem
dentes ou corriam atrás de
dentaduras guardadas em copos,
debaixo de travesseiros, em
armários de banheiros. Outros
esquecidos para sempre, choravam
baixinho pelos cantos; outros,
fingindo-se "visitados" ainda outro
dia, teimavam em contar
vantagens.
Os jardins, rosas minúsculas,
cores variadas, eram cuidados por
alguns dos velhinhos. Sorriam,
muito tristes, entre pétalas e
espinhos, à espera de um filho,
neto, bisneto, vizinho que fosse.
Raramente apareciam.
Uma vez, fui visitar um Parente.
Eu era pequena ainda. Levamos
caquis. Ele comeu as frutas, em
prantos. Que gosto amargo!
Coitado!
Lembrei-me desse velhinho
sozinho, perdido nos anos... e
comecei a escrever a história.
Joaquim surgiu primeiro. À
ideia de criá-lo de bem vida me
pareceu boa. Para que deixá-lo
resmungando?
Depois, apareceu-me o amigo,
Horácio, os outros amigos do
asilo... O neto, os filhos que nunca
aparecem. Aos poucos, a história
seguiu sozinha e eu mal conseguia
controlar o maluco do Joaquim.
Gente, que fôlego!
No final, ele chorou e eu
também. Acho que nunca ri e
chorei tanto num livro!
Gosto dos velhinhos. Quanta
história, quantas coisas para contar
e lembrar.
Vamos chegar lá um dia,
tomara! E espero que continuemos
bem-humorados como Joaquim... E
que não estejamos sozinhos.
Telma Guimarães
Para Mariazinha e seu marido
Antonio Belisário de Souza, que há
mais de trinta anos cuidam com
carinho dos velhinhos da mansão
de Ismael.
Sumário
CAPÍTULO 1
A mansão de Joaquim..............06
CAPÍTULO 2
0 amigo de quarto.................... 14
CAPÍTULO 3
De mal com a vida....................24
CAPÍTULO 4
Querido Avô..............................28
CAPÍTULO 5
Surpresa, Joaquim!..................32
CAPÍTULO 6
Vai passar, vô!..........................36
CAPÍTULO 7
Algo em comum........................40
CAPÍTULO 8
Joaquim, Guilherme e Daniela..44
CAPÍTULO 9
Um pouco de melancolia...........50
CAPÍTULO 10
Vermelhas e amarelas..............56
CAPÍTULO 1
A mansão de Joaquim
Mansão Ismael. Um nome
pomposo, decerto. Tudo bem se
fosse a Mansão da família Ismael,
o patriarca, conde de anel no
dedinho, filho de beltrano, neto de
sicrana, mais cheio de títulos
ainda. Entretanto, para um asilo
era, de fato, muita pretensão.
Afastada da cidade, ela se
escondia detrás de um alto
portão
6
de ferro batido, sem pintura.
Talvez tivesse sido azul-colonial
um dia... Um dia. Um portão sem
grades, com uma pequena
janelinha ao meio. Era de lá que o
porteiro-guarda-vigia, uma
espécie de faz-tudo, olhava quem
tocava a campainha.
Construído nos idos de 30,
tivera dias muito melhores.
Jardins vistosos, bem tratados,
talvez alguns bancos de
mármore, uma ou outra estátua
ladeando o passeio de pedra
6
portuguesa formando lindos
mosaicos a enfeitar o caminho dos
visitantes. Infelizmente - talvez a
crise - o jardim já não era mais o
mesmo. Para falar a verdade,
estava bem decadente. Sem
nenhum tipo de cerimônia, roseiras
conviviam em perfeita harmonia
com algumas poucas begônias,
gerânios, margaridas, hortênsias,
cravos-de-defunto, dálias
desfolhadas, espadas-de-são-jorge,
ervas daninhas, comigo-ninguém-
pode.
6
7
Alguns bancos ficavam sob
árvores ainda frondosas. Nele.
podiam-se ainda ler forçando-se
bem a vista, algumas propagandas -
provavelmente dos doadores dos
bancos de granito agora.
acinzentados: PHARMACIA
ISMMAEL, Rua São Bento, 295
Telephone:2281; ALPHAIATARIA
PAVARINI - a que melhor veste,
Rua Nove de Julho, 543.
Telephone: 2221; FHUNERÁRIA
BOA MORTE - contigo até o fim!
Rua Coronel Justino de Almeida,
8
945 Telephone: 2298.
Dois bebedouros de
passarinhos ficavam no que antes
deveria ter sido uma pequena
pracinha. Duas pombas de gesso
enfeitavam tristemente cada
bebedouro. Numa, faltava o pezinho
esquerdo; noutra, parte do rabo.
Oito pessoas passeavam pelo
jardim. Duas, sendo empurradas
por enfermeiros. As outras seis,
sentadas nos bancos, tomando o
pouco de sol que aparecia-
desaparecia de uma grande nuvem.
8
Não havia nenhum degrau
para entrar na Mansão. Térrea, com
a pintura gasta pelo tempo, ela
mantinha as janelas abertas,
protegidas por telas. Uma porta
entalhada de madeira trazia uma
plaquinha branca: MANSÃO
ISMMAEL. Silêncio!
Um saguão amplo com uma
bancada onde uma enfermeira
recepcionista cadastrava os
internos, vigiava as entradas e
saídas de pacientes e visitantes,
destoava do lugar.
8
Roupa branca impecável,
grandalhona, riso fácil.
Decididamente, não combinava com
o local de ar abandonado.
9
Mais à esquerda, alguns
sofás e poltronas de couro, já bem
raladas, acomodavam alguns
visitantes. Parentes dos idosos,
certamente.
Um deles tinha cara de choro.
O mais novo consolava o mais
velho que, segurando uma mala
bem antiga, fazia sinais negativos
com a cabeça. A morte de alguém
do asilo, talvez um parente... Quem
sabe a sua própria internação e o
sentimento de tristeza a lhe encher
o coração.
9
Três orelhões bem modernos
ficavam próximos da
recepção. Pequenos sinais de
modernidade!
Podia-se notar, mesmo sem o
uso de óculos, uma plaquinha a
indicar uma lanchonete dobrando o
corredor à esquerda e outra, mais
além, a indicar o refeitório.
Para se chegar aos quartos,
passava-se por um corredor
comprido. Ao lado do corredor, um
jardim. Esse sim, mais bem
cuidado, bancos novos, alguns
10
arbustos. Num canto do jardim,
numa construção mais recente, um
salão de jogos. Seis mesas
redondas para carteado, três
tabuleiros de damas, quatro de
xadrez, algumas poltronas, dois
sofás, banquinhos para os pés,
televisão e uma vitrola.
Algumas salas antecediam a
ala masculina, separada da
feminina. A sala do doutor Xavier os
quartos dos enfermeiros, a cozinha,
a enfermaria.
Os quartos eram ocupados
10
por duas pessoas. Um criado-mudo
para cada cama, dois armários de
ferro branco já meio descascados,
um banheiro. Em cima da cama,
travesseiro e manta xadrez. Nos
criados-mudos, moringa, papel
com horário de medicamentos,
radinho à pilha. Embaixo dos
criados, bem a vista de quem
entrasse, dois penicos - ou
papagaios-, duas mesinhas
dobráveis para servir o almoço_
provavelmente de duas pessoas
que não podiam se locomover até o
10
refeitório.
No quarto de número três,
uma surpresa: um boné pendurado
na cabeceira da cama à direita,
cinco vasos de violetas de cores
variadas no peitoril da janela, dois
casacos jogados na cadeira que
ladeava a porta de entrada, fotos
colocadas no espelho de um dos
guarda-roupas, um moderno
walkman convivendo com uma
antiga moringa de barro sobre o
criado-mudo. Atrás do walkman,
três livros empilhados, "vivendo" em
10
plena harmonia: Ginástica para
idosos, Os amores de Matilde e A
Bíblia Sagrada.
Na cama à esquerda, o de
sempre: a manta xadrez e
travesseiros, um par de chinelos de
lã e um capacho aveludado ficavam
ao lado da cama. No criado-mudo,
um pote de porcelana onde
se lia "biscoitos".
10
Uma minuciosa revista pelo
quarto mostraria um pequeno baú
11
de macieira entalhada, colocado na
segunda prateleira do guarda-
roupa. Dentro, um maço de cartas,
mais fotos, recortes de jornais, um
bloco de papel de carta, canetas,
selos.
Um bom observador veria no
banheiro um ou outro vidro de loção
após barba, sabonete de boa
qualidade, um roupão de banho
listado pendurado atrás da porta.
Veria também que este era um
quarto diferente, a acomodar dois
hóspedes totalmente distintos.
11
Um dos homens se levantou.
Tinha dormido muito. Enquanto se
trocava, olhou o amigo na cama ao
lado.
"Como gosta de dormir, esse
coitado! Imagine só se eu perderia
todo esse tempo na cama, virando
pra cá e pra lá, perguntando se já
está na hora do almoço! Este lugar
já é tão chato...Ele deveria pensar
em fazer alguma coisa diferente.
Esse companheiro de quarto não é
nem um pingo criativo!", pensou.
Foi ao banheiro. Olhou-se no
12
espelho.
"Ah, o que a idade não faz!"
Fez uma careta no espelho.
Depois de lavar o rosto,
escovou os dentes, barbeou-se –
como dizia - com um barbeador
elétrico "de última geração”,
penteou o cabelo prateado, fez xixi.
Olhou para o outro urinol junto ao
bidê. Por ele, jogaria o dito-cujo
pela janela, mas com aquela tela
protetora, fazer o quê? Ficassem
urinol, papagaio, penico feito troféus
ali pelo quarto e banheiro. Nunca os
12
usaria. Estaria morto, enterrado,
bem sepultado antes disso.
Foi até o criado-mudo e pegou
o walkman que ganhara do neto.
Sabia que implicariam com ele, o
chamariam de velho assanhado,
gagá, maluco. Não tinha a menor
importância. Ele não ligava, mesmo.
Antes de acordar o Horácio,
molhou as violetas com o urinol
repleto de água. Deu risada. Talvez
fosse por isso que elas tinham
folhas enormes e floresciam o ano
todo. Se Horácio visse, ia balançar
12
a cabeça e dizer:
- Você está no lugar errado,
Joaquim. Seu lugar é num hospício.
Onde já se viu molhar as violetas
com o urinol? Está ficando maluco?
Joaquim olhou o relógio. Iriam
perder a hora do café. E o café já
era tão ruim!
Deu uma chacoalhada no
Horácio.
"Velho gagá", pensou.
- Acorda, gagá... Quer perder
o nosso café cinco estrelas? -
brincou.
12
Nada.
Joaquim não estranhou o
mutismo do companheiro. Ele era
assim mesmo. Tinha dia que não
acordava antes das dez. Perdia o
café e ainda ficava. Rabugento e
mal humorado.
Horácio deu uma roncada.
- Se quer ficar aí dormindo e
roncando feito um velho decrépito,
que fique. Tudo bem, em, eu guardo
uma daquelas rosquinhas de leite
que você gosta, tá?
Fechou a porta do quarto e se
13
dirigiu ao refeitório.
Desta vez, ia amolar as
“meninas”, Binoca e Berenice.
13
CAPÍTULO 2
O amigo de quarto
Puxou uma cadeira e sentou
para o café.
- Então, como passaram a
noite? Fizeram algum programa
divertido?
- Modere seus modos,
Joaquim. Você é assanhado desde
que levanta? - Binoca falou entre
um gole e outro de chá.
Joaquim se serviu de café.
Observou Berenice, que molhava o
13
pão no leite.
“Coisa mais feia!” Franziu as
sobrancelhas. “Cecília, minha
esposa, nunca fez essa porquice. E
olha que fomos casados durante
quarenta e oito anos.”
- Horácio não vem para o
café? - Binoca perguntou, fazendo
barulho com a boca.
"Dentadura solta", Joaquim
concluiu. “Isso afasta qualquer
interesse por ela.”
- Horácio é um dorminhoco -
deu risada' enquanto embrulhava
14
umas rosquinhas num guardanapo
de papel e enfiava no bolso do
casaco de lã.
Tinham exatamente meia hora
para o café Depois disso, um
retorno para o quarto, operação
escovar dentadura, pontes e dentes
remanescentes, tomar algumas
pílulas, pegar ou trocar algum
agasalho e começar o turismo
propriamente dito: um passeio pelos
jardins maravilhosos, tomando sol.
Pegariam um belíssimo bronzeado.
14
15
Às dez e meia fariam esportes
fantásticos: salto em tricô e crochê
para as meninas, treinamento
básico em colagem na madeira para
os meninos. Trocando em miúdos
fazer alguns consertinhos bobos
com o nome novo de terapia. Pura
enganação. Uma parada no tour
para um almoço suntuoso. A
nutricionista perfeita teria
introduzido no cardápio mais um
daqueles suflês coloridos, alguns
fiapos disfarçados de carne para
que os desprovidos de dentes não
16
tivessem nenhuma dificuldade em
engolir o suculento manjar. Caldo
de feijão enriquecido de fígado,
arroz à La papa, e voilà: gelatina-
surpresa de sobremesa. De limão
às segundas e quintas, morango às
terças, cereja às quartas,framboesa
às sextas, uva aos sábados e pudim
de pão com calda de uvas passas
(sem caroços) aos domingos.
Essa de uvas passas sem
caroços era recente. Comentava-se
que, num desses manjares de leite
de coco com calda de ameixas,
16
uma senhora, ainda na flor da idade
- provavelmente construíra a
Muralha da China -, engasgara com
a ameixa e, consequentemente,
morrera por asfixia. A partir desse
desastroso acidente culinário, o
pessoal da cozinha, pressionado
pelos médicos, trocava tudo o que
pudesse trazer aborrecimentos à
Mansão. E frutas com caroços ou
pedaços de frango com osso,
assim como peixes munidos de
espinhos, foram definitivamente
abolidos do cardápio.
16
Uma pausa para escovar os
dentes, verdadeiros ou falsos, uma
pestana até as 14h30. Outra
caminhada - às vezes conduzida
pelo doutor Xavier-, um pequeno,
rápido e tedioso check-up, uma
passadinha pela psicóloga, e
tcham-tcham-tcham-tcham: um chá
acompanhado de bolachas Maria.
Novela repetida à tarde, um
joguinho, um papo furado, um papo
profundo, uma tentativa de paquera
(por que não?) e, finalmente, a ceia.
Bem variada por sinal; canja, sopa
16
De feijão, caldo verde, sopa de
batatas, caldo de legumes, sopa de
letrinhas (só para os alfabetizados).
17
Uma passada pela sala de tevê até
que a novela das oito e meia
acabasse. E era só.
À vezes alguém tocava piano.
Normalmente eram músicas tristes.
Joaquim não gostava. Aí colocava o
seu walkman e se desligava do
mundo.
Joaquim também não gostava
da Sabina. Era ela quem
interrompia os jogos da tarde para
entregar cartas.
17
O pessoal ficava olhando o
relógio. O carteiro passava às três e
quinze, três e vinte. Às três e meia,
correspondência separada, Sabina
entrava no salão e ia entregando
aqueles envelopes horríveis.
As mulheres abriam as cartas,
mostravam as fotos recebida, as
encomendas enviadas.
Os homens, mais reservados,
faziam ar de pouco-caso com à
cartas. Assim que entravam nos
seus quartos, corriam a abri-las,
ávidos por notícias dos filhos, netos,
18
sobrinhos, bisnetos.
Joaquim permanecia sentado,
alheio à entrega das cartas. Para
ele não vinha quase nada. Uma ou
outra da sua filha Antônia que
morava em Atlanta, na Geórgia,
Estados unidos da América. Era
casada com um americano e não
tinham filhos. Estava lá há mais de
vinte anos. Ele compreendia. As
cartas demoravam a chegar. As
viagens eram caras, mas ela tinha
vindo ao Brasil três vezes só para
vê-lo. Trouxera um cachecol de lá e
18
chocolates. Mandava cartões-
postais de vez em quando e
telefonava no seu aniversário e no
Natal. Era tudo.
Afonso, o filho mais novo,
tinha aparecido umas quatro vezes,
escrito cinco, telefonado sete.
Joaquim contara nos dedos. Morava
a uns cem quilômetros dali. Não era
assim tão longe. Ele e a filha
pagavam o asilo - sim, porque
aquilo não passava de um asilo
camuflado de "mansão" - já que ele,
com a aposentadoria que recebia,
18
não poderia ficar em lugar algum, a
não ser num albergue, se é que
ainda existiam.
Sentia falta sim, era do neto.
O Guilherme. Estava fazendo
cursinho. Mandava fotos, cartas
engraçadas. Mas já há algum tempo
Joaquim não recebia nada.
As meninas acabaram o café.
Joaquim levantou-se da
cadeira e, antes de amolar o seu
amigo "belo adormecido", resolveu
respirar um ar puro.
Passou pela Maria, a
19
enfermeira-recepcionista.
- Onde é que o senhor vai,
seu Joaquim? - ela perguntou mais
risonha do que brava. - Pelo visto,
19
com essas migalhas de pão no
bigode, o senhor não passou pelo
quarto para escovar os dentinhos.
- Horário da aeróbica. Você
sabe, Maria, tenho de manter.
forma, senão não dou conta das
meninas à noite - ele cochichou
- Hoje o senhor teria o doutor
Xavier... Rotina, já sabe.
- Menos mal. Existem outros
piores, Maria! - ele tirou as migalhas
de pão que estavam no bigode.
- Cadê o seu colega de
quarto? - ela quis saber. - Já soube
20
que ele não apareceu para o café!
- Guardei os biscoitos pra ele!
O dorminhoco come mais tarde! -
Joaquim piscou o olho.
Maria deu risada.
O seu Joaquim era um interno
especial.
"Pena que nunca aparece
alguém aqui pra lhe fazer uma
visita!" - mordeu o lábio grosso de
batom cor de vinho.
Joaquim andou pelo parque.
Adorava infringir regras. Escovaria a
dentadura depois.
20
Conferiu as "suas" roseiras.
Primeiro deu atenção às rosas
vermelhas, depois, de igual
maneira, às amarelas. Olhou com
carinho "suas" begônias. Passou
bom tempo espiando o estado das
roseiras, os botões por entreabrir e
se entristeceu com as margaridas
meio murchas.
Conversou com alguns
passarinhos, desde os mais simples
pardais - até os mais "sofisticados" -
bem-te-vis.
Sentou um pouco no banco,
20
aquele a que chamava "boa morte"
e fechou os olhos por uns instantes.
Acordou sobressaltado com
um cocô de passarinho bem no
meio do nariz.
- Isso é lugar, meu filho? -
resmungou, enfiando a mão no
bolso para pegar um lenço e limpar
a porcaria.
Foi aí que percebeu ter
amassado os biscoitos do amigo.
“Coitado, vai acordar e não vai
ter seu biscoito predileto para
comer!” Joaquim levantou-se do
21
banco.
- Demorou, hein? – Maria
observou, assim que ele passou
pelo saguão.
- Acho que a aeróbica me deu
sono- ele riu.
- Seu Joaquim, espera um
pouco....Preciso falar com o
senhor...
Joaquim parou para ouvir as
confidências daquela que
considerava uma “estranha no
ninho”: simpática, risonha, falante,
“quebradeira” de regras, como ele.
21
Maria contou seus problemas
familiares, o caso de uma sobrinha
maluca que fugira com o filho da
vizinha, entre tantas outras coisas.
Joaquim estranhou tanta
confidência. Enquanto ela falava, o
pessoal já ia saindo num tour pelo
jardim, como sempre. Uns pelas
suas próprias pernas, outros em
quatro rodas.
Notou, de repente, um
cochicho aqui, outro acolá.
Deixou Maria falando sozinha
e foi para o quarto levar os
21
biscoitos, mais que atrasados, para
o café do Horácio.
A porta estava aberta.
“O preguiçoso levantou. Vai
ver já está lá no jardim ... E eu aqui,
preocupado com o biscoito
amassado ...”. Sentou na sua
cama.
Resolveu ir ao banheiro.
Fechou a porta. Quando saiu, deu
de cara com o Vicentino, um dos
enfermeiros da ala masculina.
Não gostava do Vicentino. Ele
usava o perfume da morte.
21
Sentiu um arrepio.
Vicentino recolheu o par de
chinelos de lã. Abriu o armário da
direita e retirou a mala de couro.
Colocou-a sobre a cama e foi
retirando dos cabides cinco calças
de tergal, seis camisas de manga
longa, cinco camisetas, dois
pulôveres, um abrigo de chuva. Das
gavetas, retirou as cuecas de
tecido, os pijamas, as meias, os
sapatos já gastos. Mais alguns
pertences e fecharia a mala.
- Ele tinha pouca coisa, seu
21
22
Joaquim!
Joaquim apertou os olhos.
- Aonde ele foi? Pra UTI? Foi
a angina de novo? Fala, cidadão!
Desembucha! Quando eu saí daqui
para o café ele estava roncando.
- Calma, seu Joaquim! Eu vim
trazer o remédio dele... Ontem ele
não tomou. Nem anteontem... Pra
falar a verdade, acabo de descobrir
todos os comprimidos debaixo do
colchão. Quando entrei aqui ele já
estava morto.
- EU FUI O CULPADO! –
23
Joaquim exclamou, desesperado. -
EU SEMPRE SACUDIA ESSE
VELHO SAFADOI COMO É QUE
NÃO NOTEI QUE ELE ESTAVA
RONCANDO DIFERENTE?
TALVEZ FOSSE UM SINAL! TA
VENDO AQUI? - ele tirou do bolso o
guardanapo com os biscoitos
amassados. - É O CAFÉ DELE!
ELE NÃO ME A/ISOU! ELE
SEMPRE FAZ ISSO!
Vicentino segurou os braços
de seu Joaquim. Teria de chamar o
médico de plantão. Ele estava muito
23
alterado.
Achou melhor avisar o filho do
seu Joaquim. A família de Horácio
já sabia, estavam vindo para a
Mansão.
"Os velhinhos eram assim
mesmo... Uns vinham e ficavam até
morrer feito passarinho, quietos,
como esse que tinha acabado de
'puxar o coringão', como entre eles,
enfermeiros, comentavam.
Era só mais um... Tinha que
providenciar o caixão, e talvez
aproveitar a roupa do velho. Os
23
familiares nem sempre queriam
tudo. Muitas vezes eles deixavam
coisas para eles, funcionários.
Um amigo seu ficara rico. O
velho, de raiva da família, deixara
boa quantidade de dólares para o
enfermeiro que lia trechos da Bíblia
para ele antes de dormir. Quem
sabe esse deixaria algo que
prestasse... Qualquer coisa era
lucro”, pensou, enquanto se dirigia
até a sala do doutor Xavier.
23
CAPÍTULO 3
De mal com a vida
Joaquim ficou no quarto o dia
todo.
No final da tarde, Vicentino
veio conversar com o velho.
"Quem sabe um dedinho de
prosa resolve! Quase todo mundo já
tinha tentado... Mas vá lá, não
custava. É, era uma coisa
complicada, mesmo. Quando morria
um companheiro de quarto, desses
que conviviam fazia tempo, era
24
sempre um choque. Eles se
apegavam uns aos outros.
Brigavam, implicavam com o
companheiro, pediam pra trocar de
quarto, mas sempre voltavam...
- O senhor vai ao velório? Vai
ser na Igreja Matriz, seu Joaquim.
Ele tá bonito que só vendo. o
Bernardão, da funerária Bom Jesus,
disse que vai deixar ele com jeitão
de novo. O senhor sabe, dar uma
maquiada no pedaço, colocar uma
camisa nova.
Nada de resposta.
24
- A família veio para os
últimos arranjos. A filha dele disse
que queria dar uma palavrinha com
o senhor - Vicentino continuou.
Nada, a não ser:
- Não quero falar com
ninguém. Ele já morreu mesmo!
Vicentino achou melhor falar
com o doutor Xavier.
- O acompanhante do seu
Horácio, o que “abotoou o paletó de
madeira..." - Vicentino começou.
- Mais respeito, seu
Vicentino... - o médico exigiu.
24
25
-Desculpe, doutor. O seu
Joaquim está descontrolado. Acho
que ia bem uma injeção, um
calmantezinho. Ele fica lá no
quarto, andando pra cá e pra lá... –
finalizou.
- Eu mesmo vou falar com ele
- o doutor Xavier levantou-se da
poltrona.
Joaquim não emitia nenhum
som. Não chorava, não
resmungava. Havia parado de dar
voltas pelo quarto e sentara-se em
sua poltrona, olhar Perdido.
26
Doutor Xavier levantou-se,
colocou o estetoscópio no bolso do
avental e dirigiu-se até o quarto do
velho.
Assim que entrou, tocou
levemente no ombro de Joaquim e
tentou confortá-lo:
- Joaquim, você não teve
culpa de nada. Não se sinta
culpado. Você tomaria algum
relaxante, um calmantezinho? -
ofereceu.
Nada.
Nem Maria, nem Binoca,
26
Berenice, Felizberto e Ovídio (os
vizinhos mais próximos), Euclides,
o poeta da Mansão' e pelo menos
mais uns quinze "exilados",
conseguiram tirar Joaquim da
poltrona. Nenhum deles lhe
levantou o ânimo.
Joaquim permaneceu assim,
apático, por umas três semanas.
Maria mexia com ele:
- Hoje vou fazer aeróbica com
o senhor, topa?
Nem uma palavra' Sentado'
quieto' olhando para o nada. Para o
26
nada, não. Olhando para a cama de
Horácio.
Salão de jogos. Joaquim,
quieto, olhando para o nada.
Nem se incomodava mais
com o comer de boca aberta do
Felizberto, o cheiro de xixi na calça
do Salomão, o devolver da carne
de Marininha em cima da toalha de
mesa, a falta de prática em
manejar a cadeira de rodas de
Cacilda.
- Eu já o atropelei cinco vezes
de propósito e ele nem reclama!
26
Nem ao menos fala um
daqueles palavrões cabeludos!-
Cacilda contou ao doutor Xavier.
- Eu o chamei de velho mijão
e ele nem retrucou! E olha, doutor
que nem isso ele é! Falei pra mexer
com ere! - Zé Eustáquio foi contar
ao plantonista.
- Dama? - um oferecia.
- Xadrez? - o outro
perguntava.
- Vai ter um sarau lítero-
musical hoje... _ inventaram.
Joaquim não era mais o
27
mesmo. Bom, numa única coisa
ainda era. Seus olhos ainda tinham
certo brilho quando sabina trazia as
cartas. Podia ser velho, mas quem
é que disse que os velhos não são
mais sensíveis?
Berenice resolveu conversar
com o doutor Xavier.
- Doutor, desde que ele entrou,
isso aqui teve mais graça. Ele
sempre tem uma piada nova,
cantarola, mexe com a gente, fala
bobagens, é claro, é um velho meio
safado, mas alguma coisa errada ele
27
tem. Não é só a morte do amigo,
não. Ele não recebe ninguém, só
uma ou outra carta da filha que mora
em outro país...
o filho veio aqui poucas vezes.
Eu sei que ele adora o neto. Tem
um monte de fotos dele pelo quarto.
- Estamos tentando entrar em
contato com a família, dona
Berenice. A filha mora no exterior, o
telefone não atende. O filho está em
viagem de negócios e o neto... Não
sabemos onde encontrar. Vamos
fazer novas tentativas, é claro. Mas
27
a senhora precisa entender que às
vezes as pessoas perdem a
vontade de viver.
- Ele não. Sabe o que eu
acho? Que ele deve ter algum
segredo!
Doutor Xavier deu risada.
Essas velhinhas tinham cada uma!
O segredo era sempre parecido:
famílias que não queriam ficar com
seus idosos. Despachavam os
coitados para um asilo, pagavam
pelas despesas, os levavam
ocasionalmente para um almoço em
27
casa, Natal, Ano Novo, aniversário
e era só. Era a vida.
27
CAPÍTULO 4
Querido avô
Mais duas semanas.
Quando Sabina entrou
anunciando as cartas, falou em alto
e bom som:
- Carta para Joaquim Ribeiro
Queirós... Quem é mesmo? –
brincou.
Todos olharam para o
Joaquim, sentado na sua poltrona
habitual de há várias semanas.
Nada.
28
- Bem, já que não há ninguém
aqui com esse nome....- Sabina fez
que dava meia-volta.
Joaquim levantou o braço.
Sabina sorriu e entregou-lhe a
carta.
“Algo me diz que o velho vai
ficar todo saidinho!” ,pensou.
Todos ali acharam que ele se
levantaria e iria ler a carta no
quarto, como a maioria fazia.
Quando a notícia era ruim aquela
do tipo que ninguém queria ler:
"Mamãe querida, desculpe não
28
poder te buscar para passar o fim
de semana com a gente, mas é
que....”, preferiam chorar sozinhos
no quarto, sem constrangimento.
Nas notícias alegres, voltavam
felizes contando as novidades: um
bisneto novo que nascera, um
passeio diferente, uma visita de um
neto, um batizado.
28
27
29
Joaquim abriu a carta e começou a
ler:
Querido avô,
Tudo bacana com você?
Espero que sim!
Tenho boas e más notícias.
Tá preparado?
Papai se separou da
mamãe. Você sabe, nunca
deu certo mesmo. Achei
melhor. Não aguentava todos
aqueles gritos. Ele tirou
30
Férias e ela também, só que
são definitivas, um do
outro. Cada um vai para um
lado, claro. Ia até ser
engraçado eles se
encontrassem... Já pensou
que fria? Um fugindo do
outro e de repente...cara a
cara!
Bom, vô, o pai vai deixar
o apartamento pra mãe e já
está até tentando arrumar
30
outro canto para morar.
Disse que qualquer dia vai
te visitar aí.
A boa: passei no
vestibular, vô. Adivinha
onde vou morar? Aí em
Ismael. Não é o máximo?
Vou poder te ver sempre que
o pessoal daí deixar. Bom,
se tivesse um cantinho no
teu quarto (pode ser dentro
do armário)pra que eu
30
pudesse ficar, iria curtir
muito. Assim não ia gastar
muito com a república.
Você ainda tem aquele
walkman que eu te dei no ano
retrasado? Tomara!
No fim de semana que você
tiver livre, vamos passear.
Se você quiser conhecer o
meu canto, pode. Entrei numa
república montadinha. É legal
porque assim eu não tenho
30
que comprar fogão,
geladeira, essas coisas. Se
visse o meu quarto, ia
estranhar. Bagunça doida,
vô. Generalizada.
Ainda tenho aquela
coleção de bonés que você foi
me dando, lembra? Fica tudo
pendurado na parede. É a
maior bagunça. Do lado da
minha cama só tem foto
nossas (meus amigos acham
30
isso uma babaquice, mas eu
não tô nem aí!)
Vô, estou começando a me
organizar. Dá só um
tempinho pra mim que eu
logo apareço no teu pedaço.
Acho que em duas
semanas estou instalado
definitivamente (temos que
comprar uma tevê de
segunda-terceira-quarta mão
e uma máquina de lavar
31
Joaquim dobrou a carta e a
enfiou no envelope.
"Esse menino era mesmo bom
de nota” Só não sabia em que é que
tinha passado. “Moleque sem-
vergonha! Esqueceu de contar pro
roupas também usada)
Sabe que o papai me deu a
sua cama? Se ela falasse,
hein, vô?
Um abraço,
Gui
31
vô a faculdade!” Puxa, ia contar
nos dedos os dias que faltavam
para a sua chegada, lhe daria um
abraço de urso, apertado até.
Olhou em volta.
“O que é que aquela gente toda
estava fazendo ali parada feito
besta? Ninguém tinha mais o que
fazer?”
- Ei, seus velhos decrépitos,
estão ficando gagás? Nunca viram
alguém receber cartas? É do meu
neto, o Guilherme... Ele passou no
vestibular. Vai morar aqui em
31
lsmael. - Joaquim começou a pular
num pé só.
O Joaquim, o velho e safado
Joaquim estava de volta.
- Aposto que ele vai pegar no
meu pé de novo só porque molho o
pão no leite! - Berenice resmungou.
- E espalhar para toda a Mansão
que eu como de boca aberta
fazendo barulho! - Binoca reclamou.
- Antes assim! - as duas
suspiraram, aliviadas.
- Ele que implique com a minha
cadeira de rodas que eu atropelo
31
ele pra valer! - Cacilda deu uma
risadinha.
Joaquim, velho de guerra,
sangue novo.
31
CAPÍTULO 5
Surpresa, Joaquim!
A partir daquela carta, grandes
mudanças. Maria achou que talvez
precisasse até chamar o Corpo de
Bombeiros para apagar o "fogo" do
velho. Ele estava impossível. Mexia
com ela, com as meninas da
Mansão, roubava na escopa de
quinze, descaradamente.
Reclamava da comida, fazendo
queixas até por escrito.
Foi num sábado.
32
Desses sábados, dia de visita,
em que um ou outro filho, um
familiar, um amigo, aparece para
prosear ou para levar o parente
para passear.
Joaquim estava no jardim, boné,
agasalho de malha, tênis.
_ vô...
“Será que o avô tinha ficado
surdo?”, pensou.
- Vô Joaquim! Sou eu, o Gui... -
ele chamou de novo, por trás do
banco onde avistara o avô.
De repente, o jardim, as roseiras
32
vermelhas, amarelas, a Mansão, a
cidade de Ismael, o estado, o país,
o mundo ouviu aquele grito de um
avô cansado de esperar alguém.
-GUI I I I I I I I I I I I I I I II I I I I I !!!
É você mesmo? Desse tamanho?
Seu pai veio? - Ele pulou do banco
e agarrou o neto naquele abraço
que tantas vezes imaginara.
- Não, vô. Ele está de mudança.
Mandou um abraço e dinheiro pra
você comprar umas bobagens, sair
com umas meninas... - o rapaz
sorriu, sem jeito.
32
33
Vem cá, vou te apresentar pra
todo mundo.
E, enquanto andavam por
aquele jardim, Joaquim ia
apresentando o seu neto (ele era de
verdade, não era como o neto de
Mariinha que só existia na cabeça
maluca dela).
- Esse é o Gui, o meu neto,
filho do meu filho Afonso. Afonso
tem 40 anos, é diretor de uma
grande empresa, vive viajando. A
mãe é tradutora e intérprete,
também vive viajando. Eu só tenho
34
esse neto, a Antônia não tem filhos.
A Antônia é cinco anos mais velha,
né Gui? Vocês sabem, ela mora em
Atlanta, nos Estados Unidos. Dá
aula de Literatura sul-americana. É
uma figurona... - levantava o dedo
em riste.
Berenice e Binoca
cochichavam sem parar:
- Ih, agora ninguém segura
esse Joaquim!
- Ainda bem, coitado. A gente
sabe o que é ficar aqui sem receber
visita, né Binoca?
34
Binoca suspirou fundo.
Quantos Dias mesmo sem que sua
filha sequer telefonasse?
- Telegrama para o senhor,
seu Joaquim - Maria avisou
sorrindo, assim que avô e neto
entraram no saguão.
Joaquim tremeu. Notícia ruim
para estragar o dia? Estava indo tão
bem! Abriu:
34
Pai, estou com saudade.
Mês que vem, seu aniversário
82 anos, estaremos aí. Levarei
você para conhecer Atlanta
passar dois meses conosco.
Será nosso presente. Amamos
você.
Antônia e Jim.
34
Joaquim sentiu uma dor no
peito.
35
- Vô, algo errado? _ Gui
estranhou a fisionomia do avô.
- Leia, veja se não virei um
velho gagá...
Guilherme leu o telegrama.
- Puxa, vô, isso é o máximo!
Dessa vez, Maria estava
decidida a chamar o Corpo de
Bombeiros. Seu Joaquim estava
impossível. Cantou, sapateou,
contou piadas cabeludas, pintou os
canecos.
Imagine se o telegrama não
passou de mão em mão!
35
- Eta velho de sorte! _ Zé
Eustáquio concluiu.
- Quem espera sempre
alcança- Euclides praticamente
declamou.
35
CAPÍTULO 6
Vai passar, vô
Guilherme tinha vindo de
carro.
- É velho mas dá pra um
passeio, vô - Ele apontou para o
carro estacionado perto do portão.
- Vamos lá no quarto pegar
um agasalho. Não quero me
resfriar. Vou ficar zero-bala para ir à
Atlanta no mês que vem. Sabe que
eu me sinto um adolescente,
Guilherme? - Ele deu risada.
36
Guilherme acompanhou o avô
até o quarto. No caminho, explicou
que tinha entrado na faculdade de
odontologia.
Joaquim riu.
- Que tal já ir acertando a
minha dentadura?
Entraram no quarto.
- Você tem um companheiro,
né vô?
Pela primeira vez, Joaquim
chorou. Sentou na sua cama e ficou
apertando as mãos. Contou então
ao neto o que tinha acontecido com
36
seu amigo Horácio.
- Esse verdadeiro safado
pediu demissão desse emprego de
vida sem aviso prévio. Sabe, Gui ...
- ele fez uma pausa para tossir -, foi
breve, rápido mesmo, mas doído.
Pelo menos pra mim. Pra quem vou
trazer biscoitos do café de agora em
diante? Vão colocar algum chato
aqui comigo! Filho, desde que a sua
avó morreu (e olha que já tem
tempo, não?, ficamos casados
quarenta e oito anos), vim pra cá.
36
37
Desde então dividimos esse quarto
por quatro anos. Sabia o remédio
que ele tomava, as músicas de que
ele gostava, o nome dos filhos, da
esposa, dos netos, o que faziam. A
gente brigava um pouco ... Sabe
como é, fica parecendo marido e
mulher ... Saí pra tomar café,
demorei pra voltar ... E aí estava
tudo acabado, filho - Joaquim
finalizou.
- Vai passar, vô. Agora a
gente vai se distrair, entra outro
cara legal, você vai passar dois
38
meses com a tia Antônia e o tio
Jim...
- Seu pai...
- Meu pai não sei o que tem,
vô. Bem que eu queria saber. Ele é
meio... - Ficou na dúvida se
completava a frase ou não.- ...
estranho em relação ao senhor.
- Eu sei o que é, filho. Coisa
antiga, custa a passar. - Joaquim
encerrou o assunto e procurou
arrumar suas coisas. Pegou a
escova de dentes, a pasta, o
agasalho, as vitaminas.
38
- Onde você vai me levar,
filho? - Joaquim quis saber.
- Um passeio, vô. Sei lá,
tomar sorvete, ver as meninas no
shopping ... - riu, enquanto olhava
as fotografias que o avô
cuidadosamente colara no armário.
- Puxa, vô, você ainda guarda
essa aqui? - apontou para uma foto
em que lutava judô aos cinco anos.
-E muitas outras. Tá vendo
esse baú aqui? - apontou. - Guardo
as fotos de seu pai e de sua tia
bebês, os boletins deles, os
38
primeiros desenhos que eles me
deram de presente de dia dos pais.
Engraçado... O avô falava
sem nenhum rancor. Por que o pai
não vinha ver o avô? O que havia
de errado entre os dois! Gostava do
pai. Ele era meio fechadão, mas era
um cara legal. Gostava do avô. O
avô era falante, aberto,
comunicativo. Por que os dois não
se ... não se ... curtiam realmente?
38
Um pedido de saída para a
Maria, autorização concedida,
sorriso aberto da amiga e lá
39
foram os dois para o mundo, ou
melhor, para a vida, para a
cidade.
- Cadê o boné, vô? -
Guilherme quis saber.
- Tá aqui... - o avô tirou o
boné do bolso do agasalho. - Tá
pensando que saio sem ele? - e
foi colocando o boné na cabeça
assim como o neto... ao
contrário!
Entraram no carro do
Guilherme. A Mansão Ismael
ficara para trás.
39
CAPÍTULO 7
Algo em comum
Vinte minutos de estrada de
terra ladeada por eucaliptos, uma
paradinha num pequeno posto. O
avô era apaixonado por uma
goiabada cascão, coisa meio difícil
de aparecer no cardápio da
Mansão.
Depois de um xixi rapidinho,
mais alguns minutos de estrada.
Conversas, lembranças, risos,
piadas.
40
A cidade apareceu ao longe.
Não era muito grande, mas de
onde estavam já podiam avistar
um ou outro prédio.
- Segunda parada, vô. O
refúgio do guerreiro ... - Guilherme
finalmente chegara em sua casa.
- Não me diga que você mora
nessa espelunca! - Joaquim
adquiriu um ar mais sério, mas não
conseguiu segurar o riso por muito
tempo. A casa tinha sido pintada
com todas as cores do mundo.
Bem que teria sido divertido, nos
40
seus tempos de estudante, ter
morado num lugar assim ...
- Moro com outros seis caras,
vô! - Guilherme contou. - Quer
entrar?
Claro que queria!
Os dois entraram na
república.
40
41
- Que delícia de bagunça ... -
O avô se divertiu com as roupas
espalhadas pelas camas, as
cortinas improvisadas, todos os
tipos de instrumentos musicais.
Seu Joaquim achou que o
neto estava bem acomodado. Na
verdade, não poderia estar
melhor.
Quis saber se o Afonso tinha
vindo conferir as instalações do
filho.
- Ele teve de ser o avalista,
vô e depois tem de pagar o
42
aluguel pra mim, até que eu possa
arrumar um bico.
Guilherme se arrependeu de
ter contado que o pai estivera
lá. Tão perto da Mansão e não
visitara o velho. Percebeu uma
sombra triste passar pelos olhos
do avô, mas um largo sorriso e
uma piada infame chutaram a
tristeza pra longe. -
- Um cinema? - sugeriu ao
avô, dentro do carro.
- Bangue-bangue? - seu
Joaquim quis saber.
42
- Um ótimo. Ganhou Oscar
e tudo - Guilherme garantiu.
Seu Joaquim não conhecia
aquele shopping.
- Não é do meu tempo.
- Em quatro anos muita
coisa muda, vô
- Podemos comer pipoca?
Pipoca, chocolate, dropes
Dulcora.
Filme bom, risadas do avô,
que gargalhava alto. Um “Ei,
você, dá pra tirar o boné?”. Mais
risos.
42
Sorvete, pizza, café com
chantilly.
- Vô, a gente tá fazendo
tudo ao contrário!
- E não é bom? - ele ria, feito
criança.
Sentados numa mesinha da
última sorveteria do shopping, seu
Joaquim perguntou ao neto:
- Namoradas ... Quantas?
- Algumas. Ando meio
indeciso.
- Puxou o avô, hein?
- Na indecisão?
43
- Não, no "muitas". - Ele riu,
deixando cair sorvete em cima da
calça.
- Vô, você está babando!
- É o que as "meninas" vão
dizer de mim quando eu voltar!
- Semana que vem, vou te
levar ao novo parque. É um parque
ecológico, vô.
- Filho, eu não quero
atrapalhar... Você tem suas
namoradas, seu estudo ...
- Domingo que vem,
combinado?
43
-Fechado!
43
CAPÍTULO 8
Joaquim, Guilherme
e Daniela
Guilherme levou o avô para a
Mansão. Se sentiu feliz. O avô se
sentia feliz. Daí a quinze dias,
quando o pai voltasse do Rio, teria
uma conversa séria com ele. Qual o
grilo entre ele e o velho? Por que
não ia até o asilo? É, porque aquele
lugar não passava de um asilo. Ia
tirar tudo a limpo.
44
Joaquim se despediu do neto
como um menino.
Entrou assobiando no saguão
da Mansão, levando, de cara,
um pito da Maria:
- Passando do horário, hein,
safadinho? Tarde da noite!
Madrugada! - Ela apontou o relógio.
- As meninas não queriam
que eu voltasse. Foi uma
dificuldade! Amanhã começo minha
aeróbica, senão, já viu... não dou
conta!
Maria deu risada.
44
“Eta, velho assanhado. Se
todos fossem assim como ele,
aquele asilo seria um hotel de
veraneio, um lugar para turistas.
Muito mais divertido!”
Dormiu como um anjo.
Acordou assobiando, lavou o rosto,
tomou banho, escovou os dentes,
aparou o bigode, vestiu a roupa
mais descombinada que encontrou.
Era assim que se sentia.
Descombinado com a idade. Não
tinha 81 anos. Era gêmeo do neto:
tinha 18. Talvez tivessem nascido
44
45
no mesmo dia, mesmo mês, mesmo
ano, e a Maria, que na época
trabalhava na maternidade, tinha
trocado as chapinhas de
identificação. E foi aí que um
nasceu neto e o outro, avô.
Regou as violetas e, antes
que saísse para o café, deu de cara
com ...
- Vicentino!
- Bom dia, seu Joaquim.
Esse é o seu novo colega de
quarto. O nome dele é Laudelino.
- Prazer. Meu nome é
46
Joaquim, mas pode me
chamar de Joaquinzão, falou? -
esticou a mão para cumprimentar o
novo colega de quarto.
- Hã? Quem? - o homem
gritou, levando a mão em concha,
ao ouvido.
- Precisa falar bem alto, seu
Joaquim ... - Vicentino foi ajeitando
os pertences do homem. - Ele é
praticamente surdo.
- Pronto. Só me faltava essa.
Velho e surdo!
Vicentino deu risada. E ele
46
pensava que era o quê? Um
mocinho?
Enquanto Vicentino
esgoelava no ouvido do seu
Laudelino qual seria a sua cama,
armário, as normas, horários de
café e tudo o mais, o velhinho,
olhos bem azuis, foi tratando de
colocar em cima do seu criado-
mudo - o que fora do Horácio - um
vaso com uma pequena roseira.
- Que bonito! - Joaquim gritou
no ouvido do companheiro.
- Tomara que dê certo... –
46
Laudelino finalmente escutara
Joaquim. - É um enxerto. Gosto de
jardinagem!
- Que bom! Eu também! -
Joaquim bateu palmas.
- Que bom mesmo! -
Vicentino exclamou. - A Mansão já
deve estar sabendo, tamanha
gritaria nesse quarto!
A semana passou rápida.
Joaquim apresentou seu
colega surdo mas nem um pouco
mudo para todos os "exilados",
como às vezes os chamava.
46
Aprendeu a fazer o enxerto
de rosas com o Vicentino.
-Tô gostando desse cara! –
47
comentou com Zé Eustáquio.
Mal pôde esperar pelo
domingo. Que importava se o
parceiro roncava como uma bateria
da Portela; se tinha de gritar tão alto
que ouvia “psiu” por onde passava
com ele? Pouco se importava se as
meninas comiam de boca aberta e
tiravam a dentadura no meio do
café da manhã... Teria um domingo
inteiro com o neto!
Se importava, sim, com a
ausência do filho... Mas fazer o
quê? Tinha errado e não soubera
47
perdir perdão ao caçula.
Guilherme chegou um pouco
mais cedo.
Joaquim estivera espiando
pela janelinha do portão por bom
tempo. Por alguns minutos tivera
medo de que o neto não
aparecesse, assim como tantos
outros netos que davam calote nos
seus amigos velhos de guerra.
Mas não. O neto chegara e
ele sentira aquela sensação
deliciosa de alívio, misturada à de
alegria e à de segurança.
48
O avô, boné na cabeça, tênis
no pé, levou o maior susto ao ver o
neto acompanhado.
- Essa é a Daniela, vô Ela
queria conhecer você. Vamos levar
48
você ao Parque ... Parque das
Águas, lembra?
- Como vai, seu Joaquim? - a
garota já foi logo dando um beijo na
bochecha do seu Joaquim.
- Bom gosto, meu filho, bom
gosto... - o avô elogiou, entrando no
carro.
- Vô, antes que eu me
esqueça, meu pai pediu pra
entregar isso pro senhor -
Guilherme estendeu uma carta ao
avô.
Seu Joaquim pegou a carta.
49
Achou melhor não abrir. Leria no
quarto como todos os outros
amigos. Se tivesse que chorar como
um velho bobo, choraria sozinho,
sem testemunhas.
- Pronto? - perguntou ao avô.
- Como? Ainda não saímos? -
ele brincou, não sem antes dar
tchau a todos os que os
espreitavam, mortos de inveja.
"Coitados!", pensou.
“Ninguém tem um neto como o
meu!”
Guilherme foi por um caminho
49
novo que o avô não conhecia. Era
praticamente um atalho.
- Trouxemos lanche para um
piquenique, vovô - Daniela sorriu.
Seu Joaquim gostou de ser
chamado assim.
49
CAPÍTULO 9
Um pouco de melancolia
Tiveram uma manhã
deliciosa.
O avô contou histórias,
andou, foi fotografado abraçado
àquela que, pelo gosto dele, seria
sua neta um dia.
Viu um lago, pontes, passeou
de pedalinho.
- Filho - perguntou ao neto -,
é impressão ou estamos perto do
cemitério?
50
- Uns quinze minutos, vô.
- Vocês se importariam...
- Já sei. Quer matar a
saudade, né?
- Hum, hum. E se não for
abusar, meu filho, queria comprar
umas flores antes.
- Tá certo, vô.
Daniela pediu que, antes, a
deixassem em casa. Ela morava
numa cidadezinha chamada Colina,
bem antes de Ismael. Preferia que
aquele momento de intimidade
fosse do avô e do namorado.
50
Entraram no carro.
Os três estavam em silêncio.
Em alguns minutos,
Guilherme deixou Daniela na porta
de casa.
Mais alguns quilômetros e
pararam em frente ao cemitério.
Desceram.
Seu Joaquim dirigiu-se à
barraca de flores. Comprou duas
dúzias de rosas.
Entraram no cemitério.
Guilherme não lembrava bem
onde ficava o túmulo da avó.
50
51
O avô foi à frente, parando
aqui e ali, fazendo alguns
comentários sobre amigos que já
haviam partido.
Parou em frente ao túmulo da
esposa.
- Eu gostava muito dela, filho.
- Ele sentou-se na beiradinha do
túmulo, alisando carinhosamente a
lápide.
- Eu sei, vô.
Ficou ali um tempão.
Enxugou uma lágrima com um
lenço amarrotado que tirou do
52
bolso. Antes de sair, colocou o
ramalhete de rosas amarelas em
cima da cruz de bronze.
- Vamos, filho. - Levantou-se,
apoiando no braço do neto.
Andou e, mais adiante, parou
à frente de outro túmulo. Este, mais
simples, de cimento.
“Rosas para o amigo do vovô,
coitado.” O neto passou o braço
pelas costas do avô, fazendo um
carinho gostoso que só sentindo.
Seu Joaquim ajoelhou, e,
tomando a tirar o lenço amarrotado
52
de dentro do bolso, enxugou as
muitas lágrimas que derramou a
seguir.
Colocou o ramalhete de rosas
vermelhas em cima do túmulo mais
52
modesto.
Antes de se levantar, porém,
disse ao neto:
- Fazer o quê? Gostei da
Hilda também.
Guilherme levou o maior
susto. Era esse o segredo, a mágoa
do pai, então?
De repente vendo o avô
encolhido, sentado ali naquele
túmulo de alguém que nem
conhecera, ficou triste. Triste pelo
avô, triste pelo pai.
Voltaram para a mansão em
53
silêncio.
- Semana que vem hein, vô? -
resolveu nem tocar no assunto da
“outra”.
- Filho, semana que vem nós
vamos ter uma festa-baile aqui.
Pode ser na outra? - Joaquim
lembrara-se dos preparativos da
festa. Imagine se faltasse! As
velhinhas o matariam, com certeza!
- Claro, vô! - o neto
compreendeu.
- Aproveita e tira o próximo
fim de semana para passear com a
54
namorada. Gostei dela, viu? Ah, e
se encontrar com seu pai, fala pra
ele... Puxa, a gente vai ficando
velho e duro... - ele disse, abrindo a
porta do carro.
- Falo o quê, vô?
- Que eu amo muito ele. Ele,
você e sua tia. E tchau que estou
ficando muito melancólico.- Joaquim
sentiu-se um velho ridículo.
Guilherme deu a partida no
carro e buzinou antes que o avô
abrisse o portão da Mansão. Não
podia estragar a surpresa. O avô
54
leria a carta. Seu pai, finalmente,
viria buscar o avô. Havia alugado
um apartamentozinho em Pontal do
Paraíso, a uns oitenta quilômetros
dali. Tinha decidido que o pai iria
morar com ele, apesar dos pesares.
Só agora ficara sabendo da
verdade.
“Isso explicava tanta coisa,
tanta fala pela metade!”, Guilherme
franziu a testa. “Pra que tanto
ressentimento? Talvez o avô
aceitasse, talvez não. Mas ficaria
contente ao saber que não havia
54
mais mágoas. Tudo seriam flores,
não importava se amarelas,
vermelhas, cor-de-rosa, brancas."
Acelerou.
Joaquim passou pelo saguão.
- Feliz, seu Joaquim? Vai
pras Europa, hein? - Maria
gargalhou.
- Estados Unidos, sua boba -
ele respondeu, apertando a sua
bochecha.
- Eta velho arretado!
- Era moça bonita que só
vendo pra acreditar! – piscou dando
54
risada.
Joaquim entrou no quarto.
Que sorte! Seu amigo surdo não
55
estava lá. Não que detestasse o
cidadão, mas perdia um pouco o
que sobrara da sua paciência ao
repetir inúmeras vezes a mesma
coisa.
“A idade era um osso duro de
roer... ou uma Sopa dura de
engolir!”, pensou ao deitar na cama.
Abriu a carta do filho
devagarinho. Enquanto lia, foi
sentindo o coração aumentar de
tamanho. Teve vontade de
gargalhar, mas tudo o que fez foi
dar um sorriso gostoso.
55
Leu mais de dez vezes
aquela carta e, sentindo um carinho
imenso pelo filho, foi apertando,
apertando aquele papel até não
poder mais. Tirou da gaveta do
criado-mudo o telegrama da filha e
juntou com a carta. Estariam todos
juntos, afinal.
55
CAPÍTULO 10
Vermelhas e amarelas
Hora do jantar.
Laudelino reclamou da canja.
- Canja sem graça! Sou surdo
mas tenho paladar, ouviram?
Vicentino veio ver o que
estava acontecendo.
- Hoje é o senhor o reclamão,
é? O seu Joaquim tá fazendo
escola. Por sinal, cadê ele? - gritou
no ouvido do seu Laudelino.
- Tá ficando surdo como eu.
56
Chamei e ele não
respondeu...
- E continuou a tomar a canja.
Vicentino foi até o quarto.
Joaquim estava lá, sim.
Deitado na cama, sorriso nos lábios,
dois papéis por entre as mãos
entrelaçadas, sobre o peito, olhos
fechados por uma eternidade.
No vaso, o enxerto que
aprendera com Laudelino: na
pequena roseira, duas minúsculas
florzinhas - mistas de vermelho e
amarelo --, floresciam.
56
57
Esta obra é uma
homenagem aos familiares,
aos profissionais e aos
voluntários que amparam a
vida dos moradores de
asilos.
Agradecemos aos idosos da
Casa dos Velhinhos de Ondina
Lobo (São Paulo - SP) e à senhora
Déa, vice-presidente dessa
instituição, que nos permitiram a
realização das fotografias
publicadas nas páginas 58,
59 (fotos 1,2,3),61 (foto 2) e 62.
Quem é Teima Guimarães
Nasci em Marília, São Paulo,
mas resido em Campinas. Sou
licenciada em Letras Vernáculas e
Inglês pela UNESP. Lecionei inglês
em Campinas, São Paulo, até
1995. Fui cronista do jornal Correio
Popular e também assessora
cultural na Delegacia Regional de
Cultura de Campinas.
Meus primeiros livros infantis
saíram em agosto de 1988. Em
1989, recebi da APCA o título de
"Melhor Autora em Literatura
Infantil", com o livro Mago Bitu
Fadolento, lançado pela Loyola.
Já publiquei mais de 70
títulos, entre infantis e juvenis, em
português e em inglês, por várias
editoras.
Atualmente dedico-me
somente aos livros, participando de
sessões de autógrafos pelo país e
de oficinas literárias para
professores de português e inglês
do ensino fundamental e para
alunos.
Home page da autora:
http://www.telma.com.br
E-mail da autora:
telma@telma.com.br
.
Quem é Odilon Moraes
Sou formado em Arquitetura e
entrei no "mundo" da ilustração
quase por acaso. Gosto de contar
histórias, e o meu jeito de
contá-Ias é desenhando.
Trabalho como ilustrador há
mais de dez anos e, nesse tempo,
tive a sorte de ganhar alguns
prêmios, como o Jabuti, em 1994, e
o Adolfo Aizen, da União Brasileira
dos Escritores, em 1995.
Como o desenho é uma
linguagem que não precisa de
tradução, ilustrei também alguns
livros no exterior, principalmente
na- França e na Inglaterra.
Joaquim tem uma casa, um lugar
chamado Mansão " Ismael. Corpo de velho,
cabeça de jovem, coração de menino... Ou
'seria tudo ao contrário? Joaquim é avô de
Guilherme. Tem um amigo chamado Horácio
e muitos outros amigos na instituição onde
mora.
Seu neto não se esquece dele. "Querido
avô...No fim de semana que tiver livre, vamos
passear. Se você quiser conhecer o meu
canto, pode, Se visse o meu quarto...
Bagunça doida, vô, Generalizada.”
Afonso, o filho caçula, brigou com
Joaquim. A outra filha mora nos Estados
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Joaquim leva a vida numa boa. Mas ele
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A história de Joaquim, o velhinho animado do asilo

  • 1.
  • 2.
  • 3.
  • 4.
  • 5. Copyright ©Telma Guimarães, 2001 Todos os direitos de edição reservados à EDITORA FTD S.A. Matriz: Rua Rui Barbosa, 156 (Bela Vista) São Paulo - SP CEP 01326-010 - Tel. (Oxx11) 3253-5011 - Fax (Oxx11) 3284-8500 r. 282 Caixa Postal 65149 - CEP da Caixa Postal 01390-970 Internet: http://www.ftd.com.br E-mail: projetos@ftd.com.br Editora Ceciliany Alves Editora assistente Miriam Chinalli Preparadores e revisores de texto Adolfo José Facchini - Maria Clara Barcellos Fontanella Regina Gimenez Editora de arte Glair Alonso Arruda Ilustrador Odilon Moraes Capa Alberto Llinares Projeto gráfico Fabiano dos Santos Mariano Diagrama dores Andréia' Lopes Crema Fabiano dos Santos Mariano Sheila Moraes Oséias Dias Sanches ll.; Assistente de produção Vânia Aparecida dos Santos Iconografia Coordenadora: Sonia Oddi Assistente: Maria Rosa Alexandre Digitadora Maria Lamano Editoração eletrônica Finalização: Terezinha de Fátima Joaquim Oliveira Coordenação: Cartosizzi Reginaldo Soares Damasceno
  • 6. 00-4748 CDD-028.5 Índices para catálogo sistemático 1. Literatura infanto-juvenil 028.5 2. Literatura juvenil 028.5 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Castro, Teima Guimarães de Meu avô e eu / Teima Guimarães de Castro; ilustrações Odilon Moraes. - São Paulo: FTD, 2000. 1. Literatura infanto-juvenil I. Moraes, Odilon. II. Título.
  • 7. Este livro que está em suas mãos foi todo digitalizado artesanalmente e posteriormente adaptado para letras ampliadas, fonte 28, a fim de atender às necessidades de nossos alunos baixa visão. Por que todo esse trabalho em digitalizar folha por folha e ampliar a fonte de um livro que já está pronto? Porque os livros convencionais não atendem as necessidades dos alunos Cegos e com baixa visão. Preocupados com essa situação e considerando que existem hoje no Brasil mais de 582 mil cegos e mais
  • 8. de 6 milhões de pessoas com baixa visão (Censo 2010), para os quais o livro convencional não é legível, tentamos fazer a diferença oferecendo o livro didático ou literário, em Braille, para nossos alunos cegos, e em fonte cujo tamanho seja adequado aos nossos alunos de visão subnormal, que cursam o Ensino Fundamental da Rede Municipal de Içara. O uso do texto em braile, para os alunos cegos, e de letras ampliadas, para alunos baixa visão, possibilita que a criança possa ler o livro
  • 9. interagir e compartilhar a história com a família e com os colegas de aula, sentindo-se incluída e participando ativamente do ambiente escolar. Professoras do AEE E. M. E. F. Mª Arlete Bitencourt Lodetti E. M. E. F. Lucia de Lucca "Posso admitir que o deficiente seja vítima do destino, porém não posso admitir que seja vítima da indiferença" John Kennedy
  • 10.
  • 11. Apresentação Na minha cidade tinha um asilo chamado Mansão lsmael. Eram tantos os velhinhos... Uns, visitados por seus familiares, sorriam sem dentes ou corriam atrás de dentaduras guardadas em copos, debaixo de travesseiros, em armários de banheiros. Outros esquecidos para sempre, choravam baixinho pelos cantos; outros, fingindo-se "visitados" ainda outro dia, teimavam em contar vantagens.
  • 12. Os jardins, rosas minúsculas, cores variadas, eram cuidados por alguns dos velhinhos. Sorriam, muito tristes, entre pétalas e espinhos, à espera de um filho, neto, bisneto, vizinho que fosse. Raramente apareciam. Uma vez, fui visitar um Parente. Eu era pequena ainda. Levamos caquis. Ele comeu as frutas, em prantos. Que gosto amargo! Coitado!
  • 13. Lembrei-me desse velhinho sozinho, perdido nos anos... e comecei a escrever a história. Joaquim surgiu primeiro. À ideia de criá-lo de bem vida me pareceu boa. Para que deixá-lo resmungando? Depois, apareceu-me o amigo, Horácio, os outros amigos do asilo... O neto, os filhos que nunca aparecem. Aos poucos, a história seguiu sozinha e eu mal conseguia controlar o maluco do Joaquim. Gente, que fôlego!
  • 14. No final, ele chorou e eu também. Acho que nunca ri e chorei tanto num livro! Gosto dos velhinhos. Quanta história, quantas coisas para contar e lembrar. Vamos chegar lá um dia, tomara! E espero que continuemos bem-humorados como Joaquim... E que não estejamos sozinhos. Telma Guimarães
  • 15. Para Mariazinha e seu marido Antonio Belisário de Souza, que há mais de trinta anos cuidam com carinho dos velhinhos da mansão de Ismael.
  • 16.
  • 17. Sumário CAPÍTULO 1 A mansão de Joaquim..............06 CAPÍTULO 2 0 amigo de quarto.................... 14 CAPÍTULO 3 De mal com a vida....................24 CAPÍTULO 4 Querido Avô..............................28 CAPÍTULO 5 Surpresa, Joaquim!..................32
  • 18. CAPÍTULO 6 Vai passar, vô!..........................36 CAPÍTULO 7 Algo em comum........................40 CAPÍTULO 8 Joaquim, Guilherme e Daniela..44 CAPÍTULO 9 Um pouco de melancolia...........50 CAPÍTULO 10 Vermelhas e amarelas..............56
  • 19. CAPÍTULO 1 A mansão de Joaquim Mansão Ismael. Um nome pomposo, decerto. Tudo bem se fosse a Mansão da família Ismael, o patriarca, conde de anel no dedinho, filho de beltrano, neto de sicrana, mais cheio de títulos ainda. Entretanto, para um asilo era, de fato, muita pretensão. Afastada da cidade, ela se escondia detrás de um alto portão 6
  • 20. de ferro batido, sem pintura. Talvez tivesse sido azul-colonial um dia... Um dia. Um portão sem grades, com uma pequena janelinha ao meio. Era de lá que o porteiro-guarda-vigia, uma espécie de faz-tudo, olhava quem tocava a campainha. Construído nos idos de 30, tivera dias muito melhores. Jardins vistosos, bem tratados, talvez alguns bancos de mármore, uma ou outra estátua ladeando o passeio de pedra 6
  • 21. portuguesa formando lindos mosaicos a enfeitar o caminho dos visitantes. Infelizmente - talvez a crise - o jardim já não era mais o mesmo. Para falar a verdade, estava bem decadente. Sem nenhum tipo de cerimônia, roseiras conviviam em perfeita harmonia com algumas poucas begônias, gerânios, margaridas, hortênsias, cravos-de-defunto, dálias desfolhadas, espadas-de-são-jorge, ervas daninhas, comigo-ninguém- pode. 6
  • 22. 7
  • 23. Alguns bancos ficavam sob árvores ainda frondosas. Nele. podiam-se ainda ler forçando-se bem a vista, algumas propagandas - provavelmente dos doadores dos bancos de granito agora. acinzentados: PHARMACIA ISMMAEL, Rua São Bento, 295 Telephone:2281; ALPHAIATARIA PAVARINI - a que melhor veste, Rua Nove de Julho, 543. Telephone: 2221; FHUNERÁRIA BOA MORTE - contigo até o fim! Rua Coronel Justino de Almeida, 8
  • 24. 945 Telephone: 2298. Dois bebedouros de passarinhos ficavam no que antes deveria ter sido uma pequena pracinha. Duas pombas de gesso enfeitavam tristemente cada bebedouro. Numa, faltava o pezinho esquerdo; noutra, parte do rabo. Oito pessoas passeavam pelo jardim. Duas, sendo empurradas por enfermeiros. As outras seis, sentadas nos bancos, tomando o pouco de sol que aparecia- desaparecia de uma grande nuvem. 8
  • 25. Não havia nenhum degrau para entrar na Mansão. Térrea, com a pintura gasta pelo tempo, ela mantinha as janelas abertas, protegidas por telas. Uma porta entalhada de madeira trazia uma plaquinha branca: MANSÃO ISMMAEL. Silêncio! Um saguão amplo com uma bancada onde uma enfermeira recepcionista cadastrava os internos, vigiava as entradas e saídas de pacientes e visitantes, destoava do lugar. 8
  • 26. Roupa branca impecável, grandalhona, riso fácil. Decididamente, não combinava com o local de ar abandonado. 9
  • 27. Mais à esquerda, alguns sofás e poltronas de couro, já bem raladas, acomodavam alguns visitantes. Parentes dos idosos, certamente. Um deles tinha cara de choro. O mais novo consolava o mais velho que, segurando uma mala bem antiga, fazia sinais negativos com a cabeça. A morte de alguém do asilo, talvez um parente... Quem sabe a sua própria internação e o sentimento de tristeza a lhe encher o coração. 9
  • 28. Três orelhões bem modernos ficavam próximos da recepção. Pequenos sinais de modernidade! Podia-se notar, mesmo sem o uso de óculos, uma plaquinha a indicar uma lanchonete dobrando o corredor à esquerda e outra, mais além, a indicar o refeitório. Para se chegar aos quartos, passava-se por um corredor comprido. Ao lado do corredor, um jardim. Esse sim, mais bem cuidado, bancos novos, alguns 10
  • 29. arbustos. Num canto do jardim, numa construção mais recente, um salão de jogos. Seis mesas redondas para carteado, três tabuleiros de damas, quatro de xadrez, algumas poltronas, dois sofás, banquinhos para os pés, televisão e uma vitrola. Algumas salas antecediam a ala masculina, separada da feminina. A sala do doutor Xavier os quartos dos enfermeiros, a cozinha, a enfermaria. Os quartos eram ocupados 10
  • 30. por duas pessoas. Um criado-mudo para cada cama, dois armários de ferro branco já meio descascados, um banheiro. Em cima da cama, travesseiro e manta xadrez. Nos criados-mudos, moringa, papel com horário de medicamentos, radinho à pilha. Embaixo dos criados, bem a vista de quem entrasse, dois penicos - ou papagaios-, duas mesinhas dobráveis para servir o almoço_ provavelmente de duas pessoas que não podiam se locomover até o 10
  • 31. refeitório. No quarto de número três, uma surpresa: um boné pendurado na cabeceira da cama à direita, cinco vasos de violetas de cores variadas no peitoril da janela, dois casacos jogados na cadeira que ladeava a porta de entrada, fotos colocadas no espelho de um dos guarda-roupas, um moderno walkman convivendo com uma antiga moringa de barro sobre o criado-mudo. Atrás do walkman, três livros empilhados, "vivendo" em 10
  • 32. plena harmonia: Ginástica para idosos, Os amores de Matilde e A Bíblia Sagrada. Na cama à esquerda, o de sempre: a manta xadrez e travesseiros, um par de chinelos de lã e um capacho aveludado ficavam ao lado da cama. No criado-mudo, um pote de porcelana onde se lia "biscoitos". 10
  • 33. Uma minuciosa revista pelo quarto mostraria um pequeno baú 11
  • 34. de macieira entalhada, colocado na segunda prateleira do guarda- roupa. Dentro, um maço de cartas, mais fotos, recortes de jornais, um bloco de papel de carta, canetas, selos. Um bom observador veria no banheiro um ou outro vidro de loção após barba, sabonete de boa qualidade, um roupão de banho listado pendurado atrás da porta. Veria também que este era um quarto diferente, a acomodar dois hóspedes totalmente distintos. 11
  • 35. Um dos homens se levantou. Tinha dormido muito. Enquanto se trocava, olhou o amigo na cama ao lado. "Como gosta de dormir, esse coitado! Imagine só se eu perderia todo esse tempo na cama, virando pra cá e pra lá, perguntando se já está na hora do almoço! Este lugar já é tão chato...Ele deveria pensar em fazer alguma coisa diferente. Esse companheiro de quarto não é nem um pingo criativo!", pensou. Foi ao banheiro. Olhou-se no 12
  • 36. espelho. "Ah, o que a idade não faz!" Fez uma careta no espelho. Depois de lavar o rosto, escovou os dentes, barbeou-se – como dizia - com um barbeador elétrico "de última geração”, penteou o cabelo prateado, fez xixi. Olhou para o outro urinol junto ao bidê. Por ele, jogaria o dito-cujo pela janela, mas com aquela tela protetora, fazer o quê? Ficassem urinol, papagaio, penico feito troféus ali pelo quarto e banheiro. Nunca os 12
  • 37. usaria. Estaria morto, enterrado, bem sepultado antes disso. Foi até o criado-mudo e pegou o walkman que ganhara do neto. Sabia que implicariam com ele, o chamariam de velho assanhado, gagá, maluco. Não tinha a menor importância. Ele não ligava, mesmo. Antes de acordar o Horácio, molhou as violetas com o urinol repleto de água. Deu risada. Talvez fosse por isso que elas tinham folhas enormes e floresciam o ano todo. Se Horácio visse, ia balançar 12
  • 38. a cabeça e dizer: - Você está no lugar errado, Joaquim. Seu lugar é num hospício. Onde já se viu molhar as violetas com o urinol? Está ficando maluco? Joaquim olhou o relógio. Iriam perder a hora do café. E o café já era tão ruim! Deu uma chacoalhada no Horácio. "Velho gagá", pensou. - Acorda, gagá... Quer perder o nosso café cinco estrelas? - brincou. 12
  • 39. Nada. Joaquim não estranhou o mutismo do companheiro. Ele era assim mesmo. Tinha dia que não acordava antes das dez. Perdia o café e ainda ficava. Rabugento e mal humorado. Horácio deu uma roncada. - Se quer ficar aí dormindo e roncando feito um velho decrépito, que fique. Tudo bem, em, eu guardo uma daquelas rosquinhas de leite que você gosta, tá? Fechou a porta do quarto e se 13
  • 40. dirigiu ao refeitório. Desta vez, ia amolar as “meninas”, Binoca e Berenice. 13
  • 41. CAPÍTULO 2 O amigo de quarto Puxou uma cadeira e sentou para o café. - Então, como passaram a noite? Fizeram algum programa divertido? - Modere seus modos, Joaquim. Você é assanhado desde que levanta? - Binoca falou entre um gole e outro de chá. Joaquim se serviu de café. Observou Berenice, que molhava o 13
  • 42. pão no leite. “Coisa mais feia!” Franziu as sobrancelhas. “Cecília, minha esposa, nunca fez essa porquice. E olha que fomos casados durante quarenta e oito anos.” - Horácio não vem para o café? - Binoca perguntou, fazendo barulho com a boca. "Dentadura solta", Joaquim concluiu. “Isso afasta qualquer interesse por ela.” - Horácio é um dorminhoco - deu risada' enquanto embrulhava 14
  • 43. umas rosquinhas num guardanapo de papel e enfiava no bolso do casaco de lã. Tinham exatamente meia hora para o café Depois disso, um retorno para o quarto, operação escovar dentadura, pontes e dentes remanescentes, tomar algumas pílulas, pegar ou trocar algum agasalho e começar o turismo propriamente dito: um passeio pelos jardins maravilhosos, tomando sol. Pegariam um belíssimo bronzeado. 14
  • 44. 15
  • 45. Às dez e meia fariam esportes fantásticos: salto em tricô e crochê para as meninas, treinamento básico em colagem na madeira para os meninos. Trocando em miúdos fazer alguns consertinhos bobos com o nome novo de terapia. Pura enganação. Uma parada no tour para um almoço suntuoso. A nutricionista perfeita teria introduzido no cardápio mais um daqueles suflês coloridos, alguns fiapos disfarçados de carne para que os desprovidos de dentes não 16
  • 46. tivessem nenhuma dificuldade em engolir o suculento manjar. Caldo de feijão enriquecido de fígado, arroz à La papa, e voilà: gelatina- surpresa de sobremesa. De limão às segundas e quintas, morango às terças, cereja às quartas,framboesa às sextas, uva aos sábados e pudim de pão com calda de uvas passas (sem caroços) aos domingos. Essa de uvas passas sem caroços era recente. Comentava-se que, num desses manjares de leite de coco com calda de ameixas, 16
  • 47. uma senhora, ainda na flor da idade - provavelmente construíra a Muralha da China -, engasgara com a ameixa e, consequentemente, morrera por asfixia. A partir desse desastroso acidente culinário, o pessoal da cozinha, pressionado pelos médicos, trocava tudo o que pudesse trazer aborrecimentos à Mansão. E frutas com caroços ou pedaços de frango com osso, assim como peixes munidos de espinhos, foram definitivamente abolidos do cardápio. 16
  • 48. Uma pausa para escovar os dentes, verdadeiros ou falsos, uma pestana até as 14h30. Outra caminhada - às vezes conduzida pelo doutor Xavier-, um pequeno, rápido e tedioso check-up, uma passadinha pela psicóloga, e tcham-tcham-tcham-tcham: um chá acompanhado de bolachas Maria. Novela repetida à tarde, um joguinho, um papo furado, um papo profundo, uma tentativa de paquera (por que não?) e, finalmente, a ceia. Bem variada por sinal; canja, sopa 16
  • 49. De feijão, caldo verde, sopa de batatas, caldo de legumes, sopa de letrinhas (só para os alfabetizados). 17
  • 50. Uma passada pela sala de tevê até que a novela das oito e meia acabasse. E era só. À vezes alguém tocava piano. Normalmente eram músicas tristes. Joaquim não gostava. Aí colocava o seu walkman e se desligava do mundo. Joaquim também não gostava da Sabina. Era ela quem interrompia os jogos da tarde para entregar cartas. 17
  • 51. O pessoal ficava olhando o relógio. O carteiro passava às três e quinze, três e vinte. Às três e meia, correspondência separada, Sabina entrava no salão e ia entregando aqueles envelopes horríveis. As mulheres abriam as cartas, mostravam as fotos recebida, as encomendas enviadas. Os homens, mais reservados, faziam ar de pouco-caso com à cartas. Assim que entravam nos seus quartos, corriam a abri-las, ávidos por notícias dos filhos, netos, 18
  • 52. sobrinhos, bisnetos. Joaquim permanecia sentado, alheio à entrega das cartas. Para ele não vinha quase nada. Uma ou outra da sua filha Antônia que morava em Atlanta, na Geórgia, Estados unidos da América. Era casada com um americano e não tinham filhos. Estava lá há mais de vinte anos. Ele compreendia. As cartas demoravam a chegar. As viagens eram caras, mas ela tinha vindo ao Brasil três vezes só para vê-lo. Trouxera um cachecol de lá e 18
  • 53. chocolates. Mandava cartões- postais de vez em quando e telefonava no seu aniversário e no Natal. Era tudo. Afonso, o filho mais novo, tinha aparecido umas quatro vezes, escrito cinco, telefonado sete. Joaquim contara nos dedos. Morava a uns cem quilômetros dali. Não era assim tão longe. Ele e a filha pagavam o asilo - sim, porque aquilo não passava de um asilo camuflado de "mansão" - já que ele, com a aposentadoria que recebia, 18
  • 54. não poderia ficar em lugar algum, a não ser num albergue, se é que ainda existiam. Sentia falta sim, era do neto. O Guilherme. Estava fazendo cursinho. Mandava fotos, cartas engraçadas. Mas já há algum tempo Joaquim não recebia nada. As meninas acabaram o café. Joaquim levantou-se da cadeira e, antes de amolar o seu amigo "belo adormecido", resolveu respirar um ar puro. Passou pela Maria, a 19
  • 55. enfermeira-recepcionista. - Onde é que o senhor vai, seu Joaquim? - ela perguntou mais risonha do que brava. - Pelo visto, 19
  • 56. com essas migalhas de pão no bigode, o senhor não passou pelo quarto para escovar os dentinhos. - Horário da aeróbica. Você sabe, Maria, tenho de manter. forma, senão não dou conta das meninas à noite - ele cochichou - Hoje o senhor teria o doutor Xavier... Rotina, já sabe. - Menos mal. Existem outros piores, Maria! - ele tirou as migalhas de pão que estavam no bigode. - Cadê o seu colega de quarto? - ela quis saber. - Já soube 20
  • 57. que ele não apareceu para o café! - Guardei os biscoitos pra ele! O dorminhoco come mais tarde! - Joaquim piscou o olho. Maria deu risada. O seu Joaquim era um interno especial. "Pena que nunca aparece alguém aqui pra lhe fazer uma visita!" - mordeu o lábio grosso de batom cor de vinho. Joaquim andou pelo parque. Adorava infringir regras. Escovaria a dentadura depois. 20
  • 58. Conferiu as "suas" roseiras. Primeiro deu atenção às rosas vermelhas, depois, de igual maneira, às amarelas. Olhou com carinho "suas" begônias. Passou bom tempo espiando o estado das roseiras, os botões por entreabrir e se entristeceu com as margaridas meio murchas. Conversou com alguns passarinhos, desde os mais simples pardais - até os mais "sofisticados" - bem-te-vis. Sentou um pouco no banco, 20
  • 59. aquele a que chamava "boa morte" e fechou os olhos por uns instantes. Acordou sobressaltado com um cocô de passarinho bem no meio do nariz. - Isso é lugar, meu filho? - resmungou, enfiando a mão no bolso para pegar um lenço e limpar a porcaria. Foi aí que percebeu ter amassado os biscoitos do amigo. “Coitado, vai acordar e não vai ter seu biscoito predileto para comer!” Joaquim levantou-se do 21
  • 60. banco. - Demorou, hein? – Maria observou, assim que ele passou pelo saguão. - Acho que a aeróbica me deu sono- ele riu. - Seu Joaquim, espera um pouco....Preciso falar com o senhor... Joaquim parou para ouvir as confidências daquela que considerava uma “estranha no ninho”: simpática, risonha, falante, “quebradeira” de regras, como ele. 21
  • 61. Maria contou seus problemas familiares, o caso de uma sobrinha maluca que fugira com o filho da vizinha, entre tantas outras coisas. Joaquim estranhou tanta confidência. Enquanto ela falava, o pessoal já ia saindo num tour pelo jardim, como sempre. Uns pelas suas próprias pernas, outros em quatro rodas. Notou, de repente, um cochicho aqui, outro acolá. Deixou Maria falando sozinha e foi para o quarto levar os 21
  • 62. biscoitos, mais que atrasados, para o café do Horácio. A porta estava aberta. “O preguiçoso levantou. Vai ver já está lá no jardim ... E eu aqui, preocupado com o biscoito amassado ...”. Sentou na sua cama. Resolveu ir ao banheiro. Fechou a porta. Quando saiu, deu de cara com o Vicentino, um dos enfermeiros da ala masculina. Não gostava do Vicentino. Ele usava o perfume da morte. 21
  • 63. Sentiu um arrepio. Vicentino recolheu o par de chinelos de lã. Abriu o armário da direita e retirou a mala de couro. Colocou-a sobre a cama e foi retirando dos cabides cinco calças de tergal, seis camisas de manga longa, cinco camisetas, dois pulôveres, um abrigo de chuva. Das gavetas, retirou as cuecas de tecido, os pijamas, as meias, os sapatos já gastos. Mais alguns pertences e fecharia a mala. - Ele tinha pouca coisa, seu 21
  • 64. 22
  • 65. Joaquim! Joaquim apertou os olhos. - Aonde ele foi? Pra UTI? Foi a angina de novo? Fala, cidadão! Desembucha! Quando eu saí daqui para o café ele estava roncando. - Calma, seu Joaquim! Eu vim trazer o remédio dele... Ontem ele não tomou. Nem anteontem... Pra falar a verdade, acabo de descobrir todos os comprimidos debaixo do colchão. Quando entrei aqui ele já estava morto. - EU FUI O CULPADO! – 23
  • 66. Joaquim exclamou, desesperado. - EU SEMPRE SACUDIA ESSE VELHO SAFADOI COMO É QUE NÃO NOTEI QUE ELE ESTAVA RONCANDO DIFERENTE? TALVEZ FOSSE UM SINAL! TA VENDO AQUI? - ele tirou do bolso o guardanapo com os biscoitos amassados. - É O CAFÉ DELE! ELE NÃO ME A/ISOU! ELE SEMPRE FAZ ISSO! Vicentino segurou os braços de seu Joaquim. Teria de chamar o médico de plantão. Ele estava muito 23
  • 67. alterado. Achou melhor avisar o filho do seu Joaquim. A família de Horácio já sabia, estavam vindo para a Mansão. "Os velhinhos eram assim mesmo... Uns vinham e ficavam até morrer feito passarinho, quietos, como esse que tinha acabado de 'puxar o coringão', como entre eles, enfermeiros, comentavam. Era só mais um... Tinha que providenciar o caixão, e talvez aproveitar a roupa do velho. Os 23
  • 68. familiares nem sempre queriam tudo. Muitas vezes eles deixavam coisas para eles, funcionários. Um amigo seu ficara rico. O velho, de raiva da família, deixara boa quantidade de dólares para o enfermeiro que lia trechos da Bíblia para ele antes de dormir. Quem sabe esse deixaria algo que prestasse... Qualquer coisa era lucro”, pensou, enquanto se dirigia até a sala do doutor Xavier. 23
  • 69. CAPÍTULO 3 De mal com a vida Joaquim ficou no quarto o dia todo. No final da tarde, Vicentino veio conversar com o velho. "Quem sabe um dedinho de prosa resolve! Quase todo mundo já tinha tentado... Mas vá lá, não custava. É, era uma coisa complicada, mesmo. Quando morria um companheiro de quarto, desses que conviviam fazia tempo, era 24
  • 70. sempre um choque. Eles se apegavam uns aos outros. Brigavam, implicavam com o companheiro, pediam pra trocar de quarto, mas sempre voltavam... - O senhor vai ao velório? Vai ser na Igreja Matriz, seu Joaquim. Ele tá bonito que só vendo. o Bernardão, da funerária Bom Jesus, disse que vai deixar ele com jeitão de novo. O senhor sabe, dar uma maquiada no pedaço, colocar uma camisa nova. Nada de resposta. 24
  • 71. - A família veio para os últimos arranjos. A filha dele disse que queria dar uma palavrinha com o senhor - Vicentino continuou. Nada, a não ser: - Não quero falar com ninguém. Ele já morreu mesmo! Vicentino achou melhor falar com o doutor Xavier. - O acompanhante do seu Horácio, o que “abotoou o paletó de madeira..." - Vicentino começou. - Mais respeito, seu Vicentino... - o médico exigiu. 24
  • 72. 25
  • 73. -Desculpe, doutor. O seu Joaquim está descontrolado. Acho que ia bem uma injeção, um calmantezinho. Ele fica lá no quarto, andando pra cá e pra lá... – finalizou. - Eu mesmo vou falar com ele - o doutor Xavier levantou-se da poltrona. Joaquim não emitia nenhum som. Não chorava, não resmungava. Havia parado de dar voltas pelo quarto e sentara-se em sua poltrona, olhar Perdido. 26
  • 74. Doutor Xavier levantou-se, colocou o estetoscópio no bolso do avental e dirigiu-se até o quarto do velho. Assim que entrou, tocou levemente no ombro de Joaquim e tentou confortá-lo: - Joaquim, você não teve culpa de nada. Não se sinta culpado. Você tomaria algum relaxante, um calmantezinho? - ofereceu. Nada. Nem Maria, nem Binoca, 26
  • 75. Berenice, Felizberto e Ovídio (os vizinhos mais próximos), Euclides, o poeta da Mansão' e pelo menos mais uns quinze "exilados", conseguiram tirar Joaquim da poltrona. Nenhum deles lhe levantou o ânimo. Joaquim permaneceu assim, apático, por umas três semanas. Maria mexia com ele: - Hoje vou fazer aeróbica com o senhor, topa? Nem uma palavra' Sentado' quieto' olhando para o nada. Para o 26
  • 76. nada, não. Olhando para a cama de Horácio. Salão de jogos. Joaquim, quieto, olhando para o nada. Nem se incomodava mais com o comer de boca aberta do Felizberto, o cheiro de xixi na calça do Salomão, o devolver da carne de Marininha em cima da toalha de mesa, a falta de prática em manejar a cadeira de rodas de Cacilda. - Eu já o atropelei cinco vezes de propósito e ele nem reclama! 26
  • 77. Nem ao menos fala um daqueles palavrões cabeludos!- Cacilda contou ao doutor Xavier. - Eu o chamei de velho mijão e ele nem retrucou! E olha, doutor que nem isso ele é! Falei pra mexer com ere! - Zé Eustáquio foi contar ao plantonista. - Dama? - um oferecia. - Xadrez? - o outro perguntava. - Vai ter um sarau lítero- musical hoje... _ inventaram. Joaquim não era mais o 27
  • 78. mesmo. Bom, numa única coisa ainda era. Seus olhos ainda tinham certo brilho quando sabina trazia as cartas. Podia ser velho, mas quem é que disse que os velhos não são mais sensíveis? Berenice resolveu conversar com o doutor Xavier. - Doutor, desde que ele entrou, isso aqui teve mais graça. Ele sempre tem uma piada nova, cantarola, mexe com a gente, fala bobagens, é claro, é um velho meio safado, mas alguma coisa errada ele 27
  • 79. tem. Não é só a morte do amigo, não. Ele não recebe ninguém, só uma ou outra carta da filha que mora em outro país... o filho veio aqui poucas vezes. Eu sei que ele adora o neto. Tem um monte de fotos dele pelo quarto. - Estamos tentando entrar em contato com a família, dona Berenice. A filha mora no exterior, o telefone não atende. O filho está em viagem de negócios e o neto... Não sabemos onde encontrar. Vamos fazer novas tentativas, é claro. Mas 27
  • 80. a senhora precisa entender que às vezes as pessoas perdem a vontade de viver. - Ele não. Sabe o que eu acho? Que ele deve ter algum segredo! Doutor Xavier deu risada. Essas velhinhas tinham cada uma! O segredo era sempre parecido: famílias que não queriam ficar com seus idosos. Despachavam os coitados para um asilo, pagavam pelas despesas, os levavam ocasionalmente para um almoço em 27
  • 81. casa, Natal, Ano Novo, aniversário e era só. Era a vida. 27
  • 82. CAPÍTULO 4 Querido avô Mais duas semanas. Quando Sabina entrou anunciando as cartas, falou em alto e bom som: - Carta para Joaquim Ribeiro Queirós... Quem é mesmo? – brincou. Todos olharam para o Joaquim, sentado na sua poltrona habitual de há várias semanas. Nada. 28
  • 83. - Bem, já que não há ninguém aqui com esse nome....- Sabina fez que dava meia-volta. Joaquim levantou o braço. Sabina sorriu e entregou-lhe a carta. “Algo me diz que o velho vai ficar todo saidinho!” ,pensou. Todos ali acharam que ele se levantaria e iria ler a carta no quarto, como a maioria fazia. Quando a notícia era ruim aquela do tipo que ninguém queria ler: "Mamãe querida, desculpe não 28
  • 84. poder te buscar para passar o fim de semana com a gente, mas é que....”, preferiam chorar sozinhos no quarto, sem constrangimento. Nas notícias alegres, voltavam felizes contando as novidades: um bisneto novo que nascera, um passeio diferente, uma visita de um neto, um batizado. 28
  • 85. 27 29
  • 86. Joaquim abriu a carta e começou a ler: Querido avô, Tudo bacana com você? Espero que sim! Tenho boas e más notícias. Tá preparado? Papai se separou da mamãe. Você sabe, nunca deu certo mesmo. Achei melhor. Não aguentava todos aqueles gritos. Ele tirou 30
  • 87. Férias e ela também, só que são definitivas, um do outro. Cada um vai para um lado, claro. Ia até ser engraçado eles se encontrassem... Já pensou que fria? Um fugindo do outro e de repente...cara a cara! Bom, vô, o pai vai deixar o apartamento pra mãe e já está até tentando arrumar 30
  • 88. outro canto para morar. Disse que qualquer dia vai te visitar aí. A boa: passei no vestibular, vô. Adivinha onde vou morar? Aí em Ismael. Não é o máximo? Vou poder te ver sempre que o pessoal daí deixar. Bom, se tivesse um cantinho no teu quarto (pode ser dentro do armário)pra que eu 30
  • 89. pudesse ficar, iria curtir muito. Assim não ia gastar muito com a república. Você ainda tem aquele walkman que eu te dei no ano retrasado? Tomara! No fim de semana que você tiver livre, vamos passear. Se você quiser conhecer o meu canto, pode. Entrei numa república montadinha. É legal porque assim eu não tenho 30
  • 90. que comprar fogão, geladeira, essas coisas. Se visse o meu quarto, ia estranhar. Bagunça doida, vô. Generalizada. Ainda tenho aquela coleção de bonés que você foi me dando, lembra? Fica tudo pendurado na parede. É a maior bagunça. Do lado da minha cama só tem foto nossas (meus amigos acham 30
  • 91. isso uma babaquice, mas eu não tô nem aí!) Vô, estou começando a me organizar. Dá só um tempinho pra mim que eu logo apareço no teu pedaço. Acho que em duas semanas estou instalado definitivamente (temos que comprar uma tevê de segunda-terceira-quarta mão e uma máquina de lavar 31
  • 92. Joaquim dobrou a carta e a enfiou no envelope. "Esse menino era mesmo bom de nota” Só não sabia em que é que tinha passado. “Moleque sem- vergonha! Esqueceu de contar pro roupas também usada) Sabe que o papai me deu a sua cama? Se ela falasse, hein, vô? Um abraço, Gui 31
  • 93. vô a faculdade!” Puxa, ia contar nos dedos os dias que faltavam para a sua chegada, lhe daria um abraço de urso, apertado até. Olhou em volta. “O que é que aquela gente toda estava fazendo ali parada feito besta? Ninguém tinha mais o que fazer?” - Ei, seus velhos decrépitos, estão ficando gagás? Nunca viram alguém receber cartas? É do meu neto, o Guilherme... Ele passou no vestibular. Vai morar aqui em 31
  • 94. lsmael. - Joaquim começou a pular num pé só. O Joaquim, o velho e safado Joaquim estava de volta. - Aposto que ele vai pegar no meu pé de novo só porque molho o pão no leite! - Berenice resmungou. - E espalhar para toda a Mansão que eu como de boca aberta fazendo barulho! - Binoca reclamou. - Antes assim! - as duas suspiraram, aliviadas. - Ele que implique com a minha cadeira de rodas que eu atropelo 31
  • 95. ele pra valer! - Cacilda deu uma risadinha. Joaquim, velho de guerra, sangue novo. 31
  • 96. CAPÍTULO 5 Surpresa, Joaquim! A partir daquela carta, grandes mudanças. Maria achou que talvez precisasse até chamar o Corpo de Bombeiros para apagar o "fogo" do velho. Ele estava impossível. Mexia com ela, com as meninas da Mansão, roubava na escopa de quinze, descaradamente. Reclamava da comida, fazendo queixas até por escrito. Foi num sábado. 32
  • 97. Desses sábados, dia de visita, em que um ou outro filho, um familiar, um amigo, aparece para prosear ou para levar o parente para passear. Joaquim estava no jardim, boné, agasalho de malha, tênis. _ vô... “Será que o avô tinha ficado surdo?”, pensou. - Vô Joaquim! Sou eu, o Gui... - ele chamou de novo, por trás do banco onde avistara o avô. De repente, o jardim, as roseiras 32
  • 98. vermelhas, amarelas, a Mansão, a cidade de Ismael, o estado, o país, o mundo ouviu aquele grito de um avô cansado de esperar alguém. -GUI I I I I I I I I I I I I I I II I I I I I !!! É você mesmo? Desse tamanho? Seu pai veio? - Ele pulou do banco e agarrou o neto naquele abraço que tantas vezes imaginara. - Não, vô. Ele está de mudança. Mandou um abraço e dinheiro pra você comprar umas bobagens, sair com umas meninas... - o rapaz sorriu, sem jeito. 32
  • 99. 33
  • 100. Vem cá, vou te apresentar pra todo mundo. E, enquanto andavam por aquele jardim, Joaquim ia apresentando o seu neto (ele era de verdade, não era como o neto de Mariinha que só existia na cabeça maluca dela). - Esse é o Gui, o meu neto, filho do meu filho Afonso. Afonso tem 40 anos, é diretor de uma grande empresa, vive viajando. A mãe é tradutora e intérprete, também vive viajando. Eu só tenho 34
  • 101. esse neto, a Antônia não tem filhos. A Antônia é cinco anos mais velha, né Gui? Vocês sabem, ela mora em Atlanta, nos Estados Unidos. Dá aula de Literatura sul-americana. É uma figurona... - levantava o dedo em riste. Berenice e Binoca cochichavam sem parar: - Ih, agora ninguém segura esse Joaquim! - Ainda bem, coitado. A gente sabe o que é ficar aqui sem receber visita, né Binoca? 34
  • 102. Binoca suspirou fundo. Quantos Dias mesmo sem que sua filha sequer telefonasse? - Telegrama para o senhor, seu Joaquim - Maria avisou sorrindo, assim que avô e neto entraram no saguão. Joaquim tremeu. Notícia ruim para estragar o dia? Estava indo tão bem! Abriu: 34
  • 103. Pai, estou com saudade. Mês que vem, seu aniversário 82 anos, estaremos aí. Levarei você para conhecer Atlanta passar dois meses conosco. Será nosso presente. Amamos você. Antônia e Jim. 34
  • 104. Joaquim sentiu uma dor no peito. 35
  • 105. - Vô, algo errado? _ Gui estranhou a fisionomia do avô. - Leia, veja se não virei um velho gagá... Guilherme leu o telegrama. - Puxa, vô, isso é o máximo! Dessa vez, Maria estava decidida a chamar o Corpo de Bombeiros. Seu Joaquim estava impossível. Cantou, sapateou, contou piadas cabeludas, pintou os canecos. Imagine se o telegrama não passou de mão em mão! 35
  • 106. - Eta velho de sorte! _ Zé Eustáquio concluiu. - Quem espera sempre alcança- Euclides praticamente declamou. 35
  • 107. CAPÍTULO 6 Vai passar, vô Guilherme tinha vindo de carro. - É velho mas dá pra um passeio, vô - Ele apontou para o carro estacionado perto do portão. - Vamos lá no quarto pegar um agasalho. Não quero me resfriar. Vou ficar zero-bala para ir à Atlanta no mês que vem. Sabe que eu me sinto um adolescente, Guilherme? - Ele deu risada. 36
  • 108. Guilherme acompanhou o avô até o quarto. No caminho, explicou que tinha entrado na faculdade de odontologia. Joaquim riu. - Que tal já ir acertando a minha dentadura? Entraram no quarto. - Você tem um companheiro, né vô? Pela primeira vez, Joaquim chorou. Sentou na sua cama e ficou apertando as mãos. Contou então ao neto o que tinha acontecido com 36
  • 109. seu amigo Horácio. - Esse verdadeiro safado pediu demissão desse emprego de vida sem aviso prévio. Sabe, Gui ... - ele fez uma pausa para tossir -, foi breve, rápido mesmo, mas doído. Pelo menos pra mim. Pra quem vou trazer biscoitos do café de agora em diante? Vão colocar algum chato aqui comigo! Filho, desde que a sua avó morreu (e olha que já tem tempo, não?, ficamos casados quarenta e oito anos), vim pra cá. 36
  • 110. 37
  • 111. Desde então dividimos esse quarto por quatro anos. Sabia o remédio que ele tomava, as músicas de que ele gostava, o nome dos filhos, da esposa, dos netos, o que faziam. A gente brigava um pouco ... Sabe como é, fica parecendo marido e mulher ... Saí pra tomar café, demorei pra voltar ... E aí estava tudo acabado, filho - Joaquim finalizou. - Vai passar, vô. Agora a gente vai se distrair, entra outro cara legal, você vai passar dois 38
  • 112. meses com a tia Antônia e o tio Jim... - Seu pai... - Meu pai não sei o que tem, vô. Bem que eu queria saber. Ele é meio... - Ficou na dúvida se completava a frase ou não.- ... estranho em relação ao senhor. - Eu sei o que é, filho. Coisa antiga, custa a passar. - Joaquim encerrou o assunto e procurou arrumar suas coisas. Pegou a escova de dentes, a pasta, o agasalho, as vitaminas. 38
  • 113. - Onde você vai me levar, filho? - Joaquim quis saber. - Um passeio, vô. Sei lá, tomar sorvete, ver as meninas no shopping ... - riu, enquanto olhava as fotografias que o avô cuidadosamente colara no armário. - Puxa, vô, você ainda guarda essa aqui? - apontou para uma foto em que lutava judô aos cinco anos. -E muitas outras. Tá vendo esse baú aqui? - apontou. - Guardo as fotos de seu pai e de sua tia bebês, os boletins deles, os 38
  • 114. primeiros desenhos que eles me deram de presente de dia dos pais. Engraçado... O avô falava sem nenhum rancor. Por que o pai não vinha ver o avô? O que havia de errado entre os dois! Gostava do pai. Ele era meio fechadão, mas era um cara legal. Gostava do avô. O avô era falante, aberto, comunicativo. Por que os dois não se ... não se ... curtiam realmente? 38
  • 115. Um pedido de saída para a Maria, autorização concedida, sorriso aberto da amiga e lá 39
  • 116. foram os dois para o mundo, ou melhor, para a vida, para a cidade. - Cadê o boné, vô? - Guilherme quis saber. - Tá aqui... - o avô tirou o boné do bolso do agasalho. - Tá pensando que saio sem ele? - e foi colocando o boné na cabeça assim como o neto... ao contrário! Entraram no carro do Guilherme. A Mansão Ismael ficara para trás. 39
  • 117. CAPÍTULO 7 Algo em comum Vinte minutos de estrada de terra ladeada por eucaliptos, uma paradinha num pequeno posto. O avô era apaixonado por uma goiabada cascão, coisa meio difícil de aparecer no cardápio da Mansão. Depois de um xixi rapidinho, mais alguns minutos de estrada. Conversas, lembranças, risos, piadas. 40
  • 118. A cidade apareceu ao longe. Não era muito grande, mas de onde estavam já podiam avistar um ou outro prédio. - Segunda parada, vô. O refúgio do guerreiro ... - Guilherme finalmente chegara em sua casa. - Não me diga que você mora nessa espelunca! - Joaquim adquiriu um ar mais sério, mas não conseguiu segurar o riso por muito tempo. A casa tinha sido pintada com todas as cores do mundo. Bem que teria sido divertido, nos 40
  • 119. seus tempos de estudante, ter morado num lugar assim ... - Moro com outros seis caras, vô! - Guilherme contou. - Quer entrar? Claro que queria! Os dois entraram na república. 40
  • 120. 41
  • 121. - Que delícia de bagunça ... - O avô se divertiu com as roupas espalhadas pelas camas, as cortinas improvisadas, todos os tipos de instrumentos musicais. Seu Joaquim achou que o neto estava bem acomodado. Na verdade, não poderia estar melhor. Quis saber se o Afonso tinha vindo conferir as instalações do filho. - Ele teve de ser o avalista, vô e depois tem de pagar o 42
  • 122. aluguel pra mim, até que eu possa arrumar um bico. Guilherme se arrependeu de ter contado que o pai estivera lá. Tão perto da Mansão e não visitara o velho. Percebeu uma sombra triste passar pelos olhos do avô, mas um largo sorriso e uma piada infame chutaram a tristeza pra longe. - - Um cinema? - sugeriu ao avô, dentro do carro. - Bangue-bangue? - seu Joaquim quis saber. 42
  • 123. - Um ótimo. Ganhou Oscar e tudo - Guilherme garantiu. Seu Joaquim não conhecia aquele shopping. - Não é do meu tempo. - Em quatro anos muita coisa muda, vô - Podemos comer pipoca? Pipoca, chocolate, dropes Dulcora. Filme bom, risadas do avô, que gargalhava alto. Um “Ei, você, dá pra tirar o boné?”. Mais risos. 42
  • 124. Sorvete, pizza, café com chantilly. - Vô, a gente tá fazendo tudo ao contrário! - E não é bom? - ele ria, feito criança. Sentados numa mesinha da última sorveteria do shopping, seu Joaquim perguntou ao neto: - Namoradas ... Quantas? - Algumas. Ando meio indeciso. - Puxou o avô, hein? - Na indecisão? 43
  • 125. - Não, no "muitas". - Ele riu, deixando cair sorvete em cima da calça. - Vô, você está babando! - É o que as "meninas" vão dizer de mim quando eu voltar! - Semana que vem, vou te levar ao novo parque. É um parque ecológico, vô. - Filho, eu não quero atrapalhar... Você tem suas namoradas, seu estudo ... - Domingo que vem, combinado? 43
  • 127. CAPÍTULO 8 Joaquim, Guilherme e Daniela Guilherme levou o avô para a Mansão. Se sentiu feliz. O avô se sentia feliz. Daí a quinze dias, quando o pai voltasse do Rio, teria uma conversa séria com ele. Qual o grilo entre ele e o velho? Por que não ia até o asilo? É, porque aquele lugar não passava de um asilo. Ia tirar tudo a limpo. 44
  • 128. Joaquim se despediu do neto como um menino. Entrou assobiando no saguão da Mansão, levando, de cara, um pito da Maria: - Passando do horário, hein, safadinho? Tarde da noite! Madrugada! - Ela apontou o relógio. - As meninas não queriam que eu voltasse. Foi uma dificuldade! Amanhã começo minha aeróbica, senão, já viu... não dou conta! Maria deu risada. 44
  • 129. “Eta, velho assanhado. Se todos fossem assim como ele, aquele asilo seria um hotel de veraneio, um lugar para turistas. Muito mais divertido!” Dormiu como um anjo. Acordou assobiando, lavou o rosto, tomou banho, escovou os dentes, aparou o bigode, vestiu a roupa mais descombinada que encontrou. Era assim que se sentia. Descombinado com a idade. Não tinha 81 anos. Era gêmeo do neto: tinha 18. Talvez tivessem nascido 44
  • 130. 45
  • 131. no mesmo dia, mesmo mês, mesmo ano, e a Maria, que na época trabalhava na maternidade, tinha trocado as chapinhas de identificação. E foi aí que um nasceu neto e o outro, avô. Regou as violetas e, antes que saísse para o café, deu de cara com ... - Vicentino! - Bom dia, seu Joaquim. Esse é o seu novo colega de quarto. O nome dele é Laudelino. - Prazer. Meu nome é 46
  • 132. Joaquim, mas pode me chamar de Joaquinzão, falou? - esticou a mão para cumprimentar o novo colega de quarto. - Hã? Quem? - o homem gritou, levando a mão em concha, ao ouvido. - Precisa falar bem alto, seu Joaquim ... - Vicentino foi ajeitando os pertences do homem. - Ele é praticamente surdo. - Pronto. Só me faltava essa. Velho e surdo! Vicentino deu risada. E ele 46
  • 133. pensava que era o quê? Um mocinho? Enquanto Vicentino esgoelava no ouvido do seu Laudelino qual seria a sua cama, armário, as normas, horários de café e tudo o mais, o velhinho, olhos bem azuis, foi tratando de colocar em cima do seu criado- mudo - o que fora do Horácio - um vaso com uma pequena roseira. - Que bonito! - Joaquim gritou no ouvido do companheiro. - Tomara que dê certo... – 46
  • 134. Laudelino finalmente escutara Joaquim. - É um enxerto. Gosto de jardinagem! - Que bom! Eu também! - Joaquim bateu palmas. - Que bom mesmo! - Vicentino exclamou. - A Mansão já deve estar sabendo, tamanha gritaria nesse quarto! A semana passou rápida. Joaquim apresentou seu colega surdo mas nem um pouco mudo para todos os "exilados", como às vezes os chamava. 46
  • 135. Aprendeu a fazer o enxerto de rosas com o Vicentino. -Tô gostando desse cara! – 47
  • 136. comentou com Zé Eustáquio. Mal pôde esperar pelo domingo. Que importava se o parceiro roncava como uma bateria da Portela; se tinha de gritar tão alto que ouvia “psiu” por onde passava com ele? Pouco se importava se as meninas comiam de boca aberta e tiravam a dentadura no meio do café da manhã... Teria um domingo inteiro com o neto! Se importava, sim, com a ausência do filho... Mas fazer o quê? Tinha errado e não soubera 47
  • 137. perdir perdão ao caçula. Guilherme chegou um pouco mais cedo. Joaquim estivera espiando pela janelinha do portão por bom tempo. Por alguns minutos tivera medo de que o neto não aparecesse, assim como tantos outros netos que davam calote nos seus amigos velhos de guerra. Mas não. O neto chegara e ele sentira aquela sensação deliciosa de alívio, misturada à de alegria e à de segurança. 48
  • 138. O avô, boné na cabeça, tênis no pé, levou o maior susto ao ver o neto acompanhado. - Essa é a Daniela, vô Ela queria conhecer você. Vamos levar 48
  • 139. você ao Parque ... Parque das Águas, lembra? - Como vai, seu Joaquim? - a garota já foi logo dando um beijo na bochecha do seu Joaquim. - Bom gosto, meu filho, bom gosto... - o avô elogiou, entrando no carro. - Vô, antes que eu me esqueça, meu pai pediu pra entregar isso pro senhor - Guilherme estendeu uma carta ao avô. Seu Joaquim pegou a carta. 49
  • 140. Achou melhor não abrir. Leria no quarto como todos os outros amigos. Se tivesse que chorar como um velho bobo, choraria sozinho, sem testemunhas. - Pronto? - perguntou ao avô. - Como? Ainda não saímos? - ele brincou, não sem antes dar tchau a todos os que os espreitavam, mortos de inveja. "Coitados!", pensou. “Ninguém tem um neto como o meu!” Guilherme foi por um caminho 49
  • 141. novo que o avô não conhecia. Era praticamente um atalho. - Trouxemos lanche para um piquenique, vovô - Daniela sorriu. Seu Joaquim gostou de ser chamado assim. 49
  • 142. CAPÍTULO 9 Um pouco de melancolia Tiveram uma manhã deliciosa. O avô contou histórias, andou, foi fotografado abraçado àquela que, pelo gosto dele, seria sua neta um dia. Viu um lago, pontes, passeou de pedalinho. - Filho - perguntou ao neto -, é impressão ou estamos perto do cemitério? 50
  • 143. - Uns quinze minutos, vô. - Vocês se importariam... - Já sei. Quer matar a saudade, né? - Hum, hum. E se não for abusar, meu filho, queria comprar umas flores antes. - Tá certo, vô. Daniela pediu que, antes, a deixassem em casa. Ela morava numa cidadezinha chamada Colina, bem antes de Ismael. Preferia que aquele momento de intimidade fosse do avô e do namorado. 50
  • 144. Entraram no carro. Os três estavam em silêncio. Em alguns minutos, Guilherme deixou Daniela na porta de casa. Mais alguns quilômetros e pararam em frente ao cemitério. Desceram. Seu Joaquim dirigiu-se à barraca de flores. Comprou duas dúzias de rosas. Entraram no cemitério. Guilherme não lembrava bem onde ficava o túmulo da avó. 50
  • 145. 51
  • 146. O avô foi à frente, parando aqui e ali, fazendo alguns comentários sobre amigos que já haviam partido. Parou em frente ao túmulo da esposa. - Eu gostava muito dela, filho. - Ele sentou-se na beiradinha do túmulo, alisando carinhosamente a lápide. - Eu sei, vô. Ficou ali um tempão. Enxugou uma lágrima com um lenço amarrotado que tirou do 52
  • 147. bolso. Antes de sair, colocou o ramalhete de rosas amarelas em cima da cruz de bronze. - Vamos, filho. - Levantou-se, apoiando no braço do neto. Andou e, mais adiante, parou à frente de outro túmulo. Este, mais simples, de cimento. “Rosas para o amigo do vovô, coitado.” O neto passou o braço pelas costas do avô, fazendo um carinho gostoso que só sentindo. Seu Joaquim ajoelhou, e, tomando a tirar o lenço amarrotado 52
  • 148. de dentro do bolso, enxugou as muitas lágrimas que derramou a seguir. Colocou o ramalhete de rosas vermelhas em cima do túmulo mais 52
  • 149. modesto. Antes de se levantar, porém, disse ao neto: - Fazer o quê? Gostei da Hilda também. Guilherme levou o maior susto. Era esse o segredo, a mágoa do pai, então? De repente vendo o avô encolhido, sentado ali naquele túmulo de alguém que nem conhecera, ficou triste. Triste pelo avô, triste pelo pai. Voltaram para a mansão em 53
  • 150. silêncio. - Semana que vem hein, vô? - resolveu nem tocar no assunto da “outra”. - Filho, semana que vem nós vamos ter uma festa-baile aqui. Pode ser na outra? - Joaquim lembrara-se dos preparativos da festa. Imagine se faltasse! As velhinhas o matariam, com certeza! - Claro, vô! - o neto compreendeu. - Aproveita e tira o próximo fim de semana para passear com a 54
  • 151. namorada. Gostei dela, viu? Ah, e se encontrar com seu pai, fala pra ele... Puxa, a gente vai ficando velho e duro... - ele disse, abrindo a porta do carro. - Falo o quê, vô? - Que eu amo muito ele. Ele, você e sua tia. E tchau que estou ficando muito melancólico.- Joaquim sentiu-se um velho ridículo. Guilherme deu a partida no carro e buzinou antes que o avô abrisse o portão da Mansão. Não podia estragar a surpresa. O avô 54
  • 152. leria a carta. Seu pai, finalmente, viria buscar o avô. Havia alugado um apartamentozinho em Pontal do Paraíso, a uns oitenta quilômetros dali. Tinha decidido que o pai iria morar com ele, apesar dos pesares. Só agora ficara sabendo da verdade. “Isso explicava tanta coisa, tanta fala pela metade!”, Guilherme franziu a testa. “Pra que tanto ressentimento? Talvez o avô aceitasse, talvez não. Mas ficaria contente ao saber que não havia 54
  • 153. mais mágoas. Tudo seriam flores, não importava se amarelas, vermelhas, cor-de-rosa, brancas." Acelerou. Joaquim passou pelo saguão. - Feliz, seu Joaquim? Vai pras Europa, hein? - Maria gargalhou. - Estados Unidos, sua boba - ele respondeu, apertando a sua bochecha. - Eta velho arretado! - Era moça bonita que só vendo pra acreditar! – piscou dando 54
  • 154. risada. Joaquim entrou no quarto. Que sorte! Seu amigo surdo não 55
  • 155. estava lá. Não que detestasse o cidadão, mas perdia um pouco o que sobrara da sua paciência ao repetir inúmeras vezes a mesma coisa. “A idade era um osso duro de roer... ou uma Sopa dura de engolir!”, pensou ao deitar na cama. Abriu a carta do filho devagarinho. Enquanto lia, foi sentindo o coração aumentar de tamanho. Teve vontade de gargalhar, mas tudo o que fez foi dar um sorriso gostoso. 55
  • 156. Leu mais de dez vezes aquela carta e, sentindo um carinho imenso pelo filho, foi apertando, apertando aquele papel até não poder mais. Tirou da gaveta do criado-mudo o telegrama da filha e juntou com a carta. Estariam todos juntos, afinal. 55
  • 157. CAPÍTULO 10 Vermelhas e amarelas Hora do jantar. Laudelino reclamou da canja. - Canja sem graça! Sou surdo mas tenho paladar, ouviram? Vicentino veio ver o que estava acontecendo. - Hoje é o senhor o reclamão, é? O seu Joaquim tá fazendo escola. Por sinal, cadê ele? - gritou no ouvido do seu Laudelino. - Tá ficando surdo como eu. 56
  • 158. Chamei e ele não respondeu... - E continuou a tomar a canja. Vicentino foi até o quarto. Joaquim estava lá, sim. Deitado na cama, sorriso nos lábios, dois papéis por entre as mãos entrelaçadas, sobre o peito, olhos fechados por uma eternidade. No vaso, o enxerto que aprendera com Laudelino: na pequena roseira, duas minúsculas florzinhas - mistas de vermelho e amarelo --, floresciam. 56
  • 159. 57
  • 160. Esta obra é uma homenagem aos familiares, aos profissionais e aos voluntários que amparam a vida dos moradores de asilos.
  • 161.
  • 162.
  • 163.
  • 164. Agradecemos aos idosos da Casa dos Velhinhos de Ondina Lobo (São Paulo - SP) e à senhora Déa, vice-presidente dessa instituição, que nos permitiram a realização das fotografias publicadas nas páginas 58, 59 (fotos 1,2,3),61 (foto 2) e 62.
  • 165. Quem é Teima Guimarães Nasci em Marília, São Paulo, mas resido em Campinas. Sou licenciada em Letras Vernáculas e Inglês pela UNESP. Lecionei inglês em Campinas, São Paulo, até 1995. Fui cronista do jornal Correio Popular e também assessora
  • 166. cultural na Delegacia Regional de Cultura de Campinas. Meus primeiros livros infantis saíram em agosto de 1988. Em 1989, recebi da APCA o título de "Melhor Autora em Literatura Infantil", com o livro Mago Bitu Fadolento, lançado pela Loyola. Já publiquei mais de 70 títulos, entre infantis e juvenis, em português e em inglês, por várias editoras. Atualmente dedico-me somente aos livros, participando de sessões de autógrafos pelo país e
  • 167. de oficinas literárias para professores de português e inglês do ensino fundamental e para alunos. Home page da autora: http://www.telma.com.br E-mail da autora: telma@telma.com.br .
  • 168. Quem é Odilon Moraes Sou formado em Arquitetura e entrei no "mundo" da ilustração quase por acaso. Gosto de contar histórias, e o meu jeito de contá-Ias é desenhando.
  • 169. Trabalho como ilustrador há mais de dez anos e, nesse tempo, tive a sorte de ganhar alguns prêmios, como o Jabuti, em 1994, e o Adolfo Aizen, da União Brasileira dos Escritores, em 1995. Como o desenho é uma linguagem que não precisa de tradução, ilustrei também alguns livros no exterior, principalmente na- França e na Inglaterra.
  • 170.
  • 171.
  • 172. Joaquim tem uma casa, um lugar chamado Mansão " Ismael. Corpo de velho, cabeça de jovem, coração de menino... Ou 'seria tudo ao contrário? Joaquim é avô de Guilherme. Tem um amigo chamado Horácio e muitos outros amigos na instituição onde mora. Seu neto não se esquece dele. "Querido avô...No fim de semana que tiver livre, vamos passear. Se você quiser conhecer o meu canto, pode, Se visse o meu quarto... Bagunça doida, vô, Generalizada.” Afonso, o filho caçula, brigou com Joaquim. A outra filha mora nos Estados Unidos. Fica um tempão sem aparecer. Joaquim leva a vida numa boa. Mas ele sente saudade de... Espere um pouco: isso é segredo bem guardado!