1) As sociedades uniprofissionais formadas por profissionais liberais como médicos e advogados devem pagar o ISS com base em um valor fixo anual por profissional, e não com base na receita da sociedade, de acordo com o Decreto-Lei 406/68.
2) A jurisprudência e doutrina entendem que a Lei Complementar 116/2003 não revogou o tratamento diferenciado para sociedades uniprofissionais estabelecido pelo Decreto-Lei 406/68.
3) Tribunais
ISS sociedades uniprofissionais tratamento diferenciado
1. 1
ISS – UNIDADE PROFISSIONAL
Marco Aurélio Bicalho de Abreu Chagas*
A empresa que se beneficia do ISS por unidade
profissional é pertinente a uma sociedade uniprofissional regida pelo Decreto-
Lei nº. 406, de 13.12.68, recepcionado pela Constituição Federal,
permanecendo em vigor a forma especial de determinação do valor do ISS
devido pelos trabalhadores autônomos, e pelas sociedades de profissionais,
estabelecida por seus parágrafos 1º e 3º; dispositivos que não foram revogados
pela Lei Complementar nº. 116/2003, que atualmente disciplina o ISSQN.
Os profissionais liberais, a exemplo dos médicos,
dentistas, advogados e outros, quando reunidos em sociedades
uniprofissionais, não poderão estar sujeitos ao pagamento de seu ISS com
base em alíquota incidente sobre a receita da prestação de serviços auferida
pela sociedade.
Portanto os serviços prestados por sociedades formadas
por esses profissionais, ficarão sujeitas ao imposto com base em um valor
anual fixo, calculado de acordo com o número de profissionais que as integram.
Deste modo, a jurisprudência vem se pacificando no
sentido de que as sociedades uniprofissionais - a exemplo da mencionada na
presente consulta - sem caráter empresarial, nos termos do art. 9º, parágrafo
3º, do DL 406/68, têm direito ao tratamento diferenciado do ISS.
Da análise das disposições da Lei Complementar
116/2003, observa-se que o dispositivo que determina o tratamento
diferenciado para sociedades civis de profissão regulamentada não foi
revogado. Como já visto, o tratamento diferenciado foi instituído pelo parágrafo
3º do artigo 9º. Verifica-se que a LC 116/2003 revogou os artigos 8º, 10, 11 e
12, deixando, assim, de revogar as disposições do artigo 9º. Não há, assim, em
se falar em revogação do tratamento diferenciado das sociedades civis de
profissão regulamentada.
A doutrina e a jurisprudência, por conseguinte, consagram
que mesmo após a vigência da Lei Complementar 116/2003, a disciplina do art.
9º, parágrafo 3º, do Decreto-lei 406/68 continua vigente, sendo certo que as
sociedades civis de profissão regulamentadas expressamente previstas,
continuam a sofrer tributação do ISS tendo por base a quantidade de
profissionais habilitados.
2. 2
Sobre o tema assim se expressa o articulista, Dr. Fernando
Machado da Silva Lima, em trabalho sob o tema: “O ISS dos profissionais
liberais”, publicado pelo Jus Navigandi:
“Se você pertence a uma sociedade uniprofissional, ou
seja, a uma sociedade formada por profissionais liberais da sua mesma
área, conforme relação a seguir, legalmente habilitados perante os órgãos
fiscalizadores do exercício dessa profissão, e destinada à prestação de
serviços através do trabalho pessoal de seus sócios, fique sabendo que o
seu Imposto sobre Serviços – ISS, não pode ser cobrado sobre o
faturamento mensal da sociedade, sobre os seus honorários, porque a lei
municipal não pode prevalecer sobre a norma federal, do Decreto-lei 406,
de 31.12.68, com a redação da Lei Complementar nº 56, de 15.12.87.
“Assim, médicos, dentistas, veterinários, enfermeiros,
protéticos, ortopedistas, fisioterapeutas, e congêneres; laboratórios de análises,
de radiografia ou radioscopia, de eletricidade médica e congêneres;
advogados, solicitadores e provisionados; agentes da propriedade industrial,
engenheiros, arquitetos, urbanistas, projetistas, calculistas, desenhistas
técnicos, construtores, empreiteiros, decoradores, paisagistas e congêneres;
contadores, auditores, economistas, guarda-livros e técnicos em contabilidade,
quando reunidos em sociedades uniprofissionais, não poderão estar sujeitos ao
pagamento de seu ISS com base em alíquota incidente sobre a receita da
prestação de serviços auferida pela sociedade, conforme exige a Lei Municipal
de Belém nº 7.779, de 27.12.95.
“Essa Lei Municipal é inconstitucional, porque está em
evidente conflito com a norma complementar federal, editada com fundamento
no inciso III do art. 146 da Constituição Federal, e que é o Decreto-lei nº 406,
de 13.12.68, que embora sendo anterior à vigente Constituição, foi por esta
recepcionado, conforme tem sido decidido pelos nossos Tribunais, a exemplo
da recente decisão, unânime, do Supremo Tribunal Federal, no Recurso
Extraordinário 236.604-7-Paraná. Esse Acórdão deixou muito claro que o
Decreto-lei 406/68 foi recepcionado pela nova Constituição, e que deve
ser obedecido o disposto no seu parágrafo 9o, de maneira que, quando
os serviços a que se referem os itens I, III, IV, V e VII da Lista de Serviços,
já relacionados, forem prestados por sociedades, estas ficarão sujeitas ao
imposto com base em um valor anual fixo, calculado de acordo com o
número de profissionais que as integram.
3. 3
“O Município é obrigado a respeitar as normas do art.
9º, parágrafos 1o e 3o do Decreto-lei 406/68, com as alterações
posteriores, e assim qualquer lei municipal que estabeleça tratamento
diferente em relação à tributação do ISS das sociedades uniprofissionais
será nula e de nenhum efeito, porque estará em desacordo com o nosso
padrão de regularidade jurídica, no caso a Constituição Federal. Qualquer
juiz ou tribunal, acionado pelo contribuinte que estiver sendo prejudicado pela
exigência descabida do Fisco municipal, poderá – e deverá, reconhecer o
direito desses contribuintes do ISS ao tratamento diferenciado
estabelecido pela norma complementar federal, para essas sociedades
uniprofissionais, que se caracterizam pela sua especialização técnico-
científica. De acordo com essas normas, o Município é obrigado a tributar o
ISS com base em um valor fixo para cada profissional, em vez de um
percentual sobre a renda ou o faturamento da sociedade uniprofissional. Na
realidade, esses profissionais, quando trabalham isoladamente, são tributados
com base nesse valor fixo anual, mas quando se associam, nas sociedades
uniprofissionais, a Prefeitura lhes impõe uma alíquota sobre a receita da
sociedade, com base na Lei 7.779/95.” (LIMA, Fernando Machado da Silva. O ISS dos
profissionais liberais. Jus Navigandi, Teresina, ano 5, n. 47, 1 nov. 2000. Disponível em:
<http://jus.uol.com.br/revista/texto/1389>) .
Nesse sentido também já se manifestou o Egrégio Superior
Tribunal de Justiça em julgado a seguir transcrito, que encaixa como luva ao
caso sob exame:
‘EMENTA.
TRIBUTÁRIO. RECURSO ESPECIAL. ALEGATIVA DE
DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL. ISS. DECRETO-LEI
406/68. SOCIEDADE UNIPROFISSIONAL. DISSÍDIO
JURISPRUDENCIAL NÃO-COMPROVADO. ACÓRDÃO
FUNDADO NA PESSOALIDADE DA PRESTAÇÃO DOS
SERVIÇOS E NO CONTRATO SOCIAL DA RECORRIDA.
INCIDÊNCIA DAS SÚMULAS NºS 5 E 7/STJ. RECURSO
ESPECIAL NÃO CONHECIDO.
1. Ação ordinária com pedido de tutela antecipada
proposta por PRONUCLEAR CONSULTORIA E SERVIÇOS
TÉCNICOS EM MEDICINA NUCLEAR S/C LTDA. contra o
MUNICÍPIO DE MACEIÓ, em que se discute o direito ao
4. 4
pagamento do ISS através do regime fixo, por profissional que
preste serviços em nome da sociedade, em detrimento do
recolhimento sobre a receita e faturamento mensal da sociedade.
A sentença julgou procedentes os pedidos, nos termos do DL nº
406/68. Interposta apelação pelo réu, o TJAL, negou-lhe
provimento por entender que a apelada, apesar de se constituir
formalmente como sociedade comercial, é considerada
sociedade uniprofissional para efeito de tratamento
tributário, assumindo características essencialmente civis,
por ter em seu quadro sócios médicos que prestam seus
serviços como profissionais autônomos, afastando, assim, o
caráter mercantilista da instituição, servindo esta apenas
para o atingimento dos fins que, isoladamente, não seria
possível alcançar.
No recurso especial apresentado pelo MUNICÍPIO DE
MACEIÓ, alega-se dissídio jurisprudencial, em razão de o STJ
entender que, para o usufruto do benefício fiscal, é necessário
que a sociedade não tenha caráter empresarial, devendo o sócio
assumir a responsabilidade profissional individualmente. Contra-
razões sustentando a incidência das Súmulas nºs 283/STF e
7/STJ. Aduz, ainda, que os médicos, mesmo nos atos realizados
com o auxílio de técnicos, respondem civil e pessoalmente pelos
danos porventura causados por seus agentes e prepostos
(enfermeiras, auxiliares, etc.). Agravo de instrumento provido
nesta Corte, determinando o processamento do recurso especial.
2. Não se conhece de recurso especial fincado no art.
105, III, "c", da CF/88, quando a alegada divergência
jurisprudencial não é devidamente demonstrada, nos moldes em
que exigida pelo parágrafo único do artigo 541 do CPC, c/c o art.
255 e seus §§, do RISTJ.
3. O acórdão recorrido deixa claro que a sociedade em
questão presta serviços de forma pessoal, ainda que com a
colaboração de auxiliares, fazendo jus, dessa forma, ao benefício
concedido pelo § 3º do art. 9º do Decreto-Lei nº 406/68. Decisum
lastreado nas provas e na interpretação de cláusulas constantes
de contrato social, não competindo ao STJ contrariar tal
afirmação, uma vez que a revisão de matéria de prova e a
5. 5
interpretação de cláusula contratual não são permitidas em sede
de recurso especial, por esbarrar nos enunciados nº 5 e nº 7 da
Súmula desta Corte.
4. Recurso Especial não conhecido.’ (Resp nº 714094/AL,
Rel. Min. José Delgado, DJ de 27-06-05, p. 273).
O Tribunal Mineiro contempla decisões reconhecendo o
benefício fiscal previsto pela mencionada norma do Decreto nº 406/68:
“EMBARGOS DE EXECUÇÃO FISCAL -
CERCEAMENTO DE DEFESA - NULIDADE -
LEGITIMIDADE DOS SÓCIOS CONFIGURADA - ISSQN -
TRATAMENTO FISCAL MAIS FAVORÁVEL -
HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS - FIXAÇÃO. O
julgamento antecipado da lide é faculdade outorgada ao
julgador pela lei de execução fiscal, que o utilizará em
caso de tratar de questão unicamente de direito ou sendo
de direito e de fato, haja dispensabilidade de dilação
probatória, hipóteses em que não implica cerceamento ao
direito de defesa dos litigantes. Os sócios gerentes
respondem pela obrigação de recolher os impostos
devidos pela sociedade, sob pena de responder
pessoalmente pelo débito fiscal, por ter havido infração a
lei, pelo não pagamento do tributo. A sociedade
profissional, que não possui caráter empresarial,
integrada por médico e nutricionista, para a prestação de
serviços especializados, com responsabilidade pessoal
beneficia-se do tratamento diferenciado previsto no
Decreto-Lei 406/68, art. 9º, §§ 1º e 3º. Os honorários
advocatícios, quando vencida a Fazenda Pública, são
fixados consoante apreciação eqüitativa do Julgador,
observadas as alíneas do artigo 20, § 3º, do CPC.”
(TJMG, Rel. Teresa Cristina da Cunha Peixoto. Proc. Nº
1.0518.03.045038-2/001(1).
***
MANDADO DE SEGURANÇA - ISSQN - SOCIEDADE
CIVIL - ALÍQUOTA DIFERENCIAL DO ARTIGO 9º,
PARÁGRAFO 3º, DO DEC. LEI 406/68 - REQUISITOS -
INOCORRÊNCIA - AUSÊNCIA DE DIREITO LIQUIDO E
CERTO. Para que as sociedades civis sejam beneficiadas
com a exceção do parágrafo 3º, do artigo 9º, do DL
6. 6
406/68, ou seja, para que o ISSQN seja calculado sob o
regime fixo anual por profissional habilitado, necessário
que a sociedade desenvolva os serviços mencionados no
aludido preceito legal, sem caráter empresarial, bem
como que reste comprovado nos autos que os sócios,
enquanto profissionais habilitados, prestam serviços
pessoalmente, em caráter permanente e com
responsabilidade própria. (TJMG. Des. Silas Vieira, Proc.
Nº 1.0518.03.038033-2/001(1)).
***
AGRAVO DE INSTRUMENTO - COBRANÇA DE ISSQN -
SOCIEDADE UNIPROFISSIONAL - PEDIDO LIMINAR
DE DEPÓSITO JUDICIAL DOS VALORES
CONTROVERTIDOS EM MANDADO DE SEGURANÇA -
ART. 151, II, DO CTN - DIREITO SUBJETIVO DO
CONTRIBUINTE - RISCO DE INEFICÁCIA DO
PROVIMENTO FINAL - PRESENÇA DOS REQUISITOS
PREVISTOS PARA A CONCESSÃO DA MEDIDA
PLEITEADA - RECURSO PROVIDO. Sendo direito
subjetivo do contribuinte, a teor do que preceitua o art.
151, II, do CTN, o depósito judicial dos valores relativos à
cobrança de ISSQN contestados em juízo, a fim de
suspender a exigibilidade do crédito tributário, e ainda,
sendo a sociedade requerente, ora agravante, ao que
tudo indica, uniprofissional e caracterizada pela
pessoalidade do trabalho profissional, fazendo jus, pois,
em linha de princípio, ao benefício fiscal postulado com
base nos §§ 1º e 3º do art. 9º do Decreto-Lei nº 406/68,
tem-se por configurada a relevância dos fundamentos da
demanda, requisito indispensável para a concessão de
liminar em mandado de segurança. De igual modo,
existindo a possibilidade da Sociedade Agravante, acaso
vitoriosa na demanda, ser obrigada a ajuizar,
posteriormente, ação de repetição de indébito, para
reaver os valores contestados e ilegalmente pagos no
transcurso da ação mandamental, cujo pagamento,
outrossim, deverá se dar através do moroso e ineficiente
sistema de precatórios, evidencia-se também o risco de
ineficácia do provimento final. (TJMG, Des. Armando
Freire, Proc. Nº 1.0180.07.037541-5/001(1)).
***
7. 7
A jurisprudência dos Tribunais Superiores consolidou
entendimento no sentido de que, "nos termos do art.9º, §3º, do DL 406/68, têm
direito ao tratamento privilegiado do ISS as sociedades civis uniprofissionais,
que têm por objeto a prestação de serviço especializado, com responsabilidade
pessoal e sem caráter empresarial" (REsp nº 58.005/PR, DJ de 04.08.2003, p.
233, e REsp nº 766725/RJ, DJ de 19.09.2005, p. 235, relator o Ministro Teori
Albino Zavascki).
Caracterizada a pessoalidade do trabalho
PROFISSIONAL, desfaz-se a natureza empresarial da sociedade, o que enseja
a aplicação do tratamento fiscal postulado com base nos §§ 1º e 3º do art. 9º
do Decreto-Lei nº 406/68.
O benefício previsto na lei, para que a base de cálculo
imponível do ISS seja diversa do preço do serviço, parte do pressuposto de
que existem sociedades formadas pela reunião de profissionais habilitados
para o exercício de determinada atividade e que centram nas habilidades de
seus membros o fator determinante para auferir lucro.
A despeito de inalterado o contribuinte, que continua a ser
a pessoa jurídica, há uma abstração para o cálculo do imposto, a ser tributado
pelo número de profissionais que a integram.
As sociedades atingidas pelo benefício legal distanciam-
se das empresas em que a pessoa dos sócios não assume importância para o
seu sucesso, razão pela qual preocupou-se o legislador em tratar, de forma
diversa, sociedades que são distintas, atuando o princípio da isonomia, que
não traduz a obrigação de oferecer o mesmo tratamento para situações
diferentes, mas o reconhecimento da desigualdade quando esta se faz
presente.
A sociedade, em situações da espécie, permite um melhor
aparelhamento PROFISSIONAL, a economia de custos e a otimização do
atendimento aos clientes, que se beneficiam com a reunião dos profissionais
liberais em sociedade, normalmente mais bem estruturada e equipada.
Não consta da Lei Complementar nº 116 revogação
expressa do art. 9º do Decreto-Lei nº 406/68, do qual somente foram
revogados os arts. 8º, 10, 11 e 12, como também não há incompatibilidade
entre as normas anteriores e as novas.
É detentora do benefício fiscal do ISS a sociedade de
profissionais, ou seja, a sociedade formada por profissionais liberais da
sua mesma área e destinada à prestação de serviços através do trabalho
pessoal de seus sócios.
8. 8
Nessa hipótese, “o seu Imposto sobre Serviços – ISS,
não pode ser cobrado sobre o faturamento mensal da sociedade, sobre
os seus honorários, porque a lei municipal não pode prevalecer sobre a
norma federal, do Decreto-lei 406, de 31.12.68, com a redação da Lei
Complementar nº 56, de 15.12.87”..
Assim a lei municipal do Município de Belo Horizonte ou
de qualquer outro não pode estabelecer tratamento diferente em relação à
tributação do ISSQN das sociedades uniprofissionais sob pena de ser
declarada nula, posto que afronta a Constituição Federal, pois estaria
atropelando o Decreto nº 406/68 que deu um tratamento privilegiado do ISS.
E, tanto a doutrina como a jurisprudência a exemplo das
ementas aqui colacionadas, como visto aqui, acolhem, também esse
posicionamento.
*Advogado Tributarista, sócio fundador do CUNHA PEREIRA & ABREU CHAGAS –
Advogados Associados e Assessor Jurídico da ASSOCIAÇÃO COMERCIAL E
EMPRESARIAL DE MINAS – ACMINAS. marcoaureliochagas@gmail.com
marco@abreuchagas.com