SlideShare uma empresa Scribd logo
1 de 2
ESCOLA E CIDADANIA EM UMA
ERA DE DESENCANTO
Trecho subtraído do texto de Pablo Gentilii
Uma breve história pode resumir algumas dimensões do profundo
desafio ético, político e educativo que enfrentamos nessa era de
desencanto. Algumas semanas atrás decidi sair com Mateo, meu filho
de um ano, para fazer umas compras. As necessidades familiares eram,
como quase sempre, ecléticas: fraldas, disquetes, o último livro de Ana
Miranda e algumas garrafas de vinho argentino, difíceis de serem
encontradas com um bom preço no Rio de Janeiro. Após algumas
poucas quadras, Teo adormeceu placidamente em seu carrinho de
bebê. Enquanto ele sonhava com alguma coisa provavelmente
mágica, percebi que um de seus sapatos estava desamarrado e quase
caindo. Decidi tirá-lo, para evitar que, em um descuido, se perdesse.
Poucos segundos depois, uma elegante senhora me alertou: “Cuidado!
Seu filho perdeu um sapatinho”. “Obrigado, respondi, mas fui eu que o
tirei”. Alguns metros adiante, o porteiro de um estacionamento,
aparentemente de sorriso tímido e de poucas palavras, moveu sua
cabeça na direção do pé de Mateo, dizendo em tom grave: “o
sapato”. Levantando o dedo polegar, em sinal de agradecimento,
continuei meu caminho. Antes de chegar ao supermercado, dobrando
a esquina da Avenida Nossa Senhora de Copacabana com a Rainha
Elizabeth, um surfista, igualmente preocupado com o destino do sapato
de Teo, disse: “Oi, mané, teu filho perdeu a sandália”. Ergui o dedo
novamente e sorri em sinal de agradecimento. Já no supermercado, as
advertências continuaram. A suposta perda do sapato de Mateo não
deixava de gerar diferentes mostras de solidariedade e de alerta.
Chegando ao nosso apartamento, João, o porteiro, fazendo festa com
sua habitual algazarra, gritou, acordando a criança: “Teo, teu papai
perdeu de novo o sapato”.
O sol tornava aquela manhã especialmente brilhante. A preocupação
das pessoas com o paradeiro do sapatinho, ainda que insistente, dava
a ela um toque solidário que a tornava mais alegre ou, ao menos,
fraternal. Todavia, uma vez a resguardo das advertências, começou a
me invadir uma incômoda sensação de mal-estar.
O Rio de Janeiro é, como qualquer grande metrópole latino-americana,
um território de profundos contrastes, no qual o luxo e a miséria
convivem de forma nem sempre harmoniosa. Meu desgosto era, talvez,
injustificado: o que faz do pé de uma criança de classe média motivo
de atenção e de eventual preocupação em uma cidade com
centenas de crianças descalças – brutalmente descalças –, com
dezenas de famílias vivendo ao relento, com as evidências
indisfarçáveis da barbárie que supõe negar os mais elementares direitos
humanos a milhares de indivíduos?
A possibilidade de reconhecer ou perceber acontecimentos é uma
forma de definir os limites sempre arbitrários entre o “normal” e o
“anormal”, o aceitado e o recalcado, o permitido e o proibido. De
modo que, enquanto é “anormal” que um menino de classe média
ande descalço, é absolutamente “normal” que centenas de crianças
pobres andem sem sapatos e perambulem pelas ruas de Copacabana
pedindo esmolas. Sem tantos rodeios, o que pretendo dizer é que, hoje,
em nossas sociedades dualizadas, a exclusão é invisível aos olhos.
Certamente, a invisibilidade é a marca mais visível dos processos de
exclusão neste século que começa. A exclusão e seus efeitos estão aí.
São evidências cruéis e brutais que nos ensina a vida nas ruas, que
comentam os jornais, que exibem as telas de cinema. Todavia, a
exclusão parece haver perdido poder para produzir espanto e
indignação em uma grande parte da sociedade.
A seletividade do olhar cotidiano é implacável: dois pés descalços não
são dois pés descalços. Um é um pé que perdeu o sapato. O outro,
simplesmente não existe. Um é o pé de um menino. O outro é o pé de
ninguém. A exclusão se desvanece no silêncio dos que a sofrem e no
dos que a temem. De certa forma, devemos ao medo o mérito de
recordarmos diariamente a existência da exclusão. A seletividade do
olhar medroso é implacável: dois pés descalços não são dois pés
descalços. Um é o pé de um menino. O outro, o pé de uma ameaça.
Todavia, o medo não nos faz “ver” a exclusão. O medo só nos conduz a
temê-la. E o temor é sempre, de uma ou de outra forma, aliado do
esquecimento, do silêncio. O medo é um subproduto da violência. Uma
violência cuja vocação é ocultar-se, tornar-se invisível aos olhos.
A seletividade do olhar desmemoriado é implacável: dois pés descalços
não são dois pés descalços. Um é um pé de um menino. O outro é um
obstáculo.

Mais conteúdo relacionado

Mais procurados

Segunda aplicação do ENEM-2017: Artes
Segunda aplicação do ENEM-2017: ArtesSegunda aplicação do ENEM-2017: Artes
Segunda aplicação do ENEM-2017: Artesma.no.el.ne.ves
 
Historia da musica
Historia da musica Historia da musica
Historia da musica Shinnayder
 
Os novos caminhos da ciência
Os novos caminhos da ciênciaOs novos caminhos da ciência
Os novos caminhos da ciênciaLuis Silva
 
Baroque power point
Baroque power pointBaroque power point
Baroque power pointmcashdollar
 
Futurismo, Terceiro Ano
Futurismo, Terceiro AnoFuturismo, Terceiro Ano
Futurismo, Terceiro AnoIsamara Santos
 
História da festa junina e tradições
História da festa junina e tradiçõesHistória da festa junina e tradições
História da festa junina e tradiçõesFernanda Cardoso
 
Arte e Literatura Romanas
Arte e Literatura RomanasArte e Literatura Romanas
Arte e Literatura RomanasCPH
 
Músicas na ditadura militar
Músicas na ditadura militarMúsicas na ditadura militar
Músicas na ditadura militarEdson Alves
 
Impressionismo neo e pos
Impressionismo neo e posImpressionismo neo e pos
Impressionismo neo e posjeanecsc
 
Carnaval Power Point
Carnaval  Power PointCarnaval  Power Point
Carnaval Power PointDmTive
 
O Período Barroco e a Música
O Período Barroco e a MúsicaO Período Barroco e a Música
O Período Barroco e a MúsicaJoão Costa
 

Mais procurados (20)

Segunda aplicação do ENEM-2017: Artes
Segunda aplicação do ENEM-2017: ArtesSegunda aplicação do ENEM-2017: Artes
Segunda aplicação do ENEM-2017: Artes
 
Historia da musica
Historia da musica Historia da musica
Historia da musica
 
Frevo
Frevo Frevo
Frevo
 
PROJETO: SARAU LITERÁRIO
PROJETO: SARAU LITERÁRIOPROJETO: SARAU LITERÁRIO
PROJETO: SARAU LITERÁRIO
 
Os novos caminhos da ciência
Os novos caminhos da ciênciaOs novos caminhos da ciência
Os novos caminhos da ciência
 
Baroque power point
Baroque power pointBaroque power point
Baroque power point
 
Futurismo, Terceiro Ano
Futurismo, Terceiro AnoFuturismo, Terceiro Ano
Futurismo, Terceiro Ano
 
História da festa junina e tradições
História da festa junina e tradiçõesHistória da festa junina e tradições
História da festa junina e tradições
 
Arte e Literatura Romanas
Arte e Literatura RomanasArte e Literatura Romanas
Arte e Literatura Romanas
 
Músicas na ditadura militar
Músicas na ditadura militarMúsicas na ditadura militar
Músicas na ditadura militar
 
Origem do carnaval
Origem do carnavalOrigem do carnaval
Origem do carnaval
 
Pagode
PagodePagode
Pagode
 
Futurismo
FuturismoFuturismo
Futurismo
 
Furacões
FuracõesFuracões
Furacões
 
Impressionismo
ImpressionismoImpressionismo
Impressionismo
 
Impressionismo neo e pos
Impressionismo neo e posImpressionismo neo e pos
Impressionismo neo e pos
 
Carnaval Power Point
Carnaval  Power PointCarnaval  Power Point
Carnaval Power Point
 
O fado
O fadoO fado
O fado
 
O Período Barroco e a Música
O Período Barroco e a MúsicaO Período Barroco e a Música
O Período Barroco e a Música
 
Carnaval
CarnavalCarnaval
Carnaval
 

Semelhante a Educação e cidadania em uma era de desencanto

AfroPoemas, set 2020 - Equinócio de Primavera
AfroPoemas, set 2020 - Equinócio de PrimaveraAfroPoemas, set 2020 - Equinócio de Primavera
AfroPoemas, set 2020 - Equinócio de Primaveraoficinativa
 
Folhetim do Estudante - Ano II - Núm.XXVIII
Folhetim do Estudante - Ano II - Núm.XXVIIIFolhetim do Estudante - Ano II - Núm.XXVIII
Folhetim do Estudante - Ano II - Núm.XXVIIIValter Gomes
 
Quero voltar a_ser_feliz
Quero voltar a_ser_felizQuero voltar a_ser_feliz
Quero voltar a_ser_felizAldo Cioffi
 
Revista Outras Farpas [sexta edição]
Revista Outras Farpas [sexta edição] Revista Outras Farpas [sexta edição]
Revista Outras Farpas [sexta edição] Acton Lobo
 
Que Valores São Estes
Que Valores São EstesQue Valores São Estes
Que Valores São EstesBLOG's REI
 
Gêneros Textuais e Tipos Textuais
Gêneros Textuais e Tipos TextuaisGêneros Textuais e Tipos Textuais
Gêneros Textuais e Tipos TextuaisGiseledot
 
Infancia_e_nostalgia
Infancia_e_nostalgiaInfancia_e_nostalgia
Infancia_e_nostalgiaandreamaciel
 
Como a Internet pode Mudar o Mundo Líquido: 18.01.2012
Como a Internet pode Mudar o Mundo Líquido: 18.01.2012Como a Internet pode Mudar o Mundo Líquido: 18.01.2012
Como a Internet pode Mudar o Mundo Líquido: 18.01.2012Sérgio Taldo
 
Palestra: “Como a Internet pode Mudar o Mundo Líquido”, por Sérgio Costa Tald...
Palestra: “Como a Internet pode Mudar o Mundo Líquido”, por Sérgio Costa Tald...Palestra: “Como a Internet pode Mudar o Mundo Líquido”, por Sérgio Costa Tald...
Palestra: “Como a Internet pode Mudar o Mundo Líquido”, por Sérgio Costa Tald...Café Digital
 
Palestra: “Como a Internet pode Mudar o Mundo Líquido”: Café Digital, na UCP,...
Palestra: “Como a Internet pode Mudar o Mundo Líquido”: Café Digital, na UCP,...Palestra: “Como a Internet pode Mudar o Mundo Líquido”: Café Digital, na UCP,...
Palestra: “Como a Internet pode Mudar o Mundo Líquido”: Café Digital, na UCP,...Sérgio Taldo
 

Semelhante a Educação e cidadania em uma era de desencanto (18)

Diz Jornal - Edição 157
Diz Jornal - Edição 157Diz Jornal - Edição 157
Diz Jornal - Edição 157
 
AfroPoemas, set 2020 - Equinócio de Primavera
AfroPoemas, set 2020 - Equinócio de PrimaveraAfroPoemas, set 2020 - Equinócio de Primavera
AfroPoemas, set 2020 - Equinócio de Primavera
 
Revista OPINIAS nº 09
Revista OPINIAS   nº 09Revista OPINIAS   nº 09
Revista OPINIAS nº 09
 
1
11
1
 
Folhetim do Estudante - Ano II - Núm.XXVIII
Folhetim do Estudante - Ano II - Núm.XXVIIIFolhetim do Estudante - Ano II - Núm.XXVIII
Folhetim do Estudante - Ano II - Núm.XXVIII
 
Quero voltar a_ser_feliz
Quero voltar a_ser_felizQuero voltar a_ser_feliz
Quero voltar a_ser_feliz
 
Revista Outras Farpas [sexta edição]
Revista Outras Farpas [sexta edição] Revista Outras Farpas [sexta edição]
Revista Outras Farpas [sexta edição]
 
Que Valores São Estes
Que Valores São EstesQue Valores São Estes
Que Valores São Estes
 
Quero voltar a ser feliz
Quero voltar a ser felizQuero voltar a ser feliz
Quero voltar a ser feliz
 
Aporofobia.pdf
Aporofobia.pdfAporofobia.pdf
Aporofobia.pdf
 
Gêneros Textuais e Tipos Textuais
Gêneros Textuais e Tipos TextuaisGêneros Textuais e Tipos Textuais
Gêneros Textuais e Tipos Textuais
 
Diz Jornal 147
Diz Jornal 147 Diz Jornal 147
Diz Jornal 147
 
Infancia_e_nostalgia
Infancia_e_nostalgiaInfancia_e_nostalgia
Infancia_e_nostalgia
 
Um presente inesperado
Um presente inesperadoUm presente inesperado
Um presente inesperado
 
Como a Internet pode Mudar o Mundo Líquido: 18.01.2012
Como a Internet pode Mudar o Mundo Líquido: 18.01.2012Como a Internet pode Mudar o Mundo Líquido: 18.01.2012
Como a Internet pode Mudar o Mundo Líquido: 18.01.2012
 
Palestra: “Como a Internet pode Mudar o Mundo Líquido”, por Sérgio Costa Tald...
Palestra: “Como a Internet pode Mudar o Mundo Líquido”, por Sérgio Costa Tald...Palestra: “Como a Internet pode Mudar o Mundo Líquido”, por Sérgio Costa Tald...
Palestra: “Como a Internet pode Mudar o Mundo Líquido”, por Sérgio Costa Tald...
 
Palestra: “Como a Internet pode Mudar o Mundo Líquido”: Café Digital, na UCP,...
Palestra: “Como a Internet pode Mudar o Mundo Líquido”: Café Digital, na UCP,...Palestra: “Como a Internet pode Mudar o Mundo Líquido”: Café Digital, na UCP,...
Palestra: “Como a Internet pode Mudar o Mundo Líquido”: Café Digital, na UCP,...
 
Angela Carneiro: As quebradas nos transformam
Angela Carneiro: As quebradas nos transformamAngela Carneiro: As quebradas nos transformam
Angela Carneiro: As quebradas nos transformam
 

Mais de cefaidreguaianases

Legislação de Educação Especial para concurso de professor de Educação Infantil
Legislação de Educação Especial para concurso de professor de Educação Infantil Legislação de Educação Especial para concurso de professor de Educação Infantil
Legislação de Educação Especial para concurso de professor de Educação Infantil cefaidreguaianases
 
Tecnologia Assistiva: A contribuição da TA na inclusão da criança com deficiê...
Tecnologia Assistiva: A contribuição da TA na inclusão da criança com deficiê...Tecnologia Assistiva: A contribuição da TA na inclusão da criança com deficiê...
Tecnologia Assistiva: A contribuição da TA na inclusão da criança com deficiê...cefaidreguaianases
 
Reflexões sobre os caminhos e descaminhos de ser professor - Facci
Reflexões sobre os caminhos e descaminhos de ser professor - Facci Reflexões sobre os caminhos e descaminhos de ser professor - Facci
Reflexões sobre os caminhos e descaminhos de ser professor - Facci cefaidreguaianases
 
A escola é para poucos - Facci
A escola é para poucos - Facci A escola é para poucos - Facci
A escola é para poucos - Facci cefaidreguaianases
 
Angústia de uma alfabetizadora em classe especial
Angústia de uma alfabetizadora em classe especialAngústia de uma alfabetizadora em classe especial
Angústia de uma alfabetizadora em classe especialcefaidreguaianases
 
O dualismo perverso da educação pública - Libaneo
O dualismo perverso da educação pública - LibaneoO dualismo perverso da educação pública - Libaneo
O dualismo perverso da educação pública - Libaneocefaidreguaianases
 
O papel do diretor na construção da cultura inclusiva
O papel do diretor na construção da cultura inclusivaO papel do diretor na construção da cultura inclusiva
O papel do diretor na construção da cultura inclusivacefaidreguaianases
 
Cultura Afro-brasileira - 13 de maio
Cultura Afro-brasileira -  13 de maioCultura Afro-brasileira -  13 de maio
Cultura Afro-brasileira - 13 de maiocefaidreguaianases
 
Apresentação do curso "Avanços e Desafios"
Apresentação do curso "Avanços e Desafios" Apresentação do curso "Avanços e Desafios"
Apresentação do curso "Avanços e Desafios" cefaidreguaianases
 
Reflexões sobre os caminhos e descaminhos de ser professor: uma contribuição ...
Reflexões sobre os caminhos e descaminhos de ser professor: uma contribuição ...Reflexões sobre os caminhos e descaminhos de ser professor: uma contribuição ...
Reflexões sobre os caminhos e descaminhos de ser professor: uma contribuição ...cefaidreguaianases
 
O dualismo perverso da escola pública brasileira: escola do conhecimento para...
O dualismo perverso da escola pública brasileira: escola do conhecimento para...O dualismo perverso da escola pública brasileira: escola do conhecimento para...
O dualismo perverso da escola pública brasileira: escola do conhecimento para...cefaidreguaianases
 
A escola é para poucos? Marilda Gonçalves Dias Facci
A escola é para poucos? Marilda Gonçalves Dias FacciA escola é para poucos? Marilda Gonçalves Dias Facci
A escola é para poucos? Marilda Gonçalves Dias Faccicefaidreguaianases
 

Mais de cefaidreguaianases (18)

Legislação de Educação Especial para concurso de professor de Educação Infantil
Legislação de Educação Especial para concurso de professor de Educação Infantil Legislação de Educação Especial para concurso de professor de Educação Infantil
Legislação de Educação Especial para concurso de professor de Educação Infantil
 
Ciclo autoral
Ciclo autoralCiclo autoral
Ciclo autoral
 
Tecnologia Assistiva: A contribuição da TA na inclusão da criança com deficiê...
Tecnologia Assistiva: A contribuição da TA na inclusão da criança com deficiê...Tecnologia Assistiva: A contribuição da TA na inclusão da criança com deficiê...
Tecnologia Assistiva: A contribuição da TA na inclusão da criança com deficiê...
 
Dissertação -
Dissertação -Dissertação -
Dissertação -
 
Reflexões sobre os caminhos e descaminhos de ser professor - Facci
Reflexões sobre os caminhos e descaminhos de ser professor - Facci Reflexões sobre os caminhos e descaminhos de ser professor - Facci
Reflexões sobre os caminhos e descaminhos de ser professor - Facci
 
A escola é para poucos - Facci
A escola é para poucos - Facci A escola é para poucos - Facci
A escola é para poucos - Facci
 
Angústia de uma alfabetizadora em classe especial
Angústia de uma alfabetizadora em classe especialAngústia de uma alfabetizadora em classe especial
Angústia de uma alfabetizadora em classe especial
 
O dualismo perverso da educação pública - Libaneo
O dualismo perverso da educação pública - LibaneoO dualismo perverso da educação pública - Libaneo
O dualismo perverso da educação pública - Libaneo
 
O papel do diretor na construção da cultura inclusiva
O papel do diretor na construção da cultura inclusivaO papel do diretor na construção da cultura inclusiva
O papel do diretor na construção da cultura inclusiva
 
Deficiência Visual
Deficiência VisualDeficiência Visual
Deficiência Visual
 
Cineclube
Cineclube Cineclube
Cineclube
 
Cultura Afro-brasileira - 13 de maio
Cultura Afro-brasileira -  13 de maioCultura Afro-brasileira -  13 de maio
Cultura Afro-brasileira - 13 de maio
 
Apresentação do curso "Avanços e Desafios"
Apresentação do curso "Avanços e Desafios" Apresentação do curso "Avanços e Desafios"
Apresentação do curso "Avanços e Desafios"
 
Reflexões sobre os caminhos e descaminhos de ser professor: uma contribuição ...
Reflexões sobre os caminhos e descaminhos de ser professor: uma contribuição ...Reflexões sobre os caminhos e descaminhos de ser professor: uma contribuição ...
Reflexões sobre os caminhos e descaminhos de ser professor: uma contribuição ...
 
O dualismo perverso da escola pública brasileira: escola do conhecimento para...
O dualismo perverso da escola pública brasileira: escola do conhecimento para...O dualismo perverso da escola pública brasileira: escola do conhecimento para...
O dualismo perverso da escola pública brasileira: escola do conhecimento para...
 
A escola é para poucos? Marilda Gonçalves Dias Facci
A escola é para poucos? Marilda Gonçalves Dias FacciA escola é para poucos? Marilda Gonçalves Dias Facci
A escola é para poucos? Marilda Gonçalves Dias Facci
 
Artigo mantoan vf2
Artigo mantoan vf2Artigo mantoan vf2
Artigo mantoan vf2
 
Artigo mantoan vf2
Artigo mantoan vf2Artigo mantoan vf2
Artigo mantoan vf2
 

Último

Rotas Transaarianas como o desrto prouz riqueza
Rotas Transaarianas como o desrto prouz riquezaRotas Transaarianas como o desrto prouz riqueza
Rotas Transaarianas como o desrto prouz riquezaronaldojacademico
 
PROVA - ESTUDO CONTEMPORÂNEO E TRANSVERSAL: LEITURA DE IMAGENS, GRÁFICOS E MA...
PROVA - ESTUDO CONTEMPORÂNEO E TRANSVERSAL: LEITURA DE IMAGENS, GRÁFICOS E MA...PROVA - ESTUDO CONTEMPORÂNEO E TRANSVERSAL: LEITURA DE IMAGENS, GRÁFICOS E MA...
PROVA - ESTUDO CONTEMPORÂNEO E TRANSVERSAL: LEITURA DE IMAGENS, GRÁFICOS E MA...azulassessoria9
 
COMPETÊNCIA 4 NO ENEM: O TEXTO E SUAS AMARRACÕES
COMPETÊNCIA 4 NO ENEM: O TEXTO E SUAS AMARRACÕESCOMPETÊNCIA 4 NO ENEM: O TEXTO E SUAS AMARRACÕES
COMPETÊNCIA 4 NO ENEM: O TEXTO E SUAS AMARRACÕESEduardaReis50
 
Slides Lição 5, Betel, Ordenança para uma vida de vigilância e oração, 2Tr24....
Slides Lição 5, Betel, Ordenança para uma vida de vigilância e oração, 2Tr24....Slides Lição 5, Betel, Ordenança para uma vida de vigilância e oração, 2Tr24....
Slides Lição 5, Betel, Ordenança para uma vida de vigilância e oração, 2Tr24....LuizHenriquedeAlmeid6
 
Mapa mental - Classificação dos seres vivos .docx
Mapa mental - Classificação dos seres vivos .docxMapa mental - Classificação dos seres vivos .docx
Mapa mental - Classificação dos seres vivos .docxBeatrizLittig1
 
Construção (C)erta - Nós Propomos! Sertã
Construção (C)erta - Nós Propomos! SertãConstrução (C)erta - Nós Propomos! Sertã
Construção (C)erta - Nós Propomos! SertãIlda Bicacro
 
2° ano_PLANO_DE_CURSO em PDF referente ao 2° ano do Ensino fundamental
2° ano_PLANO_DE_CURSO em PDF referente ao 2° ano do Ensino fundamental2° ano_PLANO_DE_CURSO em PDF referente ao 2° ano do Ensino fundamental
2° ano_PLANO_DE_CURSO em PDF referente ao 2° ano do Ensino fundamentalAntônia marta Silvestre da Silva
 
FASE 1 MÉTODO LUMA E PONTO. TUDO SOBRE REDAÇÃO
FASE 1 MÉTODO LUMA E PONTO. TUDO SOBRE REDAÇÃOFASE 1 MÉTODO LUMA E PONTO. TUDO SOBRE REDAÇÃO
FASE 1 MÉTODO LUMA E PONTO. TUDO SOBRE REDAÇÃOAulasgravadas3
 
Atividade - Letra da música Esperando na Janela.
Atividade -  Letra da música Esperando na Janela.Atividade -  Letra da música Esperando na Janela.
Atividade - Letra da música Esperando na Janela.Mary Alvarenga
 
Nós Propomos! " Pinhais limpos, mundo saudável"
Nós Propomos! " Pinhais limpos, mundo saudável"Nós Propomos! " Pinhais limpos, mundo saudável"
Nós Propomos! " Pinhais limpos, mundo saudável"Ilda Bicacro
 
GEOGRAFIA - ENSINO FUNDAMENTAL ANOS FINAIS.pdf
GEOGRAFIA - ENSINO FUNDAMENTAL ANOS FINAIS.pdfGEOGRAFIA - ENSINO FUNDAMENTAL ANOS FINAIS.pdf
GEOGRAFIA - ENSINO FUNDAMENTAL ANOS FINAIS.pdfElianeElika
 
Discurso Direto, Indireto e Indireto Livre.pptx
Discurso Direto, Indireto e Indireto Livre.pptxDiscurso Direto, Indireto e Indireto Livre.pptx
Discurso Direto, Indireto e Indireto Livre.pptxferreirapriscilla84
 
5 bloco 7 ano - Ensino Relogioso- Lideres Religiosos _ Passei Direto.pdf
5 bloco 7 ano - Ensino Relogioso- Lideres Religiosos _ Passei Direto.pdf5 bloco 7 ano - Ensino Relogioso- Lideres Religiosos _ Passei Direto.pdf
5 bloco 7 ano - Ensino Relogioso- Lideres Religiosos _ Passei Direto.pdfLeloIurk1
 
PROVA - ESTUDO CONTEMPORÂNEO E TRANSVERSAL: COMUNICAÇÃO ASSERTIVA E INTERPESS...
PROVA - ESTUDO CONTEMPORÂNEO E TRANSVERSAL: COMUNICAÇÃO ASSERTIVA E INTERPESS...PROVA - ESTUDO CONTEMPORÂNEO E TRANSVERSAL: COMUNICAÇÃO ASSERTIVA E INTERPESS...
PROVA - ESTUDO CONTEMPORÂNEO E TRANSVERSAL: COMUNICAÇÃO ASSERTIVA E INTERPESS...azulassessoria9
 
Pedologia- Geografia - Geologia - aula_01.pptx
Pedologia- Geografia - Geologia - aula_01.pptxPedologia- Geografia - Geologia - aula_01.pptx
Pedologia- Geografia - Geologia - aula_01.pptxleandropereira983288
 
DeClara n.º 75 Abril 2024 - O Jornal digital do Agrupamento de Escolas Clara ...
DeClara n.º 75 Abril 2024 - O Jornal digital do Agrupamento de Escolas Clara ...DeClara n.º 75 Abril 2024 - O Jornal digital do Agrupamento de Escolas Clara ...
DeClara n.º 75 Abril 2024 - O Jornal digital do Agrupamento de Escolas Clara ...IsabelPereira2010
 
Música Meu Abrigo - Texto e atividade
Música   Meu   Abrigo  -   Texto e atividadeMúsica   Meu   Abrigo  -   Texto e atividade
Música Meu Abrigo - Texto e atividadeMary Alvarenga
 
Manual da CPSA_1_Agir com Autonomia para envio
Manual da CPSA_1_Agir com Autonomia para envioManual da CPSA_1_Agir com Autonomia para envio
Manual da CPSA_1_Agir com Autonomia para envioManuais Formação
 
PROVA - ESTUDO CONTEMPORÂNEO E TRANSVERSAL: LEITURA DE IMAGENS, GRÁFICOS E MA...
PROVA - ESTUDO CONTEMPORÂNEO E TRANSVERSAL: LEITURA DE IMAGENS, GRÁFICOS E MA...PROVA - ESTUDO CONTEMPORÂNEO E TRANSVERSAL: LEITURA DE IMAGENS, GRÁFICOS E MA...
PROVA - ESTUDO CONTEMPORÂNEO E TRANSVERSAL: LEITURA DE IMAGENS, GRÁFICOS E MA...azulassessoria9
 

Último (20)

Rotas Transaarianas como o desrto prouz riqueza
Rotas Transaarianas como o desrto prouz riquezaRotas Transaarianas como o desrto prouz riqueza
Rotas Transaarianas como o desrto prouz riqueza
 
PROVA - ESTUDO CONTEMPORÂNEO E TRANSVERSAL: LEITURA DE IMAGENS, GRÁFICOS E MA...
PROVA - ESTUDO CONTEMPORÂNEO E TRANSVERSAL: LEITURA DE IMAGENS, GRÁFICOS E MA...PROVA - ESTUDO CONTEMPORÂNEO E TRANSVERSAL: LEITURA DE IMAGENS, GRÁFICOS E MA...
PROVA - ESTUDO CONTEMPORÂNEO E TRANSVERSAL: LEITURA DE IMAGENS, GRÁFICOS E MA...
 
COMPETÊNCIA 4 NO ENEM: O TEXTO E SUAS AMARRACÕES
COMPETÊNCIA 4 NO ENEM: O TEXTO E SUAS AMARRACÕESCOMPETÊNCIA 4 NO ENEM: O TEXTO E SUAS AMARRACÕES
COMPETÊNCIA 4 NO ENEM: O TEXTO E SUAS AMARRACÕES
 
Slides Lição 5, Betel, Ordenança para uma vida de vigilância e oração, 2Tr24....
Slides Lição 5, Betel, Ordenança para uma vida de vigilância e oração, 2Tr24....Slides Lição 5, Betel, Ordenança para uma vida de vigilância e oração, 2Tr24....
Slides Lição 5, Betel, Ordenança para uma vida de vigilância e oração, 2Tr24....
 
Mapa mental - Classificação dos seres vivos .docx
Mapa mental - Classificação dos seres vivos .docxMapa mental - Classificação dos seres vivos .docx
Mapa mental - Classificação dos seres vivos .docx
 
CINEMATICA DE LOS MATERIALES Y PARTICULA
CINEMATICA DE LOS MATERIALES Y PARTICULACINEMATICA DE LOS MATERIALES Y PARTICULA
CINEMATICA DE LOS MATERIALES Y PARTICULA
 
Construção (C)erta - Nós Propomos! Sertã
Construção (C)erta - Nós Propomos! SertãConstrução (C)erta - Nós Propomos! Sertã
Construção (C)erta - Nós Propomos! Sertã
 
2° ano_PLANO_DE_CURSO em PDF referente ao 2° ano do Ensino fundamental
2° ano_PLANO_DE_CURSO em PDF referente ao 2° ano do Ensino fundamental2° ano_PLANO_DE_CURSO em PDF referente ao 2° ano do Ensino fundamental
2° ano_PLANO_DE_CURSO em PDF referente ao 2° ano do Ensino fundamental
 
FASE 1 MÉTODO LUMA E PONTO. TUDO SOBRE REDAÇÃO
FASE 1 MÉTODO LUMA E PONTO. TUDO SOBRE REDAÇÃOFASE 1 MÉTODO LUMA E PONTO. TUDO SOBRE REDAÇÃO
FASE 1 MÉTODO LUMA E PONTO. TUDO SOBRE REDAÇÃO
 
Atividade - Letra da música Esperando na Janela.
Atividade -  Letra da música Esperando na Janela.Atividade -  Letra da música Esperando na Janela.
Atividade - Letra da música Esperando na Janela.
 
Nós Propomos! " Pinhais limpos, mundo saudável"
Nós Propomos! " Pinhais limpos, mundo saudável"Nós Propomos! " Pinhais limpos, mundo saudável"
Nós Propomos! " Pinhais limpos, mundo saudável"
 
GEOGRAFIA - ENSINO FUNDAMENTAL ANOS FINAIS.pdf
GEOGRAFIA - ENSINO FUNDAMENTAL ANOS FINAIS.pdfGEOGRAFIA - ENSINO FUNDAMENTAL ANOS FINAIS.pdf
GEOGRAFIA - ENSINO FUNDAMENTAL ANOS FINAIS.pdf
 
Discurso Direto, Indireto e Indireto Livre.pptx
Discurso Direto, Indireto e Indireto Livre.pptxDiscurso Direto, Indireto e Indireto Livre.pptx
Discurso Direto, Indireto e Indireto Livre.pptx
 
5 bloco 7 ano - Ensino Relogioso- Lideres Religiosos _ Passei Direto.pdf
5 bloco 7 ano - Ensino Relogioso- Lideres Religiosos _ Passei Direto.pdf5 bloco 7 ano - Ensino Relogioso- Lideres Religiosos _ Passei Direto.pdf
5 bloco 7 ano - Ensino Relogioso- Lideres Religiosos _ Passei Direto.pdf
 
PROVA - ESTUDO CONTEMPORÂNEO E TRANSVERSAL: COMUNICAÇÃO ASSERTIVA E INTERPESS...
PROVA - ESTUDO CONTEMPORÂNEO E TRANSVERSAL: COMUNICAÇÃO ASSERTIVA E INTERPESS...PROVA - ESTUDO CONTEMPORÂNEO E TRANSVERSAL: COMUNICAÇÃO ASSERTIVA E INTERPESS...
PROVA - ESTUDO CONTEMPORÂNEO E TRANSVERSAL: COMUNICAÇÃO ASSERTIVA E INTERPESS...
 
Pedologia- Geografia - Geologia - aula_01.pptx
Pedologia- Geografia - Geologia - aula_01.pptxPedologia- Geografia - Geologia - aula_01.pptx
Pedologia- Geografia - Geologia - aula_01.pptx
 
DeClara n.º 75 Abril 2024 - O Jornal digital do Agrupamento de Escolas Clara ...
DeClara n.º 75 Abril 2024 - O Jornal digital do Agrupamento de Escolas Clara ...DeClara n.º 75 Abril 2024 - O Jornal digital do Agrupamento de Escolas Clara ...
DeClara n.º 75 Abril 2024 - O Jornal digital do Agrupamento de Escolas Clara ...
 
Música Meu Abrigo - Texto e atividade
Música   Meu   Abrigo  -   Texto e atividadeMúsica   Meu   Abrigo  -   Texto e atividade
Música Meu Abrigo - Texto e atividade
 
Manual da CPSA_1_Agir com Autonomia para envio
Manual da CPSA_1_Agir com Autonomia para envioManual da CPSA_1_Agir com Autonomia para envio
Manual da CPSA_1_Agir com Autonomia para envio
 
PROVA - ESTUDO CONTEMPORÂNEO E TRANSVERSAL: LEITURA DE IMAGENS, GRÁFICOS E MA...
PROVA - ESTUDO CONTEMPORÂNEO E TRANSVERSAL: LEITURA DE IMAGENS, GRÁFICOS E MA...PROVA - ESTUDO CONTEMPORÂNEO E TRANSVERSAL: LEITURA DE IMAGENS, GRÁFICOS E MA...
PROVA - ESTUDO CONTEMPORÂNEO E TRANSVERSAL: LEITURA DE IMAGENS, GRÁFICOS E MA...
 

Educação e cidadania em uma era de desencanto

  • 1. ESCOLA E CIDADANIA EM UMA ERA DE DESENCANTO Trecho subtraído do texto de Pablo Gentilii Uma breve história pode resumir algumas dimensões do profundo desafio ético, político e educativo que enfrentamos nessa era de desencanto. Algumas semanas atrás decidi sair com Mateo, meu filho de um ano, para fazer umas compras. As necessidades familiares eram, como quase sempre, ecléticas: fraldas, disquetes, o último livro de Ana Miranda e algumas garrafas de vinho argentino, difíceis de serem encontradas com um bom preço no Rio de Janeiro. Após algumas poucas quadras, Teo adormeceu placidamente em seu carrinho de bebê. Enquanto ele sonhava com alguma coisa provavelmente mágica, percebi que um de seus sapatos estava desamarrado e quase caindo. Decidi tirá-lo, para evitar que, em um descuido, se perdesse. Poucos segundos depois, uma elegante senhora me alertou: “Cuidado! Seu filho perdeu um sapatinho”. “Obrigado, respondi, mas fui eu que o tirei”. Alguns metros adiante, o porteiro de um estacionamento, aparentemente de sorriso tímido e de poucas palavras, moveu sua cabeça na direção do pé de Mateo, dizendo em tom grave: “o sapato”. Levantando o dedo polegar, em sinal de agradecimento, continuei meu caminho. Antes de chegar ao supermercado, dobrando a esquina da Avenida Nossa Senhora de Copacabana com a Rainha Elizabeth, um surfista, igualmente preocupado com o destino do sapato de Teo, disse: “Oi, mané, teu filho perdeu a sandália”. Ergui o dedo novamente e sorri em sinal de agradecimento. Já no supermercado, as advertências continuaram. A suposta perda do sapato de Mateo não deixava de gerar diferentes mostras de solidariedade e de alerta. Chegando ao nosso apartamento, João, o porteiro, fazendo festa com sua habitual algazarra, gritou, acordando a criança: “Teo, teu papai perdeu de novo o sapato”. O sol tornava aquela manhã especialmente brilhante. A preocupação das pessoas com o paradeiro do sapatinho, ainda que insistente, dava a ela um toque solidário que a tornava mais alegre ou, ao menos, fraternal. Todavia, uma vez a resguardo das advertências, começou a me invadir uma incômoda sensação de mal-estar. O Rio de Janeiro é, como qualquer grande metrópole latino-americana, um território de profundos contrastes, no qual o luxo e a miséria convivem de forma nem sempre harmoniosa. Meu desgosto era, talvez, injustificado: o que faz do pé de uma criança de classe média motivo de atenção e de eventual preocupação em uma cidade com centenas de crianças descalças – brutalmente descalças –, com dezenas de famílias vivendo ao relento, com as evidências
  • 2. indisfarçáveis da barbárie que supõe negar os mais elementares direitos humanos a milhares de indivíduos? A possibilidade de reconhecer ou perceber acontecimentos é uma forma de definir os limites sempre arbitrários entre o “normal” e o “anormal”, o aceitado e o recalcado, o permitido e o proibido. De modo que, enquanto é “anormal” que um menino de classe média ande descalço, é absolutamente “normal” que centenas de crianças pobres andem sem sapatos e perambulem pelas ruas de Copacabana pedindo esmolas. Sem tantos rodeios, o que pretendo dizer é que, hoje, em nossas sociedades dualizadas, a exclusão é invisível aos olhos. Certamente, a invisibilidade é a marca mais visível dos processos de exclusão neste século que começa. A exclusão e seus efeitos estão aí. São evidências cruéis e brutais que nos ensina a vida nas ruas, que comentam os jornais, que exibem as telas de cinema. Todavia, a exclusão parece haver perdido poder para produzir espanto e indignação em uma grande parte da sociedade. A seletividade do olhar cotidiano é implacável: dois pés descalços não são dois pés descalços. Um é um pé que perdeu o sapato. O outro, simplesmente não existe. Um é o pé de um menino. O outro é o pé de ninguém. A exclusão se desvanece no silêncio dos que a sofrem e no dos que a temem. De certa forma, devemos ao medo o mérito de recordarmos diariamente a existência da exclusão. A seletividade do olhar medroso é implacável: dois pés descalços não são dois pés descalços. Um é o pé de um menino. O outro, o pé de uma ameaça. Todavia, o medo não nos faz “ver” a exclusão. O medo só nos conduz a temê-la. E o temor é sempre, de uma ou de outra forma, aliado do esquecimento, do silêncio. O medo é um subproduto da violência. Uma violência cuja vocação é ocultar-se, tornar-se invisível aos olhos. A seletividade do olhar desmemoriado é implacável: dois pés descalços não são dois pés descalços. Um é um pé de um menino. O outro é um obstáculo.