3. Monstro
Latim: subst. Monstrum, verbo Monstro
presente ativo monstro, infinitivo presente
monstrare, pretérito perfeito ativo monstravi,
supino monstratum.
Mostrar, indicar.
Empossar, ordenar, encarregar.
4. Ciência, um monstro
Para Feyerabend, a ciência não é uma unidade, mas uma
colagem de partes, heterogênea, desarmônica, fragmentada, e
sua unidade não passaria de um mito criado por
“propagandistas, reducionistas e educadores” (p. 85) .
“Quem diz que é a ciência que determina a natureza
da realidade presume que as ciências têm uma única
voz. Acredita que existe um monstro, a CIÊNCIA, e
que quando ele fala, repete e repete sem parar uma
única mensagem coerente. Nada mais distante da
verdade.” (p. 85)
5. Monstro
Luiz Abrahão encontra nos textos de Feyerabend 4 monstros:
O Monstro Multifacetado
O Monstro Abstrato
O Monstro Monolítico
O Monstro Mítico
(ABRAHÃO, 2015)
6. O livro
O livro, póstumo, foi escrito a
partir das apresentações de
Feyerabend no ciclo de
palestras de Filosofia da
Ciência, ocorrido entre os dias 4
e 8 de maio de 1992, na
Universidade de Trento, na
Itália.
Feyerabend apresentou 4
conferências, que na edição
italiana têm os títulos de:
realidade e história; ciência e
7. Primeira Conferência
Feyerabend inicia a primeira conferência
falando da animação dos cientistas devida a
novas evidências favorecendo o Big Bang (e o
incrível que é termos “umas poucas
observações e previsões esporádicas e (…)
tudo se conecta lindamente”). E que, apesar
das descobertas das ciências, ainda temos
muitos problemas sociais. E se pergunta porque
não usamos nossa capacidade “para influenciar,
atenuar, reorientar nossos instintos básicos”.
8. Primeira Conferência
“Supermercados são bastante convenientes. Além de
fornecerem uma abundância de produtos, também nos
mostram coisas que não conhecemos, mas que poderíamos ter
usado. As ciências e as humanidades, a religião e as artes
oferecem supermercados espirituais, por assim dizer, com
diferentes departamentos e muitas conexões entre eles.” (p. 46)
A ciência, assim como a religião, as artes, e a filosofia, é variada, temos a
teoria da relatividade, a botânica, a hidrodinâmica, as ciências
econômicas, a sociologia, a física das partículas, tudo isso são coleções
discordantes de métodos e resultados, com o aviso de “não misturar as
abordagens”, cada uma mantendo-se no seu campo.
9. Primeira Conferência
Feyerabend comenta que as pessoas (e as culturas)
possuem suas estratégias para lidar com os problemas da
vida, e que essas estratégias não se importam com as
conexões ou falta delas entre as diversas coisas como
ciência e religião, disciplinas, física e sociologia por
exemplo, ou culturas. Não há harmonia, e lastimar falta de
harmonia parece “tão suspeito quanto os tiranos,
dispostos a submeter toda a diversidade (…) à sua
10. Segunda Conferência
Nesta conferência ele pergunta se a ciência é bem-sucedida
(pois o sucesso seria uma justificação para a ciência), se existe
uma visão científica do mundo, e se a ideologia da visão
científica é inescapável. E, importante, propõe a crítica
democrática à ciência.
Resultados da ciência?
A ciência é bem sucedida?
A qualidade dos resultados não é considerada, não há
propostas para a solução das guerras ou da fome do mundo,
não tornou as pessoas mais gentis ou amorosas e menos
egoístas.
11. Segunda Conferência
Existe apenas uma única visão “cientifica” de mundo?
A partir da mecânica quântica as principais características do mundo
entendido em termos materialistas simplesmente não fazem parte da
realidade observada, “o materialismo não descreve o mundo como é
‘em si e por si’, mas sim um aspecto de uma entidade desconhecida”
mas aparecem quando os observadores agem de maneira
apropriada. Mas existe também a resposta do senso comum, que é
importante, e devemos criticar a ciência mesmo sem sermos
cientistas, e particularmente podemos criticar as demandas da
ciência – demandas por financiamento, mais poder, maior influência
na política e principalmente na educação. “A critica democrática à
ciência pertence à natureza do conhecimento” (p. 66).
12. Segunda Conferência
Questionando se “temos mesmo de engolir ‘a visão de mundo
científica’” (p. 67), Feyerabend mostra que a ideia científica vai
além da mera descrição mas também contém suposições sobre
ela, e que uma às vezes a ‘suposição natural’ é a suposição
errada. Temos então que fazer uma distinção entre os
resultados produzidos e a ideologia que encoraja os resultados
ou os sustenta. “Essa ideologia pode continuar produzindo os
resultados esperados, mas também pode encontrar obstáculos.
É possível, portanto, a qualquer momento, aceitar os resultados
e rejeitar a ideologia” (p. 67)
13. Segunda Conferência
Costuma-se presumir que a ciência parte dos fatos e evita
teorias contrafatuais. Nada mais distante da verdade. (pp.
68-69)
Feyerabend coloca que as grandes descobertas são infrações intencionadas aos
métodos e à visão de mundo ortodoxa.
E dá como exemplo Galileu e a Igreja, que estaria certa em colocar-se contra o
heliocentrismo porque dava boas previsões e baseava-se na Bíblia. E Galileu foi
um grande político e propagandista defendendo o heliocentrismo, e não cientista.
“Argumentos científicos objetivos têm pouca objetividade” (p. 83).
“Desse modo, dizer que ‘somos obrigados a tomar a ciência como
guia em questões relacionadas à realidade’ não é só errado – é
um conselho que não faz sentido. (p. 85)
14. Terceira Conferência
Para os positivistas lógicos, por exemplo, a ciência era um
sistema de enunciados de determinado tipo e de teorias que
tentava dar alguma ordem a esse enunciados. (…) Não veem
laboratórios, não veem as disputas entre cientistas e políticos
pra resolver questões financeiras, não veem os telescópios
gigantescos, os observatórios, os edifícios administrativos, as
reuniões de equipe, os efeitos que um idiota no poder causa
em seus subalternos – veem apenas enunciados. (p. 87)
15. Terceira Conferência
Os teóricos são valorizados porque são eles “que decidem
sobre a realidade e outras questões incompreensíveis” (p. 88).
Mas “um bom experimentador também precisa ser um bom
retórico: seus experimentos precisam ter uma retórica
poderosa” (p. 89)
Essa divisão entre teoria e prática viria do racionalismo
grego, bem demonstrado pelo mundo das Ideias de Platão, e a
opinião como conhecimento menor.
16. Terceira Conferência
Ao final da conferência, Feyerabend fala de Pitágoras e dos
pitagóricos, ao associar ciência, mente e misticismo. E como Wolfgang Pauli
quis associar o conhecimento às questões da alma (como Kepler também)
que, se na física clássica isso era rejeitado explicitamente pela objetividade,
na mecânica quântica a possibilidade não era excluída.
“A ideia de que a matemática é uma ciência puramente quantitativa
não é mais verdadeira. (…) Portanto, a ideia de que tudo pode ser expresso
em termos matemáticos tornou-se quase uma tautologia” (p. 105)
17. Quarta Conferência
A quarta conferência trata de ciência e política.
Segundo Feyerabend, os filósofos, principalmente com
Platão, sempre mostraram “não só por que não existe conexão,
mas também por que não deveria existir uma conexão” (p. 107)
entre o juízo frio e objetivo da ciência e os sentimentos ligados
a questões da vida das pessoas, como guerras, guetos: a
ciência lidaria com os fatos das coisas que são, a política
trataria do que deveria ser, processos objetivos e eventos
subjetivos.
Contra isso, Feyerabend diz que não podemos ter as
pessoas colocando sua verdade como a única e que ela deve
ser imposta aos demais.
18. Desencantamento do Mundo
A intelectualização e a racionalização
crescentes não equivalem, portanto, a um
conhecimento geral crescente acerca das
condições em que vivemos. Significa, antes,
que sabemos ou acreditamos que, a qualquer
instante, poderíamos, bastando que o
19. Mito e Significado
O fosso, a separação real, entre a ciência e
aquilo que poderíamos denominar pensamento
mitológico, para encontrar um nome, embora
não seja exactamente isso, ocorreu nos séculos
XVII e XVIII. Por essa altura (…) tornou-se
necessário à ciência levantar-se e afirmar-se
contra as velhas gerações de pensamento
místico e mítico, e pensou-se então que a
ciência só podia existir se voltasse costas ao
mundo dos sentidos (…) o mundo sensorial é
20. Mito
Essa é a
originalidade do
pensamento
mitológico –
desempenhar o
papel do
pensamento
conceptual.
Utiliza imagens
tiradas da
experiência.
Busca não apenas
uma
compreensão
geral, mas total.
Não precisa ser
explicado,
21. Mito e Ciência
A ciência é analítica. O pensamento científico
consiste em avançar etapa por etapa, tentando
dar explicações para um determinado número
de fenômenos e progredir, em seguida, para
outros tipos de fenômenos, e assim por diante.
O mito é uma imagem holística, e busca uma
compreensão total do universo.
22. Mito e Ciência 2
(…) nossas visões imaginativas são cruciais para
nossa compreensão do mundo (…) muitos dos
contos de fadas favoritos de nossa era – os mitos
que hoje moldam nossos pensamentos e ações –
são fantasias que devem sua força ao fato de
terem surgido mascaradas como científicas.
(MIDGLEY, p. 13)
Temos o hábito de considerar os mitos em
oposição à ciência. Na verdade, porém, eles são
parte central dela – a parte que decide a
23. Iluminismo
Você pode perguntar se o Iluminismo não nos
livrou desse problema ao eliminar de nosso
pensamento, por completo, os mitos e os contos
de fadas. (…) Na realidade, isso é, por si
mesmo, um mito (…) O que o Iluminismo fez foi
desenvolver seu próprio conjunto de mitos e
imagens surpreendentes, cujo fascínio, em
geral, concentra-se na sedução do
Reducionismo – o prazer de afirmar que as
coisas são mais simples do que parecem.
24. Ainda mitos
Muitos mitos são, de fato, úteis – afinal de
contas, o Contrato Social é um mito; mas alguns
mitos são mais proveitosos e confiáveis do que
outros. (…) precisamos levar o simbolismo do
mito a sério; precisamos compreender e criticar
o pensamento por trás das imagens que nos
encantam, em vez de apenas nos deixar levar
por elas.
(MIDGLEY, p. 18)
25. Feyerabend
1. A ciência é uma
tradição/ideologia
histórica.
2. A ciência não é uma
forma de pensamento
essencialmente
libertadora.
6. Em uma sociedade
livre os experts não
definem questões de
interesse público.
7. A implementação de
políticas públicas
baseadas em ideias
26. Considerações Finais
A importância da crítica de Feyerabend contra a hegemonia da unidade
da ciência, o racionalismo reducionista, a primazia do conhecimento
científico sobre as outras formas de conhecimento ou visões de
mundo, não tem como ser subestimada.
O anarquismo metodológico (ou dadaísmo, como ele disse preferir)
rompeu com a epistemologia clássica. Vemos ecos de Feyerabend em
Foucault, Latour, etc. Ele defende uma atitude pluralista e uma base
ética para a epistemologia.
Sua crítica a ciência tem como objetivo o humanismo, a liberdade
individual, e o progresso da ciência, para que esta não se torne uma
“religião” e escravize em vez de libertar, já que a ciência por si mesma
não é libertadora (o que não passa de mais um mito).
27. Considerações Finais
Além disso, Feyerabend defende a
democratização da ciência e da tecnologia. Os
cidadãos, e não somente os cientistas, devem
trocar opiniões sobre as ciências, seu
financiamento, suas prioridades.
Essa dimensão social não é refletida hoje no
mundo ao nosso redor, os especialistas e os
interesses dos grandes laboratórios, do
28. Considerações Finais
“A filosofia da ciência é tão útil para os cientistas
como ornitologia é para os pássaros”
Steven Weinberg,
ganhador do prêmio Nobel de 1979,
ou
Richard Feynman,
ganhador do prêmio Nobel de 1965. (Encontrei essa fonte na internet)
29. Considerações Finais
“As perguntas são muitas, e não tenho a
menor intenção de respondê-las. O que
pretendo aqui é fornecer material para
refletir e para perturbar as ideias. E o que
não falta é material para isso.” (p. 56)
Feyerabend
30. Considerações Finais
Mas as críticas de Feyerabend à ciência podem
ser usadas contra a ciência, e contra o
conhecimento científico. Radicalizando
Feyerabend, qualquer ideia pode ser
verdadeira, a terra plana ou o universo como
resultado do espirro de deus (e o fim do mundo
como o grande lenço branco! - Douglas Adams).
A ciência, com seus limites, pode limitar o
progresso e a liberdade, mas mantém um
31. Considerações Finais
Feyerabend discute a unidade do método
científico e a ideia de que a única visão possível
para a realidade é a da ciência.
Em nenhum momento ele discute a realidade ou
a autoridade e justificação da ciência.
Os críticos discutem esses pontos, que ele não
fala, para atacar suas ideias. Por isso,
“Feyerabend, o pior inimigo da ciência”, o que
ele não parece ser.
32. Anti anti-relativismo
O medo que quero destruir é o do relativismo
cultural. Não a coisa em si, (…) mas o pavor
dela (…). Infundado porque as consequências
morais e intelectuais que comumente se supõe
decorrerem do relativismo (...) na verdade não
decorrem dele, e porque as recompensas
prometidas a quem escapa de suas garras,
relacionadas sobretudo com um conhecimento
pasteurizado, são ilusórias. (…) Para ser mais
33. “As perguntas são muitas, e não tenho a
menor intenção de respondê-las. O que
pretendo aqui é fornecer material para
refletir e para perturbar as ideias. E o que
não falta é material para isso.” (p. 56)
Feyerabend
34. Bibliografia
ABRAHÃO, L. H. L. O Pluralismo Global de
Paul Feyerabend. Tese de doutoramento em
Filosofia. Belo Horizonte: Universidade Federal
de Minas Gerais, 2015. Disponível em
https://www.academia.edu/14882582/O_Pluralis
mo_Global_de_Paul_Feyerabend_Tese_de_dou
torado_UFMG_2015_On_Paul_Feyerabends_Gl
obal_Pluralism_PhD_dissertation_. Acesso em
28/08/2020.