O documento discute o aumento de alunos com deficiência matriculados em cursos de graduação no Brasil nos últimos 10 anos. Também aborda os desafios de inclusão de crianças com síndrome de Down na educação básica devido à falta de capacitação de professores e materiais adaptados. Finalmente, relata experiências de sucesso de alunos com Down na universidade.

1. Product: OGlobo PubDate: 12-03-2012 Zone: Nacional Edition: 1 Page: PAGINA_D User: Schinaid Time: 03-11-2012 21:00 Color: C
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4 • O PAÍS O GLOBO Segunda-feira, 12 de março de 2012
EDUCAÇÃO
Mais portadores de deficiência na graduação
Em dez anos, número de alunos especiais em universidades cresceu sete vezes, mas falta capacitação de docentes
Arquivo pessoal
Marcelle Ribeiro
marcelle@sp.oglobo.com.br
l SÃO PAULO. Primeiro jovem Site terá dados
com síndrome de Down apro-
vado no vestibular da Univer-
sidade Federal de Goiás, Kallil
para alunos
Assis Tavares começou a as-
sistir às aulas do curso de Geo- com Down
grafia há uma semana, e o su-
cesso dele mostrou que a ca- Maiá Menezes
pacidade de aprendizado de maia.menezes@oglobo.com.br
pessoas com necessidades es-
peciais às vezes surpreende l Ao planejar o futuro de
até os pais. A prova está no au- uma criança com caracte-
mento do número de pessoas rísticas intelectuais diferen-
com algum tipo de deficiência tes da média dos estudan-
matriculadas em cursos de tes, os pais enfrentam o de-
graduação, que saltou de 2.173 safio de ir além da inclusão:
em 2000 para 16.328 em 2010, monitorar e tentar estimu-
segundo o Instituto Nacional lar a adequação da criança
de Estudos e Pesquisas Educa- com Down à escola. Quem
cionais Anísio Teixeira (INEP), tem recursos opta por con-
órgão do Ministério da Educa- tratar um professor, que
ção (MEC). produz material adaptado à
Os dados incluem pessoas capacidade de percepção
com todo tipo de deficiência, do aluno. Na avaliação de
como visual, auditiva e inte- quem acompanha a ques-
lectual. A maioria (cerca de 10 tão, é preciso agora discutir
mil) estuda na rede privada. maneiras de adequar o cur-
Na educação básica (ensi- rículo e a forma de aprendi-
nos infantil, fundamental e zado às necessidades dos
médio), havia 808 mil pessoas estudantes com Down.
com necessidades especiais — Esse é o grande garga-
matriculadas em escolas es- lo. É preciso um tempo mai-
peciais e regulares em 2010, or para preparar o material
de acordo com o Inep. A maio- que será apresentado à cri-
ria estudava em classes co- ança. A forma de percepção
muns do ensino regular (526 de quem tem Down é dife-
mil). Em classes especiais KALLIL ASSIS, que tem síndrome de Down, na Universidade Federal de Goiás: o jovem de 21 anos começou a estudar Geografia este ano rente. Não existe abstração.
dentro de escolas regulares, Michel Filho Por isso, há muita dificulda-
estudavam 54 mil alunos e em de com a Matemática. Para
escolas exclusivas especiali- trabalhar a História do Bra-
zadas, 227 mil pessoas. ‘Acreditamos na capacidade dele’ sil, por exemplo, é preciso
apresentar os fatos por fil-
No Rio, capacitação de l SÃO PAULO. Fácil. Assim o es- mesmo, então decidem não mes e imagens. O material
professores ainda é baixa tudante Kallil Assis Tavares, investir. Acreditamos na complementar tem que ser
O MEC tem estimulado que de 21 anos, que tem síndrome capacidade dele. apropriado. O currículo de-
crianças e adolescentes com de Down, refere-se ao vestibu- Morador de Santos, Samu- veria ser menor. Ainda há
deficiência frequentem o ensi- lar do curso de Geografia da el Carvalho Sestaro, de 21 escolas que reprovam mui-
no fundamental e médio em Universidade Federal de Goi- anos, também tem síndro- to os alunos com Down. E is-
uma escola regular e tenham ás, onde começou a estudar me de Down e se formou em so acaba levando à evasão
aulas de apoio em escolas es- há uma semana, em Jataí. A 2010 no curso de graduação — avalia Maria Antonia
pecializadas ou em salas multi- escolha pela graduação que em Design de Moda da uni- Goulart, mulher do senador
funcionais. Porém, no Rio, se- queria também não foi difícil. versidade Unimonte. Lindbergh Farias (PT-RJ) e
gundo o sindicato de professo- — Gosto de mapas — ex- — Eu fiz desenhos para ca- mãe de Beatriz.
res e pais de alunos, ainda há plica o jovem. misetas, moldes, colagens e Pega de surpresa ao sa-
professores sem o treinamen- A mãe de Kallil, Eunice Ta- eventos. Achei a faculdade ber, no parto, que Beatriz ti-
to adequado para dar aula pa- vares Silveira Lima, conta que muito boa, fiz muitas amiza- nha Down, Maria Antonia se
ra pessoas com deficiência em não esperava que o filho en- des — diz Samuel que fez a fa- tornou, um ano e meio de-
turmas regulares (onde tam- trasse na faculdade. culdade tendo como colega a pois, uma estudiosa do te-
bém estudam pessoas que não — Não planejamos isso. mãe, Vilma de Carvalho Sesta- ma. No dia 21, Dia Internaci-
têm deficiência). Quando ele passou na primei- ro, que fez o mesmo curso, onal da Síndrome de Down,
— Muitos profissionais não ra etapa do vestibular, eu dis- para acompanhar o filho. lança o portal Síndrome de
têm nenhum tipo de formação se: “ok, vamos para a segun- Segundo Vilma, ao longo da Down (www.movimento-
para atender alunos com defi- da” — afirma. vida escolar de Samuel, a fa- down.org.br), tentando
ciência, nem de Libras (língua Com problemas de visão, mília se deparou com profes- combater um aliado silenci-
brasileira de sinais), nem de Kallil fez a prova em versão sores despreparados e “sem oso do preconceito: a desin-
nada. Então o que acontece é a com letras maiores e não pre- disposição” : formação. É dela, na avalia-
exclusão e não a inclusão — cisou do tempo extra para — Não aceito quando um ção de Maria Antonia, parte
afirma a professora e coorde- concluir o exame. A correção professor diz que não é capaz da responsabilidade pela
nadora na capital do Sindicato também não foi diferenciada. de dar aula para uma pessoa estatística que aponta que
Estadual de Profissionais de A mãe de Kallil aconselha: com síndrome de Down. Um quase metade das crianças
Educação do Rio de Janeiro, os pais não podem desistir professor tem que estudar e e adolescentes (48%) com
Susana Gutierrez. nunca da educação: ver como ele pode se flexibili- algum tipo de deficiência e
A subsecretária de Ensino — Muitos pais dizem que zar. Um médico não escolhe o que recebem o BPC (Benefí-
da Secretaria municipal de o filho não vai aprender paciente — diz ela. cio de Prestação Continua-
Educação do Rio, Helena Bo- GIOVANNA COM a mãe Dalva: ela estuda em escola não especializada da) estão fora da escola. São
meny, admite que é possível Arquivo pessoal cerca de 200 mil jovens.
haver professores não trei- — Se a gente não institu-
nados nas escolas regulares cionaliza as discussões, fi-
e disse que a capacitação es- ca restrito a quem pode
tá sendo feita. pagar um profissional de
— O professor não prepara- ponta que vai desenvol-
do deve solicitar um estagiá- ver processo específico.
rio para ajudá-lo e pedir para O conceito sobre a síndro-
participar de curso de capaci- me, todo mundo tem. Sa-
tação, que é feito ao longo do ber que tem que incluir,
ano. E, durante o ano letivo, o todo mundo sabe. A ques-
Instituto Helena Antipoff (ór- tão é o acesso com quali-
gão da prefeitura que tem dade — diz Maria Antonia.
profissionais especializados O portal participará, ain-
para dar suporte a pessoas da, de um mapeamento pi-
com deficiência) acompanha oneiro que vem sendo feito
as escolas onde há alunos pela entidade Redes de De-
com deficiência — afirma a senvolvimento da Maré: o
subsecretária. levantamento de dados so-
Segundo Helena, a prefeitura SAMUEL CARVALHO bre os portadores de Down
vem respeitando a escolha dos na Favela da Maré, no Rio.
Sestaro (de casaco O coordenador de conteú-
pais dos alunos: os estudantes
podem frequentar as aulas nu- preto, sentado) em do do site, que será lança-
ma classe só para pessoas com do em sessão solene no
sala de aula na Congresso, terá um olhar
deficiência dentro de uma es-
cola regular ou numa classe Unimonte, em especial: Breno Viola, de 31
para pessoas com e sem defici- anos, tem Down.
Santos (SP)
ência. Vai depender da deci-
são dos pais.
Há pais que preferem que os ela estudou numa escola parti- Na escola regular, ele viven- aula verdadeiramente inclusi- rio? É como um músculo, o cola pública onde a filha es-
filhos estudem em classes só cular regular. cia todo o padrão regular da vas têm que dar conta das espe- exercício da escola inclusiva é tuda deveria estar melhor
com pessoas com deficiência. — Dentro da classe especial, idade dele, os costumes, vê o cificidades das crianças com to- diário — analisa. preparada.
A professora aposentada ela se viu entre iguais, se viu outro sempre como um desa- do o apoio necessário. E chegar Além de profissionais mais — Até agora, a minha filha
Selma Nascimento diz que sua crescendo, tem amigos, sabe fio — afirma Vilma de Carva- a uma escola inclusiva, na opi- qualificados, pais de crian- não recebeu apostilas adapta-
filha, Tamires Nascimento, ho- ler, escrever e fazer contas — lho Sestaro, mãe de Samuel nião dela, é algo que se se con- ças com deficiência também das em braile. E eles não dão
je com 20 anos e com autismo, destaca Selma. Carvalho Sestaro, que tem segue aos poucos. pedem escolas com espaço mobilidade para ela dentro do
só se desenvolveu quando foi Outros pais preferem que os síndrome de Down. — Como eu mantenho as físico e material didático colégio, ela anda com a ajuda
para uma classe onde só há filhos estudem em classes com De acordo com a fundadora pessoas com deficiência fora mais adequado. Mãe da defi- das amigas. Na escola há ram-
pessoas com deficiência. Se- pessoas sem deficiência. da organização não governa- da escola e acho que a escola ciente visual Giovanna Zutti- pas, mas não existem placas, e
gundo ela, o aprendizado da — O ambiente te dá mais de mental Escola de Gente, Clau- vai se preparar para uma cri- on, de 13 anos, a paulista Dal- o piso está todo solto — afirma
jovem não progrediu quando 50% do aprendizado na vida. dia Werneck, escolas e salas de ança com um autismo imaginá- va Zuttion reclama que a es- Dalva. n