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OBSERVAÇÃO.: MINHA DICA É QUE VOCÊS LEIAM O
CONTEÚDO INTEIRO, JÁ QUE, POR CONTA DE SER UM GRUPO
GRANDE, PODE HAVER AUSÊNCIAS E TEREMOS DE NOS
DESDOBRAR
5.O DESEQUILÍBRIO DOS PODERES E A INEFETIVIDADE
CONSTITUCIONAL
VINICIUS CANOVA
Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou
diretamente, segundo o parágrafo único do art. 1º da Constituição Federal. O problema
que parece insolúvel, porém, é o referente ao controle do poder, para que os governantes
realmente o exerçam de acordo com o interesse público.
O normal, no Brasil, é que os Executivos, federais, estaduais ou municipais,
freqüentemente aliados aos órgãos legislativos, sejam sempre tentados a aprovar normas
inconstitucionais, sob os mais diversos pretextos, que vão da urgência até à ameaça de
ingovernabilidade, atingindo assim com essa legislação os direitos do povo, assegurados
pela Constituição.
5.1. As medidas permanentes
EDER RENATO
Apenas para exemplificar, podemos citar, no plano federal, o abuso das medidas
provisórias, que recentemente o Congresso tentou limitar, através da Emenda
Constitucional nº 32/01, ou a recente proposta de emenda constitucional que tentou
instituir a cobrança da contribuição previdenciária dos aposentados e pensionistas,
atingindo direitos adquiridos e as cláusulas pétreas da Constituição Federal.
Os nossos Presidentes, desde o início da última década, têm legislado
indiscriminadamente, sem atentarem aos limites constitucionais da relevância e da
urgência. Em certas matérias, chegamos ao absurdo de ter medidas provisórias que vêm
sendo reeditadas há sete anos. Como justificar, nesses casos extremos, o requisito da
urgência? Para que serve o Congresso Nacional, afinal de contas, se o Presidente da
República pode legislar sozinho, com muito maior eficiência? No total, o Presidente
Fernando Henrique Cardoso, até o fim do ano passado, já havia baixado 239 medidas
provisórias, e tinha feito 3.196 reedições, muitas delas com textos modificados, em
relação aos anteriores.
5.2. Um pouco de História
ISAÍAS VITORINO
Nossa história político-constitucional tem sido pródiga em exemplos da intromissão
indevida do Chefe do Executivo, e do seu fortalecimento exagerado, em franco
desrespeito aos demais Poderes. Tudo parece ter começado quando D. Pedro I dissolveu
a Assembléia Constituinte, e outorgou uma Constituição, garantindo sempre a
supremacia de seu poder pessoal, dentro das melhores tradições do absolutismo ibérico.
A personalização do poder na figura do caudilho é da nossa tradição. Até mesmo a
República, entre nós, foi feita por um decreto, o Decreto nº 1, de 15.11.1889, assinado
por um militar, o Marechal Manuel Deodoro da Fonseca, e aliás redigido por Rui
Barbosa.
O problema do Presidente legislador é bem antigo no Brasil. Foi o próprio Rui Barbosa
quem pronunciou as seguintes palavras; "...os nossos Presidentes carimbam as suas
loucuras com o nome de leis, e o Congresso Nacional, em vez de lhes mandar lavrar os
passaportes para um hospício de orates, se associa ao despropósito do tresvairado,
concordando no delírio, que devia reprimir." [11]
Após a Revolução de 1930, sob a vigência do Estado Novo, a Constituição de 1937,
outorgada por Getúlio Vargas, vigorava de acordo com a vontade pessoal do Ditador,
que legislou mediante decretos-leis, sem qualquer limitação, porque o Parlamento foi
fechado, a censura impedia qualquer manifestação contrária ao regime, e o Judiciário
também não dispunha de garantias para fazer valer suas decisões.
Em seguida ao breve hiato da chamada reconstitucionalização, da Constituição de
1.946, quando não existia a figura do decreto-lei, foi instaurada no Brasil uma nova
ordem jurídica, fundada nos Atos Institucionais, a partir do Golpe, ou da Revolução, de
1964. Sob o Regime Militar, o Presidente legislava através de decretos-leis, e na prática
não havia qualquer limite a essa legiferação, quer pelo Legislativo, quer pelo Judiciário.
Aliás, o Ato Institucional nº 5/68 excluía, expressamente, da apreciação do Poder
Judiciário, os atos praticados pelo Governo Militar, e os seus efeitos (art. 11). Em outras
palavras, os decretos leis prevaleceriam, mesmo que conflitassem com a Constituição
Federal.
5.3. As Medidas Provisórias e sua Reedição
MAYLON
Após o fim melancólico do Regime Militar, e mais uma reconstitucionalização, a
Constituinte de 87/88, como seria lógico, pretendeu devolver ao Congresso o poder
legiferante, mas permitiu, excepcionalmente, a edição de medidas provisórias pelo
Presidente da República, somente em caso de relevância e urgência (art. 62). Ressalte-se
que a competência do Presidente para a sua edição deveria ter sido interpretada
restritivamente, porque o contrário constituiria uma afronta ao princípio básico da
separação dos poderes.
O parágrafo único do art. 62 da Constituição de 1988, em sua redação originária, era
muito claro, quando afirmava que as medidas provisórias perderiam a eficácia desde a
edição, se não fossem convertidas em lei no prazo de trinta dias. A medida provisória é,
ao mesmo tempo, um projeto de lei e uma lei destinada a vigorar provisoriamente,
dependendo da vontade do Congresso. Assim, se não fosse convertida em lei, ela
perderia a sua eficácia, ou seja, teria sido rejeitada pelo Congresso, e a sua reedição
seria inteiramente inconstitucional, de acordo com a melhor doutrina, porque
significaria a apresentação, na mesma sessão legislativa, de um novo projeto de lei, com
o mesmo conteúdo de um projeto já rejeitado (CF., art. 67), embora sua rejeição tivesse
sido tácita, pelo simples decurso do prazo.
5.4. A Usurpação do Poder
GUILHERME
Não é verdade, absolutamente, que a medida provisória seja norma típica, ou exclusiva,
do parlamentarismo, e que torne necessariamente imperial o presidencialismo. Isso
acontecerá, apenas, se o Presidente da República abusar de sua competência, usurpando
o poder. Na verdade, a usurpação poderá ocorrer de várias maneiras. Nos golpes de
estado, com o apoio dos canhões. Nas assim chamadas democracias meramente formais,
através de outros mecanismos mais sutis, como a violação de painéis eletrônicos, a
distribuição das verbas referentes às emendas parlamentares, ou ainda na própria
elaboração da lei orçamentária, e mesmo pela edição ou reedição de um enorme número
de medidas provisórias, inviabilizando conseqüentemente o seu exame pelo Congresso e
o controle de sua constitucionalidade pelo Supremo Tribunal Federal.
Também não se pode dizer que o Presidente não tenha usurpado o poder, sob a alegação
de que a culpa seja do Congresso, pela sua inércia e pela sua conivência. Isso é um
sofisma. Seria o mesmo que afirmar a inocência do ladrão, ao argumento de que a porta
deveria ter mais um cadeado.
Na opinião do constitucionalista Sacha Calmon Navarro Coelho, "Não é crível que a
medida provisória possa ser mais ampla que o Decreto-lei. A interpretação histórica e
teleológica da Constituição primam em mostrar a excepcionalidade da medida e não a
sua vulgarização. Renegamos o argumento de que ela se instalou ao pressuposto de
que o regime seria parlamentarista e, portanto, o Governo seria engendrado no
Congresso Nacional pelos partidos majoritários, gozando da confiança parlamentar.
Ora, no Presidencialismo as maiorias parlamentares governantes depositam
igualmente confiança na Presidência da República. A medida provisória está na
Constituição como instrumento legiferante necessário em casos de urgência e
relevância, independentemente do parlamentarismo. A questão é que não se quer
enfrentar estes antepostos, os quais estão escritos na Superlei exatamente para serem
sopesados pelos dois outros Poderes da República: o Legislativo e o Judiciário."
5.5. A Responsabilidade do Presidente
CHARLES
Mas o Presidente da República é obrigado a respeitar a Constituição, o que define a sua
responsabilidade pelos abusos na edição e na reedição de medidas provisórias.
Ocorrendo os pressupostos de relevância e urgência, o Presidente seria obrigado a editar
as medidas provisórias, mas na ausência de um desses pressupostos, ele estaria
impedido de se valer dessa atribuição legiferante excepcional. Para a constitucionalista
Carmen Lúcia Antunes Rocha, o Presidente da República deveria ser responsabilizado
(através do "impeachment", evidentemente): "Responsabilidade do Presidente da
República - A relevância urgente define um dever de ação no desempenho da
competência definida constitucionalmente, tanto quanto a inocorrência objetiva de
qualquer daqueles dois pressupostos define um dever de abster-se de valer-se de tal
competência excepcional o titular da atribuição, pena de responsabilidade por atentar
contra a Constituição."
Mas é muito claro que, depois de todos os abusos praticados pelos Governos Militares,
o Constituinte de 1988 não pretendeu permitir a reedição das Medidas Provisórias,
mesmo porque estabeleceu os já referidos requisitos de urgência e relevância da
matéria, e também porque fixou um prazo improrrogável de trinta dias, para a conversão
da medida em lei. Além disso, o legislador constituinte determinou a convocação
extraordinária do Congresso Nacional, quando em recesso, para se reunir no prazo de
cinco dias, e apreciar a matéria, o que denota mais uma vez sua relevância e urgência.
5.6. O Controle das Medidas Provisórias
MAX NOBRE
Tendo em vista que a medida provisória é, ao mesmo tempo, um ato com força de lei
(por trinta dias) e um projeto de lei, a ser apreciado pelo Congresso, dentro desse
mesmo prazo, o Supremo Tribunal Federal concedeu diversas liminares, suspendendo a
aplicação de medidas provisórias, mas ressalvando a sua validade como projeto que
poderá ser convertido em lei pelo Congresso Nacional. Com a freqüente reedição das
medidas provisórias, porém, e devido à virtual impossibilidade de uma decisão
judiciária definitiva no prazo de trinta dias, avolumaram-se os problemas referentes ao
controle da constitucionalidade desses atos normativos.
De qualquer maneira, o Supremo Tribunal Federal se negava a examinar os requisitos
da relevância e urgência para a edição das medidas provisórias, sob o argumento de que
isso caberia ao Presidente da República, e admitia também a constitucionalidade de sua
reedição, em evidente prejuízo ao equilíbrio entre os Poderes Constituídos.
O Congresso Nacional aprovou, recentemente, depois de quatro anos de tramitação, a
Emenda Constitucional nº 32, de 11.09.2001, destinada a limitar a edição de medidas
provisórias, mas tudo indica que o problema não será resolvido, porque as medidas
provisórias anteriores continuarão indefinidamente em vigor e porque, apesar de ter sido
limitada a possibilidade de sua reedição, o Presidente da República pode agora editar
medidas provisórias a respeito de matérias que tenham sido objeto de emendas
constitucionais, o que era vedado pelo art. 246 da Constituição Federal.
A respeito da fraqueza do Legislativo, dizia Pimenta Bueno, o mais autorizado
intérprete da Constituição do Império: "Desde que o poder legislativo sabe respeitar e
cumprir sua augusta missão, e por isso mesmo sabe fazer-se respeitar, ninguém se
anima, nem pode animar-se a contrariar seu impulso animador e benéfico; quando
porém ele é o primeiro a curvar-se ante os ministros, pode contar certo com a sua
degradação, e a sociedade com o abatimento de suas liberdades"
Na verdade, o Congresso e o Supremo estão em posição de inferioridade, nessa disputa
pelo poder, em face de suas próprias características, como órgãos colegiados, e
tradicionalmente mais lentos, em suas decisões, devido à pulverização do poder e aos
demorados trâmites processuais que dificultam o seu funcionamento. Ao Chefe do
Executivo, basta uma caneta.
5.7. O abuso do poder
GABRIEL
No plano municipal, em Belém, por exemplo, temos a cobrança do IPTU em alíquotas
progressivas, que variam de acordo com o valor venal do imóvel, e que vinha sendo
feita há vários anos, apesar da jurisprudência pacífica do Supremo, que entendia ser essa
cobrança inconstitucional, antes da edição da Emenda Constitucional nº29/00. Isso, para
não falarmos a respeito da taxa de iluminação pública, da nomeação de servidores sem
concurso público e da prorrogação de seus contratos por mais de dez anos.
Várias tentativas têm sido feitas para enfraquecer o Poder Judiciário, de modo a que
possam prevalecer os anseios autoritários, entre elas a da instituição da súmula
vinculante, o que significa que, se uma determinada matéria for decidida pelo Supremo,
fica impedida qualquer manifestação futura, de qualquer juiz ou Tribunal.
Para os Executivos, é bem mais fácil controlar os Tribunais Superiores, especialmente
devido à sua participação no processo de investidura de seus membros. Na verdade, a
nossa jurisdição constitucional, transplantada de outros sistemas constitucionais, sofre
de um grave processo de rejeição, que poderá causar até mesmo a morte do paciente.
Também muitas denúncias de corrupção têm claramente o objetivo de enfraquecer o
Poder Judiciário, porque se existem corruptos no Judiciário, assim como nos outros
Poderes, isso não significa que o Judiciário deva ser fechado, ou deva ter suas
atribuições limitadas. Da mesma forma, em relação às denúncias da indústria de
liminares, porque a concessão de liminares por juízes e tribunais é certamente um
instrumento da maior importância para a limitação da prepotência dos Executivos. Além
disso, se inúmeras liminares têm sido concedidas, isso é decorrência do excesso de
abusos e do autoritarismo dos Executivos. Observa-se, na verdade, o claro interesse de
inviabilizar o controle difuso de constitucionalidade, para que todas as decisões sejam
centralizadas no Supremo Tribunal Federal, que pode ser com muito maior facilidade
cooptado pelas elites dominantes.
A própria Ação Declaratória de Constitucionalidade, criada pela Emenda Constitucional
no. 3, de 17.03.93, tem servido também para enfraquecer o Poder Judiciário, e para
impedir a prevalência dos princípios constitucionais básicos da ampla defesa e do
contraditório, do devido processo legal, do juiz natural, da separação dos poderes e da
inafastabilidade da tutela jurisdicional. Essa nova modalidade de controle é considerada
pela melhor Doutrina como uma tentativa no sentido de que o Executivo possa
transformar o Supremo Tribunal Federal em mero chancelador das normas
inconstitucionais editadas pelo Congresso Nacional, ou pelo Presidente da República,
através das suas medidas provisórias que já se tornaram, definitivamente, permanentes,
após a edição da Emenda Constitucional nº32/01.
Assim, para evitar a enxurrada de ações e liminares nos juízos e tribunais federais do
País, sempre que houver a "necessidade" de aprovar uma norma inconstitucional, o
Governo poderá contar com o Supremo Tribunal Federal, como legislador de segunda
instância, encarregado de carimbar no texto daquela lei, daquela emenda, ou daquela
medida provisória, um "de acordo", para protegê-la do controle incidental de
constitucionalidade, pela chamada via indireta ou difusa, que deveria ser a garantia de
todos os jurisdicionados contra a prepotência dos governantes. Recorde-se que o
Supremo já firmou jurisprudência no sentido de que até mesmo a decisão cautelar em
Ação Declaratória de Constitucionalidade tem o condão de produzir efeitos vinculantes,
apesar da clareza do texto constitucional. [12]
A separação dos poderes, que resultou de diversas contribuições doutrinárias e foi
definitivamente sistematizada e consagrada por Montesquieu, pretendia exatamente
criar um sistema capaz de evitar os abusos por parte dos governantes, através de
limitações recíprocas entre os poderes. Assim, para que as autoridades do Legislativo,
do Executivo e do Judiciário não pudessem abusar do poder, existe em nosso
ordenamento constitucional uma série de mecanismos, como os que integram o nosso
complexo sistema de controle de constitucionalidade, que deveriam funcionar, no
entanto, de modo efetivo, para garantir a supremacia da Constituição e para fazer com
que o poder fosse exercido, na realidade, em benefício do povo.
Mas apesar de todos esses controles, que a cada dia se tornam mais complexos, dando
mesmo a entender que não existe a intenção de que eles possam funcionar, a
Constituição tem se tornado letra morta, pela ação, ou pela omissão do Estado. A inércia
do Poder Público e o silêncio do legislador também ofendem a Constituição, como tem
ocorrido nos quase quatorze anos de sua vigência, porque o Congresso Nacional não
tem cumprido sua função legiferante, de regulamentar esses dispositivos
constitucionais, e o Judiciário não tem sido capaz de corrigir essa situação, pela via do
mandado de injunção ou da ação de inconstitucionalidade por omissão. Não tem sido
capaz, ou não existe "vontade política" para isso. Mas a questão das normas
programáticas não é nova, nem seria absolutamente indispensável a existência desse
variado e complexo instrumental de controle, que inutilmente guarnece a nossa Lei
Fundamental, conforme se vê pela leitura de trecho da tese do Dr. ORLANDO BITAR,
de 1951. [13]
O que se observa, portanto, são os abusos, porque os controles não funcionam. Não
existe "vontade política" para que isso ocorra. O Presidente precisa do Congresso, que
aprovou o salário mínimo de R$151,00 e os pisos regionais, e precisa do STF, que
decidiu que o subsídio único determinado há mais de três anos pela Emenda
Constitucional nº 19/98 não é auto-aplicável, permitindo conseqüentemente que todos
continuem recebendo gratificações, adicionais, abonos, prêmios, verbas de
representação, auxílios-moradia e outras espécies remuneratórias. Os congressistas
precisam às vezes aprovar as "emendas de bancada", porque precisam se reeleger, e são
obrigados, conseqüentemente, a aprovar os projetos de interesse do Executivo, mesmo
quando estes são claramente inconstitucionais ou contrários ao interesse público. Os
juízes, que também são humanos, também têm os seus interesses, assim como as
instituições financeiras, apenas para mais uma vez exemplificar, que estão liberadas,
pela interpretação do Supremo, para cobrar juros astronômicos, superiores ao limite
constitucional de 12% ao ano (isso mesmo, ao ano!)
5.8. A Constituinte permanente
MÁRCIO
O Supremo Tribunal Federal poderia, e deveria, ter julgado inconstitucional a reedição
das medidas provisórias, e não o fez, talvez por imposições políticas, ou por "razões de
estado". Aliás, a politização do Supremo Tribunal Federal é um fenômeno que está a
merecer a atenção dos constitucionalistas, para que possa ser restabelecido o equilíbrio
dos poderes. É preciso democratizar o processo de investidura dos tribunais superiores,
o que deveria ser estendido também ao Ministério Público e aos Tribunais de Contas,
porque esses órgãos também precisam resguardar ciosamente a sua independência, para
que possam desempenhar sua missão constitucional. [14]
No Brasil, o Supremo Tribunal Federal está se transformando em uma constituinte
permanente, sem que tenha qualquer legitimidade para isso. Afinal, suprema deve ser a
Constituição. Os Poderes Constituídos devem ser independentes e harmônicos,
exatamente para que se evite a tirania, segundo as idéias definitivamente sistematizadas
por Montesquieu. Somente o povo é titular do poder constituinte.
A separação dos poderes do Estado é um dos princípios fundamentais de nosso
ordenamento jurídico. No entanto, no Brasil, enquanto o Chefe do Executivo legisla
através de medidas provisórias que se eternizam através de sucessivas reedições, e o
Supremo Tribunal Federal, através do efeito vinculante de suas decisões, exclui de
apreciação, pelos juízes e tribunais, a defesa dos direitos fundamentais dos
jurisdicionados, o Congresso Nacional, que teoricamente teria legitimidade para legislar
e para reformar a Constituição, não desempenha na realidade a sua função
constitucional, porque está constantemente emaranhado nas denúncias de corrupção que
envolvem muitos de seus membros, e muitos dos funcionários de alto escalão dos outros
poderes.
O resultado desse deturpado jogo de forças é que o poder não é exercido,
absolutamente, no interesse do povo, que apesar disso a Constituição afirma ser o
verdadeiro dono do poder. [15]
5.9. Os limites ao poder de concretização
VINICIUS CANOVA
Mas a Constituição, para ser uma lei suprema, precisa ser efetiva, e para que isso ocorra
é crucial o desempenho dos poderes constituídos e, em especial, da jurisdição
constitucional.
CANOTILHO ressalta com muita propriedade que, em um Estado de direito
democrático, o trabalho metódico de concretização é um trabalho normativamente
orientado. Essa observação está intimamente relacionada com a questão da limitação do
poder hermenêutico, [16]
e deve ser entendida no contexto da Constituição rígida,
revestida da característica de lei suprema do Estado, e também da legitimidade que
decorre de sua elaboração por uma Constituinte democrática.
A norma de decisão, afirma CANOTILHO, não é uma grandeza autônoma, mas
depende das prévias decisões do Poder Constituinte, consubstanciadas no texto da Lei
Fundamental. Admitir o contrário seria dizer que um Tribunal, como o nosso Supremo
Tribunal Federal, poderia criar a norma constitucional, decidindo sem a indispensável
legitimidade, sobrepondo-se aos princípios e às regras da Constituição que teoricamente
pretende concretizar.
A questão é portanto medular, porque relacionada com o controle do poder. É da maior
relevância para a análise e a compreensão do ordenamento constitucional vigente a
questão da separação dos poderes e a avaliação da efetiva capacidade dos mecanismos
adotados, no pertinente à limitação do poder da jurisdição constitucional, no
desempenho de sua função de intérprete máximo da Constituição.
A separação dos poderes é tida como garantia da existência de um regime democrático,
ou de um estado de direito, e a usurpação do poder pela Corte Constitucional faz com
que ela deixe de ser a guardiã da Constituição, para ser ela própria um órgão legiferante
e uma constituinte permanente.
Sendo a Constituição uma Lei Fundamental e suprema, é necessário, portanto, controlar
a regularidade das leis, ou seja, de toda e qualquer norma infra-constitucional.
Ironicamente, as raízes (caso Bonham) do controle jurisdicional de constitucionalidade
estão na Inglaterra, que hoje não adota esse mecanismo - embora o tema esteja sendo
discutido, no contexto das alterações européias -, exatamente porque sua Constituição é
consuetudinária e flexível, embora seja mais estável do que as Constituições de muitas
repúblicas sul-americanas, porque é evidente que a estabilidade ou instabilidade das
instituições não depende apenas de fórmulas jurídicas, mas principalmente da cultura de
cada povo.

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O desequilíbrio dos poderes e a inefetividade constitucional no Brasil

  • 1. OBSERVAÇÃO.: MINHA DICA É QUE VOCÊS LEIAM O CONTEÚDO INTEIRO, JÁ QUE, POR CONTA DE SER UM GRUPO GRANDE, PODE HAVER AUSÊNCIAS E TEREMOS DE NOS DESDOBRAR 5.O DESEQUILÍBRIO DOS PODERES E A INEFETIVIDADE CONSTITUCIONAL VINICIUS CANOVA Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, segundo o parágrafo único do art. 1º da Constituição Federal. O problema que parece insolúvel, porém, é o referente ao controle do poder, para que os governantes realmente o exerçam de acordo com o interesse público. O normal, no Brasil, é que os Executivos, federais, estaduais ou municipais, freqüentemente aliados aos órgãos legislativos, sejam sempre tentados a aprovar normas inconstitucionais, sob os mais diversos pretextos, que vão da urgência até à ameaça de ingovernabilidade, atingindo assim com essa legislação os direitos do povo, assegurados pela Constituição. 5.1. As medidas permanentes EDER RENATO Apenas para exemplificar, podemos citar, no plano federal, o abuso das medidas provisórias, que recentemente o Congresso tentou limitar, através da Emenda Constitucional nº 32/01, ou a recente proposta de emenda constitucional que tentou instituir a cobrança da contribuição previdenciária dos aposentados e pensionistas, atingindo direitos adquiridos e as cláusulas pétreas da Constituição Federal. Os nossos Presidentes, desde o início da última década, têm legislado indiscriminadamente, sem atentarem aos limites constitucionais da relevância e da urgência. Em certas matérias, chegamos ao absurdo de ter medidas provisórias que vêm sendo reeditadas há sete anos. Como justificar, nesses casos extremos, o requisito da urgência? Para que serve o Congresso Nacional, afinal de contas, se o Presidente da República pode legislar sozinho, com muito maior eficiência? No total, o Presidente Fernando Henrique Cardoso, até o fim do ano passado, já havia baixado 239 medidas provisórias, e tinha feito 3.196 reedições, muitas delas com textos modificados, em relação aos anteriores. 5.2. Um pouco de História ISAÍAS VITORINO Nossa história político-constitucional tem sido pródiga em exemplos da intromissão indevida do Chefe do Executivo, e do seu fortalecimento exagerado, em franco desrespeito aos demais Poderes. Tudo parece ter começado quando D. Pedro I dissolveu a Assembléia Constituinte, e outorgou uma Constituição, garantindo sempre a
  • 2. supremacia de seu poder pessoal, dentro das melhores tradições do absolutismo ibérico. A personalização do poder na figura do caudilho é da nossa tradição. Até mesmo a República, entre nós, foi feita por um decreto, o Decreto nº 1, de 15.11.1889, assinado por um militar, o Marechal Manuel Deodoro da Fonseca, e aliás redigido por Rui Barbosa. O problema do Presidente legislador é bem antigo no Brasil. Foi o próprio Rui Barbosa quem pronunciou as seguintes palavras; "...os nossos Presidentes carimbam as suas loucuras com o nome de leis, e o Congresso Nacional, em vez de lhes mandar lavrar os passaportes para um hospício de orates, se associa ao despropósito do tresvairado, concordando no delírio, que devia reprimir." [11] Após a Revolução de 1930, sob a vigência do Estado Novo, a Constituição de 1937, outorgada por Getúlio Vargas, vigorava de acordo com a vontade pessoal do Ditador, que legislou mediante decretos-leis, sem qualquer limitação, porque o Parlamento foi fechado, a censura impedia qualquer manifestação contrária ao regime, e o Judiciário também não dispunha de garantias para fazer valer suas decisões. Em seguida ao breve hiato da chamada reconstitucionalização, da Constituição de 1.946, quando não existia a figura do decreto-lei, foi instaurada no Brasil uma nova ordem jurídica, fundada nos Atos Institucionais, a partir do Golpe, ou da Revolução, de 1964. Sob o Regime Militar, o Presidente legislava através de decretos-leis, e na prática não havia qualquer limite a essa legiferação, quer pelo Legislativo, quer pelo Judiciário. Aliás, o Ato Institucional nº 5/68 excluía, expressamente, da apreciação do Poder Judiciário, os atos praticados pelo Governo Militar, e os seus efeitos (art. 11). Em outras palavras, os decretos leis prevaleceriam, mesmo que conflitassem com a Constituição Federal. 5.3. As Medidas Provisórias e sua Reedição MAYLON Após o fim melancólico do Regime Militar, e mais uma reconstitucionalização, a Constituinte de 87/88, como seria lógico, pretendeu devolver ao Congresso o poder legiferante, mas permitiu, excepcionalmente, a edição de medidas provisórias pelo Presidente da República, somente em caso de relevância e urgência (art. 62). Ressalte-se que a competência do Presidente para a sua edição deveria ter sido interpretada restritivamente, porque o contrário constituiria uma afronta ao princípio básico da separação dos poderes. O parágrafo único do art. 62 da Constituição de 1988, em sua redação originária, era muito claro, quando afirmava que as medidas provisórias perderiam a eficácia desde a edição, se não fossem convertidas em lei no prazo de trinta dias. A medida provisória é, ao mesmo tempo, um projeto de lei e uma lei destinada a vigorar provisoriamente, dependendo da vontade do Congresso. Assim, se não fosse convertida em lei, ela perderia a sua eficácia, ou seja, teria sido rejeitada pelo Congresso, e a sua reedição seria inteiramente inconstitucional, de acordo com a melhor doutrina, porque significaria a apresentação, na mesma sessão legislativa, de um novo projeto de lei, com o mesmo conteúdo de um projeto já rejeitado (CF., art. 67), embora sua rejeição tivesse sido tácita, pelo simples decurso do prazo.
  • 3. 5.4. A Usurpação do Poder GUILHERME Não é verdade, absolutamente, que a medida provisória seja norma típica, ou exclusiva, do parlamentarismo, e que torne necessariamente imperial o presidencialismo. Isso acontecerá, apenas, se o Presidente da República abusar de sua competência, usurpando o poder. Na verdade, a usurpação poderá ocorrer de várias maneiras. Nos golpes de estado, com o apoio dos canhões. Nas assim chamadas democracias meramente formais, através de outros mecanismos mais sutis, como a violação de painéis eletrônicos, a distribuição das verbas referentes às emendas parlamentares, ou ainda na própria elaboração da lei orçamentária, e mesmo pela edição ou reedição de um enorme número de medidas provisórias, inviabilizando conseqüentemente o seu exame pelo Congresso e o controle de sua constitucionalidade pelo Supremo Tribunal Federal. Também não se pode dizer que o Presidente não tenha usurpado o poder, sob a alegação de que a culpa seja do Congresso, pela sua inércia e pela sua conivência. Isso é um sofisma. Seria o mesmo que afirmar a inocência do ladrão, ao argumento de que a porta deveria ter mais um cadeado. Na opinião do constitucionalista Sacha Calmon Navarro Coelho, "Não é crível que a medida provisória possa ser mais ampla que o Decreto-lei. A interpretação histórica e teleológica da Constituição primam em mostrar a excepcionalidade da medida e não a sua vulgarização. Renegamos o argumento de que ela se instalou ao pressuposto de que o regime seria parlamentarista e, portanto, o Governo seria engendrado no Congresso Nacional pelos partidos majoritários, gozando da confiança parlamentar. Ora, no Presidencialismo as maiorias parlamentares governantes depositam igualmente confiança na Presidência da República. A medida provisória está na Constituição como instrumento legiferante necessário em casos de urgência e relevância, independentemente do parlamentarismo. A questão é que não se quer enfrentar estes antepostos, os quais estão escritos na Superlei exatamente para serem sopesados pelos dois outros Poderes da República: o Legislativo e o Judiciário." 5.5. A Responsabilidade do Presidente CHARLES Mas o Presidente da República é obrigado a respeitar a Constituição, o que define a sua responsabilidade pelos abusos na edição e na reedição de medidas provisórias. Ocorrendo os pressupostos de relevância e urgência, o Presidente seria obrigado a editar as medidas provisórias, mas na ausência de um desses pressupostos, ele estaria impedido de se valer dessa atribuição legiferante excepcional. Para a constitucionalista Carmen Lúcia Antunes Rocha, o Presidente da República deveria ser responsabilizado (através do "impeachment", evidentemente): "Responsabilidade do Presidente da República - A relevância urgente define um dever de ação no desempenho da competência definida constitucionalmente, tanto quanto a inocorrência objetiva de qualquer daqueles dois pressupostos define um dever de abster-se de valer-se de tal competência excepcional o titular da atribuição, pena de responsabilidade por atentar contra a Constituição."
  • 4. Mas é muito claro que, depois de todos os abusos praticados pelos Governos Militares, o Constituinte de 1988 não pretendeu permitir a reedição das Medidas Provisórias, mesmo porque estabeleceu os já referidos requisitos de urgência e relevância da matéria, e também porque fixou um prazo improrrogável de trinta dias, para a conversão da medida em lei. Além disso, o legislador constituinte determinou a convocação extraordinária do Congresso Nacional, quando em recesso, para se reunir no prazo de cinco dias, e apreciar a matéria, o que denota mais uma vez sua relevância e urgência. 5.6. O Controle das Medidas Provisórias MAX NOBRE Tendo em vista que a medida provisória é, ao mesmo tempo, um ato com força de lei (por trinta dias) e um projeto de lei, a ser apreciado pelo Congresso, dentro desse mesmo prazo, o Supremo Tribunal Federal concedeu diversas liminares, suspendendo a aplicação de medidas provisórias, mas ressalvando a sua validade como projeto que poderá ser convertido em lei pelo Congresso Nacional. Com a freqüente reedição das medidas provisórias, porém, e devido à virtual impossibilidade de uma decisão judiciária definitiva no prazo de trinta dias, avolumaram-se os problemas referentes ao controle da constitucionalidade desses atos normativos. De qualquer maneira, o Supremo Tribunal Federal se negava a examinar os requisitos da relevância e urgência para a edição das medidas provisórias, sob o argumento de que isso caberia ao Presidente da República, e admitia também a constitucionalidade de sua reedição, em evidente prejuízo ao equilíbrio entre os Poderes Constituídos. O Congresso Nacional aprovou, recentemente, depois de quatro anos de tramitação, a Emenda Constitucional nº 32, de 11.09.2001, destinada a limitar a edição de medidas provisórias, mas tudo indica que o problema não será resolvido, porque as medidas provisórias anteriores continuarão indefinidamente em vigor e porque, apesar de ter sido limitada a possibilidade de sua reedição, o Presidente da República pode agora editar medidas provisórias a respeito de matérias que tenham sido objeto de emendas constitucionais, o que era vedado pelo art. 246 da Constituição Federal. A respeito da fraqueza do Legislativo, dizia Pimenta Bueno, o mais autorizado intérprete da Constituição do Império: "Desde que o poder legislativo sabe respeitar e cumprir sua augusta missão, e por isso mesmo sabe fazer-se respeitar, ninguém se anima, nem pode animar-se a contrariar seu impulso animador e benéfico; quando porém ele é o primeiro a curvar-se ante os ministros, pode contar certo com a sua degradação, e a sociedade com o abatimento de suas liberdades" Na verdade, o Congresso e o Supremo estão em posição de inferioridade, nessa disputa pelo poder, em face de suas próprias características, como órgãos colegiados, e tradicionalmente mais lentos, em suas decisões, devido à pulverização do poder e aos demorados trâmites processuais que dificultam o seu funcionamento. Ao Chefe do Executivo, basta uma caneta. 5.7. O abuso do poder GABRIEL
  • 5. No plano municipal, em Belém, por exemplo, temos a cobrança do IPTU em alíquotas progressivas, que variam de acordo com o valor venal do imóvel, e que vinha sendo feita há vários anos, apesar da jurisprudência pacífica do Supremo, que entendia ser essa cobrança inconstitucional, antes da edição da Emenda Constitucional nº29/00. Isso, para não falarmos a respeito da taxa de iluminação pública, da nomeação de servidores sem concurso público e da prorrogação de seus contratos por mais de dez anos. Várias tentativas têm sido feitas para enfraquecer o Poder Judiciário, de modo a que possam prevalecer os anseios autoritários, entre elas a da instituição da súmula vinculante, o que significa que, se uma determinada matéria for decidida pelo Supremo, fica impedida qualquer manifestação futura, de qualquer juiz ou Tribunal. Para os Executivos, é bem mais fácil controlar os Tribunais Superiores, especialmente devido à sua participação no processo de investidura de seus membros. Na verdade, a nossa jurisdição constitucional, transplantada de outros sistemas constitucionais, sofre de um grave processo de rejeição, que poderá causar até mesmo a morte do paciente. Também muitas denúncias de corrupção têm claramente o objetivo de enfraquecer o Poder Judiciário, porque se existem corruptos no Judiciário, assim como nos outros Poderes, isso não significa que o Judiciário deva ser fechado, ou deva ter suas atribuições limitadas. Da mesma forma, em relação às denúncias da indústria de liminares, porque a concessão de liminares por juízes e tribunais é certamente um instrumento da maior importância para a limitação da prepotência dos Executivos. Além disso, se inúmeras liminares têm sido concedidas, isso é decorrência do excesso de abusos e do autoritarismo dos Executivos. Observa-se, na verdade, o claro interesse de inviabilizar o controle difuso de constitucionalidade, para que todas as decisões sejam centralizadas no Supremo Tribunal Federal, que pode ser com muito maior facilidade cooptado pelas elites dominantes. A própria Ação Declaratória de Constitucionalidade, criada pela Emenda Constitucional no. 3, de 17.03.93, tem servido também para enfraquecer o Poder Judiciário, e para impedir a prevalência dos princípios constitucionais básicos da ampla defesa e do contraditório, do devido processo legal, do juiz natural, da separação dos poderes e da inafastabilidade da tutela jurisdicional. Essa nova modalidade de controle é considerada pela melhor Doutrina como uma tentativa no sentido de que o Executivo possa transformar o Supremo Tribunal Federal em mero chancelador das normas inconstitucionais editadas pelo Congresso Nacional, ou pelo Presidente da República, através das suas medidas provisórias que já se tornaram, definitivamente, permanentes, após a edição da Emenda Constitucional nº32/01. Assim, para evitar a enxurrada de ações e liminares nos juízos e tribunais federais do País, sempre que houver a "necessidade" de aprovar uma norma inconstitucional, o Governo poderá contar com o Supremo Tribunal Federal, como legislador de segunda instância, encarregado de carimbar no texto daquela lei, daquela emenda, ou daquela medida provisória, um "de acordo", para protegê-la do controle incidental de constitucionalidade, pela chamada via indireta ou difusa, que deveria ser a garantia de todos os jurisdicionados contra a prepotência dos governantes. Recorde-se que o Supremo já firmou jurisprudência no sentido de que até mesmo a decisão cautelar em Ação Declaratória de Constitucionalidade tem o condão de produzir efeitos vinculantes, apesar da clareza do texto constitucional. [12]
  • 6. A separação dos poderes, que resultou de diversas contribuições doutrinárias e foi definitivamente sistematizada e consagrada por Montesquieu, pretendia exatamente criar um sistema capaz de evitar os abusos por parte dos governantes, através de limitações recíprocas entre os poderes. Assim, para que as autoridades do Legislativo, do Executivo e do Judiciário não pudessem abusar do poder, existe em nosso ordenamento constitucional uma série de mecanismos, como os que integram o nosso complexo sistema de controle de constitucionalidade, que deveriam funcionar, no entanto, de modo efetivo, para garantir a supremacia da Constituição e para fazer com que o poder fosse exercido, na realidade, em benefício do povo. Mas apesar de todos esses controles, que a cada dia se tornam mais complexos, dando mesmo a entender que não existe a intenção de que eles possam funcionar, a Constituição tem se tornado letra morta, pela ação, ou pela omissão do Estado. A inércia do Poder Público e o silêncio do legislador também ofendem a Constituição, como tem ocorrido nos quase quatorze anos de sua vigência, porque o Congresso Nacional não tem cumprido sua função legiferante, de regulamentar esses dispositivos constitucionais, e o Judiciário não tem sido capaz de corrigir essa situação, pela via do mandado de injunção ou da ação de inconstitucionalidade por omissão. Não tem sido capaz, ou não existe "vontade política" para isso. Mas a questão das normas programáticas não é nova, nem seria absolutamente indispensável a existência desse variado e complexo instrumental de controle, que inutilmente guarnece a nossa Lei Fundamental, conforme se vê pela leitura de trecho da tese do Dr. ORLANDO BITAR, de 1951. [13] O que se observa, portanto, são os abusos, porque os controles não funcionam. Não existe "vontade política" para que isso ocorra. O Presidente precisa do Congresso, que aprovou o salário mínimo de R$151,00 e os pisos regionais, e precisa do STF, que decidiu que o subsídio único determinado há mais de três anos pela Emenda Constitucional nº 19/98 não é auto-aplicável, permitindo conseqüentemente que todos continuem recebendo gratificações, adicionais, abonos, prêmios, verbas de representação, auxílios-moradia e outras espécies remuneratórias. Os congressistas precisam às vezes aprovar as "emendas de bancada", porque precisam se reeleger, e são obrigados, conseqüentemente, a aprovar os projetos de interesse do Executivo, mesmo quando estes são claramente inconstitucionais ou contrários ao interesse público. Os juízes, que também são humanos, também têm os seus interesses, assim como as instituições financeiras, apenas para mais uma vez exemplificar, que estão liberadas, pela interpretação do Supremo, para cobrar juros astronômicos, superiores ao limite constitucional de 12% ao ano (isso mesmo, ao ano!) 5.8. A Constituinte permanente MÁRCIO O Supremo Tribunal Federal poderia, e deveria, ter julgado inconstitucional a reedição das medidas provisórias, e não o fez, talvez por imposições políticas, ou por "razões de estado". Aliás, a politização do Supremo Tribunal Federal é um fenômeno que está a merecer a atenção dos constitucionalistas, para que possa ser restabelecido o equilíbrio dos poderes. É preciso democratizar o processo de investidura dos tribunais superiores, o que deveria ser estendido também ao Ministério Público e aos Tribunais de Contas,
  • 7. porque esses órgãos também precisam resguardar ciosamente a sua independência, para que possam desempenhar sua missão constitucional. [14] No Brasil, o Supremo Tribunal Federal está se transformando em uma constituinte permanente, sem que tenha qualquer legitimidade para isso. Afinal, suprema deve ser a Constituição. Os Poderes Constituídos devem ser independentes e harmônicos, exatamente para que se evite a tirania, segundo as idéias definitivamente sistematizadas por Montesquieu. Somente o povo é titular do poder constituinte. A separação dos poderes do Estado é um dos princípios fundamentais de nosso ordenamento jurídico. No entanto, no Brasil, enquanto o Chefe do Executivo legisla através de medidas provisórias que se eternizam através de sucessivas reedições, e o Supremo Tribunal Federal, através do efeito vinculante de suas decisões, exclui de apreciação, pelos juízes e tribunais, a defesa dos direitos fundamentais dos jurisdicionados, o Congresso Nacional, que teoricamente teria legitimidade para legislar e para reformar a Constituição, não desempenha na realidade a sua função constitucional, porque está constantemente emaranhado nas denúncias de corrupção que envolvem muitos de seus membros, e muitos dos funcionários de alto escalão dos outros poderes. O resultado desse deturpado jogo de forças é que o poder não é exercido, absolutamente, no interesse do povo, que apesar disso a Constituição afirma ser o verdadeiro dono do poder. [15] 5.9. Os limites ao poder de concretização VINICIUS CANOVA Mas a Constituição, para ser uma lei suprema, precisa ser efetiva, e para que isso ocorra é crucial o desempenho dos poderes constituídos e, em especial, da jurisdição constitucional. CANOTILHO ressalta com muita propriedade que, em um Estado de direito democrático, o trabalho metódico de concretização é um trabalho normativamente orientado. Essa observação está intimamente relacionada com a questão da limitação do poder hermenêutico, [16] e deve ser entendida no contexto da Constituição rígida, revestida da característica de lei suprema do Estado, e também da legitimidade que decorre de sua elaboração por uma Constituinte democrática. A norma de decisão, afirma CANOTILHO, não é uma grandeza autônoma, mas depende das prévias decisões do Poder Constituinte, consubstanciadas no texto da Lei Fundamental. Admitir o contrário seria dizer que um Tribunal, como o nosso Supremo Tribunal Federal, poderia criar a norma constitucional, decidindo sem a indispensável legitimidade, sobrepondo-se aos princípios e às regras da Constituição que teoricamente pretende concretizar. A questão é portanto medular, porque relacionada com o controle do poder. É da maior relevância para a análise e a compreensão do ordenamento constitucional vigente a questão da separação dos poderes e a avaliação da efetiva capacidade dos mecanismos
  • 8. adotados, no pertinente à limitação do poder da jurisdição constitucional, no desempenho de sua função de intérprete máximo da Constituição. A separação dos poderes é tida como garantia da existência de um regime democrático, ou de um estado de direito, e a usurpação do poder pela Corte Constitucional faz com que ela deixe de ser a guardiã da Constituição, para ser ela própria um órgão legiferante e uma constituinte permanente. Sendo a Constituição uma Lei Fundamental e suprema, é necessário, portanto, controlar a regularidade das leis, ou seja, de toda e qualquer norma infra-constitucional. Ironicamente, as raízes (caso Bonham) do controle jurisdicional de constitucionalidade estão na Inglaterra, que hoje não adota esse mecanismo - embora o tema esteja sendo discutido, no contexto das alterações européias -, exatamente porque sua Constituição é consuetudinária e flexível, embora seja mais estável do que as Constituições de muitas repúblicas sul-americanas, porque é evidente que a estabilidade ou instabilidade das instituições não depende apenas de fórmulas jurídicas, mas principalmente da cultura de cada povo.