Introdução ao Direito dos Contratos, Prof. Doutor Rui Teixeira Santos, INP, 2016
Contratos administrativos
1. Contratos administrativos
Atos administrativos são atos jurídicos realizados
unilateralmente pela Administração Pública, ou seja, sem a
necessidade da concordância dos eventuais atingidos por
ele.
Porém, as entidades administrativas também participam
de atos bilaterais, que dependem da concordância de todos
os envolvidos. Os interesses envolvidos nesses atos podem
ser convergentes ou divergentes.
No primeiro caso, têm-se convênios, acordos e
ajustes, conforme o Decreto 93.872/1986, art. 48 (artigo
revogado): “Os serviços de interesse recíproco dos órgãos e
entidades de administração federal e de outras entidades públicas
ou organizações particulares, poderão ser executados sob regime
de mútua cooperação, mediante convênio, acordo ou ajuste”.
OBS: A Instrução Normativa nº 01 do STN de 1997 define também
o que é convênio: “instrumento qualquer que discipline a
transferência de recursos públicos e tenha como partícipe órgão
da administração pública federal direta, autárquica ou fundacional,
empresa pública ou sociedade de economia mista que estejam
gerindo recursos dos orçamentos da União, visando à execução de
programas de trabalho, projeto/atividade ou evento de interesse
recíproco, em regime de mútua cooperação;”
Na segunda situação, encontram-se os contratos,
conforme o § 1º do mesmo artigo:
“Quando os participantes tenham interesses diversos e opostos,
isto é, quando se desejar, de um lado, o objeto do acordo ou
ajuste, e de outro lado a contraprestação correspondente, ou
seja, o preço, o acordo ou ajuste constitui contrato”.
OBS: O art. 2º , p.u., da Lei nº 8.666 utiliza conceito diverso:
“considera-se contrato todo e qualquer ajuste entre
2. órgãos ou entidades da Administração Pública e particulares,
em que haja um acordo de vontades para a formação de
vínculo e a estipulação de obrigações recíprocas, seja qual
for a denominação utilizada.”
Perceba-se que, aqui, não foi utilizado o critério dos
interesses divergentes. Trata-se, portanto, de um conceito
amplo, que convive com a definição estrita exposta
anteriormente.
Em qualquer um dos conceitos, os contratos são
considerados acordos sinalagmáticos, pois impõem
prestações para ambas as partes.
1. Contratos realizados pela Adm. Públ.
Contrato da administração é todo aquele realizado
por entidades da Administração Pública entre si ou com
particulares. Pode ser regido, integral ou parcialmente, pelo
Direito Público ou apenas pelo Direito Privado.
Contrato administrativo é uma espécie de contrato da
administração regido integralmente por normas de Direito
Público, ou seja, aplicam-se a ele todos os dispositivos da
Lei 8.666/93. Porém, a própria lei permite utilizar,
subsidiariamente, “os princípios da teoria geral dos
contratos e as disposições de direito privado” (art. 54,
caput). A sua principal característica é a presença de
cláusulas exorbitantes, decorrentes do princípio da
supremacia do interesse público e que determinam várias
prerrogativas à Administração Pública, como os poderes de
alterar e rescindir unilateralmente o contrato.
Existem também contratos realizados pela
Administração que podem ser considerados semipúblicos, ou
seja, obedecem a apenas algumas normas da Lei 8.666/93,
sendo regidos predominantemente pelo Direito Privado. O art.
62, § 3° enumera exemplos de contratos regidos pelo Direito
Privado: “contratos de seguro, de financiamento, de locação
em que o Poder Público seja locatário” e “contratos em que
3. a Administração for parte como usuária de serviço público”.
Nesses casos, aplicam-se apenas os seguintes artigos da lei:
55 (cláusulas necessárias no contrato); 58 (cláusulas
exorbitantes); 59 (nulidade do contrato); 60 (formalização
do contrato) e 61 (elementos indispensáveis do contrato).
Portanto, não incidem sobre esses contratos vários
dispositivos da lei, como os referentes à exigência de
garantias (art. 56), à duração do contrato (art. 57) e à
alteração unilateral dos contratos (art. 65).
Finalmente, os contratos da Administração podem ser regidos
integralmente por
normas de Direito Privado. Trata-se dos contratos
realizados por empresas públicas e sociedades de economia
mista que realizam atividades econômicas, pois, de acordo
com a Constituição Federal (art. 173, § 1º , II), essas entidades
devem estar sujeitas ao mesmo regime jurídico das empresas
privadas.
2. Características
Os contratos administrativos têm várias
peculiaridades, que serão estudadas em detalhes nos itens a
seguir. De forma resumida, suas principais características
são:
a) consensualidade: os contratos administrativos são atos
bilaterais, pois dependem de um acordo entre as partes.
b) presença da Administração Pública como Poder Público, ou
seja, no exercício
de suas prerrogativas conferidas pelo Direito Público –
incidência de cláusulas exorbitantes;
c) finalidade pública;
d) forma prescrita em lei;
e) onerosidade: o contratado recebe um pagamento na forma
convencionada;
f) comutatividade: as prestações das partes são equivalentes
entre si.
4. g) procedimento legal – geralmente, há necessidade de
licitação prévia;
h) natureza de contrato de adesão, uma vez que suas
cláusulas são determinadas
unilateralmente pela Administração;
i) natureza intuitu personae (personalíssimo), ou seja, o
contrato é feito em razão
das condições pessoais do contratado, verificadas na
licitação. Contudo, admite exceções, desde que expressamente
prevista no edital, como a subcontratação.
3. Cláusulas exorbitantes (art. 58 da Lei nº
8.666/93)
O contrato administrativo é formado por um acordo
de vontades, ou seja, sua celebração é um ato consensual,
bilateral. Porém, depois de assinado o instrumento do
contrato, a entidade pública contratante passa a dispor de
diversos poderes sobre o particular contratado. Assim, em
várias situações expressamente previstas na lei, o
contratante pode impor sua vontade ao contratado como
meio de melhor satisfazer o interesse público.
Esses poderes são essenciais ao contrato
administrativo, pois constituem a face visível de seu regime de
Direito Público. Nos acordos regidos pelo Direito Privado,
essas prerrogativas seriam consideradas inconstitucionais,
pois são contrárias ao princípio da igualdade. A imposição da
vontade da Administração sobre o administrado é
concretizada por meio de dispositivos contratuais
denominados cláusulas exorbitantes. São eles:
a) Modificá-los (alterá-los), unilateralmente, para melhor
adequação às finalidades de interesse público,
respeitados os direitos do contratado: somente em
dois aspectos:
5. alteração quantitativa (art. 65, §§ 1º e 2º ): O
contratado fica obrigado a aceitar, nas mesmas
condições contratuais, os acréscimos ou supressões
que se fizerem nas obras, serviços ou compras, até 25%
(vinte e cinco por cento) do valor inicial atualizado do
contrato, e, no caso particular de reforma de edifício
ou de equipamento, até o limite de 50% (cinqüenta por
cento) para os seus acréscimos.
Nenhum acréscimo ou supressão poderá exceder os
limites estabelecidos no parágrafo anterior, salvo as
supressões resultantes de acordo celebrado entre os
contratantes.
alteração qualitativa (art. 65, I): quando houver
modificação do projeto ou das especificações, para
melhor adequação técnica aos seus objetivos. Ex.: pode
ser determinado que, em uma obra, seja utilizado o material B
e não o A, usado anteriormente e que passou a ser
considerado inapropriado para os interesses da
Administração.
Atenção: Prorrogação do prazo de vigência do contrato não
significa aumento do objeto, que permanece o mesmo (TCU,
DC-0090-14/01-1). Ex.: um contrato, com prazo de um ano,
estabelece que deva ser prestado serviço de condução de
seis veículos. A renovação do contrato por mais um ano não
aumenta seu objeto, que continua sendo a condução dos seis
veículos.
b) rescindi-los, unilateralmente: extinção do contrato
administrativo decorrente de ato unilateral da
Administração Pública, por motivo de inadimplência do
usuário ou de interesse público na cessação do
contrato. Em qualquer caso, o ato deve ser motivado.
Além disso, deve ser comunicado previamente ao
contratado, para que ele exerça seu direito ao
6. contraditório e à ampla defesa. Podem ser agrupados
em quatro categorias (art. 78):
Rescisão atribuível a conduta do contratado:
I - o não cumprimento de cláusulas contratuais, especificações,
projetos ou prazos;
II - o cumprimento irregular de cláusulas contratuais,
especificações, projetos e prazos;
III - a lentidão do seu cumprimento, levando a Administração a
comprovar a impossibilidade da conclusão da obra, do serviço ou do
fornecimento, nos prazos estipulados;
IV - o atraso injustificado no início da obra, serviço ou
fornecimento;
V - a paralisação da obra, do serviço ou do fornecimento, sem justa
causa e prévia comunicação à Administração;
VI - a subcontratação total ou parcial do seu objeto, a associação
do contratado com outrem, a cessão ou transferência, total ou
parcial, bem como a fusão, cisão ou incorporação, não admitidas no
edital e no contrato;
VII - o desatendimento das determinações regulares da autoridade
designada para acompanhar e fiscalizar a sua execução, assim como
as de seus superiores;
VIII - o cometimento reiterado de faltas na sua execução;
XVIII – descumprimento do disposto no inciso V do art. 27(proibição
de trabalho noturno, perigoso ou insalubre a menores de dezoito e
de qualquer trabalho a menores de dezesseis anos, salvo na
condição de aprendiz, a partir de quatorze anos), sem prejuízo das
sanções penais cabíveis.
Situações que afetam a própria pessoa do
contratado:
IX - a decretação de falência ou a instauração de insolvência civil;
X - a dissolução da sociedade ou o falecimento do contratado;
XI - a alteração social ou a modificação da finalidade ou da
estrutura da empresa, que prejudique a execução do contrato;
Recisão por motivo de interesse público:
7. XII - razões de interesse público, de alta relevância e amplo
conhecimento, justificadas e determinadas pela máxima autoridade
da esfera administrativa a que está subordinado o contratante e
exaradas no processo administrativo a que se refere o contrato;
Situações não imputáveis aos contratantes:
XVII - a ocorrência de caso fortuito ou de força maior,
regularmente comprovada, impeditiva da execução do contrato.
c) fiscalizar-lhes a execução (art. 67): a execução do
contrato deverá ser acompanhada e fiscalizada por um
representante da Administração especialmente
designado, permitida a contratação de terceiros para
assisti-lo e subsidiá-lo de informações pertinentes a
essa atribuição. Ele anotará em registro próprio todas
as ocorrências relacionadas com a execução do
contrato, determinando o que for necessário à
regularização das faltas ou defeitos observados.
d) aplicar sanções motivadas pela inexecução total ou
parcial do ajuste (art. 87): não há, na lei, determinação
de correspondência entre as infrações praticadas pelo
contratado e as respectivas punições. Essa relação é
estabelecida em cada contrato, sempre tendo em vista o
princípio da proporcionalidade. As sanções são:
advertência: simples anotação do cometimento de
infração administrativa. Não implica prejuízo imediato
para o contratado, mas é fator a ser considerado no
caso imposição de novas penalidades, uma vez que o
contratado passa a ser considerado reincidente.
multa: a ser descontada da garantia oferecida pelo
contratado, ou, se esta for insuficiente, dos
pagamentos a serem efetuados pela Administração. A
ação judicial de cobrança somente será necessária se
as duas providências anteriores forem insuficientes.
Trata-se, portanto, da única situação em que a cobrança
litigiosa de multa é autoexecutável. A multa é a única
8. sanção que pode ser aplicada juntamente com as demais.
Somente pode ser imposta ao contratado.
suspensão temporária de participação em licitação e
impedimento de contratar com a Adm., por prazo não
superior a 2 anos.
declaração de inidoneidade para licitar ou contratar
com a Administração Pública enquanto perdurarem os
motivos determinantes da punição ou até que seja
promovida a reabilitação perante a própria autoridade
que aplicou a penalidade, que será concedida sempre
que o contratado ressarcir a Adm. pelos prejuízos
resultantes e após decorrido o prazo da sanção
aplicada com base no item anterior.
e) nos casos de serviços essenciais, ocupar
provisoriamente bens móveis, imóveis, pessoal e serviços
vinculados ao objeto do contrato, na hipótese da
necessidade de acautelar apuração administrativa de
faltas contratuais pelo contratado, bem como na
hipótese de rescisão do contrato administrativo;
f) exigências de garantias: que são:
caução em dinheiro ou em títulos da dívida pública
seguro-garantia;
fiança bancária.
OBS: A garantia pode ser exigida até o limite de 5% do valor
do contrato. Porém, esse teto pode chegar a 10% se o
contrato for de grande vulto (valores superiores a R$
37.500.000,00), envolver alta complexidade técnica e riscos
consideráveis, demonstrados em parecer tecnicamente
aprovado pela autoridade competente. Se o contrato
importar entrega de bens pela Administração, a garantia do
contratado deve incluir o valor desses bens.
9. g) atenuação da exceção do contrato não cumprido:
prevista no art. 476 do CC: “nos contratos bilaterais,
nenhum dos contratantes, antes de cumprida sua obrigação,
pode exigir o implemento da do outro”.
Nos contratos administrativos, porém, existem duas
situações com conseqüências bastante diversas entre si:
Inadimplência do contratante (Ad. Públ.): o uso da
indigitada exceção pelo contratado é restrita pelo
princípio da continuidade. De forma atenuada, poder o
contratado rescindir o contrato em duas situações (art.
78, XIV, XV):
XIV - a suspensão de sua execução, por ordem escrita da
Administração, por prazo superior a 120 dias, salvo em caso de
calamidade pública, grave perturbação da ordem interna ou guerra,
ou ainda por repetidas suspensões que totalizem o mesmo prazo,
independentemente do pagamento obrigatório de indenizações pelas
sucessivas e contratualmente imprevistas desmobilizações e
mobilizações e outras previstas, assegurado ao contratado, nesses
casos, o direito de optar pela suspensão do cumprimento das
obrigações assumidas até que seja normalizada a situação;
XV - o atraso superior a 90 dias dos pagamentos devidos pela
Administração decorrentes de obras, serviços ou fornecimento, ou
parcelas destes, já recebidos ou executados, salvo em caso de
calamidade pública, grave perturbação da ordem interna ou guerra,
assegurado ao contratado o direito de optar pela suspensão do
cumprimento de suas obrigações até que seja normalizada a
situação. No caso de suspensão, não é necessária autorização
judicial.
Inadimplência do contratado (administrado): a
exceção aplica-se integralmente, isto é, caso o
contratado não cumpra o contrato ou o faça
parcialmente, o contratante deve descontar o
pagamento aquilo que não foi realizado, impor sanções
administrativas e , ainda, rescindir unilateralmente o
contrato.
10. 4. Equilíbrio econômico-financeiro
Todo contrato administrativo tem, implícita, a
cláusula rebus sic stantibus (“enquanto a situação for
mantida”), que determina a validade dos dispositivos
financeiros do contrato enquanto a situação existente à
época de sua celebração mantiver-se. Seu desdobramento é a
teoria da imprevisão, que determina a modificação desses
dispositivos em caso de eventos imprevisíveis ou mesmo
previsíveis ou de consequências imprevisíveis. O objetivo
dessa mudança é a manutenção do equilíbrio econômico-
financeiro do contrato.
Reajustamento contratual de preços é o aumento do valor
pago ao contratado, em
decorrência da desvalorização da moeda provocada pela
inflação. O reajuste é evento normal relacionado ao
contrato, não requerendo sua revisão. Repactuação é uma
modalidade específica de reajuste, utilizada apenas em
contratos de serviços contínuos, na qual não se trabalha
com um índice geral de inflação, mas com a variação específica
dos custos do contrato. Porém, a revisão contratual será
requerida no caso de recomposição extraordinária de preços,
ou seja, nas situações em que for aplicável a teoria da
imprevisão. Ao contrário do reajuste e da repactuação,
previsíveis e com periodicidade mínima de um ano, a
recomposição deriva de eventos imprevisíveis e não tem prazo
mínimo para ser aplicada. A atualização financeira, por sua vez,
tem semelhanças com o reajuste e a repactuação, pois
refere-se também à mera correção monetária do valor .
Porém, a atualização é devida somente nos casos em que a
Administração atrasar o pagamento do contratado, sendo
estipulada em 6% ao ano.
5. Inexecução do contrato
Inexecução é o descumprimento total ou parcial das
cláusulas contratuais. Pode
ocorrer nas seguintes modalidades:
a) inexecução ou inadimplemento culposo ou doloso:
decorrente da intenção de
não executar (dolo) ou da imperícia, negligência ou
imprudência (culpa) do contratado no atendimento de suas
obrigações. Tem como consequência a responsabilização
11. administrativa pelo descumprimento contratual, podendo ser
o contratado sancionado com penas que vão da advertência à
declaração de inidoneidade;
b) inexecução ou inadimplemento sem culpa: decorre de fatos
estranhos à
vontade do contratado. Não implica a penalização do
contratado.
5.1. Causas de inexecução sem culpa
A teoria da imprevisão (cláusula rebus sic stantibus) dispõe
que a parte não pode ser responsabilizada por
inadimplemento contratual derivado de acontecimentos e
situações imprevistos e imprevisíveis. Com relação ao contrato
administrativo, essa teoria é aplicada nos seguintes casos:
a) força maior: fato humano que constitui obstáculo
instransponível à execução do
contrato;
b) caso fortuito: evento da natureza que também impede a
execução do contrato.
Nos dois casos, é preciso que o fato seja não só imprevisto,
mas também imprevisível. Porém, o contratado é
responsabilizado pelo inadimplemento se já estava em mora
na data da ocorrência do evento;
c) fato do príncipe: determinação estatal genérica que onera
excessivamente os
custos do contrato administrativo. Está previsto no art. 65, §
5° :
“Quaisquer tributos ou encargos legais criados, alterados ou
extintos, bem como a superveniência de disposições legais, quando
ocorridas após a data da apresentação da proposta, de comprovada
repercussão nos preços contratados, implicarão a revisão destes
para mais ou para menos, conforme o caso”.
d) fato da administração: qualquer conduta da Administração
que, na condição de
contratante, afete diretamente o contrato. Ex.: a
administração deixa de entregar, para o administrado, o local
de realização da obra;
12. e) interferências imprevistas (agravações ou sujeições
imprevistas): de acordo
com Hely Lopes Meirelles, “são ocorrências materiais não
cogitadas pelas partes na celebração do contrato, mas que
surgem na sua execução de modo surpreendente e
excepcional, dificultando e onerando extraordinariamente o
prosseguimento e a execução dos trabalhos”.