O documento discute a história e os papéis da extensão rural no Brasil, dividindo-a em quatro etapas: Assistencialista (1948-1960), Produtivista Modernizadora (1961-1980), Crítica Reflexiva (1981-1990) e Transição Ambientalista (1990-atual). Atualmente, o extensionista tem um papel de apoiar processos de desenvolvimento rural sustentável, participativos e voltados à melhoria de vida dos agricultores e proteção ambiental.
2. 2
Material Didático para os
Cursos de Graduação em
Ciências Sociais Agrárias e
Extensão Rural
Elaboração:
Professor Décio Cotrim
Departamento de Ciências Sociais Agrárias
Faculdade de Agronomia Eliseu Maciel
Pelotas – RS
2015
3. 3
Sumário
1 CAPITULO I- CONCEPÇÕES DE EXTENSÃO RURAL .............................................................4
2 CAPITULO II - EXTENSÃO RURAL NO BRASIL .....................................................................10
3 CAPITULO III - POLÍTICAS PÚBLICAS DE ATER ..................................................................17
4 CAPITULO IV - TECNOLÓGICAS NA AGRICULTURA. .........................................................24
5 CAPITULO V – CASA FAMILIAR RURAL.................................................................................32
6 CAPITULO VI - MÉTODO EM EXTENSÃO RURAL.................................................................38
7 CAPITULO VIII - AGRICULTURA SUSTENTÁVEL.................................................................47
8 CAPÍTULO IX - DESENVOLVIMENTO RURAL: DO LOCAL AO TERRITORIAL...............54
9 CAPÍTULO X- MULTIFUNCIONALIDADE DA AGRICULTURA............................................60
4. 4
1 Capitulo I- Concepções de Extensão Rural
Introdução
O serviço de Assistência Técnica e Extensão Rural - ATER passou por diversas fases em
sua trajetória histórica de institucionalização. Para termos um ponto de partida na análise
tomaremos por base a emergência dos elementos principais do processo de
“modernização da agricultura”, nos Estados Unidos, com a inserção da
motomecanização, da quimificação e da biotecnologia dentro dos processos naturais da
agricultura. Essa ação alterou a base técnica da agricultura e centralmente transformou a
sua função para um setor subordinado a indústria, ou seja, um fornecedor de matéria
prima e comprador de produtos industrializados como tratores, equipamentos agrícolas,
adubos solúveis e sementes melhoradas (GOODMAN, SORJ; WILKINSON, 1990). No
bojo dessas mudanças será possível a identificação do nascimento dos pilares do que
entendemos na atualidade como ATER.
Entre o final do século XIX e início do XX foram criadas nos EUA um conjunto de
legislações agrárias no sentido estruturação das modificações que emergiam na
agricultura (SILVA; OLIVEIRA, 2010). Uma das mais fundamentais foi a criação em
cada estado americano de uma Land Grand University como uma instituição de geração
de conhecimento e ensino de técnicas agroindustriais, como uma resposta da agricultura
ao processo maior de Revolução Industrial. Nessas universidades da terra eram formados
profissionais com perfil tecnológico para lidarem com as inovações industriais voltadas
para a agricultura.
Em conjunto com a Universidade foram criadas Estações Experimentais para a validação
das técnicas agrícolas que estavam sendo pesquisadas e um Serviço Cooperativo de
Extensão, em 1914, pela lei de Smith-Lever. O Serviço Cooperativo de Extensão funciona
inicialmente como um órgão de transmissão das novas tecnologias industriais para os
agricultores. Esse procedimento de comunicação era acompanhado da oferta de crédito
rural para a facilitação da difusão tecnológica. Esse ponto é tomado, nesse texto, como o
marco inicial da ATER (SILVA; OLIVEIRA, 2010).
A partir da emergência da ATER nos EUA o objetivo proposto para esse trabalho é a
análise da sua trajetóriahistórica dentro do Brasil até a atualidade, bem como os papeis
desenvolvidos pelos extensionistas. A estrutura desse texto está dividida na apresentação
e diferenciação das etapas sucessivas da ATER no Brasil; a construção de uma reflexão
da atualidade, em especial, dos novos papeis dos extensionistas; e concluindo aponta as
características e o perfil de um “novo profissionalismo” para a ATER.
Resultados e Discussões
Diferenciação das etapas da ATER no Brasil
Caporal (1998) analisa que a trajetória histórica da ATER no Brasil pode ser dividida em
quatro etapas distintas. Ele nomeia essas fases com Familiar Assistencialista (1948-60),
Produtivista Modernizador (1961-80), Crítico Reflexivo (1981-1990) e Transição
Ambientalista (1990-atual).
5. 5
Na etapa Familiar Assistencialista o foco da ação extensionista era de gerar nos
agricultores capacidades de busca de alternativas de melhorar as condições das famílias
rurais. O espaço de trabalho era a comunidade rural centrada na atuação junto as famílias.
Existia uma clara preocupação com a redução da pobreza rural. Nesse arcabouço o papel
do extensionista era de auxiliar a organização comunitária voltada a ampliação da
qualidade de vida. Frequentemente um trabalho com características sacerdotais que
permearam a atuação dos profissionais na época.
A equipe extensionista básica era formada por um profissional masculino formado nas
ciências agrárias e uma profissional do sexo feminino, ligada a área da economia
doméstica. A informação trabalhada com as famílias de agricultores era dividida entre os
aspectos da produção agrícola e os aspectos voltados ao lar.
Para a facilitação da adoção de práticas pelas famílias rurais era lançada mão do artifício
do Crédito Rural Supervisionado que atendia ambas as demandas. Esse instrumento de
crédito diferenciado emergiu em virtude do entendimento que os agricultores não
possuíam legitimidade para buscar financiamentos em redes bancárias (CAPORAL,
1998).
A fase que sucessora é intitula como Produtivista Modernizadora emergindo a partir da
avaliação realizada pela ABCAR da ação extensionista desde a década de 50. Essa
avaliação concluiu para atender a pressuposto do desenvolvimento era necessário um
processo de industrialização no Brasil. Para isso o setor da agricultura ganharia outras
tarefas como a liberação de mão de obra rural para trabalhar na indústria e ampliação da
produção e produtividade de cultivos e criações. Essa proposta tinha como pano de fundo
uma subordinação da agricultura a indústria, atendendo as funções de fornecer matéria
prima, gerar divisas com a exportação e baratear a alimentação dos operários
(GRAZIANO da SILVA, 1996)
Essas novas funções da agricultura moderna modificaram o papel da extensão rural.
Tendo como base a teórica da modernização (SCHULTZ, 1995), que aponta a
necessidade de substituição dos insumos tradicionais da agricultura por insumos
industriais modernos, a ATER priorizou como único caminho para a melhoria da
condição de vida dos agricultores a ampliação da renda da família rural através do
aumento da produção e da produtividade.
O Credito Supervisionado foi substituído pelo Crédito Rural Orientado, baseado no
Sistema Nacional Crédito Rural - SNCR. Esse instrumento era focado unicamente no
financiamento agropecuário em detrimento aos projetos sociais que não foram mais
financiados. Cabia ao extensionista a seleção dos agricultores mais aptos para a adoção
de tecnologias para receberem o apoio creditício. Também eram operacionalizadas pelos
extensionistas as políticas públicas do PROAGRO, com sendo um seguro agrícola
voltado as commodities, e PGPM com uma estratégia reguladora de compra e venda
também das commodities .
Nesse contexto a ATER se tornou um instrumento de política agrícola dentro do processo
de “modernização da agricultura”. Durante a década de 70 o governo federal
institucionalizou essa situação criando o SIBRATER (Sistema Brasileiro de Assistência
Técnica e Extensão Rural) que era constituído por uma empresa nacional de coordenação
da Extensão Rural, EMBRATER, e por empresas em cada estado da união de caráter
operacional, EMATER. Existia uma ligação natural entre a pesquisa agropecuária
voltada a cultivos de exportação realizada pela EMBRAPA e o sistema de ATER.
6. 6
A metodologia de extensão rural utilizada pelos extensionistas estava baseada na Teoria
da Difusão de Inovações de Rogers (1983), sendo intitulada de método difusionista e
tendo como ferramentas e técnicas os dias de campo, as unidades de observação, a
demonstração de métodos, entre outros.
Esse contexto modifica profundamente o papel do extensionista que deixa de exercer uma
ação social e comunitária e direciona sua atuação ao nível das propriedades focadas na
ampliação da produção e da produtividade de cultivos e criações. O método de extensão
é modificado para atender a necessidade da difusão tecnológica agropecuária através de
ferramentas e técnicas do método difusionista. O caráter da ação extensionista passa a ser
eminentemente econômico.
Essa fase tem uma ruptura a partir de 1980 em razão de uma crise econômica, ambiental
e social. A crise econômica iniciada pela alta do preço do petróleo (segunda crise do
petróleo de 1979) atingiu patamares de paralisação do crescimento industrial na totalidade
da década de 80, sendo considerada nesse aspecto por Graziano da Silva (1996) a “década
perdida”. Esse processo modificou o panorama da política mundial levando a forte
redução da ação do Estado sobre o processo de desenvolvimento e para o caso brasileiro
a desarticulação dos instrumentos de política pública utilizados na década anterior.
O processo de “modernização da agricultura” gerou externalidades ambientais que
começam a ser apresentada a sociedade. A erosão dos solos agrícolas, o assoreamento
dos rios, o envenenamento do alimento por agrotóxicos são exemplos que o movimento
ambientalista apontava, na época, como degradações fruto das modificações na base
técnica da agricultura.
Do ponto de vista social a ruptura econômica que paralisou o crescimento do emprego
urbano e a própria dinâmica da espiral tecnológica do processo de “modernização da
agricultura”, que expulsava sequencialmente um contingente de agricultores do campo,
levou a uma imensa pressão social eclodindo através de movimentos sociais rurais, em
especial, o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra - MST.
Esse conjunto de crise conjugadas apontou os limites do processo de “modernização da
agricultura” e da própria ação extensionista focada na difusão de tecnologias
agropecuárias. Esse é considerado o início da etapa Crítica-Reflexiva (CAPORAL, 1998).
Desde a década de 70 grupos de agricultores e técnicos vinham desenvolvendo um
contraponto teórico-metodológico ao processo de “modernização da agricultura” através
da chamada Agricultura Alternativa. Esses grupos pragmáticos se consolidaram em torno
da ideia de uma agricultura de base orgânica e com a participação dos saberes dos
camponeses. Vieram, nessa fase, se conformarem como Organizações Não
Governamentais-ONG sendo uma referencial diferencial de ATER (DAL SOGLIO,
2012).
Internamente a extensão rural pública passou por dois momentos sequenciais nesta etapa.
Primeiramente tentou ajustar sua ação para uma adaptação tecnológica e metodológica
com as mesmas bases do processo difusionista de inovação tecnológicas. Posteriormente
adentrou a um momento de crítica teórica e metodológica, pautado pelo referencial de
Paulo Freire, que levou a um profundo repensar da ação extensionista. Ou seja, tentou
responder as questões: Extensão para que? E para quem? Essa etapa da extensão ainda é
inconclusa, mas se mescla a próxima etapa de Transição Ambientalista.
Os elementos de participação dos agricultores no processo de desenvolvimento,
construção de projetos de “baixo para cima”, uso de metodologias participativas são
debates metodológicos que tomam força nesta fase atual da ATER (CHAMBERS, 83). O
7. 7
contraponto a noção metodológica difusionista (tipo top-down) é um elemento chave na
superação da fase anterior. Alguns programas do Banco Mundial de alívio a pobreza rural
foram desencadeadores para a superação da priorização do foco econômico-agropecuário.
Ocorreu a retomada de projetos de cunho social e principalmente a centralidade da ação
extensionista na categoria social da Agricultura Familiar e dentro dessa em grupos
empobrecidos. Analisando as questões da base técnica da agricultura é retomado o debate
de uma produção agropecuária de base orgânica, de uma agricultura orgânica e da
Agroecologia.
O papel do extensionista nessa fase contemporânea é modificado. A difusão tecnológica
deixa de ser a centralidade e assumi seu lugar as noções de Desenvolvimento Rural. O
trabalho retoma a ideia de desenvolvimento comunitário agregado a perspectiva de
preservação ambiental. Elementos de circuitos curtos de comercialização, policultivos,
agroindustrialização, produção de autoconsumo e pluriatividade são incorporados ao
cotidiano do trabalho. A operacionalização das políticas públicas em apoio aos processos
de desenvolvimento é uma marca atual dos extensionistas.
Porém cabe enfatizar que essa fase atual é uma transição. São percebidos dentro do
conjunto de extensionistas perfis profissionais fortemente arraigados na perspectiva da
difusão tecnológica e outros com posturas mais focadas em processos de
Desenvolvimento Rural. Esse continunn de posturas teórico-metodológico entre as
perspectivas difusionistas e participativa é um viés marcante da atualidade.
Reflexão dos elementos contemporâneos: os novos papéis dos extensionistas.
Nessa fase transicional os extensionistas convivem com novos e velhos elementos que
configuram sua ação. Para tentar avançar, neste texto, em uma perspectiva de futuro
iremos discorrer sobre um conjunto de indicadores que sedimenta um novo papel para o
profissional de ATER.
Existe o entendimento que o conjunto teórico que sustenta esse novo papel do
extensionista está pautado no Desenvolvimento Rural Sustentável - DRS, onde o
agricultor deixa de ser um simples receptor tecnológico e passa a ter papel de ator e
capacidade de agência na construção dos processos (LONG, 2001). Esse DRS tem
características multidimensionais e multifacetadas envolvendo temas sociais, econômicos
e ambientais.
Os principais objetivos do trabalho extensionista são a melhoria das condições de vida
dos agricultores e ao mesmo tempo a proteção ambiental. Nesse sentido são buscados
estilos de desenvolvimento social, economicamente equilibrados e ambientalmente
sustentáveis (CAPORAL, 2002). Não existe mais uma única fórmula ou único formato
como na fase da ampliação da produção e produtividade agrícola. Muitos serão os
caminhos do desenvolvimento gerando processos heterogêneos entre as comunidades
rurais.
Do ponto de vista da compreensão do meio ambiente se torna necessário a construção de
uma noção como uma base de recursos que deve ser utilizada adequadamente de forma a
alcançar a estabilidade nos sistemas agrícolas em razão da retomada do efeito dos ciclos
naturais como predador-presa e reciclagem nutricional. Sobre o aspecto da agricultura se
torna fundamental gerar o entendimento da co-evolução dos cultivos dentro dos
8. 8
agroecossistemas, bem como, a noção de um sistema complexo e diversificado suscitado
no encontro entre os saberes dos grupos sociais e os ecossistemas.
A Agroecologia, aqui entendida enquanto um campo da ciência, deve ser tomada como
fonte de orientação de princípios agroecológicos que norteiam tecnologias e práticas no
amplo espectro dentro da agricultura. Esses princípios atendem dimensões econômicas,
ambientais, sociais, políticas, culturais e éticas (CAPORAL; COSTABEBER, 2002)
Analisando os aspectos metodológicos se torna evidente a necessidade do abandono das
ferramentas e técnicas difusionistas e a busca de métodos de extensão rural que permitam
o diálogo horizontal entre os agricultores e esses com os extensionistas, o resgate do
conhecimento local dos grupos sociais e principalmente a construção do conhecimento
pautado no diálogo de saberes técnicos e populares. As metodologias participativas
oferecem um conjunto de princípios que atendem esse novo paradigma (CHAMBERS,
1983).
Finalizando, cabe a ênfase de que o papel do extensionista deixa de ser de um professor
ou de um repassador de tecnologias e práticas e passa a ser de facilitador de processos de
Desenvolvimento Rural. Muito mais complexo e multidisciplinar. Também emerge um
papel de pesquisador de soluções técnica e não técnicas, não padronizadas, no
atendimento as demandas comunitárias e territoriais.
A título de conclusão
Um “novo profissionalismo”
As novas exigências para o trabalho extensionista apresentadas anteriormente, esse novo
papel, propiciam a necessidade de um profissional diferente, requalificado, ou seja,
(emprestando o termo de Caporal; Costabeber, 2004) um “novo profissionalismo”.
A atual formação acadêmica dos profissionais das ciências agrárias propicia uma visão
fragmentada, dividida em disciplinas e direcionada para receitas técnicas como soluções
dos problemas. Esse caminho dificulta de sobremaneira o entendimento das correlações
sociais e ambientais existentes em um agroecossistema.
Também existe um distanciamento abstrato quando da relação com o agricultor.
Permanece a noção de diminuição da importância de seu conhecimento, das suas vontades
e motivações na construção do seu modo de vida. As disciplinas acadêmicas que estudam
esse aspecto dentro dos cursos das ciências sociais (Sociologia e Extensão Rural) têm
uma menor carga horária e por vezes são focadas em métodos de comunicação para
difusão tecnológica.
Esse conjunto gera um estilo de profissionalismo normal apoiado em método e
comportamento dominante. Para o exercício desses novos papeis exigidos na
contemporaneidade se faz necessário um novo profissionalismo.
Essa nova postura profissional estará ancorada em uma visão sistêmica e holística da
realidade onde as pessoas veem antes das coisas. Uma visão que permita encontrar
elementos que promovam processos sustentáveis.
Os métodos desse novo profissional precisam privilegiar a participação dos atores através
de um comportamento conciliador e articulador voltado a construção do conhecimento
9. 9
pelo diálogo de saberes. Necessariamente esse novo profissionalismo deve buscar na
multidisciplinaridade elementos de conexão para apoiar processos de Desenvolvimento
Rural.
Referências
CAPORAL, F. R.; COSTABEBER, J. A. Análise multidimensional da sustentabilidade
uma proposta metodológica a partir da agroecologia. Agroecologia e Desenvolvimento
Rural Sustentável, Porto Alegre, v.3, n.3, p.70-85, jul./set. 2002.
CAPORAL, F.R. La extensión agraria del sector público ante los desafíos del
desarrollo sostenible: el caso de Rio Grande do Sul, Brasil. 1998. 517 f. Tese
(Doutorado) - Programa de Doctorado en Agroecología, Campesinado e Historia, ISEC-
ETSIAN, Universidad de Córdoba. Córdoba, 1998.
CAPORAL, F. R. Recolacando as coisas nos seus devidos lugares: Um manifestó em
defesa da extensão rural pública e gratuíta para a agricultura familiar. 2002
CHAMBERS, R. Rural Development: Putting the last first. London: Logman, 1983
DAL SÓGLIO, F.Desenvolvimento, agricultura e agroecologia: qual a ligação? 2012.
Manuscrito.
GOODMAN; SORJ;WILKINSON. Das lavouras à biotecnologia: Agricultura
industrial no sistema internacional. 1990
GRAZIANO SILVA, J. G. A nova dinâmica da agricultura brasileira. Campinas:
Unicamp, 1996.
LONG, N. Development Sociology:actor perspectives. London: Routledge, 2001.
ROGERS, E.M. Diffusion of innovation. 3rd edition. New York: The free press, 1983.
SCHULTZ, T. W. A transformação da agricultura tradicional. Rio de Janeiro:
Zahar, 1995.
SILVA,A.P.; OLIVEIRA,J.T.A. O modelo cooperativo de extensão rural dos
Estados Unidos: contribuições possíveis para o Brasil. Revista Ceres, 2010.
10. 10
2 Capitulo II - Extensão Rural no Brasil
Introdução
O serviço de Assistência Técnica e Extensão Rural - ATER passou por diversas fases em
sua trajetória histórica de institucionalização. Para termos um ponto de partida na análise
tomaremos por base a emergência dos elementos principais do processo de
“modernização da agricultura”, nos Estados Unidos, com a inserção da
motomecanização, da quimificação e da biotecnologia dentro dos processos naturais da
agricultura. Essa ação alterou a base técnica da agricultura e centralmente transformou a
sua função para um setor subordinado a indústria, ou seja, um fornecedor de matéria
prima e comprador de produtos industrializados como tratores, equipamentos agrícolas,
adubos solúveis e sementes melhoradas (GOODMAN, SORJ; WILKINSON, 1990). No
bojo dessas mudanças será possível a identificação do nascimento dos pilares do que
entendemos na atualidade como ATER.
Entre o final do século XIX e início do XX foram criadas nos EUA um conjunto de
legislações agrárias no sentido estruturação das modificações que emergiam na
agricultura. Uma das mais fundamentais foi a criação em cada estado americano de uma
Land Grand University como uma instituição de geração de conhecimento e ensino de
técnicas agroindustriais, como uma resposta da agricultura ao processo maior de
Revolução Industrial. Nessas universidades da terra eram formados profissionais com
perfil tecnológico para lidarem com as inovações industriais voltadas para a agricultura
(SILVA; OLIVEIRA, 2010).
Em conjunto com a Universidade foram criadas Estações Experimentais para a validação
das técnicas agrícolas que estavam sendo pesquisadas e um Serviço Cooperativo de
Extensão, em 1914, pela lei de Smith-Lever. O Serviço Cooperativo de Extensão funciona
inicialmente como um órgão de transmissão das novas tecnologias industriais para os
agricultores. Esse procedimento de comunicação era acompanhado da oferta de crédito
rural para a facilitação da difusão tecnológica. Esse ponto é tomado, nesse texto, como o
marco inicial da ATER (SILVA; OLIVEIRA, 2010).
A partir da emergência da ATER nos EUA o recorte proposto para esse trabalho é a
análise da trajetória histórica no Brasil até atualidade enfatizando os elementos centrais
de cada etapa. A estrutura deste texto está dividida apresentação e diferenciação das
etapas sucessivas da ATER no Brasil, com destaque dos elementos contemporâneos e
conclusão através do apontamento das tendências de futuro.
Resultados e Discussões
Diferenciação das etapas da ATER no Brasil
As primeiras iniciativas institucionalizadas de extensão rural no Brasil foram diretamente
influenciadas pelo processo que estava ocorrendo nos EUA. No início da década de 30,
em Minas Gerais, a Universidade de Viçosa promovia a semana do fazendeiro aonde os
agricultores vinham até a Universidade tomar contato com as novas tecnologias. Esse
11. 11
processo estava pautado em uma noção de oferta de tecnologia e do interesse pelo
agricultor na busca dessa informação.
Entre as décadas de 40 e 50 é estruturado no Brasil um Serviço de Informação Agrícola-
SAI que através de programas de rádio e filmes de cinema de curta duração propagavam
a informação agrícola de forma massal (BORDANAVE, 95). A partir da assessoria da
Associação Internacional Americana-AIA, instituição filantrópica norte americana, é
avaliado o processo de transferência de informação e proposta a modificação do formato
dos projetos de extensão rural emergindo a noção de oferecer, através de equipe técnica
capacitada, a informação técnica diretamente na comunidade rural ou na casa dos
agricultores.
Caporal (1998) analisa que a trajetória histórica da ATER no Brasil pode ser dividida em
quatro etapas distintas. Ele nomeia essas fases com Familiar Assistencialista (1948-60),
Produtivista Modernizador (1961-80), Crítico Reflexivo (1981-1990) e Transição
Ambientalista (1990-atual).
Na etapa Familiar Assistencialista o foco da ação extensionista era de gerar nos
agricultores capacidades de busca de alternativas de melhoraria das condições das
famílias rurais. Dentro desse período ocorreu a fundação de associações de profissionais,
das áreas das ciências agrárias e sociais, em instituições de assessoria que se tornaram as
primeiras organizações oficiais de ATER. Em Minas Gerais, em 1948, é criada a
Associação de Crédito e Assistência Rural-ACAR. No Rio Grande do Sul, em 1955, é
fundada a Associação Sulina de Crédito e Assistência Rural-ASCAR. Em torno desse
período muitos estados também montaram suas organizações de ATER, que a partir de
1956, constituíram uma organização nacional através da Associação Brasileira de Crédito
e Assistência Rural-ABCAR.
O espaço de trabalho extensionista era a comunidade rural centrada na atuação junto as
famílias. Existia uma clara preocupação com a redução da pobreza rural. Nesse arcabouço
o papel do extensionista era de auxiliar a organização comunitária, voltada a ampliação
da qualidade de vida. Frequentemente um trabalho com características sacerdotais que
permearam a atuação dos profissionais na época.
A equipe extensionista básica era formada por um profissional masculino formado nas
ciências agrárias e uma profissional do sexo feminino, ligada a área da economia
doméstica. A informação trabalhada com as famílias de agricultores era dividida entre os
aspectos da produção agrícola e os aspectos voltados ao lar.
Para a facilitação da adoção de práticas pelas famílias rurais era lançada mão do artifício
do Crédito Rural Supervisionado que atendia ambas as demandas. Esse instrumento de
crédito diferenciado emergiu em virtude do entendimento que os agricultores não
possuíam legitimidade para buscar financiamentos em redes bancárias (CAPORAL,
1998).
A fase sucessora é intitula como Produtivista Modernizadora emergindo a partir da
avaliação realizada pela ABCAR da ação extensionista desde a década de 50. Essa
avaliação concluiu que para atender ao pressuposto do desenvolvimento era necessário
um processo de industrialização no Brasil. Para isso o setor da agricultura ganharia outras
tarefas como a liberação de mão de obra rural para trabalhar na indústria e ampliação da
produção e produtividade de cultivos e criações. Essa proposta tinha como pano de fundo
uma subordinação da agricultura a indústria, atendendo as funções de fornecimento
matéria prima, geração de divisas com a exportação e barateamento da alimentação dos
operários (GRAZIANO SILVA, 1996)
12. 12
Essas novas funções da agricultura moderna modificaram o papel da extensão rural.
Tendo como base a teórica da modernização (SCHULTZ, 1995), que aponta a
necessidade de substituição dos insumos tradicionais da agricultura por insumos
industriais modernos, a ATER priorizou como único caminho para a melhoria da
condição de vida dos agricultores a ampliação da renda da família rural através do
aumento da produção e da produtividade.
O Credito Supervisionado foi substituído pelo Crédito Rural Orientado, baseado no
Sistema Nacional Crédito Rural - SNCR. Esse instrumento era focado unicamente no
financiamento agropecuário em detrimento aos projetos sociais que não foram mais
financiados. Cabia ao extensionista a seleção dos agricultores mais aptos para a adoção
de tecnologias para receberem o apoio creditício. Também eram operacionalizadas pelos
extensionistas as políticas públicas do PROAGRO, com sendo um seguro agrícola
voltado as commodities, e PGPM com uma estratégia reguladora de compra e venda
também das commodities.
Nesse contexto a ATER se tornou um instrumento de política agrícola dentro do processo
de “modernização da agricultura”. Durante a década de 70 o governo federal
institucionalizou essa situação criando o SIBRATER (Sistema Brasileiro de Assistência
Técnica e Extensão Rural) que era constituído por uma empresa nacional de coordenação
da Extensão Rural, EMBRATER, que foi a substituta da ABCAR, e por empresas em
cada estado da união de caráter operacional, EMATER, que na maioria dos estados
substituiu as associações de crédito e assistência rural. Foi criada uma ligação natural
entre a pesquisa agropecuária voltada a cultivos de exportação, realizada pela
EMBRAPA, e o sistema EMBRATER.
A metodologia de extensão rural utilizada pelos extensionistas estava baseada na Teoria
da Difusão de Inovações de Rogers (1983), sendo intitulada de método difusionista e
tendo como ferramentas e técnicas os dias de campo, as unidades de observação, a
demonstração de métodos, entre outros.
Esse contexto modifica profundamente o papel do extensionista que deixa de exercer uma
ação social e comunitária e direciona sua atuação ao nível das propriedades focadas na
ampliação da produção e da produtividade de cultivos e criações. O método de extensão
é modificado para atender a necessidade da difusão tecnológica agropecuária através de
ferramentas e técnicas do método difusionista. O caráter da ação extensionista passa a ser
eminentemente econômico.
O processo de “modernização da agricultura” mudou a face do rural brasileiro. As
adoções das inovações tecnológicas ocorreram de forma diferencial entre os agricultores
e entre as regiões do país. Essa ação produziu um imenso gradiente de heterogeneidade
dentro da agricultura. Em um esforço de síntese podemos visualizar dois grandes grupos
que se consolidaram, sendo o primeiro formado de agricultores que mergulharam
profundamente no processo e modificaram completamente sua forma de fazer agricultura,
se tornando no primórdio do agronegócio; e o segundo grupo formado por uma miríade
de agricultores que adotaram em partes as técnicas da modernização, mas mantiveram
suas características de formação social, sendo o início da atual categoria da agricultura
familiar.
Essa fase tem uma ruptura a partir de 1980 em razão de uma crise econômica, ambiental
e social. A crise econômica iniciada pela alta do preço do petróleo (segunda crise do
petróleo de 1979) atingiu patamares de paralisação do crescimento industrial na totalidade
da década de 80, sendo considerada nesse aspecto por Graziano da Silva (1996) a “década
perdida”. Esse processo modificou o panorama da política mundial levando a forte
13. 13
redução da ação do Estado sobre o processo de desenvolvimento e para o caso brasileiro
a desarticulação dos instrumentos de política pública utilizados na década anterior.
O processo de “modernização da agricultura” gerou externalidades ambientais que
começam a ser apresentada a sociedade. A erosão dos solos agrícolas, o assoreamento
dos rios, o envenenamento do alimento por agrotóxicos são exemplos que o movimento
ambientalista apontava, na época, como degradações fruto das modificações na base
técnica da agricultura.
Do ponto de vista social a ruptura econômica que paralisou o crescimento do emprego
urbano e a própria dinâmica da espiral tecnológica do processo de “modernização da
agricultura”, que expulsava sequencialmente um contingente de agricultores do campo,
levou a uma imensa pressão social eclodindo através de movimentos sociais rurais, em
especial, o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra - MST.
Esse conjunto de crise conjugadas apontou os limites do processo de “modernização da
agricultura” e da própria ação extensionista focada na difusão de tecnologias
agropecuárias. Esse é considerado o início da etapa Crítica-Reflexiva (CAPORAL, 1998).
Desde a década de 70 grupos de agricultores e técnicos vinham desenvolvendo um
contraponto teórico-metodológico ao processo de “modernização da agricultura” através
da chamada Agricultura Alternativa. Esses grupos pragmáticos se consolidaram em torno
da ideia de uma agricultura de base orgânica e com a participação dos saberes dos
camponeses. Vieram, nessa fase, se conformarem como Organizações Não
Governamentais-ONG, sendo uma referencial diferencial de ATER (DAL SOGLIO,
2012).
Internamente a extensão rural pública passou por dois momentos sequenciais nesta etapa.
Primeiramente tentou ajustar sua ação para uma adaptação tecnológica e metodológica
com as mesmas bases do processo difusionista de inovação tecnológicas que já vinha
desenvolvendo através de projetos de tecnologias adaptadas. Posteriormente adentrou a
um momento de crítica teórica e metodológica, pautado pelo referencial de Paulo Freire,
que levou a um profundo repensar da ação extensionista. Ou seja, tentou responder as
questões: Extensão para que? E para quem? Essa etapa da extensão rural, ainda é
inconclusa, se mesclando com a próxima etapa de Transição Ambientalista.
Um fato histórico que demarca a fratura entre fases foi que em 1990, no governo de
Fernando Collor, ocorreu a extinção da EMBRATER e a finalização do financiamento
federal para a extensão rural. Isso levou a um intenso processo de desmonte da extensão
pública no Brasil com o fechamento de muitas EMATER.
A nova etapa de Transição Ambientalista traz a tona o debate dos elementos para a
participação dos agricultores no processo de desenvolvimento, da construção de projetos
de “baixo para cima”, uso de metodologias participativas. Essa discussão metodológica
passa a ser o contraponto da noção metodológica difusionista (tipo top-down), sendo um
elemento chave na superação da fase anterior (CHAMBERS, 83). Alguns programas do
Banco Mundial de alívio a pobreza rural foram desencadeadores para a superação da
priorização do foco econômico-agropecuário. Ocorreu a retomada de projetos de cunho
social e principalmente a centralidade da ação extensionista na categoria social da
Agricultura Familiar e dentro dessa em grupos empobrecidos. Analisando as questões da
base técnica da agricultura é retomado o debate de uma produção agropecuária de base
orgânica, de uma agricultura orgânica e da Agroecologia.
A partir dos anos 2000 um conjunto de legislações nacionais retomam o apoio à ATER
lhe vinculando a principal função de operacionalização das políticas públicas de
14. 14
Desenvolvimento Rural. São destacáveis a Política Nacional de Assistência Técnica e
Extensão Rural-PNATER, a retomada do SIBRATER, Lei Geral de ATER e a nova
Agência Nacional de ATER-ANATER que substitui as funções da EMBRATER.
Alguns elementos chaves se consolidam a partir desse arcabouço legal. O público de
atuação extensionista é exclusivamente os agricultores familiares respeitando sua imensa
diversidade; a matriz tecnológica de atuação agropecuária deve estar alinhada com os
pressupostos da Agroecologia; a metodologia de trabalho deve ser participativa utilizando
elementos da construção e diálogo de saberes com os agricultores; entre outros.
O papel do extensionista nessa fase contemporânea é modificado. A difusão tecnológica
deixa de ser a centralidade e assumi seu lugar as noções de Desenvolvimento Rural. O
trabalho retoma a ideia de desenvolvimento comunitário agregado a perspectiva de
preservação ambiental. Elementos como circuitos curtos de comercialização,
policultivos, agroindustrialização, produção de autoconsumo e pluriatividade são
incorporados ao cotidiano do trabalho.
Os extensionistas passam a ocupar o posto de mediadores entre os agricultores e de
proponentes de métodos de interface dentro das comunidades rurais. Esse diálogo entre
agricultores e outros atores produzem um processo de construção do conhecimento que
tem raízes com a realidade dos agroecossistemas, com a comunidade e com o território,
ou seja, um conhecimento contextualizado.
A operacionalização das políticas públicas em apoio aos processos de Desenvolvimento
Rural é uma marca atual dos extensionistas. Esse elemento é fortalecido pelo grande leque
das opções do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar-PRONAF
que possibilita diferenciação entre os grupos da agricultura familiar. Também existem
políticas públicas voltadas aos assentamentos de reforma agrária (ATES), territórios
rurais, diversificação em áreas produtoras de tabaco, entre outros.
Porém cabe enfatizar que essa fase atual é uma transição. Ainda são percebidos dentro do
conjunto de extensionistas perfis profissionais fortemente arraigados na perspectiva da
difusão tecnológica e outros com posturas mais focadas em processos de
Desenvolvimento Rural. Esse continunn de posturas teórico-metodológico entre as
perspectivas difusionistas e participativa é um viés marcante da atualidade.
A título de conclusão...
Durante a trajetória quase centenária da ATER no Brasil é perceptível que esses atores
desenvolveram diferenciados papéis em casa etapa. Inicialmente, na fase assistencialista,
exerciam uma função de organização comunitária em um período histórico que a
demanda por informações básicas de saúde, de produção e de educação eram prementes.
Dessa fase emerge uma característica essencial para a manutenção da extensão rural
independente da sua modificação de papeis que é a presença efetiva dentro da
comunidade, ou seja, sua capilaridade. O extensionista é um ator “de fora” da comunidade
que pelo seu trabalho e atuação se torna um ator “de dentro” na construção das
alternativas.
Na etapa produtivista modernizadora, descrita no texto, os papeis dos extensionista são
altamente modificados para um elemento de difusão tecnológica, com viés econômico.
Essa atuação, através da operacionalização das políticas públicas de “modernização da
agricultura”, mudou a base técnica da agricultura brasileira e transformou o perfil dos
15. 15
grupos sociais rurais. A capacidade de fazer a ligação entre uma política nacional e sua
materialização na dimensão local é um bom aprendizado nesse período.
As últimas etapas abordadas no texto (Crítica Reflexiva e Transição Ambientalista)
refletem a fase atual da ATER. Nessa os extensionista são defrontados com a
complexidade do novo rural brasileiro, sua multifuncionalidade e as pluriatividades dos
agricultores. O território rural passa a ser o espaço de ação mais amplo e a comunidade
rural o mais estreito, sendo que essa ligação não é simples exigindo um grande esforço.
O ambiente deixa de ser um recurso e passa a ser elemento chave na construção de um
conhecimento contextualizado de como fazer agricultura. A operacionalização de um
grande grupo de políticas públicas foca essencialmente os processos de Desenvolvimento
Rural.
Finalizando, ao analisar a trajetória da ATER no Brasil entende-se que esses atores sociais
rurais sempre possuíram um papel importante em todas as etapas as quais passaram na
história, sendo um mérito desses profissionais. Mesmo modificando seus papeis a
presença do extensionista parece ser uma das características que perdurarão para o futuro.
Porém, imagina-se que a ênfase de atuação deva ser dada na atuação voltado aos
agricultores mais empobrecidos da Agricultura Familiar e focada em uma perspectiva
agrícola e não-agrícola. Correndo os riscos inerentes de um exercício de previsão futura
é possível imaginar a continuidade da ação dos extensionistas atendendo aos agricultores
e atores do rural que estão com dificuldades de reprodução social. Uma vantagem para
essa atuação é a própria capilaridade da ATER e a possibilidade de construção coletiva
de alternativas dentro do território. Essas opções podem estar sedimentas em atividade
agrícolas como no caso de processos de diversificação e produção para o autoconsumo;
ou em atividades não-agrícolas como processos de agroindustrialização, mercado local e
industrialização difusa.
Referencias
BORDANAVE, J.D. O que é comunicação rural. 2 ed. São Paulo. Brasiliense.1985
CAPORAL, F.R. La extensión agraria del sector público ante los desafíos del
desarrollo sostenible: el caso de Rio Grande do Sul, Brasil. 1998. 517 f. Tese
(Doutorado) - Programa de Doctorado en Agroecología, Campesinado e Historia, ISEC-
ETSIAN, Universidad de Córdoba. Córdoba, 1998.
CHAMBERS, R. Rural Development: Putting the last first. London: Logman, 1983
DAL SÓGLIO, F. Desenvolvimento, agricultura e agroecologia: qual a ligação?
2012. Manuscrito.
GOODMAN; SORJ;WILKINSON. Das lavouras à biotecnologia: Agricultura
insdustrial no sistema internacional. 1990
GRAZIANO SILVA, J. A nova dinâmica da agricultura brasileira. Campinas:
Unicamp, 1996.
ROGERS, E.M. Diffusion of innovation. 3rd edition. New York: The free press, 1983.
16. 16
SCHULTZ, T. W. A transformação da agricultura tradicional. Rio de Janeiro:
Zahar, 1995.
SILVA, A.P.; OLIVEIRA,J.T.A. O modelo cooperativo de extensão rural dos
Estados Unidos: contribuições possíveis para o Brasil. Revista Ceres, 2010.
17. 17
3 Capitulo III - Políticas públicas de ATER
Introdução
As políticas públicas podem ser entendidas como diretrizes ou princípios norteadores da
ação do Estado, ou ainda, como regras e procedimentos para relações do Estado e a
sociedade. Normalmente orientam a aplicação de recursos públicos e traduzem em seus
resultados a distribuição de poder e a rearticulação dos custos e benefícios sociais.
Elaborar políticas públicas significa definir quem decide o quê, quando e para quem
(TEIXEIRA, 2002).
No sentido de entender a conecção entre políticas públicas e extensão rural analisaremos,
de forma sintética, a sua formação. O serviço de Assistência Técnica e Extensão Rural -
ATER passou por diversas fases em sua trajetória histórica de institucionalização. Para
termos um ponto de partida na análise tomaremos por base a emergência dos elementos
principais do processo de “modernização da agricultura”, nos Estados Unidos, com a
inserção da motomecanização, da quimificação e da biotecnologia dentro dos processos
naturais da agricultura. Essa ação alterou a base técnica da agricultura e centralmente
transformou a sua função para um setor subordinado a indústria, ou seja, um fornecedor
de matéria prima e comprador de produtos industrializados como tratores, equipamentos
agrícolas, adubos solúveis e sementes melhoradas (GOODMAN, SORJ; WILKINSON,
1990). No bojo dessas mudanças será possível a identificação do nascimento dos pilares
do que entendemos na atualidade como ATER.
Entre o final do século XIX e início do XX foram criadas nos EUA um conjunto de
legislações agrárias no sentido estruturação das modificações que emergiam na
agricultura. Uma das mais fundamentais foi a criação em cada estado americano de uma
Land Grand University como uma instituição de geração de conhecimento e ensino de
técnicas agroindustriais, como uma resposta da agricultura ao processo maior de
Revolução Industrial. Nessas universidades da terra eram formados profissionais com
perfil tecnológico para lidarem com as inovações industriais voltadas para a agricultura
(SILVA; OLIVEIRA, 2010).
Em conjunto com a Universidade foram criadas Estações Experimentais para a validação
das técnicas agrícolas que estavam sendo pesquisadas e um Serviço Cooperativo de
Extensão, em 1914, pela lei de Smith-Lever. O Serviço Cooperativo de Extensão funciona
inicialmente como um órgão de transmissão das novas tecnologias industriais para os
agricultores. Esse procedimento de comunicação era acompanhado da oferta de crédito
rural para a facilitação da difusão tecnológica. Esse ponto é tomado, nesse texto, como o
marco inicial da ATER (SILVA; OLIVEIRA, 2010).
A extensão rural na sua criação é compreendida como uma política pública em si, ou seja,
a sua existência e atuação devem ser percebidas como uma ação do Estado, e atrelado a
sua emergência se destaca a operação do Crédito Rural como sendo um instrumento direto
de política pública voltado ao rural.
A partir desse contexto o objeto de análise desse texto é a ATER no Brasil e a sua
imbricação com a política pública. Será analisada a trajetória histórica da extensão rural,
a partir das fases propostas por Caporal (1998), e os principais características da
operacionalização da política pública em cada etapa. Na conclusão será realizado um
apontamento das tendências para o futuro.
18. 18
Resultados e Discussões
Caporal (1998) analisa que a trajetória histórica da ATER no Brasil pode ser dividida em
quatro etapas distintas. Ele nomeia essas fases com Familiar Assistencialista (1948-60),
Produtivista Modernizador (1961-80), Crítico Reflexivo (1981-1990) e Transição
Ambientalista (1990-atual).
Na etapa Familiar Assistencialista o foco da ação extensionista era a geração nos
agricultores das capacidades para busca de alternativas de melhoraria das condições das
famílias rurais. Dentro desse período ocorreu a fundação de associações de profissionais,
das áreas das ciências agrárias e sociais, em instituições de assessoria que se tornaram as
primeiras organizações oficiais de ATER. Em Minas Gerais, em 1948, é criada a
Associação de Crédito e Assistência Rural-ACAR. No Rio Grande do Sul, em 1955, é
fundada a Associação Sulina de Crédito e Assistência Rural-ASCAR. Em torno desse
período muitos estados também montaram suas organizações de ATER, que a partir de
1956, constituíram uma coordenação nacional através da Associação Brasileira de
Crédito e Assistência Rural-ABCAR.
O espaço de trabalho extensionista era a comunidade rural centrada na atuação junto as
famílias. Existia uma clara preocupação com a redução da pobreza rural. Nesse arcabouço
o papel do extensionista era de auxiliar a organização comunitária, voltada a ampliação
da qualidade de vida. A equipe extensionista básica era formada por um profissional
masculino formado nas ciências agrárias e uma profissional do sexo feminino, ligada a
área da economia doméstica. A informação trabalhada com as famílias de agricultores
era dividida entre os aspectos da produção agrícola e os aspectos voltados ao lar.
Para a facilitação da adoção de práticas pelas famílias rurais era lançada mão da política
pública do Crédito Rural Supervisionado que atendia ambas as demandas. Esse
instrumento de crédito diferenciado emergiu em virtude do entendimento que os
agricultores não possuíam legitimidade para buscar financiamentos em redes bancárias
(CAPORAL, 1998).
O crédito rural supervisionado financiava a produção agrícola, melhorias no lar e aspectos
sanitários da moradia. Eram projetos dirigidos pelos extensionistas objetivando a
melhoria das condições de vida rural. Essa política pública possuía um forte caráter social
e auxiliou na organização comunitária rural. Foi também considerada basilar para a
emergência da próxima etapa.
A fase sucessora é intitula como Produtivista Modernizadora emergindo a partir da
avaliação realizada pela ABCAR da ação extensionista desde a década de 50. Essa
avaliação concluiu que para atender ao pressuposto do desenvolvimento era necessário
um processo de industrialização no Brasil. Para isso o setor da agricultura ganharia outras
tarefas como a liberação de mão de obra rural para trabalhar na indústria e ampliação da
produção e produtividade de cultivos e criações. Essa proposta tinha como pano de fundo
uma subordinação da agricultura a indústria, atendendo as funções de fornecimento
matéria prima, geração de divisas com a exportação e barateamento da alimentação dos
operários (GRAZIANO SILVA, 1996)
Essas novas funções da agricultura moderna modificaram o papel da extensão rural.
Tendo como base a teórica da modernização (SCHULTZ, 1995), que aponta a
19. 19
necessidade de substituição dos insumos tradicionais da agricultura por insumos
industriais modernos, a ATER priorizou como único caminho para a melhoria da
condição de vida dos agricultores a ampliação da renda da família rural através do
aumento da produção e da produtividade.
A intervenção do Estado na agricultura foi uma marca dessa etapa. Emergem como
política agrícola cinco instrumentos estratégicos, a saber: Sistema Nacional de Crédito
Rural-SNCR (1964) para financiamento da produção; Política de Garantia de Preços
Mínimos-PGPM (1966) como garantia de preços de comercialização; Sistema Brasileiro
de Assistência Técnica e Extensão Rural-SIBRATER (1975) para difusão de tecnologia;
Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária-EMBRAPA (1972) para geração de
tecnologia; e Programa de Garantia da Atividade Agropecuária-PROAGRO (1966) como
seguro agrícola (GRAZIANO SILVA, 1996).
Cabe salientar que o SIBRATER era constituído por uma empresa nacional de
coordenação da Extensão Rural, EMBRATER, que foi a substituta da ABCAR, e por
empresas em cada estado da união de caráter operacional, EMATER, que na maioria dos
estados substituiu as associações de crédito e assistência rural.
A política pública do Crédito Supervisionado foi substituída pelo Crédito Rural
Orientado, baseado no Sistema Nacional Crédito Rural. Esse instrumento era focado
unicamente no financiamento agropecuário em detrimento aos projetos sociais que não
foram mais financiados. Cabia ao extensionista a seleção dos agricultores mais aptos para
a adoção de tecnologias para receberem o apoio creditício. Também eram
operacionalizadas pelos extensionistas as políticas públicas do PROAGRO, com sendo
um seguro agrícola voltado as commodities, e PGPM com uma estratégia reguladora de
compra e venda também das commodities.
A pesquisa agropecuária, realizada pela EMBRAPA, estava focada nos produtos de
exportação e nos pressupostos de uma agricultura “moderna”. Para os extensionistas,
alocados nas EMATER, cabia o papel de buscar as inovações tecnológica da pesquisa e
servir como correia de transmissão da informação até o agricultor. Nesse contexto a
ATER se tornou um instrumento de política agrícola dentro do processo de
“modernização da agricultura”.
Esse contexto modificou profundamente o papel do extensionista que deixou de exercer
uma ação social e comunitária e direcionou sua atuação ao nível das propriedades focadas
na ampliação da produção e da produtividade de cultivos e criações. O método de
extensão foi modificado para atender a necessidade da difusão tecnológica agropecuária
através de ferramentas e técnicas do método difusionista. O caráter da ação extensionista
passou a ser eminentemente econômico (BORDANAVE, 95).
Como síntese dos resultados dessa etapa é possível identificar que o processo de
“modernização da agricultura” mudou a face do rural brasileiro. As adoções das
inovações tecnológicas ocorreram de forma diferencial entre os agricultores (grandes e
pequenos) e entre as regiões do país (Sul e Norte). Essa ação produziu um imenso
gradiente de heterogeneidade dentro da agricultura. Em um esforço de sinopse podemos
visualizar a consolidação de dois grandes grupos, sendo o primeiro formado de produtores
rurais que mergulharam profundamente no processo e modificaram completamente sua
forma de fazer agricultura, se tornando no primórdio do agronegócio; e o segundo grupo
formado por uma miríade de agricultores que adotaram em partes as técnicas da
modernização, mas mantiveram suas características de formação social, sendo o início da
atual categoria da agricultura familiar.
20. 20
Essa fase tem uma ruptura a partir de 1980 em razão de uma crise econômica, ambiental
e social. A crise econômica iniciada pela alta do preço do petróleo (segunda crise do
petróleo de 1979) atingiu patamares de paralisação do crescimento industrial na totalidade
da década de 80, sendo considerada nesse aspecto por Graziano da Silva (1996) a “década
perdida”. Esse processo modificou o panorama da política mundial levando a forte
redução da ação do Estado sobre o processo de desenvolvimento e para o caso brasileiro
a desarticulação dos instrumentos de política pública utilizados na década anterior.
Um fato histórico que demarca a fratura entre fases foi que em 1990, no governo de
Fernando Collor, ocorreu a extinção da EMBRATER e a finalização do financiamento
federal para a extensão rural. Isso levou a um intenso processo de desmonte da extensão
pública no Brasil com o fechamento de muitas EMATER. Caporal (98) destaca que esse
é o momento do início das fases atuais da ATER no Brasil intituladas por como
Crítico/Reflexiva e Transição Ambientalista.
Esse quadro de crise agregado a abertura política promoveu espaço aos movimentos
sociais no sentido da reivindicação de políticas públicas diferenciais para cada categoria
social. Nesse caldo emerge o Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura
Familiar-PRONAF como uma política de abrangência nacional dirigida à Agricultura
Familiar. A ATER passa a exercer um papel de operacionalização dessa política sendo
responsável pelo enquadramento dos beneficiários através da Declaração de Aptidão ao
Pronaf-DAP e dos projetos técnicos de cunho agropecuário (GRISA, 2013).
O PRONAF financia projetos individuais e coletivas com taxas de juros mais baixas. Seus
principais objetivos foram o fortalecimento da agricultura familiar através do aumento do
emprego e da renda, melhoria da qualidade de vida e inserção dos agricultores no
mercado. Na sua trajetória o PRONAF obteve um enorme sucesso sendo uma linha
divisória na trajetória de legitimação da categoria da agricultura familiar
(FERNADES,2013).
O sucesso do Pronaf abriu porta para a efetivação, em 1999, do Ministério do
Desenvolvimento Agrário como uma estrutura do governo federal direcionada a
construção de políticas públicas para a agricultura familiar, sendo abarcado no seu interior
a gestão da ATER no Brasil.
A partir dos anos 2000 existe uma intensa ascensão de políticas públicas que focam nos
elementos de um “novo rural brasileiro”. Nessa nova ótica de análise é destacado que os
espaço rural não é apenas local de atividades agropecuárias. As atividades não agrícolas
passam a ser responsáveis por parcelas cada vez mais respeitáveis da renda dos
agricultores. Emergem as pluriatividades com os agricultores tipo part time que
conseguem melhores rendimentos econômicos que os agricultores monoativos
(GRAZIANO SILVA, 2001).
Começam a perder força explicativa as noções setoriais do desenvolvimento, onde o
urbano é sinônimo de indústria e o rural é de produção agrícola. O fenômeno da
industrialização difusa promove a presença de indústrias em espaços rurais aproveitando
as vantagens comparativas de cada território. Cresce o interesse pela abordagem territorial
do desenvolvimento. (FAVARETO, 2006). Muitos outros novos elementos são
reconectados como a comercialização em circuitos curtos, a produção agropecuária de
base ecológica, a experiência de assentamentos rurais entre outros.
O conjunto desses elementos acaba sendo impulsionado por políticas públicas
especificas. A título de exemplo é possível a visualização do grupo de políticas públicas
21. 21
que estão expressas no Plano Safra da Agricultura Familiar 2014/15, sendo um esforço
sistêmico de políticas voltadas ao desenvolvimento rural (BRASIL, 2014).
O Pronaf, que é um projeto de custeio e ou investimentos para atividades agropecuárias,
foi desdobrado em Pronaf produção orientada, agroecologia, jovem, mulheres e
microcrédito para abarcar diferentes estratos de renda bruta familiar e para ampliar os
temas e as fatias de beneficiários desse novo rural. Os assentamentos da reforma agrária
receberam uma linha de crédito diferenciada adaptada a sua realidade de início de uso da
terra. Foram criados instrumentos de seguro agrícola, garantia de safra e programa de
preços mínimos para produtos agropecuários típicos da agricultura familiar com a
produção de alimentos. Emergiram programas de comercialização em circuitos curtos de
comercialização como Programa de Aquisição de Alimentos-PAA e Programa Nacional
de Alimentação Escolar-PNAE onde o alimento produzido pela agricultura familiar
atinge mercados institucionais importantes. Iniciativas de busca de uma gestão territorial
são vistas também dentro desse grupo de políticas públicas (BRASIL,2014).
O Plano Safra da Agricultura Familiar se torna uma coadunação de políticas públicas
voltada ao rural que abarcam um conjunto heterogêneo de aspectos, respeitando a
diversidade da própria categoria social, e tendo como orientação geral os processos de
desenvolvimento rural.
Também a partir dos anos 2000 um conjunto de legislações nacionais retomam o apoio à
ATER (após sua desconexão em 1990) lhe vinculando a principal função de
operacionalização das políticas públicas de Desenvolvimento Rural. São destacáveis a
Política Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural-PNATER, a retomada do
SIBRATER, Lei Geral de ATER e a nova Agência Nacional de ATER-ANATER que
substitui as funções da EMBRATER.
Nesse arcabouço legal é possível a visualização de alguns elementos chaves que se
consolidam, com por exemplo, a atuação dos extensionista sendo voltada exclusivamente
aos agricultores familiares respeitando a sua imensa diversidade; a matriz tecnológica de
atuação agropecuária deve estar alinhada com os pressupostos da Agroecologia; a
metodologia de trabalho deve ser participativa utilizando elementos da construção e
diálogo de saberes com os agricultores; entre outros (PNATER,2004).
O papel do extensionista nessa fase contemporânea é modificado. A difusão tecnológica
deixa de ser a centralidade e assumi seu lugar as noções de Desenvolvimento Rural. O
trabalho retoma a ideia de desenvolvimento comunitário agregado a perspectiva de
preservação ambiental. Os extensionistas passam a ocupar o posto de mediadores entre
os agricultores e de proponentes de métodos de interface dentro das comunidades rurais.
Esse diálogo entre agricultores e outros atores produzem um processo de construção do
conhecimento que tem raízes com a realidade dos agroecossistemas, com a comunidade
e com o território, ou seja, um conhecimento contextualizado (COTRIM,2013).
A operacionalização das políticas públicas em apoio aos processos de Desenvolvimento
Rural é uma marca atual dos extensionistas. Esse elemento é fortalecido pelo grande leque
das opções do Plano Safra da Agricultura Familiar que possibilita diferenciação entre os
grupos da agricultura familiar. Também existem políticas públicas de ATER voltadas aos
assentamentos de reforma agrária (ATES), territórios rurais (PRONAT), diversificação
em áreas produtoras de tabaco (Chamada Pública), entre outros.
22. 22
A título de conclusão...
Nessa análise das etapas da ATER no Brasil com ênfase na operacionalização das
políticas públicas do rural é possível apreender que a extensão rural conseguiu cristalizar
na história o seu papel como ator de mediação entre o Estado e os agricultores. Em todas
as fases estudadas salta aos olhos que os extensionistas exerceram um papel facilitador
de tradução da política pública e de ligação efetiva entre a intensão do Estado, naquele
momento, e a sua concretude no espaço. Esse fato não pode ser entendido como um fator
de pouca importância e deve ser realçado! Poucas são as instituições que possuem esse
grau de “capilaridade” dentro do tecido social. Nesse sentido se reafirma a noção de que
a própria existência da ATER no contexto das instituições ligadas ao Estado é também
um política pública. A opção da manutenção desse instrumento no cenário e a seu próprio
financiamento pelo setor público é uma evidencia dessa intencionalidade.
Essa modificação dos papeis de atuação da ATER em sua trajetória e a própria
modificação da atuação do Estado, via políticas públicas agrárias, nos dão pistas para um
vislumbre de futuro. Inicialmente, na fase assistencialista, a extensão rural exercia uma
função de organização comunitária em um período histórico que a demanda por
informações básicas de saúde, de produção e de educação eram prementes. A experiência
com a operacionalização do crédito supervisionado gerou expertise na construção de
projetos sociais e econômicos.
Na etapa produtivista modernizadora, descrita no texto, os papeis dos extensionista são
altamente modificados para um elemento de difusão tecnológica, com viés econômico.
Essa atuação, através da operacionalização das políticas públicas de “modernização da
agricultura”, mudou a base técnica da agricultura brasileira e transformou o perfil dos
grupos sociais rurais. A capacidade de fazer a ligação entre uma política nacional e sua
materialização na dimensão local é um bom aprendizado nesse período.
As últimas etapas abordadas no texto (Crítica Reflexiva e Transição Ambientalista)
refletem a fase atual da ATER. Nessa os extensionista são defrontados com a
complexidade do novo rural brasileiro, sua multifuncionalidade e as pluriatividades dos
agricultores. O território rural passa a ser o espaço de ação mais amplo e a comunidade
rural o mais estreito, sendo que essa ligação não é simples exigindo um grande esforço.
O ambiente deixa de ser um recurso e passa a ser elemento chave na construção de um
conhecimento contextualizado de como fazer agricultura. A operacionalização de um
grande grupo de políticas públicas, como os apresentados no Plano Safra da Agricultura
Familiar, foca essencialmente os processos de Desenvolvimento Rural.
Finalizando, ao analisar a trajetória da ATER no Brasil entende-se que esses atores sociais
rurais sempre possuíram um papel importante em todas as etapas as quais passaram na
história, sendo um mérito desses profissionais. Mesmo modificando a lógica da ação do
Estado via políticas pública a presença do extensionista parece ser uma das características
que perdurarão para o futuro. Porém, imagina-se que a ênfase de atuação deva ser dada
na atuação voltado aos agricultores mais empobrecidos da Agricultura Familiar e focada
em uma perspectiva agrícola e não-agrícola. Correndo os riscos inerentes de um exercício
de previsão futura é possível imaginar a continuidade da ação dos extensionistas
atendendo aos agricultores e atores do rural que estão com dificuldades de reprodução
social. Uma vantagem para essa atuação é a própria “capilaridade” da ATER e a
possibilidade de construção coletiva de alternativas dentro do território. Essas opções
podem estar sedimentas em atividade agrícolas como no caso de processos de
23. 23
diversificação e produção para o autoconsumo; ou em atividades não-agrícolas como
processos de agroindustrialização, mercado local e industrialização difusa.
Referencias
BORDANAVE, J.D. O que é comunicação rural. 2 ed. São Paulo. Brasiliense.1985
BRASIL. Plano Safra da Agricultura Familiar 2014-2015: Alimento para o Brasil.
MDA. 2014
PNATER. Política Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural. MDA. 2004
CAPORAL, F.R. La extensión agraria del sector público ante los desafíos del
desarrollo sostenible: el caso de Rio Grande do Sul, Brasil. 1998. 517 f. Tese
(Doutorado) - Programa de Doctorado en Agroecología, Campesinado e Historia, ISEC-
ETSIAN, Universidad de Córdoba. Córdoba, 1998.
COTRIM, D.S. O estudo da participação na interface dos atores na arena de
construção do conhecimento agroecológico. Tese de doutorado. UFRGS.2013.
FAVARETO, A.S. Paradigmas do desenvolvimento rural em questão- Do agrário ao
territorial. Tese Doutorado. USP. 2006
FERNADES, A.M.S. O PRONAF na agricultura familiar: Sua criação, distribuição e
principais resultados. Monografia. UFRGS. 2013.
GOODMAN; SORJ;WILKINSON. Das lavouras à biotecnologia: Agricultura
insdustrial no sistema internacional. 1990
GRAZIANO SILVA, J. A nova dinâmica da agricultura brasileira. Campinas:
Unicamp, 1996.
GRAZIANO SILVA, J. Novo rural brasileiro. Nova Economia. 1997
ROGERS, E.M. Diffusion of innovation. 3rd edition. New York: The free press, 1983.
SCHULTZ, T. W. A transformação da agricultura tradicional. Rio de Janeiro:
Zahar, 1995.
SILVA, A.P.; OLIVEIRA,J.T.A. O modelo cooperativo de extensão rural dos
Estados Unidos: contribuições possíveis para o Brasil. Revista Ceres, 2010.
TEIXEIRA, E.C. O papel das políticas públicas no desenvolvimento local e na
transformação da realidade. ATR-BA. 2002.G
24. 24
4 Capitulo IV - Tecnológicas na agricultura.
Introdução
A tecnologia é entendida nesse texto como um conjunto de conhecimentos aplicados a
um determinado processo produtivo agropecuário. Esse conhecimento pode estar sendo
agregado de forma autóctone na relação cotidiana dos agricultores com o
agroecossistema, ou através de processos exógenos de difusão de tecnológica.
O conhecimento tradicional construído na agricultura ocorre por meio de processos de
constituição social de variadas alternativas tecnológicas, as quais combinam fatores
através de um saber fazer conduzido pelas gerações. A construção do conhecimento é
entendida como um processo de acúmulo de saber edificado no tempo pelos agricultores.
Reflete o aprendizado que a sociedade acumulou na sua relação com a natureza.
Configura-se com um processo de coprodução entre o homem e o ecossistema.
Ao longo dos séculos, os agricultores introduziram, de forma intencional ou involuntária,
um conjunto de pequenas mudanças na gestão de seus agroecossistemas, adaptando e
ajustando as demandas da sociedade às dinâmicas ambientais locais (MAZOYER;
ROUDART, 2001).
Os sistemas biológicos têm potencialidades agrícolas que são captadas pelos agricultores
em um procedimento de observação e aprendizado gerando conhecimento seletivo e
cultural. Nesse processo de co-evolução dos sistemas sociais e culturais existe uma
dependência estrutural entre eles, ou seja, a evolução da cultura do homem pode ser
explicada pela relação ambiente-cultura e vice-versa (NORGAARD, 1989).
Nesse processo o conceito de novidade emerge e funciona como um novo insight de uma
prática, ou mesmo uma nova prática. De certa forma é a fronteira entre o conhecido e o
desconhecido. A maioria das novidades se caracteriza como um novo jeito de fazer algo,
um novo modo de ampliar o potencial.
Na atualidade dentro do processo de construção tradicional do conhecimento existem
papeis chaves dos atores da pesquisa e da extensão, como por exemplo, a mediação social
promovida pelos extensionistas ou a construção participativa de alternativas tecnológicas
entre os pesquisadores.
Por outro lado, Buttel (1995) aponta que a primeira grande transição da agricultura que
ocorreu no século XX, se caracterizou pela passagem de uma agricultura autóctone, ou
seja, pautada na dinâmica da construção tradicional do conhecimento para uma
agricultura da fase da “modernização da agricultura”. Essa transição, em seu bojo,
pressupôs o declive da influência das forças biofísicas, das estruturas sociais e das
relações sociais na determinação das práticas agrícolas. Existiu uma redução do número
de tecnologias, ocorrendo uma centralização em produtos bioquímicos de produção
industrial, levando a uma significativa homogeneização da agricultura mundial.
O processo de “modernização da agricultura” foi caracterizado como uma transformação
da base tecnológica da agricultura. O progresso técnico na agricultura, entendido como
incorporação de tecnologia moderna, trouxe elementos industriais para dentro do sistema
de produção agropecuário modificando o modo de fazer agricultura.
As práticas agrícolas foram paulatinamente se modificando no sentido da intensificação,
quimificação e mecanização. A tecnologia na agricultura passou a ser pautada em um
25. 25
pequeno grupo de inovações que modificaram a produção em grandes áreas. Esse avanço
tecnológico na agricultura, em grande medida foi independente da sociedade, ou das
relações sociais, e também do ambiente e a sua capacidade de resiliência, ou seja, uma
inovação tecnológica normalmente é desconexa do agroecossistema. Emerge um segundo
conceito ligado ao tema que é de inovação tecnológica (BUTTEL, 1995).
Naturalmente os papeis da pesquisa e da extensão em relação ao processo de difusão das
inovações tecnológicas se tornam diferentes do formato na construção tradicional do
conhecimento.
A partir da contextualização desses dois formatos de construção de tecnologias o objetivo
desse texto é apresentar os elementos dos processos de construção tradicional do
conhecimento e da “modernização da agricultura” dialogando sobre as diferenças
existentes na relação entre pesquisa e extensão rural. A estrutura do artigo está dividida
em uma primeira seção de análise da etapa da “modernização da agricultura” em especial
a dinâmica do progresso técnico na agricultura e uma segunda seção onde trata da as
características do processo de construção tradicional do conhecimento.
Resultados e discussão
O processo de “modernização agricultura”
O processo de “modernização da agricultura” foi marcado pela introdução de inovações
tecnológicas que modificaram a base técnica da agricultura. A teoria da modernização de
Schultz (1965) foi a que sustentou esse processo. Essa teoria aponta que a agricultura
tradicional está em uma condição de atraso em virtude dos baixos rendimentos econômico
devido ao uso de insumos tradicionais. Essa agricultura deveria romper a barreira do
tradicionalismo e ingressar em um mundo econômico e dinâmico através da substituição
desses insumos por novas tecnologias industriais.
Graziano Silva (99) aponta que para as inovações tecnológicas modernas adentrarem na
agricultura algumas de suas particularidades, que as diferenciam da indústria, devem ser
entendidas. Ele divide essas em particularidades dos processos biológicos, condicionantes
naturais da produção agrícola e o papel da terra como meio de produção essencial.
Os processos biológicos nos quais a agricultura é assentada são contínuos não sendo
possível uma separação como no caso da indústria, ou seja, existe a imposição do tempo
de plantar, tempo de crescer e tempo de colher o que impossibilita uma divisão do
trabalho. Mesmo com a artificialização do ambiente existem condicionantes naturais
inerentes a produção agrícola que não se pode prescindir como a luz solar, horas de frio
e período seco para a colheita. A terra é um fator fundamental para agricultura não
existindo a possibilidade de sua substituição (GRAZIANO SILVA, 99). Considerando
esse conjunto de condicionantes o principal objetivo da pesquisa agropecuário foi a busca
da redução das barreiras que os processos naturais impõem as inovações tecnológicas.
As inovações tecnológicas na agricultura geradas pela pesquisa podem ser divididas em
inovações mecânicas como tratores e colheitadeiras que reduzem o tempo de jornada de
trabalho; as inovações físico-químicas como adubos solúveis que modificam as condições
naturais do solo elevando a produtividades; inovações biológicas como sementes
melhoradas que reduzem o tempo de imobilização do capital em razão de ciclos mais
26. 26
curtos; e, inovações agronômicas que permitem novos arranjos de organização
aumentando a produtividade (GRAZIANO SILVA, 99).
No Brasil, entre os anos 60 e 70, cinco instrumentos estratégicos de políticas agrícola
impulsionaram o processo de “modernização da agricultura”, ou seja, a incorporação de
inovações tecnológicas, sendo elas; Sistema Nacional de Crédito Rural-SNCR (1964)
voltado para o financiamento da produção agropecuária; Política de Garantia de Preços
Mínimos-PGPM (1966) garantia estatal de um preço padronizado de comercialização;
Sistema Brasileiro de Assistência Técnica e Extensão Rural-SIBRATER (1975) para
difusão das inovações tecnológicas; Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária-
EMBRAPA (1972) voltada a geração de tecnologia; e Programa de Garantia da Atividade
Agropecuária-PROAGRO (1966) como seguro agrícola (GRAZIANO SILVA, 1996).
Focando no objetivo desse texto e colocando a lente na pesquisa agropecuária
desenvolvida pela EMBRAPA é possível a percepção que essa produziu um conjunto de
inovações tecnológicas recortadas dentro da lógica da mudança de uma base tradicional
de agricultura para uma agricultura moderna (SCHULTZ,65). As inovações foram
produzidas por pesquisadores, em centro de pesquisas externos aos espaços sociais locais.
Essas foram formadas por um conjunto de técnicas agrícolas padronizadas. Para a sua
constituição partiu-se da premissa da existência de uma uniformização na diversidade dos
ecossistemas.
Essas inovações foram criadas dentro de centro de pesquisas especializados focados em
cultivos e criações para a exportação, os Centros Nacionais por produto. As inovações
tecnológicas foram projetadas para serem difundidas aos agricultores na forma de pacote
tecnológico em substituição ao seu sistema de produção tradicional (SCHULTZ,65).
Nesse sentido a pesquisa ocupou um papel exógeno ao espaço dos agricultores. Os Centro
de Pesquisa são locais de desenvolvimento tecnológico que são influenciados por sinais
de escassez de determinado fator de produção e respondem produzindo inovações
tecnológicas, como por exemplo, o desenvolvimento de inovações na área da
motomecanização em locais de escassez de mão de obra. Esse processo tem como base a
Teoria da Inovação Induzida (HAYAMI; RUTTAN,1971)
Deslocando o olhar para o SIBRATER é possível a constatação de que o papel principal
da extensão rural nessa perspectiva foi de funcionar como correria de transmissão das
inovações tecnológicas geradas na pesquisa até os agricultores. O extensionista recebe da
pesquisa o pacote tecnologia e transfere esse conhecimento exógeno para dentro do
espaço dos agricultores. Cabe ao extensionista a função de difundir as inovações
promovendo a substituição do uso de insumos tradicionais por insumos modernos, em
suma, transformar a agricultura tradicional em moderna.
A principal metodologia de extensão rural utilizada pelos extensionistas era o
difusionismo, que estava baseada na Teoria da Difusão de Inovações (Rogers,1983). O
método difusionista de extensão é ajustado para atender a necessidade da difusão
tecnológica agropecuária através de ferramentas e técnicas de convencimento dos
agricultores. O caráter da ação extensionista passa a ser eminentemente econômico, ou
seja, persuasão através das vantagens econômicas da mudança tecnológica.
Rogers (83) entende que as inovações tecnológicas não são difundidas de forma linear
pelos agricultores. O autor propõe que o comportamento dos grupos sociais na adoção
das tecnologias respeita o ciclo de uma “curva normal”, onde existem um grupo de
produtores inovadores que adotam tecnologia em um primeiro estágio; um grupo de
primeiro adeptos possuem disposição para adoção em grau menor aos inovadores, mas
27. 27
ainda assumem riscos iniciais da adoção; um grupo de produtores que formam a maioria
inicial como um segmento amplo que acaba sendo um indicador que a difusão da
tecnologia ganhou força; um grupo de maioria tardia que também é um segmento amplo,
mas que possuem maior grau de resistência a adoção tecnológica; e finalmente um grupo
de agricultores retardatários que somente adota inovação quando risco são muito
pequenos.
Além dessa variação comportamental do grupo de produtores devem ser avaliadas as
premissas para uma inovação tecnológica ser difundida aos agricultores que é a existência
de uma vantagem econômica visível em relação a tecnologia tradicional; que esteja
pautada na intensificação da produção, ou seja, aumento da produtividade e que seja
exógena ao sistema dos agricultores (ROGERS,1983).
As ferramentas e técnicas extensionistas dentro do método difusionista são desenhadas
no sentido de ampliar a adoção tecnológica utilizando principalmente os argumentos
econômicos. São utilizados dias de campo para apresentação de um conjunto mais
complexo de inovações tecnológicas; unidades de observação para visualização de uma
inovação normalmente alocada em uma propriedade de um agricultor do tipo inovador; a
demonstração de métodos, entre outros.
Finalizando, a extensão rural possui o papel de buscar a persuasão dos agricultores,
através do método difusionista, no sentido da adoção de inovações tecnológica geradas
pela pesquisa agropecuária. No Brasil essa relação foi planejada dentro de um conjunto
de políticas públicas estratégicas que impulsionaram o processo de “modernização da
agricultura”.
O processo de construção tradicional do conhecimento
O processo de construção tradicional do conhecimento está embebido nas relações
sociais. Nas comunidades rurais existe um sistema de troca de informações, produtos,
sementes e conhecimentos entre os agricultores, que permite a configuração de novas
práticas e manejos dentro dos agroecossistemas pela combinação de alternativas geradas
por diferentes atores (COTRIM, 2013).
O acúmulo de conhecimento e o próprio processo de produção do conhecimento local
estão ligados aos tempos naturais das pessoas, e perpassam um conjunto de regras e
costumes aceitos socialmente. Esses diálogos dentro dos espaços comunitários utilizam
elementos de comunicação oral e estão cercados de regras e tradições locais. Alguns
exemplos dentro do âmbito da agricultura que podem enfatizar essa noção, são: o respeito
por parte dos agricultores das fases da lua para semeadura de grãos, ou a seleção de
sementes, como o milho, a partir de sua utilização em pratos típicos que agradam o
paladar de determinado grupo, ou ainda a seleção de animais domésticos, como os
bovinos, em relação a sua aptidão como a força para o trabalho ou a produção leiteira.
A noção contemporânea de construção tradicional do conhecimento começou a ser
articulada dentro do conjunto de reflexões teóricas e metodológicas que se desenrolavam
a partir da análise das externalidades do processo de “modernização da agricultura” e
busca o entendimento do conhecimento ordenado e reordenado no cotidiano dos atores
(COTRIM,13).
Existe o entendimento que o conhecimento não é apenas produzido pelos cientistas dentro
dos laboratórios como, por exemplo, as inovações tecnológicas da fase da “modernização
28. 28
da agricultura”. Esse é um tipo de produção de conhecimento especializado ou disciplinar,
ou seja, um recorte analítico ou um pedaço a ser estudado. O conhecimento construído
nesse formato não pode ser ignorado, desprezado ou reduzido em sua importância. Este
produz fundamentações e premissas básicas que orientam uma série de processo e práticas
sociais.
Por outro lado, os agricultores na sua relação cotidiana com o agroecossistema, seja nas
práticas de produção agrícola ou nas formas de relacionamento comunitário, produzem
um acumulado de conhecimento. Esse saber fazer é culturalmente orientado e
profundamente enraizado nas características ecológicas do espaço.
Na atualidade, essa forma de construção do conhecimento não está desconectada do
conhecimento produzido de forma disciplinar e experimental, ou seja, o conhecimento
científico. Existem interfaces que os ligam através de várias mediações realizadas pelos
atores nos processos comunicacionais. Os processos localizados de produção do
conhecimento possuem o aporte do conhecimento científico produzido. A produção de
conhecimento popular parte das premissas desenvolvidas disciplinarmente na ciência.
Um agricultor, por exemplo, quando busca um novo modo de cultivar a terra, não
desconhece as ferramentas da motomecanização ou o efeito dos agroquímicos. Ele parte
desse conhecimento científico e configura e reconfigura um novo conhecimento.
Esse diálogo entre o saber científico e o saber popular está colocado dentro de múltiplas
interações sistêmicas. A produção de conhecimento contextualizado é influenciada pelas
relações biológicas existentes entre solo-animais-plantas no agroecossistema, que se
conformam a partir das condições edafo-climáticas como um sistema maior. Ou seja, a
formatação de dada prática de agricultura, é no mínimo influenciada pelas regras e
costumes do grupo social, pelas relações biológicas, pelas relações climáticas, pelas
características de solo, água, fauna e flora. Um emaranhado de sistemas auto dependentes
e autorregulados (COTRIM,2013).
Na construção de conhecimento através do diálogo de saberes, os atores não estão
buscando a constituição de novas leis universais. O conhecimento contextualizado é
localizado e retoma a noção de novidade como sendo um novo insight de uma prática ou
mesmo, uma nova prática. A novidade é necessariamente contextualizada, internalizada
e territorializada nas arenas, sendo dirigida pelos atores locais. Essa novidade localizada
está assentada na relação dos atores em dado agroecossistema. Ela depende de seu
substrato, o ecossistema local e também do repertório cultural do grupo social, gerando
assim, um viés endógeno. Nesse sentido, a novidade torna-se central na busca de
sustentabilidade, na busca de um novo acerto entre as capacidades ambientais e o
repertório cultural do grupo social tácito (OOSTINDIE; BROEKHUIIZEN, 2008).
Nesse contexto emerge a questão: Como ocorre a inserção da pesquisa e da extensão
dentro de um processo de construção tradicional do conhecimento? Com clareza os papeis
são diversos dos que ocorriam na fase da “modernização da agricultura”, mas como
ocorre essa inserção?
Existe o entendimento que a pesquisa passa a buscar suas questões de estudo diretamente
nos agroecossistemas na relação com os grupos sociais. É uma aproximação teórica-
metodológica de uma pesquisa participativa, pesquisa participante ou pesquisa-ação.
Segundo Thiollent (1985), a pesquisa-ação é centrada diretamente em uma situação
problema no qual os participantes estão envolvidos de modo participativo.
A ideia central é da participação dos pesquisadores diretamente no debate dos problemas
do cotidiano dos grupos de agricultores e dentro dessa interface construírem seus
29. 29
problemas de pesquisa. Outras fases da pesquisa também são conjuntas com os
agricultores, por exemplo, a experimentação nas propriedades rurais ou a avaliação
coletiva dos resultados experimentais. Esse tipo de pesquisa se torna contextualizado e
normalmente produz respostas ou princípios que ajudam a compreensão do dado
problema local e indicativos para outros agroecossistemas.
Muda o papel do pesquisador que passa a ser relacional e endógeno dentro dos grupos
sociais. O próprio resultado da pesquisa deixa buscar leis científicas universais e passa a
ser orientado ao local ou ao território.
No processo de construção tradicional do conhecimento a extensão rural tem papel
destacado, sendo proponente, catalisadora e fomentadora das ideias e dos novos projetos
dentro dos espaços dos agricultores. As condições do trabalho de articulação desses
profissionais são socialmente determinadas, sendo enraizadas em dado espaço e não
podendo ser generalizadas para todos os grupos sociais, projetos sociais, ou
agroecossistemas. Nessa conjuntura não existem mais soluções previamente prontas
(como na fase modernizante) para as variantes na relação entre os atores (NEVES, 2008).
Para além das novas ideias, projetos e práticas dentro dos processos de construção
tradicional do conhecimento, os extensionistas também são responsáveis pela
dinamização dos momentos de interface, ou seja, contato face a face, como é o caso da
utilização do método participativo no encontro de grupos de agricultores ou desses com
a pesquisa e outros atores. A ação dos mediadores da extensão rural normalmente é
materializada em reuniões de duração e objetivos mensuráveis. São momentos de
produção de contratos de direito e de fato, é o tempo da interface. A própria manutenção
da legitimidade do extensionista está ligada a produção do diálogo dentro desses espaços
e a possibilidade do reordenamento de sentidos nem sempre convergentes (LONG,2001).
Para extensão rural é fortalecido o papel de mediação social em contraponto ao papel de
difusão tecnológica da fase da “modernização da agricultura”. Esse exercício de
dinamização social é essencial para que ocorra uma interface dialógica e horizontal entre
os diversos atores agricultores, a pesquisa e os demais atores sociais.
A título de conclusão...
Buscando atender o objetivo central desse texto de apontar as principais diferenças na
relação pesquisa e extensão rural nos processos de construção de tecnologias foram
realizadas análises em duas direções, a primeira na fase de “modernização da agricultura”
e a segunda nos processos de construção tradicional do conhecimento.
Foi possível a conclusão de que na fase modernizante a pesquisa e a extensão rural
possuem papeis complementares, onde para a pesquisa ficou reservada a tarefa de
produção das inovações tecnológicas e para a extensão om papel de transmissão ou
difusão dessas inovações até os agricultores. Existe uma ação de dependência e de
feedback onde a extensão também serve como fonte de informação da adequação da
inovação no contexto prático dos produtores.
Por outro lado, os processos de construção tradicional do conhecimento
contemporaneamente causaram modificações nos papeis tanto da pesquisa como da
extensão. A primeira mudança está na necessidade dos atores da pesquisa e da extensão
de estarem se relacionando diretamente com os grupos de agricultores. Afasta-se a
possibilidade de uma pesquisa distanciada e realizada dentro de centros exógenos. O
30. 30
papel da pesquisa passa a ser de encontrar soluções para problemas locais e enraizados
em dado agroecossistema, desenvolver a emergência das novidades. Possivelmente essas
soluções permitem gerar o entendimento de princípios para utilização em outros espaços.
A novidade de um local não pode ser simplesmente transportada para outro espaço sem
um conjunto de adaptações ao ecossistema e ao grupo social.
O papel da extensão rural dentro da construção tradicional do conhecimento passa a ser
de um ator dinamizador dos processos sociais. Existe nesse processo o exercício da
tradução para dentro do espaço dos agricultores de conhecimento externos, mas a
principal atuação está focada na manutenção de espaço de interface entre os agricultores
e destes com outros atores externos no sentido de propiciar a emergência endógena de
novidades. Uma profunda diferença do papel de difusão tecnológica da fase
modernizante.
Finalizando, cabe salientar que ambas as etapas apresentadas não são estaques ou
sequenciadas. As duas persistem na atualidade e coexiste dentro do espaço dos
agricultores.
Referencias
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Agricultura y Sociedad, Madrid, n. 74, p. 9-38, 1995.
COTRIM, D.S. O estudo da participação na interface dos atores na arena de
construção do conhecimento agroecológico. Tese de doutorado. UFRGS.2013.
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MAZOYER, M.; ROUDART, L. História das agriculturas do mundo: do neolítico à
crise contemporânea. Lisboa: Instituto Piaget, 2001.
NEVES, D. P. Mediação Social e mediadores políticos. In: NEVES, D. P. (Org.).
Desenvolvimento social e mediação política. Porto Alegre: Ed. UFRGS, 2008. p. 21-
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NORGAARD, R. B. A base epistemológica da agroecologia. In: ALTIERI, M. A.
(Org.). Agroecologia: as bases científicas da agricultura alternativa. Rio de Janeiro:
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OOSTINDIE, H.; BROEKHUIIZEN, R. van. The dynamics of novelty production. In:
PLOEG,J. D. van der; MARSDEN, T. Unfolding Webs: The dynamics regional rural
development. Wageningen: Etude, 2008. Disponível em <www.eduderd.eu/cat/html>.
Acesso em: 02 abr. 2010.
ROGERS, E.M. Diffusion of innovation. 3rd edition. New York: The free press, 1983.
SCHULTZ, T. W. A transformação da agricultura tradicional. Rio de Janeiro:
Zahar, 1995.
31. 31
SILVA, J. G. A nova dinâmica da agricultura brasileira. Campinas: Unicamp, 1996.
SILVA, J. G. O novo rural brasileiro. Campinas: Unicamp, 1999.
THIOLLENT,. Metodologia de pesquisa-ação. São Paulo. 1985
32. 32
5 Capitulo V – Casa Familiar Rural
Introdução
As possibilidades analíticas sobre um cruzamento entre duas áreas com uma grande
quantidade de elementos como a Educação e Extensão Rural permite uma miríade de
alternativas de abordagens. Segundo Valente (2013), a extensão rural está inserida em
uma zona de confluência de pelo menos quatro campos do conhecimento - Agronomia,
Economia, Educação e Antropologia – por envolver técnicas agropecuárias; estudos de
viabilidade econômica; processos educacionais que visam aprendizagem de técnicas e
formação em geral; e a ampla diversidade dos atores e processos envolvidos.
Em um primeiro exercício de delimitação do tema optou-se pelo foco nos estudos dentro
do Brasil, na fase contemporânea e tomar como ponto de partir do tema de estudo da
sucessão familiar para balizar a intersecção entre Educação e Extensão.
Segundo Primaz (14), na agricultura familiar, na atualidade, emerge um fenômeno da
redução do número de famílias que possuem um sucessor natural da atividade na
propriedade rural. Em alguns locais é percebido que muitas unidades de produção familiar
estão paulatinamente sendo abandonadas após o falecimento dos patriarcas.
O debate da sucessão familiar na agricultura familiar possui um conjunto de vieses para
a sua análise. Possivelmente o enfoque da geração de renda para manutenção de
sucessores é o que tem encontrado maior força entre muitos autores. Porém argumenta-
se que o processo educacional, de formação inicial e continuada dos jovens,
possivelmente seja o elemento central dessa discussão.
A educação é o instrumento que permite a homem do campo obter a liberdade de escolha,
a tomada de consciência de suas opções e do direito de permanecer ou sair do campo.
Segundo Nosella (2007) a educação tem a função de mostrar aos homens do campo a
possibilidades socioeconômicas e tecnológicas da terra, bem como suas riquezas e suas
limitações.
De forma natural a extensão rural, entendida aqui como o serviço público ou privado de
assessoria técnico-organizacional dos agricultores (tipo Emater ou ONG), tem dentro do
rol de seus atributos a atuação no sentido da promoção de ações voltadas ao
fortalecimento das comunidades rurais e consequentemente a manutenção da sucessão
nas famílias dos agricultores.
Muitas vezes sobre a égide de “fixar o homem no campo”, especialmente pós os anos 80
quando a força de trabalho do êxodo rural não teve mais função de ocupar empregos na
indústria (GRAZIANO SILVA, 1996), pragmaticamente os extensionistas buscam
alternativas para o complexo tema da sucessão rural.
Muito recentemente a ligação direta entre as ações da extensão rural para com a educação
rural passou a ser enfatizada na perspectiva da sucessão familiar. Ou seja, a escola, o
espaço da educação formal, passou a ter inserções e trabalhos estruturados e planejados
da extensão rural, enquanto um ator da educação não formal ou educação dos adultos.
Ambos os atores moldaram suas perspectivas de atuação a luz de uma realidade atual e
de um fenômeno contundente como a sucessão familiar.
A experiência pedagógica que se traz a luz nesse artigo é a da Casa Familiar Rural-CFR
como um local de educação de jovens agricultores dentro dos preceitos da pedagogia da
33. 33
alternância. Nesse contexto é buscado a confluência da possibilidade de ação da extensão
rural no sentido da construção de alternativas de sucessão familiar nas propriedades da
agricultura familiar.
Nesse sentido o presente artigo tem como objetivo dissertar sobre os princípios
pedagógicos das Casas Familiares Rurais e apontar possibilidade e limitações da ação da
Extensão Rural nesse ambiente na perspectiva da emergência consciente de sucessores na
agricultura familiar. A estrutura desse texto está dividida em um primeiro bloco que
embasa a teoria que orienta as CFR, um segundo bloco que apresenta as possibilidades
de inserção da extensão rural no processo educacional e a conclusão que aponta os limites
do processo.
Resultados e discussões
Pedagogia da alternância.
As Casas Familiares Rurais são experiências educacionais construídas empiricamente
(inicialmente na França e posteriormente em vários locais incluindo o Brasil) através da
busca por parte de comunidades de agricultores de educação para seus filhos sem que
esses necessitassem abandonar o campo. A escola, pós as séries iniciais, normalmente
estava instalada na zona urbana e o deslocamento impossibilitava a freqüência de alunos
do meio rural. A solução adotada para evitar o êxodo precoce das crianças foi a
alternância de moradia dos jovens, ou seja, parte do tempo moravam na cidade estudando
em turno integral e parte do tempo continuavam sua formação dentro de suas propriedades
rurais. Esse arranjo exigia um esforço comunitário para viabilização da permanecia dos
jovens no ambiente escolar e um esforço pedagógico para reforma do estudo.
Essa proposta educacional transcendeu a simples questão de deslocamento físico. Foi uma
forma de respeitar a realidade rural buscando uma educação pautada na responsabilidade
da família e da comunidade, na dialética entre teoria e prática e no respeito as
características socioculturais do rural (ZIMMERMANN; VENDRUSCO; DORNELES,
2013).
A intitulada Pedagogia da Alternância tem como seus pilares a formação integral e o
desenvolvimento social, bem como a associação e a alternância. Essa permite promover
a articulação entre teoria e prática, dando sentido as questões pedagógicas relacionadas
ao espaço aos tempos de formação. Esse pensamento está alicerçado nos postulados de
Vygotsky na sua teoria sócio histórica onde se reflete a ideia que o os processos de
aprendizado movimentam os processos de desenvolvimento (ZIMMERMANN;
VENDRUSCO; DORNELES, 2013).
O currículo das Escolas Familiares Rurais integra espaços e tempos dedicados ao trabalho
e ao estudo promovendo o despertar de consciência dos alunos, das famílias que se tornam
parte essencial da educação, das comunidades rurais, das instâncias políticas e técnicas,
local onde se insere a extensão rural (NOSELLA, 2007).
A alternância nesse processo ocorre em três fases, sendo na CFR, na Propriedade da
família e na CFR novamente. Esse caminho permite que os jovens discutam a realidade
com a família e com profissionais de assessoria, e a partir de suas reflexões, concebam
novas formas de pensar e agir no espaço familiar e comunitário.
34. 34
A Associação Comunitária formada pelas famílias dos alunos, egressos da CFR e
entidades apoiadoras tem um papel fundamental de prover as condições de alimentação e
sustentação da experiência. Esse papel da comunidade, de preocupação com a futura
geração de jovens, possibilita também a ampliação da articulação dos processos de
desenvolvimento local e territorial, pois dinamiza as relações de confiança e
reciprocidade entre os comunitários, abrindo portas para projetos coletivos e de
estruturação (ZIMMERMANN; VENDRUSCO; DORNELES, 2013).
Dentro da pedagogia da alternância são utilizados como instrumentos didáticos os planos
de formação e estudo, os cadernos de síntese da realidade do aluno, as fichas didáticas,
as visitas de estudos, o caderno de acompanhamento de alternância, as visitas a famílias
do aluno e os projetos profissionais do aluno (NOSELLA, 2007). Esse conjunto didático
sinaliza os instrumentos de aproximação da realidade rural local na construção de um
diagnóstico pelos alunos e a consequente produção de um plano de ação futura a ser
implantado na propriedade da família.
Segundo Estevam (2015), a pedagogia da alternância utiliza em seus processos de
aprendizagem situações vivenciadas pelos jovens na prática e em seu cotidiano, ao invés
da simples aplicação teórica que ocorre nas escolas convencionais.
A grande vantagem da pedagogia da alternância é a importância da articulação entre
momentos de atividades sócio profissionais dos jovens e o momento escola propriamente
dito. Além das disciplinas básicas a educação focaliza temas relativas a vida associativa
e comunitário, do meio ambiente e a formação profissional, social, político e econômico
(ESTEVAM, 2003). Essa articulação permite uma maior inserção dos jovens na vida da
comunidade.
No estudo de Zortea; Pacheco (2012) sobre alunos de uma CFR no Rio Grande do Sul foi
constatado que a presença em sala de aula esteve em patamares de 95%, indicando
permanência na escola devido ao interesse no formato da educação. Também foi
verificado que 96% dos egressos da CFR permanecem nas propriedades da família, que
existe uma integração entre os projetos profissionais dos jovens e que há a ampliação da
participação desses jovens nas instituições comunitárias como cooperativas, sindicatos e
associações.
Esses dados empíricos apontam como tendência que a pedagogia da alternância
desenvolvida pela CFR promove processos de sucessão familiar através da inserção sócio
profissional dos jovens na propriedade familiar e pela dinamização do espaço comunitário
no caminho do desenvolvimento rural.
Articulação da Extensão Rural na pedagogia da alternância.
O papel da extensão rural durante na fase da “modernização da agricultura”, entre anos
60-80, era de difusão de tecnologias agropecuárias pautadas na inserção de insumos
industriais dentro da agricultura. Uma ação de viés estritamente econômico e assentado
nas facilidades do crédito rural subsidiado. Esse papel foi muito mercante e ainda hoje
imprime características dentro de uma parcela de profissionais na área (CAPORAL, 98).
Segundo Caporal (98), na atualidade a extensão rural vive uma fase transicional de seu
papel onde convivem aspectos da etapa difusionista com novos elementos de transição
agroecológica. O paradigma do Desenvolvimento Rural é o fator motriz que orienta a
ação extensionista. O trabalho extensionista salienta a ideia de desenvolvimento