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As Sociedades Secretas * por António Lopes

* texto da Conferência proferida pelo Dr. António Lopes (director da revista Grémio
Lusitano e Director do Museu Maçónico Português), no 25 de Fevereiro de 2010 nos
Paços do Concelho – via G.O.L. [http://www.gremiolusitano.eu/?p=522], com a devida
vénia [sublinhados e fotos da nossa responsabilidade].

[ler a publicação original AQUI - http://www.gremiolusitano.eu/?p=522]


“A questão do secretismo está ligada ao funcionamento e à forma ritualística em que decorrem as sessões
das Lojas maçónicas. Na realidade, hoje, toda a gente sabe onde se situa a sede do Grande Oriente
Lusitano, conhece o seu telefone e número de contribuinte, acede ao seu sítio na internet. O secretismo,
esse está e esteve sempre directamente relacionado com a maior ou menor Liberdade em que o país vive
em cada momento da sua História. A Maçonaria foi secreta quando perseguida pela Inquisição, por Pina
Manique ou durante o período que opôs liberais a miguelistas. Voltou a ser secreta quase cem anos depois
com a ditadura do Estado Novo, ou seja, sempre que a Liberdade perigou.


Situação diferente é a da Carbonária e, desde já, precisemos de que Carbonária estamos a falar. Nos
primeiros anos do século XX estamos já longe da Carbonária coimbrã de 1820, que apenas reivindicava
“bons políticos e bons deputados”. Nada tem a ver com a Carbonária de que Saldanha era o chefe, no início
da década de trinta do século XIX, nem com a Carbonária que nas décadas de cinquenta e sessenta
reflectia, em Portugal, as convulsões políticas da Europa. É uma Carbonária que se reúne em volta de uma
ideia, mudar a sociedade à luz de novas concepções políticas, variadas refira-se, recorrendo à força das
armas se fosse preciso.


A Carbonária era um genuíno movimento popular onde predominavam os operários da indústria,
enquanto a Maçonaria registava a existência de classes socialmente mais elevadas. Ainda que tivesse
tribunos de referência ou jornalistas, a Carbonária não se preocupava com os grandes comícios ou com a
importância mobilizadora da imprensa, ao contrário da Maçonaria e do Partido Republicano, que
alicerçava aí as suas forças. No entanto, havia um mundo social que funcionava como charneira composto
de logistas, empregados de escritório ou comerciantes, nos quais é incontornável o nome de Francisco de
Almeida Grandela, que militavam nos dois campos em simultâneo. De resto, diga-se que este campo
comum da Maçonaria com a Carbonária era idêntico ao que se passava entre a Maçonaria e outros campos
ideológicos como os anarquistas ou, mais tarde, na década de vinte do século XX, os militantes comunistas
da Federação Maximalista Portuguesa.


A própria Carbonária, como de resto a Maçonaria, não eram entidades unas em termos de pensamento. Se
é verdade que a Carbonária Lusitana de Coimbra se cingiu ao Centro, esgotando-se rapidamente na sua
acção e influência, já a Carbonária Lusitana de tendência anarquista viria a desempenhar um papel a ter
em conta. É verdade que veio a ser absorvida pela Carbonária Portuguesa, de tendência republicana, mas
nunca o foi totalmente e com isso nunca deixou de causar sobressaltos a muitos republicanos. É essa
tendência que estará presente em algumas instituições maçónicas, caso da Escola Oficina nº 1 ou,
posteriormente, disputará o campo sindical a novas organizações de classe que entretanto irão surgir.


Há, no entanto, que assinalar aqui um acontecimento paralelo. Próxima da Carbonária Lusitana, também
conhecida pela Carbonária dos anarquistas, trabalhava uma Obediência maçónica designada de Grande
Oriente de Portugal. Nascido em meados da década de noventa, o Grande Oriente de Portugal auto-
dissolveu-se em 1905. A sua origem remonta às dissidências de 1893, no seio do Grande Oriente Lusitano
Unido com a Loja Obreiros do Trabalho. Mais tarde, depois de uma passagem por uma Obediência
espanhola, o Soberano Grande Conselho Geral Ibérico e da constituição da Loja Obreiros do Futuro,
algumas Lojas sob a sua influência integram-se no Grande Oriente Lusitano Unido trazendo diversos
obreiros de tendência carbonária e anarquista. Tal verificou-se quer em Lisboa, onde a sua força tinha
particular relevo no bairro de Alcântara, quer longe do centro político, como foi o caso de Angra do
Heroísmo.




No entanto, a hegemonia no campo carbonári0 assentava na Carbonária Portuguesa, originária da
designada Maçonaria Académica, que nada tinha a ver com a Maçonaria praticada no Grande Oriente
Lusitano Unido. Criada em 1896 pelos subscritores do Manifesto Republicano Académico, a sua força
crescente correu paralelo à força do Partido Republicano com destaque para o ano de 1908, momento em
que Luz de Almeida reestrutura o aparelho organizativo e António Maria da Silva e Machado Santos
assumem um maior protagonismo. Aliás, será o seu pragmatismo que os leva a integrar na Carbonária
Portuguesa os anarquistas e anarco-sindicalistas oriundos da Carbonária Lusitana. Estes, por seu turno,
afirmavam que, por maior que fosse o seu interesse na transformação da República, esta seria sempre um
elemento secundário, que nem sequer representava um instrumento de realizações, mas apenas uma
condição de maior liberdade para os revolucionários poderem preparar realizações mais radicais. Os
anarquistas não pugnavam por um regime republicano, mas acediam em concordar que a República era
um regime melhor que a monarquia para implementarem as suas ideias. É também neste momento que
Machado Santos procura recrutar novos membros no exército, na armada e nos núcleos industriais,
expandindo-se para Aveiro, Santarém, Setúbal, Barreiro ou até Bragança. Foi este crescimento fora de
Lisboa que possibilitou, nas vésperas de 1910, que do lado de lá da fronteira, fossem adquiridas armas
destinadas à revolução e introduzidas no país pelos carbonários alentejanos. Por seu turno, em 1910, sete
dos dez regimentos que compunham a guarnição militar de Lisboa possuíam células carbonárias. É
igualmente este o momento em que se sublinha o trabalho conspirativo iniciado em 1900 com a fundação
da Loja maçónica Montanha, onde a Carbonária estava presente em força e onde constitui referência o
nome de Luz de Almeida, iniciado em 1897 na Loja Luís de Camões. Decisiva também neste contexto, foi a
adesão de Cândido dos Reis à Carbonária, em Maio de 1910, cerca de um ano depois de ter sido iniciado na
Maçonaria, na Loja José Estevão.


Quanto à relação entre a Carbonária e o Partido Republicano Português refira-se a frequente discordância
de métodos ou estratégias. É verdade que à medida que nos aproximamos do final da primeira década do
século XX, é crescente a capacidade da Carbonária influenciar o PRP, de que o Congresso do partido,
realizado em Setúbal, em 1909, constituiu o ponto de viragem. É também verdade que as desconfianças
nunca desapareceram. A descoordenação político-militar em 5 de Outubro é disso exemplo. O Directório
do Partido Republicano criou uma comissão para organizar e dirigir o levantamento, com António José de
Almeida, Afonso Costa, João Chagas e Cândido dos Reis. A aproximação faz-se, uma vez mais, através da
Comissão de Resistência, criada pela Maçonaria em Junho de 1910, que visava igualmente controlar os
ímpetos revolucionários da Carbonária, pela sua inclusão no projecto revolucionário e superar a fraca
adesão que a Comissão Militar, criada pelo PRP em 1909, tinha registado. Ainda assim, o Directório do
Partido Republicano tentou infiltrar a Carbonária através da Loja maçónica Acácia, de tal forma que
Machado Santos chega a afirmar que “esta pouca fraternidade causava arranhaduras que davam
trabalho a sarar”. Efectivamente, a Loja Acácia é uma das representadas na reunião realizada em 28 de
Setembro de 1910 na sede no Partido republicano, no Largo de S. Carlos. Refira-se que era também
objectivo da Comissão de Resistência inquirir as Lojas maçónicas numa opção entre a República e a
Monarquia, ao mesmo tempo que funcionava como estrutura de resposta às pressões dos últimos governos
monárquicos sobre os maçons e republicanos.


A aproximação da Maçonaria à Carbonária também se faz pela mesma altura, quando António Maria da
Silva e Machado Santos são iniciados na Loja Montanha e quando José de Castro, Grão-Mestre adjunto
olha para a Carbonária como um instrumento para alcançar a República ou, por outras palavras, quando as
dificuldades de recrutamento no exército, por parte dos mais moderados do PRP, vêm na participação da
Carbonária na revolução a única alternativa.
A República era vista como último patamar da História, a sociedade positiva, ao mesmo tempo que as elites
culturais da época viam na educação o meio de se produzirem modificações sociais de médio e longo prazo.
Daí que positivistas, republicanos, socialistas ou anarquistas acreditassem na construção do “Homem
Novo”, que os republicanos particularizavam como o cidadão republicano. Para atingir esse objectivo
foram criados “grémios”, na sua maioria uma versão profana das Lojas maçónicas, escolas, de influência
maçónica, anarquista, sindical ou outra.


Ao mesmo tempo que, em finais do século XIX, num contexto de uma profunda confiança na ciência, se
acreditou que a filosofia tinha um papel político a desempenhar, o que implicava que além de ter um valor
político incorporava as certezas dos processos e metodologias científicas, as hostes mais progressistas
afirmavam que “sem liberdade não há Democracia, sem Instrução não há Liberdade“.Esta paixão pelo
ensino radica no facto de o republicanismo possuir uma clara herança iluminista ao sustentar que é o
Saber que permite a compreensão dos verdadeiros valores expressos na Liberdade, na Igualdade, na
Fraternidade e na Tolerância. A Liberdade implica uma participação activa do cidadão na vida pública, ao
ponto de que essa participação, mais do que um direito individual e egoísta, se assume como um dever
perante o todo social. Só um cidadão consciente e esclarecido poderia contribuir para o sucesso da Vontade
Geral e do Bem Comum, e para que isso se efectivasse a escola tornou-se um instrumento essencial da
doutrina republicana e ao mesmo tempo um motivo de aperfeiçoamento moral por parte de cada cidadão.
Era pela educação que se transmitiam valores e comportamentos, úteis à vida do indivíduo em sociedade.
Daí também a ligação da Escola ao espaço público, a existência de ritos cívicos ou a interacção entre a
escola e a família. A educação deveria constituir um caminho directo para o livre-exame e para a libertação
racional dos indivíduos, e a imprensa da época, a par com a propaganda maçónica e republicana, dá-nos
exemplo de inúmeros casos de entrega de prémios, saraus culturais, sessões cívicas e outras, realizadas
quer no espaço escolar quer no espaço dos Centros Republicanos, que não poucas vezes coincidiam. Note-
se que os republicanos portugueses nunca viram o cidadão como um indivíduo abstracto mas antes como
um elemento participativo no conjunto da sociedade, quer sob o ponto de vista político quer associativo-
cultural, e daí a importância de o Estado preparar bons cidadãos para a vivência de uma cidadania plena e
consciente. É também nesta interpretação da competência que se insere a importância da preparação de
bons profissionais especializados, simultâneamente bons cidadãos e bons profissionais, em suma úteis ao
Estado e à sociedade. Para a doutrina republicana os Direitos e a Razão assumem-se como algo de
universal, impondo-se a todos os cidadãos independentemente da sua posição social ou económica no
conjunto da sociedade. A República seria o termo natural da História, distinguindo-se do liberalismo por
não se constituir sobre a doutrina dos Direitos e Liberdades individuais mas antes valorizando a
comunidade, distinguindo-se também do socialismo por não ter uma visão de classe, mas nem por isso
deixando de se preocupar com os mais desfavorecidos, reflexo de um sentir fraterno que a caracteriza.
Nas vésperas de 1910, ser-se republicano significava ser civicamente activo e ser-se pela democracia de
opinião por oposição ao Estado centralizado na figura do rei, ainda que o seu poder fosse mais simbólico
que real, mas que era agravado pelas ditaduras dos vários ministérios e pelos escândalos políticos e
financeiros que abalavam a monarquia e esgotavam politicamente o regime. Por seu turno, a participação
cívica explica o dinamismo das estruturas associativas, com particular destaque para os Centros
Republicanos, onde coexistiam maçons, sindicalistas e carbonários.
Era através desta participação cívica que se pretendia passar para a sociedade um conjunto de ideias vasto
e frequentemente heterogéneo, tendo por unificador o conceito de Bem Comum. A melhor forma de
compreendermos o sentido militante de todos os que aspiravam a contribuir para o Bem Comum é
compreendermos as mutações sociais do século XIX.


Na segunda metade do século XIX, Francisco Maria Supico, afirmava que “uma das melhores vantagens
devidas ao systema liberal, é o direito de associação; por isso nos paizes em que melhor vegeta a árvore
da liberdade, é onde mais se desenvolve o germen da sociabilidade (…). A sociedade tal como ainda se
acha constituida, exige ao trabalhador o sacrificio do seu braço, a troco de mesquinho salario, e quando
o abandona o vigor considera-o como membro exotico no banquete da humanidade. (…) se nos
entretemos a considerar nos meios de que essas classes pódem dispôr para se vingarem de tão injusta
affronta, assalta-nos logo o pensamento da associação (…)“.


O século XIX apresenta-nos duas formas distintas de sociabilidade, uma tradicionalista e devota, oriunda
do passado e ligada à tradição, ao campo e à actividade piscatória, e outra, de criação recente, urbana e
decorrente da emergência de camadas sociais novas, mais esclarecidas e inovadoras. No primeiro caso
assistimos a formas de sociabilização que são indissociáveis das práticas e vivências em que o religioso se
mistura e articula intimamente com o profano. No segundo, as carências económicas, sociais e culturais
constituíram terreno fértil para a emergência de formas de associativismo que tinham em conta os mais
carenciados, o apoio à cultura ou apenas o convívio social daqueles que, abandonando as suas terras de
origem, eram atraídos para a cidade.


As sociabilidades tinham uma equivalência de poder político, económico e social, já que era através delas
que as pessoas se distinguiam entre si. Na realidade, os meios culturais e de lazer frequentados, ou as
acções filantrópicas, convertiam o capital económico em capital simbólico com tradução no exercício do
poder político ou na afirmação social. Por outro lado, os vários espaços de sociabilidade funcionavam como
patamares sociais, que comunicavam entre si, mas cuja passagem de um para outro implicava a aceitação
do grupo e a disponibilidade do interessado em se adaptar a regras definidas há muito.


Ainda que o acesso ao poder político se faça predominantemente no seio das mesmas famílias, à medida
que caminhamos para final do século XIX, assistimos nas entidades associativas a um alargar da base
social dos seus membros, podendo mesmo irmanar ricos e pobres, proprietários e assalariados, homens
com forte intervenção política e outros de menor visibilidade pública. Este momento histórico representa
também a subversão da ordem tradicional, rompida com o crescente desenvolvimento de pólos urbanos e
industriais. O associativismo da época toca todas as classes sociais, incluindo as classes média e alta, que
sentem prazer em importar formas de convívio social e cultural, mas que também sentem a obrigação
social de ensinar a ler ou a promover o desenvolvimento económico. Os clubes, com a sua sede, os seus
bailes, o seu teatro ou a sua biblioteca e as suas conferências, são o mais perfeito exemplo de novas formas
de sociabilidade, mais exigentes, mais selectivas e frequentemente emergências de novos grupos políticos e
sociais.
No campo do associativismo civil não podemos esquecer organizações como a Associação do Registo Civil
ou a Associação Propagadora do Livre Pensamento, cujo papel no plano do debate político é significativo,
ou ainda os designados “círios civis”, estes, estruturas associativas surgidas após 1895, com preocupações
na formação dos seus associados e cuja acção se fazia sentir tendo por base o anti-clericalismo.


A intervenção maçónica faz-se de forma tão rica quanto variada. Faz-se pela criação de associações, clubes,
bandas de música, escolas e, posteriormente, de centros republicanos, centros de debate e de intervenção
política intimamente ligados á Maçonaria. O associativismo assume-se assim como um importante
contributo para a mudança de regime, preparando o terreno para a República pelo confronto de ideias,
pelo espírito de grupo que cria e finalmente, pelas estruturas que oferece. Por isso, as escolas, Centros e
Clubes Republicanos, tiveram um papel fundamental na preparação da Revolução de 1910. Refira-se a este
propósito que entre 1880 e 1884 o número de Centros Republicanos em Lisboa passou de quatro para
trinta e quatro, crescendo até aos cinquenta em 1887 e aos quais de deverão juntar muitos mais criados ao
longo do país. Ainda assim, era um movimento centrado em Lisboa, sendo que Teófilo Braga e Sebastião
Magalhães de Lima pensaram numa articulação nacional para o movimento, concretizada pela acção de
muitos dos líderes republicanos de Coimbra e do Porto. Em Abril de 1882, no Porto, foi criada uma
comissão constituída por José Falcão e Emídio Garcia, representando Coimbra, e Alves da Veiga, Júlio de
Matos e Manuel José Teixeira, em representação dos republicanos do Porto. Lisboa constituíu a sua
comissão com Latino Coelho, Oliveira Marreca, Bernardino Pinheiro, Teófilo Braga e Manuel de Arriaga e
destas três comissões nasceu o Projecto de Organização Definitiva do Partido Republicano.


Ao longo da década de oitenta foi crescente o número de maçons nas fileiras republicanas, integrando-se
nelas novos tribunos como Afonso Costa e António José de Almeida. As divergências ideológicas ou
tácticas ficaram expressas no 31 de Janeiro de 1891 no Porto, considerado por alguns sectores mais
moderados como um acto de puro aventureirismo, servindo no entanto para mostrar a necessidade de
articulação entre os vários núcleos republicanos. A década de noventa assiste ainda à morte de José Falcão
e ao definhar dos Centros Republicanos, pela falta de aderentes e pelos efeitos da lei eleitoral de 1895, que
visava particularmente os republicanos. É uma década de crise só superada nos primeiros anos do século
XX, onde entre 1903 e 1908 se assiste, em Lisboa, à criação de mais de três dezenas de Centros e Clubes
Republicanos, facto que ainda sublinha mais a predominância da capital no movimento republicano. Nas
vésperas de 1910 o número de Centros Republicanos é impressionante, mesmo fora da capital.


Se algo ressalta das referências existentes na imprensa sobre os Centros Republicanos é a sua intensa
actividade cívica, crescente ao longo de 1910. Destaque também para as associações de classe e para os seus
dirigentes, autênticos líderes de massas, panfletários e dirigindo sessões com centenas de pessoas, muitas
delas realizadas nos Centros Republicanos, locais de reunião de todas as actividades laborais e onde a
população também acorria em massa.


A este movimento não é estranha a multiplicação das Lojas maçónicas e o crescimento da Carbonária. Fora
de Lisboa existe uma significativa coincidência entre as Comissões Republicanas e a existência de Lojas
maçónicas nessas localidades. Na realidade o Partido Republicano estava estruturado em comissões
paroquiais, provinciais e distritais, sendo o Centro Republicano a base da estrutura, local de debate, de
encontro, de coordenação de acções. Se fora de Lisboa o número de núcleos republicanos, crescendo
significativamente entre 1907 e 1910, era vantajoso para as pretensões do republicanismo português, já em
Lisboa o excessivo número de núcleos levantava problemas de articulação. Muitas das Lojas maçónicas
predominantemente republicanas criavam o seu próprio Centro Republicano, por vezes mesmo ao lado de
outro núcleo de outra Loja. Tal levou a que no Congresso Republicano de 1907 se defendesse a supressão
de muitos Centros a fim de tornar possível a coordenação política e não exaurir os recursos financeiros.


Neste contexto é de destacar o papel das escolas, onde maçons, carbonários ou sindicalistas deram as
mãos, almejando a criação de um cidadão esclarecido, conhecedor dos seus direitos e deveres e bom
profissional. Por isso assistimos à criação pela Maçonaria de escolas como a Escola de Desenho Industrial
Marquês de Pombal, criada em Alcântara, fundada em 1884 por iniciativa da Loja Razão Triumphante e
onde assumiu um papel destacado António Augusto de Aguiar, maçon, futuro Grão-Mestre e Ministro das
Obras Públicas do reino. De destacar também O Vintém das Escolas, associação criada em 1901 pela Loja
Elias Garcia, com o objectivo de “combater a escola clerical por meio da escola secular”, ou a Escola Vasco
da Gama, sediada no Porto, e fundada pela Loja União na última década do século XIX. Muitos outros
casos teríamos de referir para ilustrar a importância do ensino na caminhada para a República. Defende-se
que para existir uma verdadeira democracia em Portugal é necessário que o povo seja instruído.


Daqui é curto o salto no confronto com a Igreja, vista como um poder obscurantista, frequentemente
alinhada com a monarquia. No entanto, o confronto entre republicanos e a Igreja era muito mais profundo
e assentava nas críticas positivistas aos dogmas religiosos, ou à questão da felicidade, para a Igreja, uma
dádiva a obter no céu, ao alcance do cidadão, por direito próprio, na Terra e no último patamar da História
– a República, para os republicanos.


Assim, a educação não conhecia fronteiras etárias ou sociais, como também não conhecia currículos
rígidos. Algumas destas escolas incluíam no seu programa princípios de cidadania, sendo disso exemplo a
Escola Oficina nº 1, em Lisboa, ou a Escola Trindade Coelho, igualmente em Lisboa, à Ajuda, fundada pela
Loja Solidariedade e que funcionou entre 1906 e 1911. A elas temos de juntar a acção da Universidade Livre
e Universidade Popular, instituições que visavam um ensino alternativo à rede oficial, próximas do “ensino
integral” onde a formação para a cidadania assumia particular relevo. A Universidade Livre seria fundada
já depois da implantação da República, em 1912, numa iniciativa da Loja Montanha, enquanto que a
Universidade Popular nasceu em 1906 tendo por objectivo “desenvolver o ensino popular pela mútua
educação dos cidadãos”. Poderíamos acrescentar ainda a Academia de Estudos Livres, fundada pela Loja
Simpatia e União, em 1889, e a Academia de Instrução Popular, fundada pela Loja José Estevão, no ano de
1892.


Em matéria de estrutura funcional da Maçonaria, esta apresentava, tal como hoje, uma forma de trabalhar
muito próxima das suas origens. Os maçons organizam-se em Lojas, que seguem um rito que determina o
seu funcionamento e o seu suporte filosófico, sendo que o conjunto das Lojas do país forma a Obediência.
Em 1910, a Maçonaria estruturava-se em Lojas e Triângulos, dispondo o Grande Oriente Lusitano Unido
de órgãos específicos com carácter legislativo, executivo, judicial e ritual. Fora do continente destacavam-
se os Açores, a Madeira, Angola e Moçambique, onde o número de Lojas e Triângulos não deixa também de
ser significativo. Sob o ponto de vista ritual, ao contrário do que acontece hoje, o Grande Oriente Lusitano
Unido assumia-se como uma federação de ritos – Francês ou Moderno, Escocês Antigo e Aceite, Simbólico,
Adopção, York e Real Arco, liturgicamente dependentes respectivamente do Soberano Grande Capítulo dos
Cavaleiros Rosa Cruzes (Rito Francês), Supremo Conselho do Grau 33 (Rito Escocês), Suprema Câmara do
Rito de Adopção, Suprema Câmara do Rito Simbólico, Grande Directório do Rito de York e Grande
Capítulo do Real Arco de Portugal. A Grande Dieta era o órgão legislativo do Grande Oriente Lusitano
Unido, cabendo o poder executivo ao Grão-Mestre e aos Grandes Secretários da Ordem, eleitos de três em
três anos. Por seu turno, o poder judicial estava dependente do Grande Tribunal Maçónico Federal.


O contributo da maçonaria portuguesa foi fundamental para o debate, o confronto de ideias e para uma
abertura cultural fundamental, onde ao cidadão cabem um conjunto de direitos, expressos na igualdade
perante a lei, e de deveres, para com a comunidade, de responsabilidade e participação cívica. As Lojas
maçónicas, possuíam uma vitalidade de debate que em muito contribuiu para que a República tivesse sido
encarada como uma alternativa ao regime monárquico. Disso são exemplo os debates e teses apresentadas
quer nas Lojas quer nos vários congressos maçónicos realizados antes de 1910, onde se discutiam temas tão
variados como o sistema de ensino, a organização política e económica do país, ou a justeza das touradas,
mas também problemas sociais como o alcoolismo, a pobreza, o divórcio, os horários de trabalho, a
assistência médica pública, o movimento operário ou o analfabetismo.


Os maçons, tratando-se por Irmãos, possuíam uma estrutura piramidal, tendo na base as Lojas azuis,
constituídas por aprendizes, companheiros e mestres, e no topo os designados graus filosóficos ou Altos
Graus, cuja amplitude tem uma relação directa com o rito praticado. Era na faixa litoral do continente que
se concentrava o maior número de Lojas, onde o Porto, Coimbra e Leiria, possuíam uma actividade
maçónica significativa, mas onde o destaque era assumido por Lisboa, reflectindo com isso a politização
vivida na capital, com reflexos directos no 5 de Outubro. Ainda que actividade maçónica seja mais evidente
no centro e sul, por comparação com o norte, há também que referir alguns núcleos incrustados em zonas
rurais um pouco por todo o país, não poucas vezes fruto de iniciativas pessoais e por isso mesmo revelando
maiores fragilidades. Após 1910 acentuou-se o carácter urbano da Maçonaria, fruto do peso de Lisboa e do
Porto, apesar do surto de Lojas um pouco por todo o país e da perda da predominância da faixa Lisboa-
Coimbra.


Por seu turno, a Carbonária, quer pela sua época de origem, quer pelos pontos de ligação que ao longo da
História teve com a Maçonaria, recorria a uma estrutura semelhante, mas mais adaptada ao seu
secretismo. Aqui sim, estamos a falar claramente de uma organização secreta, com rituais realizados em
cemitérios públicos, à noite, onde a cara dos intervenientes era convenientemente coberta. Baseava-se no
Canteiro, com cinco homens, constituindo-se uma Choça com quatro chefes de canteiro. Quatro chefes de
choça originavam uma barraca, quatro dirigentes de barracas formavam uma Venda e por fim os chefes da
Venda elegiam três membros que constituíam a Alta Venda. Os seus filiados tratavam-se entre si por
primos, ou bons primos, e distribuíam-se em quatro graus – rachadores, aspirantes, mestres e mestres
sublimes. A terminologia adoptada pela Carbonária, ligada ao trabalho na floresta, tinha um paralelo
também com a terminologia maçónica, referida à construção. Era menos intelectual e poderíamos dizer até
menos selectiva, dispensando a componente esotérica mas não a iniciática. Ainda que tenha atingido um
ponto alto em 1912, após 1910 tornou-se um incómodo para o PRP, acabando por se extinguir
provavelmente em 1914, dispersando-se os seus membros por diferentes movimentos políticos, sociais,
culturais e sindicais.




Assistimos assim ao cruzamento, por vezes complexo, de três organizações distintas – a Carbonária,
secreta e revolucionária, a Maçonaria, ambas reunindo diferentes matizes ideológicos, e os republicanos do
Partido Republicano Português. Entidades distintas, métodos frequentemente divergentes, tendo em
comum alguns dos seus membros e um objectivo – alcançar a República, na esperança transformar os
súbditos de um rei em cidadãos plenos de um Estado republicano, na certeza de que com isso se
concretizava a criação de uma sociedade mais justa e mais fraterna. Se é verdade que, após 1910, o rápido
crescimento do republicanismo representou a sua força, também sublinhou as suas fraquezas. Para se
tornar numa ideologia de massas jogou com a vantagem do número, da ênfase do crescimento e da
heterogeneidade social e cultural, mas com isso acentuou as suas divergências e falta de coerência. As
fragilidades da República ou as divergências maçónicas de 1914 são um espelho disso e do percorrer
caminhos novos nunca antes experimentados. Acresce o carácter inovador da República portuguesa, que a
par da França se apresentava perante uma Europa predominantemente monárquica, belicista e vivendo
uma crise de identidade cultura”.


António Lopes – in http://www.gremiolusitano.eu/?p=522


EDIÇÃO - ALMANAQUE REPUBLICANO [http://arepublicano.blogspot.com/]

                                                                                  10 de Abril de 2010

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  • 1. As Sociedades Secretas * por António Lopes * texto da Conferência proferida pelo Dr. António Lopes (director da revista Grémio Lusitano e Director do Museu Maçónico Português), no 25 de Fevereiro de 2010 nos Paços do Concelho – via G.O.L. [http://www.gremiolusitano.eu/?p=522], com a devida vénia [sublinhados e fotos da nossa responsabilidade]. [ler a publicação original AQUI - http://www.gremiolusitano.eu/?p=522] “A questão do secretismo está ligada ao funcionamento e à forma ritualística em que decorrem as sessões das Lojas maçónicas. Na realidade, hoje, toda a gente sabe onde se situa a sede do Grande Oriente Lusitano, conhece o seu telefone e número de contribuinte, acede ao seu sítio na internet. O secretismo, esse está e esteve sempre directamente relacionado com a maior ou menor Liberdade em que o país vive em cada momento da sua História. A Maçonaria foi secreta quando perseguida pela Inquisição, por Pina Manique ou durante o período que opôs liberais a miguelistas. Voltou a ser secreta quase cem anos depois com a ditadura do Estado Novo, ou seja, sempre que a Liberdade perigou. Situação diferente é a da Carbonária e, desde já, precisemos de que Carbonária estamos a falar. Nos primeiros anos do século XX estamos já longe da Carbonária coimbrã de 1820, que apenas reivindicava “bons políticos e bons deputados”. Nada tem a ver com a Carbonária de que Saldanha era o chefe, no início da década de trinta do século XIX, nem com a Carbonária que nas décadas de cinquenta e sessenta reflectia, em Portugal, as convulsões políticas da Europa. É uma Carbonária que se reúne em volta de uma ideia, mudar a sociedade à luz de novas concepções políticas, variadas refira-se, recorrendo à força das armas se fosse preciso. A Carbonária era um genuíno movimento popular onde predominavam os operários da indústria, enquanto a Maçonaria registava a existência de classes socialmente mais elevadas. Ainda que tivesse tribunos de referência ou jornalistas, a Carbonária não se preocupava com os grandes comícios ou com a importância mobilizadora da imprensa, ao contrário da Maçonaria e do Partido Republicano, que alicerçava aí as suas forças. No entanto, havia um mundo social que funcionava como charneira composto
  • 2. de logistas, empregados de escritório ou comerciantes, nos quais é incontornável o nome de Francisco de Almeida Grandela, que militavam nos dois campos em simultâneo. De resto, diga-se que este campo comum da Maçonaria com a Carbonária era idêntico ao que se passava entre a Maçonaria e outros campos ideológicos como os anarquistas ou, mais tarde, na década de vinte do século XX, os militantes comunistas da Federação Maximalista Portuguesa. A própria Carbonária, como de resto a Maçonaria, não eram entidades unas em termos de pensamento. Se é verdade que a Carbonária Lusitana de Coimbra se cingiu ao Centro, esgotando-se rapidamente na sua acção e influência, já a Carbonária Lusitana de tendência anarquista viria a desempenhar um papel a ter em conta. É verdade que veio a ser absorvida pela Carbonária Portuguesa, de tendência republicana, mas nunca o foi totalmente e com isso nunca deixou de causar sobressaltos a muitos republicanos. É essa tendência que estará presente em algumas instituições maçónicas, caso da Escola Oficina nº 1 ou, posteriormente, disputará o campo sindical a novas organizações de classe que entretanto irão surgir. Há, no entanto, que assinalar aqui um acontecimento paralelo. Próxima da Carbonária Lusitana, também conhecida pela Carbonária dos anarquistas, trabalhava uma Obediência maçónica designada de Grande Oriente de Portugal. Nascido em meados da década de noventa, o Grande Oriente de Portugal auto- dissolveu-se em 1905. A sua origem remonta às dissidências de 1893, no seio do Grande Oriente Lusitano Unido com a Loja Obreiros do Trabalho. Mais tarde, depois de uma passagem por uma Obediência espanhola, o Soberano Grande Conselho Geral Ibérico e da constituição da Loja Obreiros do Futuro, algumas Lojas sob a sua influência integram-se no Grande Oriente Lusitano Unido trazendo diversos obreiros de tendência carbonária e anarquista. Tal verificou-se quer em Lisboa, onde a sua força tinha particular relevo no bairro de Alcântara, quer longe do centro político, como foi o caso de Angra do Heroísmo. No entanto, a hegemonia no campo carbonári0 assentava na Carbonária Portuguesa, originária da designada Maçonaria Académica, que nada tinha a ver com a Maçonaria praticada no Grande Oriente Lusitano Unido. Criada em 1896 pelos subscritores do Manifesto Republicano Académico, a sua força crescente correu paralelo à força do Partido Republicano com destaque para o ano de 1908, momento em que Luz de Almeida reestrutura o aparelho organizativo e António Maria da Silva e Machado Santos assumem um maior protagonismo. Aliás, será o seu pragmatismo que os leva a integrar na Carbonária Portuguesa os anarquistas e anarco-sindicalistas oriundos da Carbonária Lusitana. Estes, por seu turno,
  • 3. afirmavam que, por maior que fosse o seu interesse na transformação da República, esta seria sempre um elemento secundário, que nem sequer representava um instrumento de realizações, mas apenas uma condição de maior liberdade para os revolucionários poderem preparar realizações mais radicais. Os anarquistas não pugnavam por um regime republicano, mas acediam em concordar que a República era um regime melhor que a monarquia para implementarem as suas ideias. É também neste momento que Machado Santos procura recrutar novos membros no exército, na armada e nos núcleos industriais, expandindo-se para Aveiro, Santarém, Setúbal, Barreiro ou até Bragança. Foi este crescimento fora de Lisboa que possibilitou, nas vésperas de 1910, que do lado de lá da fronteira, fossem adquiridas armas destinadas à revolução e introduzidas no país pelos carbonários alentejanos. Por seu turno, em 1910, sete dos dez regimentos que compunham a guarnição militar de Lisboa possuíam células carbonárias. É igualmente este o momento em que se sublinha o trabalho conspirativo iniciado em 1900 com a fundação da Loja maçónica Montanha, onde a Carbonária estava presente em força e onde constitui referência o nome de Luz de Almeida, iniciado em 1897 na Loja Luís de Camões. Decisiva também neste contexto, foi a adesão de Cândido dos Reis à Carbonária, em Maio de 1910, cerca de um ano depois de ter sido iniciado na Maçonaria, na Loja José Estevão. Quanto à relação entre a Carbonária e o Partido Republicano Português refira-se a frequente discordância de métodos ou estratégias. É verdade que à medida que nos aproximamos do final da primeira década do século XX, é crescente a capacidade da Carbonária influenciar o PRP, de que o Congresso do partido, realizado em Setúbal, em 1909, constituiu o ponto de viragem. É também verdade que as desconfianças nunca desapareceram. A descoordenação político-militar em 5 de Outubro é disso exemplo. O Directório do Partido Republicano criou uma comissão para organizar e dirigir o levantamento, com António José de Almeida, Afonso Costa, João Chagas e Cândido dos Reis. A aproximação faz-se, uma vez mais, através da Comissão de Resistência, criada pela Maçonaria em Junho de 1910, que visava igualmente controlar os ímpetos revolucionários da Carbonária, pela sua inclusão no projecto revolucionário e superar a fraca adesão que a Comissão Militar, criada pelo PRP em 1909, tinha registado. Ainda assim, o Directório do Partido Republicano tentou infiltrar a Carbonária através da Loja maçónica Acácia, de tal forma que Machado Santos chega a afirmar que “esta pouca fraternidade causava arranhaduras que davam trabalho a sarar”. Efectivamente, a Loja Acácia é uma das representadas na reunião realizada em 28 de Setembro de 1910 na sede no Partido republicano, no Largo de S. Carlos. Refira-se que era também objectivo da Comissão de Resistência inquirir as Lojas maçónicas numa opção entre a República e a Monarquia, ao mesmo tempo que funcionava como estrutura de resposta às pressões dos últimos governos monárquicos sobre os maçons e republicanos. A aproximação da Maçonaria à Carbonária também se faz pela mesma altura, quando António Maria da Silva e Machado Santos são iniciados na Loja Montanha e quando José de Castro, Grão-Mestre adjunto olha para a Carbonária como um instrumento para alcançar a República ou, por outras palavras, quando as dificuldades de recrutamento no exército, por parte dos mais moderados do PRP, vêm na participação da Carbonária na revolução a única alternativa.
  • 4. A República era vista como último patamar da História, a sociedade positiva, ao mesmo tempo que as elites culturais da época viam na educação o meio de se produzirem modificações sociais de médio e longo prazo. Daí que positivistas, republicanos, socialistas ou anarquistas acreditassem na construção do “Homem Novo”, que os republicanos particularizavam como o cidadão republicano. Para atingir esse objectivo foram criados “grémios”, na sua maioria uma versão profana das Lojas maçónicas, escolas, de influência maçónica, anarquista, sindical ou outra. Ao mesmo tempo que, em finais do século XIX, num contexto de uma profunda confiança na ciência, se acreditou que a filosofia tinha um papel político a desempenhar, o que implicava que além de ter um valor político incorporava as certezas dos processos e metodologias científicas, as hostes mais progressistas afirmavam que “sem liberdade não há Democracia, sem Instrução não há Liberdade“.Esta paixão pelo ensino radica no facto de o republicanismo possuir uma clara herança iluminista ao sustentar que é o Saber que permite a compreensão dos verdadeiros valores expressos na Liberdade, na Igualdade, na Fraternidade e na Tolerância. A Liberdade implica uma participação activa do cidadão na vida pública, ao ponto de que essa participação, mais do que um direito individual e egoísta, se assume como um dever perante o todo social. Só um cidadão consciente e esclarecido poderia contribuir para o sucesso da Vontade Geral e do Bem Comum, e para que isso se efectivasse a escola tornou-se um instrumento essencial da doutrina republicana e ao mesmo tempo um motivo de aperfeiçoamento moral por parte de cada cidadão. Era pela educação que se transmitiam valores e comportamentos, úteis à vida do indivíduo em sociedade. Daí também a ligação da Escola ao espaço público, a existência de ritos cívicos ou a interacção entre a escola e a família. A educação deveria constituir um caminho directo para o livre-exame e para a libertação racional dos indivíduos, e a imprensa da época, a par com a propaganda maçónica e republicana, dá-nos exemplo de inúmeros casos de entrega de prémios, saraus culturais, sessões cívicas e outras, realizadas quer no espaço escolar quer no espaço dos Centros Republicanos, que não poucas vezes coincidiam. Note- se que os republicanos portugueses nunca viram o cidadão como um indivíduo abstracto mas antes como um elemento participativo no conjunto da sociedade, quer sob o ponto de vista político quer associativo- cultural, e daí a importância de o Estado preparar bons cidadãos para a vivência de uma cidadania plena e consciente. É também nesta interpretação da competência que se insere a importância da preparação de bons profissionais especializados, simultâneamente bons cidadãos e bons profissionais, em suma úteis ao Estado e à sociedade. Para a doutrina republicana os Direitos e a Razão assumem-se como algo de universal, impondo-se a todos os cidadãos independentemente da sua posição social ou económica no conjunto da sociedade. A República seria o termo natural da História, distinguindo-se do liberalismo por não se constituir sobre a doutrina dos Direitos e Liberdades individuais mas antes valorizando a comunidade, distinguindo-se também do socialismo por não ter uma visão de classe, mas nem por isso deixando de se preocupar com os mais desfavorecidos, reflexo de um sentir fraterno que a caracteriza. Nas vésperas de 1910, ser-se republicano significava ser civicamente activo e ser-se pela democracia de opinião por oposição ao Estado centralizado na figura do rei, ainda que o seu poder fosse mais simbólico que real, mas que era agravado pelas ditaduras dos vários ministérios e pelos escândalos políticos e financeiros que abalavam a monarquia e esgotavam politicamente o regime. Por seu turno, a participação cívica explica o dinamismo das estruturas associativas, com particular destaque para os Centros Republicanos, onde coexistiam maçons, sindicalistas e carbonários.
  • 5. Era através desta participação cívica que se pretendia passar para a sociedade um conjunto de ideias vasto e frequentemente heterogéneo, tendo por unificador o conceito de Bem Comum. A melhor forma de compreendermos o sentido militante de todos os que aspiravam a contribuir para o Bem Comum é compreendermos as mutações sociais do século XIX. Na segunda metade do século XIX, Francisco Maria Supico, afirmava que “uma das melhores vantagens devidas ao systema liberal, é o direito de associação; por isso nos paizes em que melhor vegeta a árvore da liberdade, é onde mais se desenvolve o germen da sociabilidade (…). A sociedade tal como ainda se acha constituida, exige ao trabalhador o sacrificio do seu braço, a troco de mesquinho salario, e quando o abandona o vigor considera-o como membro exotico no banquete da humanidade. (…) se nos entretemos a considerar nos meios de que essas classes pódem dispôr para se vingarem de tão injusta affronta, assalta-nos logo o pensamento da associação (…)“. O século XIX apresenta-nos duas formas distintas de sociabilidade, uma tradicionalista e devota, oriunda do passado e ligada à tradição, ao campo e à actividade piscatória, e outra, de criação recente, urbana e decorrente da emergência de camadas sociais novas, mais esclarecidas e inovadoras. No primeiro caso assistimos a formas de sociabilização que são indissociáveis das práticas e vivências em que o religioso se mistura e articula intimamente com o profano. No segundo, as carências económicas, sociais e culturais constituíram terreno fértil para a emergência de formas de associativismo que tinham em conta os mais carenciados, o apoio à cultura ou apenas o convívio social daqueles que, abandonando as suas terras de origem, eram atraídos para a cidade. As sociabilidades tinham uma equivalência de poder político, económico e social, já que era através delas que as pessoas se distinguiam entre si. Na realidade, os meios culturais e de lazer frequentados, ou as acções filantrópicas, convertiam o capital económico em capital simbólico com tradução no exercício do poder político ou na afirmação social. Por outro lado, os vários espaços de sociabilidade funcionavam como patamares sociais, que comunicavam entre si, mas cuja passagem de um para outro implicava a aceitação do grupo e a disponibilidade do interessado em se adaptar a regras definidas há muito. Ainda que o acesso ao poder político se faça predominantemente no seio das mesmas famílias, à medida que caminhamos para final do século XIX, assistimos nas entidades associativas a um alargar da base social dos seus membros, podendo mesmo irmanar ricos e pobres, proprietários e assalariados, homens com forte intervenção política e outros de menor visibilidade pública. Este momento histórico representa também a subversão da ordem tradicional, rompida com o crescente desenvolvimento de pólos urbanos e industriais. O associativismo da época toca todas as classes sociais, incluindo as classes média e alta, que sentem prazer em importar formas de convívio social e cultural, mas que também sentem a obrigação social de ensinar a ler ou a promover o desenvolvimento económico. Os clubes, com a sua sede, os seus bailes, o seu teatro ou a sua biblioteca e as suas conferências, são o mais perfeito exemplo de novas formas de sociabilidade, mais exigentes, mais selectivas e frequentemente emergências de novos grupos políticos e sociais.
  • 6. No campo do associativismo civil não podemos esquecer organizações como a Associação do Registo Civil ou a Associação Propagadora do Livre Pensamento, cujo papel no plano do debate político é significativo, ou ainda os designados “círios civis”, estes, estruturas associativas surgidas após 1895, com preocupações na formação dos seus associados e cuja acção se fazia sentir tendo por base o anti-clericalismo. A intervenção maçónica faz-se de forma tão rica quanto variada. Faz-se pela criação de associações, clubes, bandas de música, escolas e, posteriormente, de centros republicanos, centros de debate e de intervenção política intimamente ligados á Maçonaria. O associativismo assume-se assim como um importante contributo para a mudança de regime, preparando o terreno para a República pelo confronto de ideias, pelo espírito de grupo que cria e finalmente, pelas estruturas que oferece. Por isso, as escolas, Centros e Clubes Republicanos, tiveram um papel fundamental na preparação da Revolução de 1910. Refira-se a este propósito que entre 1880 e 1884 o número de Centros Republicanos em Lisboa passou de quatro para trinta e quatro, crescendo até aos cinquenta em 1887 e aos quais de deverão juntar muitos mais criados ao longo do país. Ainda assim, era um movimento centrado em Lisboa, sendo que Teófilo Braga e Sebastião Magalhães de Lima pensaram numa articulação nacional para o movimento, concretizada pela acção de muitos dos líderes republicanos de Coimbra e do Porto. Em Abril de 1882, no Porto, foi criada uma comissão constituída por José Falcão e Emídio Garcia, representando Coimbra, e Alves da Veiga, Júlio de Matos e Manuel José Teixeira, em representação dos republicanos do Porto. Lisboa constituíu a sua comissão com Latino Coelho, Oliveira Marreca, Bernardino Pinheiro, Teófilo Braga e Manuel de Arriaga e destas três comissões nasceu o Projecto de Organização Definitiva do Partido Republicano. Ao longo da década de oitenta foi crescente o número de maçons nas fileiras republicanas, integrando-se nelas novos tribunos como Afonso Costa e António José de Almeida. As divergências ideológicas ou tácticas ficaram expressas no 31 de Janeiro de 1891 no Porto, considerado por alguns sectores mais moderados como um acto de puro aventureirismo, servindo no entanto para mostrar a necessidade de articulação entre os vários núcleos republicanos. A década de noventa assiste ainda à morte de José Falcão e ao definhar dos Centros Republicanos, pela falta de aderentes e pelos efeitos da lei eleitoral de 1895, que visava particularmente os republicanos. É uma década de crise só superada nos primeiros anos do século XX, onde entre 1903 e 1908 se assiste, em Lisboa, à criação de mais de três dezenas de Centros e Clubes Republicanos, facto que ainda sublinha mais a predominância da capital no movimento republicano. Nas vésperas de 1910 o número de Centros Republicanos é impressionante, mesmo fora da capital. Se algo ressalta das referências existentes na imprensa sobre os Centros Republicanos é a sua intensa actividade cívica, crescente ao longo de 1910. Destaque também para as associações de classe e para os seus dirigentes, autênticos líderes de massas, panfletários e dirigindo sessões com centenas de pessoas, muitas delas realizadas nos Centros Republicanos, locais de reunião de todas as actividades laborais e onde a população também acorria em massa. A este movimento não é estranha a multiplicação das Lojas maçónicas e o crescimento da Carbonária. Fora de Lisboa existe uma significativa coincidência entre as Comissões Republicanas e a existência de Lojas
  • 7. maçónicas nessas localidades. Na realidade o Partido Republicano estava estruturado em comissões paroquiais, provinciais e distritais, sendo o Centro Republicano a base da estrutura, local de debate, de encontro, de coordenação de acções. Se fora de Lisboa o número de núcleos republicanos, crescendo significativamente entre 1907 e 1910, era vantajoso para as pretensões do republicanismo português, já em Lisboa o excessivo número de núcleos levantava problemas de articulação. Muitas das Lojas maçónicas predominantemente republicanas criavam o seu próprio Centro Republicano, por vezes mesmo ao lado de outro núcleo de outra Loja. Tal levou a que no Congresso Republicano de 1907 se defendesse a supressão de muitos Centros a fim de tornar possível a coordenação política e não exaurir os recursos financeiros. Neste contexto é de destacar o papel das escolas, onde maçons, carbonários ou sindicalistas deram as mãos, almejando a criação de um cidadão esclarecido, conhecedor dos seus direitos e deveres e bom profissional. Por isso assistimos à criação pela Maçonaria de escolas como a Escola de Desenho Industrial Marquês de Pombal, criada em Alcântara, fundada em 1884 por iniciativa da Loja Razão Triumphante e onde assumiu um papel destacado António Augusto de Aguiar, maçon, futuro Grão-Mestre e Ministro das Obras Públicas do reino. De destacar também O Vintém das Escolas, associação criada em 1901 pela Loja Elias Garcia, com o objectivo de “combater a escola clerical por meio da escola secular”, ou a Escola Vasco da Gama, sediada no Porto, e fundada pela Loja União na última década do século XIX. Muitos outros casos teríamos de referir para ilustrar a importância do ensino na caminhada para a República. Defende-se que para existir uma verdadeira democracia em Portugal é necessário que o povo seja instruído. Daqui é curto o salto no confronto com a Igreja, vista como um poder obscurantista, frequentemente alinhada com a monarquia. No entanto, o confronto entre republicanos e a Igreja era muito mais profundo e assentava nas críticas positivistas aos dogmas religiosos, ou à questão da felicidade, para a Igreja, uma dádiva a obter no céu, ao alcance do cidadão, por direito próprio, na Terra e no último patamar da História – a República, para os republicanos. Assim, a educação não conhecia fronteiras etárias ou sociais, como também não conhecia currículos rígidos. Algumas destas escolas incluíam no seu programa princípios de cidadania, sendo disso exemplo a Escola Oficina nº 1, em Lisboa, ou a Escola Trindade Coelho, igualmente em Lisboa, à Ajuda, fundada pela Loja Solidariedade e que funcionou entre 1906 e 1911. A elas temos de juntar a acção da Universidade Livre e Universidade Popular, instituições que visavam um ensino alternativo à rede oficial, próximas do “ensino integral” onde a formação para a cidadania assumia particular relevo. A Universidade Livre seria fundada já depois da implantação da República, em 1912, numa iniciativa da Loja Montanha, enquanto que a Universidade Popular nasceu em 1906 tendo por objectivo “desenvolver o ensino popular pela mútua educação dos cidadãos”. Poderíamos acrescentar ainda a Academia de Estudos Livres, fundada pela Loja Simpatia e União, em 1889, e a Academia de Instrução Popular, fundada pela Loja José Estevão, no ano de 1892. Em matéria de estrutura funcional da Maçonaria, esta apresentava, tal como hoje, uma forma de trabalhar muito próxima das suas origens. Os maçons organizam-se em Lojas, que seguem um rito que determina o seu funcionamento e o seu suporte filosófico, sendo que o conjunto das Lojas do país forma a Obediência.
  • 8. Em 1910, a Maçonaria estruturava-se em Lojas e Triângulos, dispondo o Grande Oriente Lusitano Unido de órgãos específicos com carácter legislativo, executivo, judicial e ritual. Fora do continente destacavam- se os Açores, a Madeira, Angola e Moçambique, onde o número de Lojas e Triângulos não deixa também de ser significativo. Sob o ponto de vista ritual, ao contrário do que acontece hoje, o Grande Oriente Lusitano Unido assumia-se como uma federação de ritos – Francês ou Moderno, Escocês Antigo e Aceite, Simbólico, Adopção, York e Real Arco, liturgicamente dependentes respectivamente do Soberano Grande Capítulo dos Cavaleiros Rosa Cruzes (Rito Francês), Supremo Conselho do Grau 33 (Rito Escocês), Suprema Câmara do Rito de Adopção, Suprema Câmara do Rito Simbólico, Grande Directório do Rito de York e Grande Capítulo do Real Arco de Portugal. A Grande Dieta era o órgão legislativo do Grande Oriente Lusitano Unido, cabendo o poder executivo ao Grão-Mestre e aos Grandes Secretários da Ordem, eleitos de três em três anos. Por seu turno, o poder judicial estava dependente do Grande Tribunal Maçónico Federal. O contributo da maçonaria portuguesa foi fundamental para o debate, o confronto de ideias e para uma abertura cultural fundamental, onde ao cidadão cabem um conjunto de direitos, expressos na igualdade perante a lei, e de deveres, para com a comunidade, de responsabilidade e participação cívica. As Lojas maçónicas, possuíam uma vitalidade de debate que em muito contribuiu para que a República tivesse sido encarada como uma alternativa ao regime monárquico. Disso são exemplo os debates e teses apresentadas quer nas Lojas quer nos vários congressos maçónicos realizados antes de 1910, onde se discutiam temas tão variados como o sistema de ensino, a organização política e económica do país, ou a justeza das touradas, mas também problemas sociais como o alcoolismo, a pobreza, o divórcio, os horários de trabalho, a assistência médica pública, o movimento operário ou o analfabetismo. Os maçons, tratando-se por Irmãos, possuíam uma estrutura piramidal, tendo na base as Lojas azuis, constituídas por aprendizes, companheiros e mestres, e no topo os designados graus filosóficos ou Altos Graus, cuja amplitude tem uma relação directa com o rito praticado. Era na faixa litoral do continente que se concentrava o maior número de Lojas, onde o Porto, Coimbra e Leiria, possuíam uma actividade maçónica significativa, mas onde o destaque era assumido por Lisboa, reflectindo com isso a politização vivida na capital, com reflexos directos no 5 de Outubro. Ainda que actividade maçónica seja mais evidente no centro e sul, por comparação com o norte, há também que referir alguns núcleos incrustados em zonas rurais um pouco por todo o país, não poucas vezes fruto de iniciativas pessoais e por isso mesmo revelando maiores fragilidades. Após 1910 acentuou-se o carácter urbano da Maçonaria, fruto do peso de Lisboa e do Porto, apesar do surto de Lojas um pouco por todo o país e da perda da predominância da faixa Lisboa- Coimbra. Por seu turno, a Carbonária, quer pela sua época de origem, quer pelos pontos de ligação que ao longo da História teve com a Maçonaria, recorria a uma estrutura semelhante, mas mais adaptada ao seu secretismo. Aqui sim, estamos a falar claramente de uma organização secreta, com rituais realizados em cemitérios públicos, à noite, onde a cara dos intervenientes era convenientemente coberta. Baseava-se no Canteiro, com cinco homens, constituindo-se uma Choça com quatro chefes de canteiro. Quatro chefes de choça originavam uma barraca, quatro dirigentes de barracas formavam uma Venda e por fim os chefes da
  • 9. Venda elegiam três membros que constituíam a Alta Venda. Os seus filiados tratavam-se entre si por primos, ou bons primos, e distribuíam-se em quatro graus – rachadores, aspirantes, mestres e mestres sublimes. A terminologia adoptada pela Carbonária, ligada ao trabalho na floresta, tinha um paralelo também com a terminologia maçónica, referida à construção. Era menos intelectual e poderíamos dizer até menos selectiva, dispensando a componente esotérica mas não a iniciática. Ainda que tenha atingido um ponto alto em 1912, após 1910 tornou-se um incómodo para o PRP, acabando por se extinguir provavelmente em 1914, dispersando-se os seus membros por diferentes movimentos políticos, sociais, culturais e sindicais. Assistimos assim ao cruzamento, por vezes complexo, de três organizações distintas – a Carbonária, secreta e revolucionária, a Maçonaria, ambas reunindo diferentes matizes ideológicos, e os republicanos do Partido Republicano Português. Entidades distintas, métodos frequentemente divergentes, tendo em comum alguns dos seus membros e um objectivo – alcançar a República, na esperança transformar os súbditos de um rei em cidadãos plenos de um Estado republicano, na certeza de que com isso se concretizava a criação de uma sociedade mais justa e mais fraterna. Se é verdade que, após 1910, o rápido crescimento do republicanismo representou a sua força, também sublinhou as suas fraquezas. Para se tornar numa ideologia de massas jogou com a vantagem do número, da ênfase do crescimento e da heterogeneidade social e cultural, mas com isso acentuou as suas divergências e falta de coerência. As fragilidades da República ou as divergências maçónicas de 1914 são um espelho disso e do percorrer caminhos novos nunca antes experimentados. Acresce o carácter inovador da República portuguesa, que a par da França se apresentava perante uma Europa predominantemente monárquica, belicista e vivendo uma crise de identidade cultura”. António Lopes – in http://www.gremiolusitano.eu/?p=522 EDIÇÃO - ALMANAQUE REPUBLICANO [http://arepublicano.blogspot.com/] 10 de Abril de 2010