1) O documento discute a importância da autonomia moral segundo Jean Piaget e como os adultos tendem a reforçar a heteronomia das crianças ao usar recompensas e castigos. 2) É contada a história de Licurgo que usou cães treinados e não treinados para mostrar como a educação pode transformar os seres humanos. 3) A educação é a melhor forma de transformar a realidade de forma duradoura, não violenta.
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AUTONOMIA MORAL SEGUNDO JEAN PIAGET
Um dos livros de Piaget, "O JUÍZO MORAL NA CRIANÇA", foi publicado em
1932 e, é difícil acreditar que os educadores não tenham sofrido influência desta obra.
Nela Piaget discorreu sobre a importância da autonomia. Autonomia significa ser
governado por si próprio. É o contrário de heteronomia, que significa ser governado por
outrem.
Em condições ideais as crianças tornam-se progressivamente autônomas à medida
que crescem e, ao tornarem-se mais autônomas, tornam-se menos heterônomas, ou seja,
à medida que a criança aprende a governar-se ela é menos governada por outras
pessoas.
Na realidade, a maioria dos adultos não se desenvolve de forma ideal; a grande
maioria interrompe seu desenvolvimento em um nível baixo. Para Piaget, são raros os
adultos verdadeiramente morais. Esta observação pode ser facilmente confirmada em
nossa vida diária. Os jornais estão cheios de histórias sobre corrupção no governo,
roubos, assaltos, assassinatos, pessoas que só diminuem a velocidade do carro diante da
polícia, isto é, que só não cometem delitos diante das autoridades, seja esta autoridade
os pais, os professores, a polícia, ou até mesmo Deus.
A questão importante para educadores e pais é: o que permite a algumas crianças
tornarem-se adultos moralmente autônomos?
A resposta a esta indagação é que os adultos reforçam a heteronomia natural das
crianças, quando usam recompensas e castigos e estimulam o desenvolvimento da
autonomia quando intercambiam pontos de vista com as crianças.
Quando uma criança diz uma mentira, por exemplo, o adulto pode privá-la da
sobremesa ou fazê-la escrever 50 vezes: “Não mentirei.” Mas ele também pode evitar
punir a criança e, olhando-a diretamente nos olhos, com grande ceticismo e afeição,
dizer: “Realmente não posso acreditar no que você está dizendo porque...”
Este é um exemplo de troca de pontos de vista que contribui para o
desenvolvimento da autonomia da criança. A criança que percebe que o adulto não pode
acreditar nela pode ser motivada a pensar sobre o que deve fazer para ser acreditada.
A criança educada com muitas oportunidades semelhantes a esta, pode construir
para si própria a convicção de que é melhor para todos serem honestos com os outros.
Quando o método pedagógico adotado é a punição, temos basicamente 3 tipos de
consequências, mas isto é assunto para um próximo artigo.
3. 3
EDUCAÇÃO – A MELHOR FORMA DE TRANSFORMAR A REALIDADE
Na Grécia Antiga, há aproximadamente 2.500 anos atrás, um homem chamado
Licurgo era considerado um dos maiores intelectuais de sua época. Dominava as leis e
os conhecimentos científicos e filosóficos produzidos até então. Certa vez Licurgo foi
chamado para proferir uma palestra sobre o tema Educação. Ele aceitou, mas pediu um
longo período para preparar seu discurso. Esta atitude causou estranheza, visto que
todos sabiam que ele era capaz de discorrer sobre qualquer assunto de imediato. Mas
seu pedido foi aceito.
Passado o tempo solicitado, uma seleta plateia aguardava, na hora e local
marcados, pela presença do famoso orador. Licurgo chegou acompanhado de alguns
homens que transportavam 4 caixas cobertas por um tecido que impedia enxergar o que
havia em seu interior.
Após anunciado, ele dirigiu-se à tribuna e quando todos aguardavam o início de
sua palestra ele pediu para que uma das caixas fosse aberta e, dela saiu uma lebre que
passou a correr entre os espectadores. Todos aguardavam uma explicação quando
Licurgo pediu para que a segunda caixa fosse aberta. Dela saiu um cão que correu atrás
da lebre e a estraçalhou diante dos olhos atônitos dos presentes. Foi um espetáculo
dantesco. Todos, indignados, aguardavam explicações.
Licurgo pediu a um de seus ajudantes que prendesse o cão e abrisse a terceira
caixa, de onde saiu uma outra lebre que passou a brincar como a anterior. Sem esperar
qualquer reação da plateia ele orientou que a quarta e última caixa fosse aberta e dela
saiu um cão muito parecido com o primeiro.
Houve alvoroço geral. A expectativa de assistir novamente a um cão devorando
um lebre gerou revolta na assistência mas, quando olharam para a nova dupla de
animais perceberam que eles brincavam alegremente no meio do público e então
Licurgo falou:
“– Este cachorro é da mesma cria do anterior. Foi alimentado da mesma maneira e
recebeu os mesmos cuidados. O que os diferencia é que o primeiro não foi orientado por
um treinador enquanto o segundo foi. Se a educação é capaz de transformar de maneira
tão intensa um animal, imagine o que ela não poderá fazer por nós, seres humanos,
quando realmente a valorizarmos!"
Ditas estas palavras, Licurgo desceu da tribuna e retirou-se.
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O legado de Licurgo é apenas um dos indicadores de que a educação é a forma
mais segura e eficiente de transformarmos a realidade.
O tema educação vem sendo estudado e debatido pela humanidade desde seus
primórdios e, muitas contradições e dúvidas pairam sobre ele:
Qual a melhor forma de educar? A educação não é também uma forma de
dominação? Por que a educação não "funciona" da mesma maneira para todos?
Não tendo a pretensão de esgotar este debate, apenas proponho uma nova
reflexão:
Qual outra forma de transformação da realidade que possuímos que seja tão
eficiente quanto a educação?
Se dermos uma rápida passada de olhos pela história do homem em nosso planeta
iremos perceber que, sempre que as mudanças foram implantadas de forma violenta ou
de fora para dentro, sua duração foi efêmera. Mas quando buscou-se a conscientização
das pessoas, a mudança de paradigma diante dos problemas e a edificação de boas
ideias, os resultados foram animadores.
Vivemos em um país com graves desigualdades sociais e só conseguiremos
melhorar esta situação se propiciarmos a todos os brasileiros uma educação de
qualidade.
É ilusão pensarmos que estas transformações serão rápidas. Não serão. Mas é
importante começarmos a marcha neste rumo, sob pena de perdermos o bonde da
história e agravarmos ainda mais nossa situação.
Se nosso I.D.H (índice de desenvolvimento humano) não é bom (69º entre 192
países) pelo menos tem melhorado nos últimos anos graças a iniciativas nos campos da
saúde e educação, dando-nos um alento de dias melhores.
Mas a educação é apenas responsabilidade do Estado?
Não! Todos podemos contribuir de alguma maneira.
Quem são os educadores?
Como interagimos permanentemente e, o exemplo é a melhor forma de
educarmos, logo todos somos educadores em potencial.
Acredite nesta ideia e passe, você também, a se sentir corresponsável pela
educação transformadora que urge realizarmos.
É hora de transformação! Comecemos por nós!
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O FOGO DO EDUCADOR
Todo educador trabalha com fogo.
Fogo do desejo.
O desafio do educador é educar esse fogo. Fogo mal educado transforma-se em
incêndio destruidor, porque indisciplinado não possibilita apropriação. A função do
educador nessa prática, é a de BOMBEIRO das urgências.
Fogo educado transforma-se em aquecimento interno, porque disciplinado,
limitado, possibilita apropriação, intimidade, conhecimento do outro e de si próprio.
Nesta prática, o educador torna-se um militante que luta no seu cotidiano para deixar a
chama acesa, iluminando a construção de sua prática. Essa opção envolve trabalho
árduo, sofrido, com o educador enfrentando limites, perdas, frustrações, na construção
de sua disciplina. Pois fácil é incendiar... difícil é deixar o fogo na chama, lamparina
acesa, alimentando, aquecendo seu coração pedagógico.
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O MITO
Conceito: “Os mitos são tradições lendárias que procuram explicar os principais
acontecimentos da vida por meio do sobrenatural.” - explica a Enciclopédia Barsa.
Os mitos são materializações das tentativas do homem entender o mundo
“Para o selvagem, diz Lukesch (Mito e vida dos índios caiapós), o mito equivale a
uma codificação não escrita de sua concepção do mundo, da qual não admite o menor
desvio.”
Diferença entre mito e realidade: o mito é produto de uma narração fantasiosa,
baseada na imaginação do homem. Lukesch explica no seu livro já citado, no capítulo
“Homem e Universo no mito”, como os caiapós imaginam o mundo; eles falam que no
início existia apenas uma tribo no céu; mas um índio curioso, caçando um tatu, fez um
buraco grande e caiu na Terra. Contou, quando um vento forte o devolveu ao céu, o que
acontecera e os “irmãos” fizeram uma corda longa e desceram na Terra; a partir desse
acontecimento, existem duas tribos, uma no céu e uma na Terra. Mas um vento forte
lança o selvagem que está na Terra no céu e, muitas vezes, os que estão no céu caem na
Terra ao mexerem no buraco do tatu. Interessante que, através desta história criativa, há
a intuição da Verdade: são duas dimensões por nós relativamente conhecidas, dois
universos entrelaçados, o material e o espiritual; tribos do céu e da Terra trocam de
posição, ora no mundo espiritual, ora encarnado, mas sempre dentro dos universos
entrelaçados.
O mito do diabo traz a materialização do problema do mal que preocupa o homem
no tempo e no espaço. A imperfeição do homem ganha projeção no mito do diabo, um
ser que reuniria tudo o que o homem apresenta de pior, inclusive a inveja dos indivíduos
melhores e do próprio Pai, Deus.
Nos dois casos, a Realidade aparece deturpada por mentes imatura que necessitam
da fantasia para entender o mundo.
O conhecimento racional do mundo surge com o amadurecimento do homem e
deve libertá-Io do mito ou fazê-Io separar a fantasia da realidade. Mas é interessante que
muitas vezes o homem confunde tudo e, mesmo através da Ciência, expressa em suas
pesquisas os resíduos das fases primeiras de desenvolvimento, criando os mitos
“científicos”; assim criou o “Mito da Matéria”, matéria que seria compacta, poderosa,
origem de tudo. O “Mito da Matéria” custou a ser afastado e só quando o homem,
através de pesquisas sérias chegou à compreensão da anti-matéria, é que compreendeu,
como já explicava Platão, que a matéria é ilusão. “A Gênese”, (Kardec), explica que a
matéria é apenas “condensação de energia”, realizada através das leis entranhadas na
energia ou no Fluido Cósmico Universal. O mito da matéria fará sorrir os estudiosos do
desenvolvimento do homem dito civilizado, tanto quanto as “histórias de índio”, como
diz Lukesch, nos fazem sorrir encantados.
Função psicológica do mito
O mito é a tentativa do homem entender o mundo. Há materialização confusa do
que ela julga ser verdade. O homem sente-se mais confortável explicando, como as
crianças pequenas, a origem das coisas, dele mesmo, do mundo. É uma fase importante
7. 7
no desenvolvimento do ser, porque permite o desenvolvimento e a flexibilidade do seu
pensamento.
Herculano e o estudo dos mitos.
Herculano Pires realiza um belíssimo estudo, na compreensão do
desenvolvimento do homem, no seu livro “O espírito e o tempo”. No item “Os mitos
agrários explica a importância e o desenvolvimento dos mitos”.
No seu outro livro: “Revisão do Cristianismo” novamente estuda os mitos e
mostra como fases vividas do desenvolvimento do pensamento do homem continuam a
amarrá-lo à matéria, impedindo sua libertação.
No livro “O Espiritismo e o Tempo”, Herculano lembra a importância dos mitos
agrários. Mas, como diz Kardec em “A Gênese”, há um momento no crescimento do ser
no qual ele deve substituir as paixões pela razão. Por que “as paixões são um cavalo útil
quando domado e perigoso se desgovernado...”. O mito é produto das paixões e deve ser
superado pelo racional. “E uma preparação para a compreensão do mundo a luz da
razão”.
No seu livro “Revisão do Cristianismo”, Herculano demonstra como Kardec
estava com a razão, pois é o nosso apego aos mitos que “transformamos Jesus em mito e
suas palavras em dogma de fé”.
Herculano explica os prejuízos que causamos à compreensão do Cristianismo,
introduzindo na doutrina cristalina e liberadora trazida por Jesus, os mitos agrários.
Jesus é confundido com o mito agrário de Osíris, que “cresce”, viceja, esplende e
ceifado, retalhado, moído e enterrado. Mas renasce da terra para começar um novo
ciclo. Enxertando mito agrário de Osíris, na história real de Jesus, começamos a adorar
um Deus ensanguentado e ficamos cheios de complexos terríveis de culpa pelo
assassinato; perdemos o referencial do amor e libertação e, escravos do mito, tomamos a
massa do povo manipulada e escravizada ao sofrimento e a dor.
“Não compreendemos o Cristo, diz Bezerra de Menezes no livro “Chico, Bezerra
e Você,” não o praticamos; não compreendemos o Espiritismo e também não o
praticamos”.
Escravos das sombras espalhadas por nós mesmos, impedimos a compreensão do
Cristianismo e, pior, coberto supostamente com o sangue de Jesus, Mergulhamos na
nossa “indignidade” e os frutos Amargos da civilização Coberta de sangue foram as
cruzadas, as Guerras Santas e a Inquisição. Necessário é compreendermos a figura
maravilhosa de Jesus para entendermos que “Podemos fazer o que ele fez e muito mais,
nos modificando”.
O trabalho de Kardec na libertação do mito.
Allan Kardec, o grande codificador do Espiritismo, explica logo no início do livro
“A Gênese”, que o Espiritismo não veio inventar nem trazer novidades, mas “colocar os
pingos nos is”.
Em um trabalho belíssimo, Kardec explica os Universos paralelos, Resolvendo a
tentativa de compreensão dos caiapós; deixa claro o que somos (deuses e luzes, disse
Jesus), convida-nos a refletir sobre a finalidade da existência (desenvolvimento de
potencialidades), e apresenta Jesus de Nazaré à luz da razão. O espírito mais puro que
veio á terra aparece em toda a sua luminosidade sobretudo no capítulo de “A Gênese,”
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“Os milagres do Evangelho”. Um espírito superior encarnado na Terra, com um corpo
físico semelhante ao nosso, mas expressando uma grandeza nunca vista no planeta. Um
espírito especial, o maior paranormal de todos os tempos, que apresentava fenômenos,
considerado milagres, pela falta de maturidade do homem com a visão toldada pela
forma fantasiosa de enxergar a realidade, vendo, como dizia Platão, as sombras e não a
verdade.
Jesus é o nosso referencial, a nossa bússola. Embaçando a bússola com o “bafo”
do ranço do passado, Impedimos a compressão dos problemas fundamentais da
existência. Limpando a nossa mente, pensando à luz da razão, o cristal deixará entrever
o caminho correto para dimensões luminosas.
Somos o que pensamos. Amarrados às sombras transformamo-nos em sombras;
agarrados as ilusões, vivemos na ilusão. Compreendendo a verdade, entenderemos a
nossa dignidade e nos comportaremos como seres especiais, “centelhas divinas cuja cor
varia do vermelho ao rubi” como explica “O Livro dos Espíritos.”
“Podeis fazer o que eu faço e muito mais,” disse Jesus. Necessário é saber o que
ele realmente fez: necessário é nos libertarmos do mito e seguirmos o exemplo deste
grande espírito, o nosso irmão Jesus, “nascido em Nazaré e filho, dentro das leis
naturais da terra, de José e de Maria....
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EVOLUÇÃO ESPIRITUAL:
O ESPAÇO DA RAZÃO E DA EMOÇÃO
Espíritas: amai-vos, eis o primeiro
mandamento; instruí-vos, eis o segundo!
(E.S.E., cap. VI - Instruções dos
Espíritos)
A capacidade de sentir, pensar e agir formam uma tríade que tem sido reconhecida
como básica na compreensão da natureza do ser humano. Quando a análise considera
somente um aspecto, o conhecimento resultante é incompleto ou parcial. No entanto, os
estudos na área acadêmica das Ciências Humanas, principalmente na Psicologia, têm
privilegiado a ação e o pensamento, em detrimento da emoção.
Apesar disso, podemos identificar, nos últimos anos, um interesse crescente na
temática das emoções e seu desenvolvimento. Pode-se identificar dois movimentos
nessa direção o que nasce da Academia (Universidades, Institutos de pesquisa etc.) e
aquele gerado em um público particular (pais, educadores de pré-escola, primeiro e
segundo graus e jornalistas), incluindo mais recentemente o dos jovens. Esses dois
movimentos refletem uma espécie de "espírito do tempo". Dito de outra maneira supõe-
se a existência de uma tendência, representada por um amadurecimento de ideias ou
consciência da falta de explicações sobre certos fenômenos, que funcionaria como uma
espécie de preparação para que certas ideias ou questões encontrem um campo fértil
(momento histórico) para sua discussão.
Além da compreensão, os novos estudos vêm trazer pistas razoavelmente seguras
para a educação das emoções. E é isso mesmo o que desejam pais, educadores e o
público em geral. Também é esse o nosso objetivo principal neste estudo: produzir um
texto teórico-prático que possibilite um refletir sobre e exercitar a emoção na
perspectiva da tríade pensamento-ação-emoção.
O pensar e o sentir
Vossa alma é frequentemente um campo
de batalha onde vossa razão combate
contra vossa paixão e vosso apetite.
(Gibran Kalil Gibran – O profeta)
No dia 22 de abril deste ano, o engenheiro e professor de informática J., ao
acionar o portão eletrônico da garagem de sua residência, em um bairro da cidade de
São Paulo, foi abordado por dois assaltantes e obrigado a adentrar a casa e a chamar
seus familiares, esposa e duas filhas. Após alguns momentos destinados à localização
dos bens, um dos ladrões referiu-se à possibilidade de levar o dono da casa para retirar
dinheiro no caixa eletrônico mais próximo. As duas meninas começaram a chorar,
provocando intensa irritação nos assaltantes. Um deles mirou a arma em direção a elas
quando, rapidamente, o pai colocou-se à frente e acabou por receber vários tiros que
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estavam destinados às pequenas, vindo a morrer pouco tempo depois. O acontecimento,
registrado nos jornais e mídia, causou forte consternação geral.
Este fato configura-se emblemático para exemplificar o papel da emoção como
um guia da ação. Ao mesmo tempo, extraordinário exemplo de amor. O sentimento de
abnegação, de doação, pode, às vezes, ser tão forte, que sobrepõe o próprio impulso da
sobrevivência pessoal – tão importante desde o aparecimento do homem no planeta, há
mais de 40 mil anos – e que, em ocasiões como essa, praticamente se desvanece.
Mas, e as emoções dos assaltantes? Porque tamanho impulso de destrutividade?
Neles o impulso de sobrevivência pessoal (sentir-se-iam ameaçados?) estaria se
sobrepondo a qualquer sentimento, como por exemplo, o da piedade?
Tanto de um lado (do pai) como de outro (dos assaltantes), o quadro é complexo e
cheio de condicionantes. Buscar a explicação do biologismo dizendo que a salvação das
próprias filhas e a agressão contra o outro estão dentro do plano biológico não é
suficiente! Inúmeros exemplos tanto de altruísmo (sem base filial) como de controle do
impulso agressivo, em situações de máxima exacerbação, poderiam ser evocados.
Indo um pouco adiante a análise, poderíamos dizer que ambos, pai e assaltantes,
agiram na e através da emoção. Em um caso, a abnegação; em outro, a violência. Diz
Pascal que o coração tem razões que a própria razão desconhece. É correto supor que
muitas pessoas não conseguem controlar suas emoções e acabam por colocá-Ias a
serviço da morte mais do que da vida.
Na maioria das vezes, emoção e razão caminham juntas, de mãos dadas trocam
juras de fidelidade mas, em certas situações, atuam como que em oposição. Tivesse eu
pensado; agi impulsivamente e agora me arrependo; fui arrebatado por uma emoção
violenta... são frases reveladoras da supremacia da emoção sobre a razão.
Em nossa sociedade, ainda predominantemente cartesiana, são muitos os que
pensam que a emoção deve ser domesticada, elegendo a razão como fonte máxima da
civilização e, é claro, da evolução. Afirmam que, no esforço para a domesticação da
emoção, foram erigidos os códigos de ética prescritos em todas as culturas. De fato,
aparentemente é ou foi assim. Recordemos o decálogo: não matarás, não cobiçarás a
mulher de teu próximo...
Não obstante, podemos ensaiar um raciocínio em sentido oposto. Mais do que
domesticar a emoção, devemos tomá-la como aliada, em busca de um novo porvir, pois,
como diz A. Kardec:
Todas as paixões têm seu princípio num
sentimento ou necessidade natural. O
principio das paixões, portanto, não é
um mal, visto que repousa sobre uma
das condições providenciais de nossa
existência (cap. 12, comentários
referentes à resposta da pergunta 908).
11. 11
Em sua essência, as emoções nos impulsionam e nos fornecem energia e direção
imediatas, cujas formas podem ser talhadas e caminhos redirecionados pelo exercício da
razão.
A linguagem das emoções
Os cientistas que trabalham com as emoções estão interessados, entre outras
coisas, em compreender como a emoção prepara o corpo, a partir do cérebro, para
reações específicas. As emoções de caráter universalista, identificadas em todas as
culturas são em número de: a ira, o medo, a surpresa, o nojo, a tristeza e a alegria.
a) A ira faz descarregar vários hormônios, como a adrenalina, que geram energia
suficiente para impor, na ação, um vigor excessivo. O sangue flui para as mãos e
os olhos ficam cerrados (como se a pessoa quisesse olhar apenas o objeto de sua
raiva), as mãos se contraem fortemente e os maxilares se apertam. Esse estado
mostra que o indivíduo está "pronto" para atacar.
b) O medo leva o sangue mais rapidamente para a musculatura do esqueleto (pernas
e braços), visando facilitar a fuga mas, em excesso, produz a imobilidade, ambas
as reações ligadas à autopreservação. No cérebro, circuitos emocionais produzem
hormônios que colocam o corpo em estado de alerta, com a atenção voltada para o
objeto ameaçador. A face torna-se lívida, a boca permanece ligeiramente aberta e
os olhos se arregalam.
c) A surpresa produz reações nos músculos da face, como o erguer das sobrancelhas
que, por um lado amplia a visão e, por outro, facilita a entrada de luz na retina,
gerando mais informações sobre o fato inesperado. Tudo o que se deseja é
entender, desvelar o que está oculto, causador da dúvida e, por fim, alcançar a
certeza. Conviver com a incerteza é fonte de sofrimento, embora seja, também,
motivo de imensa satisfação pela descoberta.
d) O nojo, ou repugnância, também produz imediata reação nos músculos faciais,
com o lábio superior se retorcendo para o lado e o nariz se enrugando. Algo
desagrada o gosto, o olfato ou a visão. Cuspir, tapar as narinas, virar o rosto,
fechar os olhos, são reações comuns. Algumas dessas reações fazem parte,
também, da expressão de outros sentimentos, como por exemplo, a indignação.
e) A tristeza traz uma diminuição da energia e do entusiasmo pelas atividades em
realização, particularmente por aquelas que exigem respostas contrárias como as
de diversão e prazer. Na tristeza, há uma redução do metabolismo e também a
expressão facial e corporal adquirem características típicas: ausência de sorriso ou
sorriso de curta duração, olhar vago, ombros caídos e cabeça em posição inclinada
contra o peito. A tristeza excessiva, mais permanente, é um sentimento próprio da
depressão, requerendo, geralmente, ajuda especializada.
f) A alegria produz uma elevação da atividade do centro do cérebro, inibidora dos
sentimentos negativos como a preocupação e a tristeza. É por isso que a sabedoria
popular ensina que rir é o melhor remédio. Não se verifica nenhuma mudança
particular na fisiologia interna, a não ser a de tranquilidade Externamente a
expressão de contentamento é identificada no sorriso amplo, na gargalhada,
12. 12
observando-se uma postura relaxada, porem ativa. Em geral, a alegria facilita a
comunicação, a pessoa mostra-se aberta, interessante e interessada.
Os estudos têm mostrado que as metades do rosto são assimétricas: a direita e a
nossa "face pública", que procura mascarar a emoção socialmente reprovável e, por
isso, mais parecida com a face inteira; a esquerda é a "privada", mais verdadeira,
geralmente expressando mais os sentimentos negativos ou socialmente reprováveis. Isto
parece ocorrer porque o hemisfério direito é dominante e tem algum controle também
sobre o lado esquerdo. Há também evidência de que o exercício de expressar emoções
altera efetivamente o nosso estado de ânimo na direção da emoção expressada. As
tentativas de mostrar-se alegre, sorridente e contar coisas divertidas parecem ter efeito
gerador de sentimentos positivos. Ao contrário, o andar vacilante, a fala baixa,
inexpressiva, os temas mórbidos na conversação, podem produzir a tristeza, o desgosto,
o desânimo, e ter um efeito "contagiante" para as pessoas não "imunizadas".
É preciso considerar, também, que muitas das respostas biológicas e a forma de
expressão dessas emoções são moldadas pela cultura que cria, ainda, ritos inibidores ou
catárticos das emoções. É o caso do funeral e do luto. No interior do país, o povo,
sabiamente, introduziu algumas práticas nos rituais de velório, como aguardente, bolos
e café, que funcionam como moderadores dos efeitos catárticos dos lamentos das
carpideiras.
Sem pretender alongar em demasia essas considerações, com relação à catarse,
principalmente no caso da ira, descobriu-se que "dar vazão" à emoção (expressão
catártica) pouco ou nada contribui para eliminá-Ia. Muito ao contrário, o que ocorre
durante a vazão é uma superexcitação, ao nível do cérebro, que prolonga esse estado
emocional.
Nem domesticação, nem exacerbação da emoção
A morte de dois políticos de projeção nacional, amplamente divulgada pela mídia,
causou, além da consternação, uma certa surpresa, principalmente ao olhar mais atento
aos fatos e, principalmente à simbologia que lhe é inerente: a presença exclusiva da
"religião oficial", com o seu ritualismo da morte, não obstante as bases eleitorais do
político baiano se localizar, em grande parte, entre os praticantes do candomblé, neste
momento mantidos à distância; a profusão de óculos escuros, impedindo que se
diferenciasse os olhos dos entristecidos dos olhos nada tristes; as roupas pretas
combinando com a sobriedade do local e com as caras compungidas; a quase
invisibilidade das mulheres, mães, esposas e filhas, comparada ao destaque das posições
ocupadas pelos maridos, pais e netos....
Nas declarações, foi possível verificar que a vaidade e o arranjo das aparências
para a sociedade falaram mais alto: a começar com o pai do deputado falecido,
desmentindo o diagnóstico médico, afirmando que tudo estava bem quando a verdade
era outra. Nunca saberemos se o seu lamento foi só pela dor da perda ou se inclui,
também, o sentimento de culpa. O conteúdo das falas, além de exibir os chavões
próprios da situação, não foi capaz de revelar nenhuma reflexão com um mínimo de
profundidade sobre a vida, a dor, o destino, o apego... A única preocupação relacionava-
13. 13
se ao exercício do poder. E tudo ocorreu conforme um script previamente ensaiado. O
ritualismo engendrado, superficial e epidérmico, controlou a emoção e a liberação desta
ocorreu conforme as conveniências políticas, reafirmando a ruptura entre o poder e o
povo. Este sim, podia e devia, segundo o desejo do poder, representado na mídia,
expressar e exacerbar sua emocionalidade. E quanto mais melhor!
Este e outros acontecimentos, como por exemplo, a morte de Ayrton Senna, têm
sido habilmente utilizados pelo poder, na manipulação da emocionalidade popular. Os
mortos ilustres são metamorfoseados em heróis, em cortejos grandiosos, em que
proliferam rituais catárticos e, ao mesmo tempo, exacerbam-se os sentimentos de
carência, de fragilidade das massas. A estas, restam o choro, o lamento e um profundo
sentimento de desamparo.
Convivendo com as emoções
Não adianta negar as emoções. Elas fazem parte do nosso ser e estão conosco
desde os primórdios de nossa evolução: ... as paixões são um sinal de atividade e da
consciência do eu, enquanto que, na alma primitiva, a inteligência e a vida estão em
estado de germe (parte da resposta dos espíritos à pergunta 191, do L.E.). Pode-se negar
as emoções aos demais: não, não tenho nada; não estou com raiva; medo, eu? qual o
quê? Mas não adianta tentar enganar-se a si próprio, pois as emoções, em especial as
negativas, podem criar condições de exacerbação, tomando-se força de difícil controle.
O primeiro passo, portanto, para conviver com as emoções, consiste em aceitá-Ias.
Pois só assim podemos dar início a um processo educativo dos nossos sentimentos. Esse
processo inclui:
1. Identificar as próprias emoções. É um ponto fundamental identificar as emoções
que sentimos. A pergunta o que é que eu estou sentindo neste momento? É uma
boa estratégia. Ela nos obriga a dar um nome à emoção. Identificar sentimentos
leva-nos a uma melhor compreensão de nós mesmos. Aqueles que conhecem seus
próprios sentimentos têm mais recursos para controlá-los, direcioná-los e
encontrar um sentido para suas vidas.
2. Identificar as emoções nos outros. Esta é uma aptidão também muito
importante, pois, de um lado, nos ajuda a dirigir nossos próprios sentimentos e, de
outro, favorece nossa relação com o próximo, seja ele familiar, amigo, ou
desconhecido. Tal processo pode ser denominado de empatia quando, além do
reconhecimento da emoção, adquirimos, também, a capacidade de dizer ao outro
que percebemos o que ele sente e expressar nossa solidariedade e compreensão
(caso de dor), conforto (caso de medo) e satisfação (caso de alegria).
3. Motivar-se. O ato para motivar-se consiste em um processo que coloca a emoção
a serviço de uma meta significativa. Isso exige concentração, autocontrole da
impulsividade e disciplina para alcançar os objetivos. É a capacidade de planejar
tarefas e realizações, a médio e longo prazo e de resistir "às tentações" de ganhos
imediatos que alteram o caminho a ser percorrido. Não se trata de defender a
inflexibilidade em relação a metas e estratégias. Elas, quando necessário, devem
14. 14
ser alteradas, porém sem prejuízo do cultivo da persistência e da capacidade de
sonhar.
4. Lidar com emoções. Muitas pessoas não lidam de forma adequada com as suas
emoções. Frequentemente as negam. Ora as distorcem "propositalmente" (o que é
uma forma de negação), ora, paradoxalmente, mergulham nelas como se tratasse
de algo irremediável, um destino que não pudesse ser alterado. Lidar
adequadamente com as emoções implica na capacidade de permitir-se ser humano
(sentir também emoções negativas), consolar-se sem apiedar-se de si, recuperar-se
e, em nova etapa, alegrar-se por ter deixado um sentimento negativo. Ao fazer
isso, já se está cultivando sentimentos de outra qualidade.
5. Relacionar-se produtivamente. Grande parte de nosso tempo passamos
interagindo com outras pessoas, sejam familiares, amigos, colegas, ou
desconhecidos. Isso nos leva a reconhecer que não estamos sozinhos em termos
de emoções. As pessoas com quem nos relacionamos também sentem raiva, medo,
alegria, desejo etc. Em segundo lugar, precisamos lidar com esses sentimentos de
forma franca e honesta, tanto em nós, quanto nos outros. O que fazer com a nossa
indisposição com uma companheira do grupo mediúnico? Como responder ao
presidente, quase sempre irritadiço, de nossa equipe de trabalho? A relação
produtiva que conseguimos estabelecer (cordial, sincera, fraterna) por um
processo natural reforça nossas emoções positivas e à medida em que convivemos
e expressamos por mais tempo essas emoções, produzimos automaticamente um
decréscimo naquelas negativas. Aqui a assertividade, que se resume na expressão
direta e honesta de sentimentos e direitos (sem ferir os alheios) ajuda bastante.
6. Desenvolver atividades facilitadoras. Não há dúvida de que existem uma porção
de atividades que nos induzem a sentimentos diversos. Filmes de ódio e violência
geram emoções e pensamentos de ódio que podem nos levar a ações molestadoras
ao nosso próximo. A televisão, na busca de público, vêm estimulando as nossas
emoções mais grosseiras, ao banalizar a violência, entronizar a esperteza como
virtude, erotizar a infância... Selecionar os programas, desligar a TV e esclarecer
sempre que possível, são respostas de contracontrole adequadas e efetivas a tais
manipulações de nossos sentimentos. Por outro lado, existem muitas atividades
geradoras de emoções positivas. Claro que elas não se aplicam igualmente para
todas as pessoas. Por exemplo, um balé clássico pode trazer tranquilidade e paz
para alguns e cansaço ou irritação para outros. No entanto, são muitas as opções
de atividades facilitadoras de emoção positiva, tais como, ouvir música, tocar
algum instrumento, ler ou escrever, cuidar de flores, assistir a filmes etc. Escolher
aquelas que se possa realizar com certa frequência e deixar-se emocionar,
identificando os próprios sentimentos e, se possível, compartilhando-os com os
amigos mais chegados são estratégias viáveis e efetivas. As emoções positivas
devem ser compartilhadas mais ainda do que as de caráter negativo, pois, como
dissemos anteriormente, o compartilhamento é uma fonte alimentadora e
disseminadora dessas emoções. Lembre-se que ninguém fica alegre apenas para si
próprio, senão para expressar e repartir essa alegria.
15. 15
Por que algumas pessoas são autoconscientes de suas emoções? Não temos
resposta completa para essa pergunta. Podemos supor aquisições ligadas às experiências
pretéritas, mas estas só ocorrem em contextos especiais de vida. Um produto
fundamental para a vida, para a capacidade de organizar-se, de relacionar-se com os
outros, de perceber-se e perceber o próximo está relacionado com a OBSERVAÇÃO e a
AUTO-OBSERVAÇÃO. Observar é a ferramenta essencial para conhecer o mundo,
estar ciente das diferenças entre pessoas, grupos e povos, para ser capaz de nomear as
diferenças e semelhanças e para ver além do que é aparente. Isso se aplica também ao
indivíduo quando ele se observa: identificação das reações diferenciadas em relação a
pessoas, grupos e povos, fazer perguntas a si próprio, comparar emoções... Ninguém se
mantém alerta se não é capaz de observar e conhecer o mundo.
Outro requisito está na capacidade de monitorar o próprio comportamento. Ser
capaz de perceber as demandas de uma situação (observação), verificar seus próprios
recursos (auto-observação) e alterar seu próprio comportamento quando necessário,
dizendo a si mesmo como deve agir (monitoramento), seja sobre o conteúdo (por
exemplo, escolha do assunto para conversar com uma pessoa percebida como
espiritualmente perturbada), seja sobre a forma (variações na proximidade, no tocar, no
olhar, na modulação da voz etc.).
A auto-observação permite que eu diga para mim mesmo: Estou sentindo inveja.
O automonitoramento permite que eu identifique o porquê, que tipo de racionalizações
são aplicáveis para que eu organize meu pensamento e, com isso, possa alterar meus
sentimentos. Por exemplo: uma pessoa X foi premiada com uma posição que eu gostaria
de ocupar no meu trabalho. Minha análise leva-me a admitir que X tem muitos méritos
e fez por merecer tal prêmio. Nesse caso penso que devo parabenizá-la e que minha
inveja não se justifica. Ao fazer isso, posso perceber que X fica contente e, nesse caso
eu também sinto-me bem. A inveja dá lugar à alegria e a uma maior autoestima. Reflito
também que não devo ficar envergonhado pelo meu sentimento e congratulo-me por tê-
lo identificado: Puxa, que bom ter percebido... Penso ainda que, se algum dia eu for
premiado gostaria que meus amigos se sentissem alegres por isso. Acrescento: Que bom
que a premiação foi justa!
Outra situação: X foi premiada, mas eu tenho mais méritos do que ela. O que
posso racionalizar? Primeiro, minha inveja e minha tristeza não podem mudar essa
situação. O sentimento mais apropriado seria o da indignação. Este eu devo expressar
não para X, porém para a comissão de escolha e tentar influenciar os critérios. Através
da racionalização e da ação, substituo a inveja pela indignação, aliás, justa. Finalmente a
terceira alternativa: X foi premiada, não merece, tampouco eu, uma vez que há outras
pessoas com maior capacidade. Aqui também devo pensar em mudar os critérios de
escolha (neste ponto caberiam as mesmas reflexões acima, incluindo o sentimento da
indignação como o mais apropriado). Novamente devo refletir que minha inveja não é
apropriada, identificando-a, posso conseguir, através da razão, alcançar outros
sentimentos, como por exemplo, o da indignação.
A razão e a ação podem ajudar na semeadura da emoção positiva em nosso
interior. A razão me diz que a raiva, o medo e a inveja são emoções humanas, próprias
do estágio evolutivo atual da maioria e que vergonha e sentimentos de culpa não as
16. 16
transformam em emoções positivas. Porém, ao identificá-las (nomeá-las), motivar-me
para novas realizações, refletir e planejar atividades (pensamento) e realizá-las (ação)
estarei criando condições para o aparecimento de emoções positivas e para a
permanência delas por mais tempo comigo.
De cativo da vida, como diz o Espírito de Verdade, para apaixonado pela
existência, estarei construindo um futuro de alegria mais permanente, conquanto
aprenda a reparti-Ia. A citação abaixo, do Espírito de Verdade, parece-nos bastante
apropriada, pelo conteúdo e pela fonte, para encerrar nossas reflexões, esperando que
suas palavras belas e sábias nos inspirem emoções positivas.
Bebei na fonte viva do amor e preparei-vos, cativos da vida, para vos lançardes
um dia, livres e alegres, no seio daquele que vos criou fracos para vos tornardes
perfeitos e deseja que modeleis vós mesmos a vossa dócil argila, para serdes os
artífices da vossa imortalidade (cap. VI, E.S.E.).
17. 17
PRINCÍPIOS ESPÍRITAS E CONSEQUÊNCIAS EDUCACIONAIS.
UMA PRAIA LIMPA E DESPOLUÍDA
O ar límpido, o céu azul, verde a água marinha, serras beirando a praia.
Tranquilo descanso para velhos, movimento natural de terra e água, energizando a
juventude.
Uma praia brasileira.
Tudo deliciosamente harmônico e, surpreendentemente, quase limpo. Famílias
do mesclado racial brasileiro: há olhos orientais, pele negra, morena clara, marrom
“bom- bom,” peles brancas com cabelos negros, e tez tão clara que o sol não
doura. Todas com seus saquinhos para lixo. Quase todas buscando lixeiras. Quase
todas separando lixo orgânico e lixo reciclável.
Jovens, com empregos de verão, circulam entre os banhistas. Oferecem sacos
plásticos impressos com informações.
Tomo e leio interessada. Em 1996 , 95% das pessoas deixavam lixo nas
praias. Em 1997, apenas 5%. A Prefeitura informa quanto de lixo foi coletado,
quanto foi reciclado, quantas toneladas deixaram de ser atiradas ao mar. Os vidros
plásticos, alumínios e papéis, ainda fornecem material que reciclado permite várias
utilizações. O preço é 20 a 80% menor do que se utilizarmos materiais ainda não
industrializados. Todos ganham com pequenos hábitos e cuidados que custam cerca
de 2 a 3 minutos por dia para cada pessoa.
Mas, o que surpreende e encanta é a rapidez com que o povo passou a
colaborar. Em apenas um ano.
___Com certeza, dirão os profetas do desânimo e do elitismo, são pessoas
civilizadas, espíritos de europeus. Certamente, isso só pode se passar no sul do
Brasil.
O preconceito falará bem alto e ouviremos em baixa voz:
____ Quero ver conseguir em outros Estados, ou com os ignorantes das favelas,
periferias . A sujeira e a poluição fazem parte das práticas dos povos primitivos.
18. 18
Desafio as campanhas municipais a educar essa gente. Com o povo ninguém pode.
Que governo dá um jeito nesses ignorantes?
Continuaremos a fingir que não percebemos o alcance da educação das
massas. Noventa por cento das pessoas alteraram um comportamento de poluidores,
estratificado ao longo de, no mínimo, quinze anos, passando a colaborar com a
limpeza e a reciclagem. Foram informadas dos resultados de sua ação e reafirmaram
suas novas condutas, sem multas, sem pressões.
Allan Kardec diz, em Obras Póstumas1
, que a grande maioria das pessoas não
é má. Apenas uma pequena parte realmente afronta as leis divinas e procura utilizar
coisas e pessoas sem se preocupar em colaborar e auxiliar. Já ouvi pessoas no meio
espírita dizerem que o Codificador é muito otimista e nada confirma a estatística
dele. Alguns ficam extremamente irados quando citamos isso.
Que motivos nos levam a desconhecer essa opinião ou a não divulgá-la?
Saberemos dizer o por quê ?
A Doutrina Espírita como Revelação, há que ter trazido ao homem, além de
conhecimentos novos, uma nova forma de ver o mundo.
É essa nova visão do Universo, dos seres vivos e dos homens que o
Espiritismo veio revelar e que nos compete entender, aplicando-a na prática
educacional que é feita, no dia a dia de nossos Centros, famílias, obras e trabalhos.
Comumente ouvimos dizer que o Espiritismo veio revelar ao homem os seus
princípios: Deus, a imortalidade da alma, a reencarnação, a lei de causa e efeito, a
evolução espiritual, o mundo espiritual, a comunicabilidade dos espíritos , as leis
morais, penas e recompensas que ocorrem na vida, segundo essas leis. Na verdade
em l857, quando é publicado “O Livro dos Espíritos”, os homens já sabiam da
existência de Deus, da imortalidade da alma, utilizavam-se ,de modo mais ou menos
velado, do intercâmbio com os espíritos , a maioria das religiões do planeta
aceitavam a reencarnação e todas elas previam penas e recompensas para os que
descumprem ou cumprem a Lei Divina. A grande Revelação do Espiritismo,
consiste em romper com essas visões e mostrar tudo isso em uma nova dinâmica.
1
Kardec, Allan . Obras Póstumas. As Aristocracias, pag 197 e 198. Edição Especial do Núcleo Espírita
Caminheiros do Bem. LAKE- Livraria Allan Kardec Editora.
19. 19
Parte do Conceito de Deus, ampliando o Deus de Amor de Jesus, para além
das fronteiras do afeto, de modo a defini-lo como Inteligência Suprema e Causa
Primária.
Mostra que a vida continuamente transcende estágios, no grande processo
da evolução.
Desvenda a existência de dois princípios no universo, ambos ativos e
interagindo um sobre o outro.
A atividade do princípio material interage com o dinamismo do princípio
inteligente, na divina dialética da vida universal.
O princípio material com seus mecanismos e dinamismos instituídos pela
Mente Divina2
e o princípio inteligente assumindo aos poucos o comando do
primeiro, à medida em que desenvolve a consciência e a liberdade nas criaturas.
Apresenta a reencarnação como meio, como instrumento de
aperfeiçoamento espiritual , de evolução dos seres .
Renova assim a visão da vida material, apresentando-a como abençoada
possibilidade de progredir mais rapidamente em direção à felicidade. Em vez de
castigo, “vale de lágrimas”, a vida material é ,no definir de Kardec3
, a escola de
aplicação em que colocamos à prova nossas virtudes e se vencemos nossos vícios.
Reúne fé e razão, recusando os mitos e dogmas estabelecidos em todas as
religiões, esclarece a vida espiritual, velada aos homens pelos que nisso tinham
interesse.
2
Quando escrevemos MENTE DIVINA, utilizamos uma metáfora para nos lembrar que a matéria existe sustentada por leis
divinas. Seus mecanismos e dinamismos, são criações divinas, portanto bons, belos e sábios.
3
Kardec, Allan. A Gênese. Cap. XI,item 25 final e item 26 início. Edição Especial. LAKE,s.d.
20. 20
Com o Espiritismo, esclarece-se a base simbólica dos mitos antigos, que
inspiraram as grandes religiões, mostrando porque foram criados.
Reabilita a mediunidade que, compreendida como possibilidade de todos os
seres humanos , deixou de ser apanágio de santos, bruxos, ou sintoma de
desequilíbrio anímico .
A faculdade mediúnica deixa, com o Espiritismo, de ser um dom de santos e
bruxos, para se tornar um fato natural, a merecer estudos metódicos e
experimentais.
Inova pela compreensão da dinâmica espírito e matéria, mostrando-os
como princípios complementares. Inaugura com isso uma dialética própria e
original no pensamento filosófico da humanidade
Na dinâmica do processo evolutivo, o Espiritismo mostra uma concepção
renovada do ser humano. O homem é, no início de sua evolução como indivíduo,
simples e ignorante. Nem o homem das religiões antigas, decaído, manchado pelo
pecado original, nem o das filosofias naturalistas, naturalmente bom mas
pervertido pelas relações sociais.
Cada homem é um mundo resultante de suas experiências reencarnatórias.
Os sofrimentos pelos quais passa são, em geral, resultantes de provas
escolhidas por ele mesmo.
Eventualmente pode estar limitado pela expiação, no entanto, em geral está
em jornada de aperfeiçoamento, submetido a provas, como o aluno nos exames
escolares.
Em qualquer situação, todavia, sempre será capaz de cumprir uma tarefa só
sua, uma missão, que aos olhos dos homens será pequena ou grandiosa, mas
importante e única para o processo evolutivo. Mesmo limitado, seu potencial de
amor e inteligência pode ser cultivado, desenvolvido por uma boa educação que o
fará dar seus melhores frutos .
Em educação, tendo-se tal visão, não se pode duvidar das possibilidades do
espírito com sua liberdade e vontade.
É preciso procurar entender o dinamismo ainda inexplorado do corpo e da
vida em seus mecanismos divinos e as formas de agir do espírito ligado a esse
corpo, para poder auxiliar cada espírito a se desenvolver ao máximo.
21. 21
Reconheçamos humildemente que apenas principiamos a tocar nessa
interação corpo- espírito, possibilitada pela reencarnação.
Se o espírito necessita do corpo físico para poder evoluir, há de existir nesse
plano físico e nessa vida, condições ideais para o progresso espiritual.
Por que motivo, continuamos a repetir mitos de antigas religiões e
consideramos nossa vida física apenas oportunidade de resgate de faltas?
Limitamos dessa forma nossa compreensão da vida , acabamos por desejar nos
libertar dela, ao invés de usufruí-la e valorizá-la.
Nossa metodologia em Educação, apenas tangencia os caminhos sulcados
pela evolução humana. A compreensão dos mecanismos da evolução, que a Ciência
no estudo da matéria vem desvendando, começa a mudar a diretriz dos métodos e
processos educacionais. Há muito que caminhar para, a partir de tais mecanismos,
atingirmos a compreensão da interação espírito- matéria.
O conceito de Homem e de Vida no Espiritismo é extremamente otimista,
embora profundamente realista. Não há bondade natural, mas potencialidade
natural para o bem, para o belo, para a verdade.
O bem, o belo e a verdade serão conquistados por nós, conforme formos
progredindo e desenvolvendo inteligência e amor. Por tal motivo, ninguém tem o
direito de considerar a sua visão de belo, de verdade e de bem, como a única
verdadeira.
Essa posição de humildade diante da verdade, reflete-se numa imensa
tolerância para com as diversas visões da vida.
Não existem em nós tendências para o mal. Não há no ser humano, inclinação
natural ao mal. Surge o mal, como contingência pela conduta de espíritos que no
desenvolver de sua liberdade, na luta pela vida, agem com consciência do mal que
irão praticar, indiferentes à vida e ao semelhante . O mal está na intenção.
Desviar o ser humano do desenvolvimento natural e prazeroso de seu
potencial de bondade, de beleza e de sabedoria, limitando sua pesquisa da verdade,
suas experiências do belo e suas vivências de amor, significa estar sufocando as
potências do espírito, limitando o divino em nós. As consequências terão de ser
desastrosas como têm sido em nossa sociedade.
22. 22
DUALISMO
Olavo Bilac
Não és bom, nem és mau: és triste e humano...
Vives ansiando, em maldições e preces,
Como se a arder no coração tivesses
O tumulto e o clamor de um largo oceano.
Pobre, no bem como no mal padeces;
E rolando num vórtice insano,
Oscilas entre a crença e o desengano,
Entre esperanças e desinteresses.
Capaz de horrores e de ações sublimes,
Não ficas com as virtudes satisfeito,
Nem te arrependes, infeliz, dos crimes:
E no perpétuo ideal que te devora,
Residem juntamente no teu peito
Um demônio que ruge e um deus que chora.
Do livro “ Poesias” de Olavo Bilac pag 188- Ediouro
23. 23
INTEGRAÇÃO
Sou poeira de estrelas,
Trago em mim a planta do Universo!
A girar em meus circuitos mentais,
Há luz e sombra, luminosas galáxias e vértices vorazes.
Sou vegetal.
Sensibilidade em ritmo binário:
Pulso e cresço: raiz- vergôntea; fruto- flor.
Buscando mais vida,
Crescendo, subindo ao céu,
Descendo a terra, adentrando o chão.
Sou milhares de animais.
Em mim vivem
Suspensos beija- flores,
Ágeis tigres,
Fiéis cães,
Imensos elefantes,
Plácidos muares,
Emprestam-me os instintos
Sábios condutores,
Preservando a vida.
Sou séculos de luta,
Avivando a consciência:
A princípio chama, logo lúcido clarão.
Buscando iluminar o enigma da vida,
Sigo, movida pelo impulso
De todas as paixões.
Trago em mim, histórias milenares;
De sutilezas do pó, de canções de árvores ao vento,
De caçadas de famintos animais,
De tristes , desgraçados, felizes ou santificados dias
do humano ser,
Integrado à Vida,
Caminhando pelo Amor de Deus.
24. 24
ALGUNS PRINCÍPIOS QUE FAZEM O ESPIRITISMO DIFERENTE DAS
DEMAIS DOUTRINAS
- Visão integrada e dialética do Universo.
- Uma nova percepção do instinto e das paixões
- Um novo sentido para a infância
-VISÃO SISTÊMICA.“TUDO SE ENCADEIA...”
Essa visão em que tudo se encadeia, não é novidade no pensamento humano.
As antigas filosofias orientais, alguns filósofos gregos assim já o percebiam.
Modernamente por se embasar em estudos científicos em especial no campo da
Biologia, da Física- Química, e da Ecologia, é chamada visão sistêmica.4
O que o Espiritismo traz de novo, além de adaptar essa visão ao século XIX,
com aberturas ainda não atingidas pela Ciência, é o papel perpetuamente ativo do
princípio inteligente nessa dinâmica de evolução e de integração. Dinâmica
dialética, pois toda a teoria exposta por Kardec, aceita os princípios dialéticos.
4
Questão n.º 540 de “O Livro dos Espíritos” de Allan Kardec. Edição FEB. s.d.
25. 25
Bibliografia
- DEL PRETTI, Almir e Zilda. EVOLUÇÃO ESPIRITUAL: O ESPAÇO DA RAZÃO E
DA EMOÇÃO.
- FREIRE, Madalena. O FOGO DO EDUCADOR.
- GARCIA, Edmir. EDUCAÇÃO – A MELHOR FORMA DE TRANSFORMAR A
REALIDADE. / AUTONOMIA MORAL SEGUNDO JEAN PIAGET.
- PAIVA, Maria Eny Rossetini. Curso de Formação de Educadores Espíritas –
PRINCÍPIOS ESPÍRITAS E CONSEQUÊNCIAS EDUCACIONAIS.
- PIRES, Heloísa. O MITO.