Este documento descreve uma ação civil pública movida pelo Ministério Público contra o proprietário de dois imóveis tombados na cidade de Florianópolis por danos ao patrimônio histórico. Um dos imóveis foi parcialmente demolido sem autorização e o outro sofreu intervenções não autorizadas que comprometeram sua ambiência histórica original. O MP pede que o proprietário restaure os imóveis e indenize a coletividade, e que o município cumpra seu dever de fiscalizar e preservar o
Protocolo Pisc Protocolo de Rede Intersetorial de Atenção à Pessoa Idosa em S...
Acp ericson doni araujo
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28ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DA CAPITAL
DEFESA DO MEIO AMBIENTE
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Exmo. Sr. Juiz de Direito da 3ª Vara da Fazenda Pública da Comarca da Capital.
O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA, por
seu Promotor de Justiça signatário, com fundamento nos artigos 127
e 129 da Constituição Federal e no artigo 1º da Lei n.º 7.347, de
1985, baseado no Inquérito Civil n. 06.2008.00000268-8, promove a
presente
AÇÃO CIVIL PÚBLICA
com pedido liminar
em face de ERICSON DONI ARAÚJO brasileiro, solteiro,
odontólogo, inscrito no CPF n. 155.104.849-34, residente e
domiciliado na Rua Júlio Moura, n. 166, Centro, nesta Capital;
MUNICÍPIO DE FLORIANÓPOLIS, pessoa jurídica de Direito Público
Interno, com sede na Rua Conselheiro Mafra, n. 656, 10º andar,
Centro, nesta Capital, representada por seu Prefeito Municipal,
pelos seguintes fatos e fundamentos jurídicos:
1 OBJETO
Esta ação civil pública tem por objetivo a proteção de bens tombados
integrantes do patrimônio cultural da Cidade de Florianópolis.
Veicula a pretensão de impor ao proprietário a responsabilidade de
promover a conservação e o restauro do imóvel localizado na Avenida Hercílio Luz,
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n. 962, Centro, mediante aprovação de projeto junto à Administração Pública.
Pretende, da mesma forma, impor ao proprietário a obrigação de
restaurar o imóvel tombado parcialmente demolido sito na Rua General Bittencourt,
n. 463, Centro, e de indenizar a coletividade por dano moral, em decorrência de sua
demolição não autorizada.
Busca impor ao Município de Florianópolis a obrigação de fazer
atinente ao efetivo cumprimento de seu poder de polícia, fiscalizando e reprimindo
condutas que impliquem atentado contra bens integrantes do patrimônio histórico
municipal. Pleiteia o reconhecimento da responsabilidade do Município de promover,
subsidiariamente, a conservação e a restauração de ambos os imóveis.
2 DA LEGITIMIDADE ATIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO
É insofismável a legitimação ativa do Ministério Público para a
promoção desta ação civil pública. Decorre da própria Lei Maior, cujo art. 129, III, lhe
outorga a função institucional de promovê-la para a proteção do patrimônio público e
social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos.
O patrimônio cultural integra o conceito de meio ambiente,
ensejando a busca, por meio de sua conservação, do meio ambiente
ecologicamente equilibrado, em atendimento à norma constitucional inserta no art.
225 da Carta da República.
A legitimação ativa do Ministério Público é replicada no patamar
infraconstitucional. O art. 14, § 1º, da Lei n. 6.938, de 1981 (Lei da Política Nacional
do Meio Ambiente) atribui-lhe legitimidade para propor ação de responsabilidade civil
por danos causados ao meio ambiente. O art. 5º, I, da Lei n. 7.347, de 1985, o faz
autor legítimo de ação civil pública por danos causados ao meio ambiente e à ordem
urbanística (art. 1º, incisos I e VI). O art. 25, IV, a, da Lei n. 8.625, de 1993 (Lei
Orgânica Nacional do Ministério Público), incumbe-o de promover a ação civil pública
para a proteção, prevenção e reparação dos danos causados ao meio ambiente e a
outros interesses difusos, coletivos e individuais indisponíveis e homogêneos.
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3 DOS FATOS
O requerido Ericson Doni Araújo adquiriu por herança os imóveis
localizados na Av. Hercílio Luz, n. 962 (anteriormente identificado como Rua General
Bittencourt, n. 135), e na Rua General Bittencourt, n. 463 (antigo n. 137), consoante
formal de partilha com sentença datada de 03-12-1984, expedido em 09-4-1985 e
termo de emenda datado de 05-6-1986 e levado a registro em 26-6-1986 perante o
1º Ofício do Registro de Imóveis de Florianópolis, sob número de matrícula 26.445 e
26.444, respectivamente.
Ambos os imóveis foram tombados como Patrimônio Histórico e
Artístico do Município pelo Decreto n. 270, de 1986, e enquadrados na categoria P2
pelo Decreto n. 521, de 1989, devendo seu exterior ser totalmente conservado ou
restaurado, mas podendo haver remanejamento interno com a condição de que sua
volumetria e acabamento externos não fossem afetados, de forma a manter-se
intacta a possibilidade de se aquilatar o perfil histórico urbano.
O Ministério Público instaurou Inquérito Civil n. 06.2008.000268-8,
que embasa esta ação, a partir de representação firmada pelo próprio requerido,
denunciando que o então locatário dos imóveis, Pedrinho Moresco, os mantinha em
péssimo estado de conservação. Os expedientes encaminhados pelo requerido ao
Ministério Público e a outros órgãos de fiscalização são datados de 2007 e 2008.
A investigação que teve curso demonstrou, porém, que antes disso
já se havia causado dano irreparável ao conjunto arquitetônico.
3.1 A edificação do imóvel da Av. Hercílio Luz, n. 962
Embora se apresentasse em razoável estado de conservação, o
imóvel submeteu-se a sucessivas intervenções não autorizadas pelo Serviço do
Patrimônio Histórico, Artístico e Natural do Município (Sephan), conforme exige a lei
de tombamento, que comprometem sua ambiência.
Tendo sido objeto de solicitação de aprovação de projeto de
restauração sob o processo de n. E73981/2019, mereceu o apontamento de
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adequações e complementações necessárias, mantendo-se o proprietário inerte
quanto à sua satisfação.
Constituem pendências a serem observadas em projeto de restauro
a ser submetido à aprovação do Sephan:
ŸŸ Desimpedimento da abertura das esquadrias obstruídas (janela e
porta voltadas para a Rua General Bittencourt);
ŸŸ Ventilação das instalações sanitárias existentes no subsolo;
ŸŸ Abertura de gateira sob a sacada norte da fachada voltada para a
Avenida Hercílio Luz, com reprodução do gradeamento existente na gateira sob a
sacada sul (promovendo a ventilação necessária às instalações sanitárias);
ŸŸ Inserção de vegetação que promova sombreamento e
ambientação daquele espaço que constituiu o fundo do imóvel e hoje se encontra
defronte de uma importante avenida urbana, não sendo permitido o uso do pátio
descoberto tombado como estacionamento de veículos, sendo tolerada apenas uma
vaga de estacionamento para portadores de deficiência;
ŸŸ Observância, em relação ao pátio, do percentual mínimo de área
permeável exigido para o zoneamento de ARP e realização de projeto paisagístico
visando à valorização do imóvel histórico, tudo mediante aprovação do Sephan,
sendo proibido o acesso ao estacionamento de veículos existente no imóvel
contíguo por meio do portão de acesso ao pátio da edificação;
ŸŸ Remoção da cerca aramada existente sobre a grade.
3.2 A edificação do imóvel da Rua General Bittencourt, n. 463
Relatório Técnico elaborado pelo Instituto de Planejamento Urbano
de Florianópolis (Ipuf) em 21-8-2008, a partir de vistoria realizada em 20-5-2008,
apontou que a edificação do imóvel da Rua General Bittencourt, n. 137 (atual n.
463), fora clandestinamente demolida, restando somente a fachada frontal.
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Informações do Sephan apontam que a demolição deu-se entre
1990 e 1993. Segundo o que se apurou, o imóvel já pertencia ao requerido e se
encontrava sob locação, sendo explorado economicamente para a atividade de uma
escola (Colégio São José).
Posto que proprietário, o requerido omitiu-se no cumprimento de sua
obrigação de preservar o bem tombado, deixando de adotar providências que
estavam ao seu alcance para impedir a destruição da coisa.
As comunicações feitas tardiamente ao Ministério Público e a outros
órgãos já não tinham como evitar o dano e, de todo modo, não esgotavam as
providências de que podia lançar mão o proprietário em defesa da higidez do bem.
O imóvel, hoje, estaria sendo usado como estacionamento, em
proveito econômico do proprietário, igualmente sem a aprovação do órgão
competente.
3.3 Da omissão do Município
O Município de Florianópolis omitiu-se no cumprimento do dever de
fiscalização e vigilância permanente do bem tombado.
Em que pese tenha efetuado o tombamento no ano de 1986, por
meio do Decreto n. 270, externando o reconhecimento dos elementos culturais,
históricos, arquitetônicos e tradicionais que justificaram a necessidade de
preservação, deixou de adotar providências que concretizassem a proteção daquele
patrimônio.
Descuidou-se de fiscalizar ambos os imóveis, permitindo, com sua
paralisia, que um deles viesse a ser irremediavelmente demolido.
A partir do ano de 2008 o Sephan passou a vistoriar os bens
tombados. Em sucessivos relatórios técnicos apontou as irregularidades verificadas
e as ações necessárias para a reparação dos bens.
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À exceção, todavia, de uma Carta de Interdição expedida pela
Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Desenvolvimento Urbano (SMDU) em
12-11-2009 e motivada pela falta de Alvará de Localização e Funcionamento, cujo
efetivo cumprimento é desconhecido, não se tem notícia de nenhuma medida
empregada pela municipalidade na efetiva proteção do patrimônio cultural.
4 DO DIREITO
4.1 Do patrimônio cultural
A ordem constitucional inaugurada em 1988 pela chamada
Constituição Cidadã definiu o patrimônio cultural brasileiro em seu art. 216, nele
inserindo os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, e estabelecendo a
obrigação do Poder Público e da comunidade de o proteger, punindo, na forma da
lei, os danos a ele causados:
Art. 216. Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de
natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em
conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória
dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais
se incluem:
[...]
V- os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico,
artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico.
§ 1º O Poder Público, com a colaboração da comunidade, promoverá
e protegerá o patrimônio cultural brasileiro, por meio de inventários,
registros, vigilância, tombamento e desapropriação, e de outras
formas de acautelamento e preservação.
[...]
§ 4º Os danos e ameaças ao patrimônio cultural serão punidos, na
forma da lei.
[...]
O conceito de patrimônio cultural é amplo, abraçando os bens de
natureza material e imaterial, vistos individualmente ou em conjunto, e incluindo os
bens de valor histórico, tais como edificações assim reconhecidas por ato do poder
público.
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O patrimônio cultural brasileiro integra um conceito holístico de meio
ambiente, que ainda abrange o patrimônio natural e o meio ambiente artificial.
Na lição de Édis Milaré,
Numa concepção ampla, que vai além dos limites estreitos fixados
pela Ecologia tradicional, o meio ambiente abrange toda a natureza
original (natural) e artificial, assim como os bens culturais correlatos.
Temos aqui, então, um detalhamento do tema: de um lado, com o
meio ambiente natural, ou físico, constituído pelo solo, pela água pelo
ar, pela energia, pela fauna e pela flora e, do outro, com o meio
ambiente artificial (ou humano), formado pelas edificações,
equipamentos e alterações produzidos pelo homem, enfim, os
1assentamentos de natureza urbanística e demais construções.
José Afonso da Silva, na mesma trilha, diz que o meio ambiente
cultural aparta-se do chamado artificial, sendo integrado pelo patrimônio histórico,
2artístico, arqueológico, paisagístico, turístico, detendo sentido de valor especial.
O conceito do meio ambiente há de ser, pois, globalizante,
abrangente de toda a natureza original e artificial, bem como os bens
culturais correlatos, compreendendo, portanto, o solo, a água, o ar, a
flora, as belezas naturais, o patrimônio histórico, artístico, turístico,
paisagístico e arqueológico.
O meio ambiente é, assim, a interação do conjunto de elementos
naturais, artificiais e culturais que propiciem o desenvolvimento
equilibrado da vida em todas as suas formas. A integração busca
assumir uma concepção unitária do ambiente compreensiva dos
3recursos naturais e culturais.
A absorção do patrimônio cultural por um conceito abrangente de
meio ambiente já foi reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal, intérprete maior da
Constituição:
Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado.
Trata-se de um típico direito de terceira geração (ou de novíssima
dimensão), que assiste a todo o gênero humano (RTJ 158/205-206).
Incumbe, ao Estado e à própria coletividade, a especial obrigação de
defender e preservar, em benefício das presentes e futuras gerações,
esse direito de titularidade coletiva e de caráter transindividual (RTJ
164/158-161). O adimplemento desse encargo, que é irrenunciável,
representa a garantia de que não se instaurarão, no seio da
1
Direito do Ambiente. 10ªed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015. p.139.
2
Direito Ambiental Constitucional. 10ªed. São Paulo: Malheiros, 2013. p.21.
3 Ibid., p.20.
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coletividade, os graves conflitos intergeneracionais marcados pelo
desrespeito ao dever de solidariedade, que a todos se impõe, na
proteção desse bem essencial de uso comum das pessoas em geral.
Doutrina. A ATIVIDADE ECONÔMICA NÃO PODE SER EXERCIDA
EM DESARMONIA COM OS PRINCÍPIOS DESTINADOS A
TORNAR EFETIVA A PROTEÇÃO AO MEIO AMBIENTE. - A
incolumidade do meio ambiente não pode ser comprometida por
interesses empresariais nem ficar dependente de motivações de
índole meramente econômica, ainda mais se se tiver presente que a
atividade econômica, considerada a disciplina constitucional que a
rege, está subordinada, dentre outros princípios gerais, àquele que
privilegia a "defesa do meio ambiente" (CF, art. 170, VI), que traduz
conceito amplo e abrangente das noções de meio ambiente natural,
de meio ambiente cultural, de meio ambiente artificial (espaço
4urbano) e de meio ambiente laboral.
Inserindo-se no conceito de meio ambiente, o patrimônio cultural vê-
se regido também pela norma do art. 225 da Carta Magna, restando categorizado
como bem de uso comum do povo e sujeito ao dever de proteção e preservação
pelo poder público para as presentes e futuras gerações.
Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente
equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia
qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o
dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras
gerações.
[...]
§ 3º As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente
sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções
penais e administrativas, independentemente da obrigação de
reparar os danos causados.
[...]
A legislação infraconstitucional, notadamente o Decreto-lei n. 25, de
1937, que foi recebido pela Carta de 1988, organizou a proteção do patrimônio
histórico e artístico nacional. Para tanto estabeleceu:
Art. 1º Constitue o patrimônio histórico e artístico nacional o conjunto
dos bens móveis e imóveis existentes no país e cuja conservação
seja de interêsse público, quer por sua vinculação a fatos
memoráveis da história do Brasil, quer por seu excepcional valor
arqueológico ou etnográfico, bibliográfico ou artístico.
4 ADI 3540 MC, Rel. Min. Celso de Mello, Tribunal Pleno, j. 01-9-2005, DJ 03-02-2006. Grifo nosso.
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Entre os instrumentos legais de proteção e preservação do
patrimônio cultural, mormente do patrimônio histórico, encontra-se o tombamento.
Efetuado por ato administrativo da autoridade competente, de forma voluntária ou
compulsória, leva à inscrição do bem no Livro do Tombo.
Realizado o tombamento, seja de modo provisório ou definitivo, ele
passa a produzir efeitos, ficando proibida a destruição, demolição ou mutilação das
coisas tombadas, assim como sua reparação, pintura ou restauração sem prévia
autorização especial do órgão competente. É o que dispõe o art. 17 do Decreto-lei n.
25, de 1937:
Art. 17. As coisas tombadas não poderão, em caso nenhum ser
destruídas, demolidas ou mutiladas, nem, sem prévia autorização
especial do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, ser
reparadas, pintadas ou restauradas, sob pena de multa de cincoenta
por cento do dano causado.
A legislação federal é reproduzida em âmbito municipal pela Lei n.
1.202, de 1974, cujo caput do art. 1º define o patrimônio histórico e artístico local:
Art. 1º Constituem patrimônio histórico e artístico do Município de
Florianópolis, os bens móveis e imóveis existentes no seu território,
cuja conservação seja de interesses público, quer por sua vinculação
a fatos históricos notáveis, quer por seu valor cultural a qualquer
título.
O art. 18 proíbe intervenções não autorizadas no bem tombado:
Art. 18 - Os bens tombados não poderão ser, em nenhuma hipótese,
destruídos, demolidos ou mutilados ou restaurados, sem prévia
autorização especial do SPHAM, sob pena de embargo e multa de
100%(cem por cento) do dano causado, além das cominações
previstas no artigo 23.
O art. 23 equipara os bens tombados aos bens públicos:
Art. 23 - Os atentados cometidos contra os bens de que trata o artigo
1º desta Lei, serão equiparados aos cometidos contra o Patrimônio
Público.
Os bens imóveis que constituem o objeto da presente ação
encontram-se protegidos, ademais, por sua inserção em Área de Preservação
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Cultural (APC), definidas pelo art. 126 da Lei Complementar n. 482, de 2014 (Plano
Diretor do Município de Florianópolis) como aquelas destinadas à preservação de
sítios de interesse cultural, objetivando a preservação, valorização e promoção
delas.
As edificações mencionadas nesta petição inicial encontram-se em
APC-1, ou Áreas de Interesse Histórico-Cultural, as quais se destinam à preservação
do patrimônio cultural, abrangendo o arquitetônico, artístico, paisagístico,
tecnológico, urbanístico entre outros, incluindo assentamentos, conjuntos, espaços,
edificações, monumentos e objetos (art. 143, I, da Lei Complementar n. 482, de
2014).
Em APC-1, qualquer intervenção depende de autorização do
Sephan, conforme dispõe o art. 147 do Plano Diretor:
Art. 147. Nas Áreas de Interesse Histórico-Cultural APC-1 e nos bens
protegidos através de tombamento, o remembramento e
desmembramento de lotes, a manutenção, conservação,
restauração, renovação, reabilitação, reforma, ampliação,
construção, demolição, comunicação visual, pintura, instalação de
quaisquer elementos externos às fachadas e controle climático do
ambiente interno das edificações dependerão da anuência do
SEPHAN.
Enquadrados na categoria P2 pelo Decreto n. 521, de 1989, os
imóveis descritos nesta ação devem ter seu exterior totalmente preservado. A
classificação é definida pelo art. 149, II, da Lei Complementar n. 482, de 2014:
Art. 149 Os imóveis situados nas APC-1 serão enquadrados por ato
do Poder Executivo Municipal em uma das cinco categorias de
preservação abaixo:
[...]
II - P-2 - imóvel partícipe de conjunto arquitetônico, a ter seu exterior
totalmente preservado, possibilitando remanejamento interno, desde
que sua volumetria e acabamento externos não sejam afetados e
sejam mantidos aqueles elementos internos de excepcional valor
histórico e/ou arquitetônico;
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A categoria P-2 sujeita-se ao regramento previsto no art. 150 da lei
instituidora do Plano Diretor:
Art. 150 As edificações de categoria P-1 e P-2 deverão manter a
autenticidade e integridade, obedecendo ao que segue:
I - utilização de materiais e técnicas compatíveis com o sistema
construtivo do edifício a ser preservado;
II - manutenção das coberturas, elementos estruturais, aberturas,
ornamentos e demais elementos originais;
III - manutenção de nomes, símbolos, entalhes, relevos, logotipos ou
placas comemorativas ou de identificação incorporados à fachada ou
gravados nas paredes integrantes do projeto original da edificação ou
de suas denominações históricas;
IV - uso de cores tradicionais das edificações, conforme seu estilo
arquitetônico;
V - impedimento de vedação de vãos ou criação de falsas aberturas;
VI - manutenção ou restauração das condições originais dos
compartimentos, mesmo que contrariem as normas previstas no
Código de Obras e Edificações vigente; e
VII - criação de condições de acessibilidade de pessoas com
deficiência ou mobilidade reduzida, observando sua compatibilidade
com as características físicas do bem protegido.
Parágrafo Único. A instalação de equipamentos ou alterações
necessárias para viabilizar o uso, garantindo acessibilidade,
segurança, higiene e conforto ambiental será analisada pelo
SEPHAN.
Em se tratando de APC-1, os projetos submetidos à aprovação
deverão observar o que aponta o art. 161 daquela norma:
Art. 161. Nas APC-1 os projetos a serem submetidos à aprovação
deverão conter, além dos requisitos constantes do Código de Obras e
Edificações, o seguinte:
I - os procedimentos de conservação, recuperação e restauração
devem estar fundamentados nos seguintes princípios básicos: a)
manutenção do substrato histórico-cultural; b) intervenção mínima; c)
compatibilidade de técnicas e materiais empregados; e d) legibilidade
das intervenções e reversibilidade dos materiais empregados.
II - em todos os casos deverá ser apresentado: a) desenho de todas
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as elevações; b) memorial descritivo dos materiais e serviços a
realizar; c) jogo de cópia suplementar do projeto para arquivo no
IPUF; d) prancha demonstrativa do atendimento à acessibilidade
universal; e) projeto de agenciamento paisagístico, quando
necessário; f) perspectivas ou maquetes eletrônicas quando
solicitadas; e g) cronograma de obra.
[...]
IV - o projeto de conservação ou restauração para imóveis P2 deverá
apresentar, ainda: a) planta-baixa com indicação das intervenções
propostas; e b) prospecção de arqueologia a critério do SEPHAN.
Esse, pois, o regramento aplicável ao patrimônio cultural.
4.2 Da obrigação de conservar e reparar o bem tombado
A obrigação de conservar e reparar o bem tombado é do
proprietário. A conservação implica a adoção de medidas tendentes à manutenção e
preservação, enquanto a reparação importa na recuperação de um bem cultural
danificado.
Em caso de comprovada carência de recursos para a conservação e
reparação, e consideradas necessárias as obras, ou sendo elas urgentes, o ônus
pode recair sobre o poder público. Nesses casos, o órgão tombador toma a iniciativa
de projetá-las e executá-las, às suas expensas, observado o direito de regresso.
O art. 19 do Decreto-lei n. 25, de 1937, atribui, a contrario sensu, a
responsabilidade de conservação e reparação do bem tombado ao proprietário e, em
caráter subsidiário, à Administração Pública:
Art. 19. O proprietário de coisa tombada, que não dispuzer de
recursos para proceder às obras de conservação e reparação que a
mesma requerer, levará ao conhecimento do Serviço do Patrimônio
Histórico e Artístico Nacional a necessidade das mencionadas obras,
sob pena de multa correspondente ao dobro da importância em que
fôr avaliado o dano sofrido pela mesma coisa.
§ 1º Recebida a comunicação, e consideradas necessárias as obras,
o diretor do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional
mandará executá-las, a expensas da União, devendo as mesmas ser
iniciadas dentro do prazo de seis mezes, ou providenciará para que
seja feita a desapropriação da coisa.
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13
[...]
§ 3º Uma vez que verifique haver urgência na realização de obras e
conservação ou reparação em qualquer coisa tombada, poderá o
Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional tomar a iniciativa
de projetá-las e executá-las, a expensas da União,
independentemente da comunicação a que alude êste artigo, por
parte do proprietário.
O dispositivo é reproduzido pela Lei Municipal n. 1.202, de 1974:
Art. 20 - O proprietário que comprovadamente não dispuser de
recursos, para proceder conservação e reparo que a coisa tombada
requerer, levará ao conhecimento do SPHAM a necessidade dos
mesmos, sob pena de multa correspondente ao dobro do valor da
obra necessária.
§ 1º - Recebida a comunicação e consideradas necessárias as obras,
o SPHAM mandará executa-las à conta do Município, no prazo de 6
(seis) meses, levando a débito do proprietário o valor da obra, ou
solicitará ao Prefeito Municipal, a desapropriação do bem.
[...]
Art. 21 Verificado por parte do SPHAM, urgência na realização de
obras de reparo e conservação do bem tombado, poderão estas ser
realizadas pelo Município, independentemente da comunicação a que
se refere o "caput" do artigo anterior.
É incontestável a responsabilidade do proprietário, reconhecida pela
jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça. Precedentes exemplificativos:
A responsabilidade de reparar e conservar o imóvel tombado é, em
princípio, do proprietário. Tal responsabilidade é elidida quando ficar
demonstrado que o proprietário não dispõe de recurso para proceder
5à reparação.
ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA.
TOMBAMENTO. 1. É da responsabilidade do proprietário o dever de
conservar o bem tombado para mantê-lo com as características
culturais que o compõem desde a origem. 2. Na ausência de
recursos para conservar o bem tombado, obriga-se o proprietário a
comunicar ao órgão competente que decretou o tombamento para
arcar com as despesas necessárias à sua conservação. 3. O Estado,
em situação de emergência, mesmo sem comunicação do
proprietário, tem a obrigação de providenciar o imediato início dos
trabalhos necessários para a conservação do bem tombado. 4. A
ação civil pública pode ser intentada para proteger os bens de valor
5
AgRg no AREsp n. 176140/BA (2012/0096614-0), rel. Min. Castro Meira, Segunda Turma, j.
18-10-2012, DJe 26-10-2012.
14. EstedocumentoécópiadooriginalassinadodigitalmenteporROGERIOPONZISELIGMAN.Paraconferirooriginal,acesseositehttp://www.mpsc.mp.br,informeoprocesso08.2019.00198375-7eo
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6histórico. [...]
TOMBAMENTO - OBRIGAÇÃO DE REALIZAR OBRAS DE
CONSERVAÇÃO - PODER PUBLICO - PROPRIETÁRIO. O
PROPRIETÁRIO É OBRIGADO A CONSERVAR E REPARAR O
BEM TOMBADO. SOMENTE QUANDO ELE NÃO DISPUSER DE
RECURSOS PARA ISSO É QUE ESTE ENCARGO PASSA A SER
7DO PODER PUBLICO. RECURSO PROVIDO.
Diante desse contexto, obriga-se o proprietário a adotar as
providências necessárias à conservação e à reparação dos imóveis tombados,
sempre mediante aprovação de projeto junto ao Sephan, órgão municipal
competente.
Ao Município recai a responsabilidade subsidiária de realizar as
obras de conservação e reparação em caso de comprovada ausência de recursos
dos proprietário e demonstrada a necessidade de intervenção.
4.3 Da obrigação do Município de fiscalização
Toca ao Município, de forma originária, o dever de fiscalização do
bem, devendo adotar providências repressivas quando houver inércia do proprietário
quanto à obrigação de conservação. É o que diz o art. 20 do Decreto-lei n. 25, de
1937:
Art. 20. As coisas tombadas ficam sujeitas à vigilância permanente do
Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, que poderá
inspecioná-los sempre que fôr julgado conveniente, não podendo os
respectivos proprietários ou responsáveis criar obstáculos à
inspeção, sob pena de multa de cem mil réis, elevada ao dôbro em
caso de reincidência.
No âmbito municipal, a regra está contida no art. 22 da Lei n.1.202,
de 1974:
Art. 22 - Os bens tombados ficarão sujeitos a vigilância permanente
do SPHAM, que poderá inspeciona-los sempre que julgar
conveniente, não podendo os respectivos proprietários ou
responsáveis criar obstáculos à inspeção, sob pena de multa de até
10(dez) salários mínimos, elevada ao dobro na reincidência.
6
Recurso Especial n. 1.013.008/MA (2007/0291436-0), rel. Min. José Delgado, Primeira Turma, j.
03-6-2008, DJe 23-6-2008.
7 Recurso Especial n. 97.852/PR, rel. Min. Garcia Vieira, Primeira Turma, j. 07-4-1998, DJ 08-6-1998.
15. EstedocumentoécópiadooriginalassinadodigitalmenteporROGERIOPONZISELIGMAN.Paraconferirooriginal,acesseositehttp://www.mpsc.mp.br,informeoprocesso08.2019.00198375-7eo
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A norma legal impõe ao órgão tombador a responsabilidade pelo
exercício de vigilância permanente sobre os bens tombados. Essa vigilância tem por
objetivo prevenir a ocorrência de danos ou o surgimento de ameaças ao bem cultural
protegido. A atuação do poder público na proteção do patrimônio público não é,
portanto, uma faculdade, é um dever. O contrário levaria à inutilidade do instituto do
tombamento, cuja declaração, por si só, é incapaz de proteger o bem.
Conforme leciona Marcos Paulo de Souza Miranda:
A proteção do patrimônio cultural não está entregue à livre disposição
da vontade da Administração Pública. Pelo contrário, a ela toca o
dever indeclinável de protegê-lo fazendo uso de todo o instrumental
8que o ordenamento jurídico lhe confere para tanto.
A respeito do assunto, já se pronunciou o Supremo Tribunal Federal:
Conservação do patrimônio cultural e paisagístico. Encargo conferido
pela Constituição (EC 01/69, art. 15, II) ao Poder Público, dotando-o
de competência para, na órbita de sua atuação, coibir excessos que,
se consumados, poriam em risco a estrutura das utilidades culturais e
ambientais. Poder-dever de polícia dos entes estatais na expedição
de normas administrativas que visem a preservação da ordem
ambiental e da política de defesa do patrimônio cultural. Recurso
9extraordinário conhecido e provido.
No exercício da fiscalização e na consequente repressão aos
atentados contra os bens tombados, o poder público deve esgotar os instrumentos
que lhe são disponibilizados. Do arsenal de medidas de aplicação possível, todas
inerentes ao poder de polícia, tiram-se, v.g., a autuação e imposição de multa
(Decreto Federal n. 6.514, de 2008, artigos 72 a 74; Lei Municipal n.1.202, de 1974,
art. 18), embargo de obra ou atividade (Decreto Federal n. 6.514, art. 101, II; Lei
Complementar Municipal n. 60, de 2000, art. 44, II), suspensão parcial ou total de
atividades (Decreto Federal n. 6.514, art. 101, IV), interrupção do registro do
profissional do autor ou executor da obra no cadastro de profissionais habilitados do
Município (Lei Complementar Municipal n. 60, de 2000, art. 44, VI), comunicação do
Conselho profissional do autor ou executor da obra a respeito das irregularidades
8
Lei do Tombamento Comentada: Decreto-Lei n. 25/1937 - doutrina, jurisprudência e normas
complementares. Belo Horizonte: Del Rey, 2014. p.164.
9 RE 121140/RJ, rel. Min. Maurício Corrêa, Segunda Turma, DJU 23-8-2002.
16. EstedocumentoécópiadooriginalassinadodigitalmenteporROGERIOPONZISELIGMAN.Paraconferirooriginal,acesseositehttp://www.mpsc.mp.br,informeoprocesso08.2019.00198375-7eo
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cometidas e solicitação de providências punitivas (idem, art. 44, VII), restauração do
bem e redução dos parâmetros de ocupação das novas edificações (arts. 187 e 188
da Lei Complementar Municipal n. 482, de 2014). Caberia ainda mencionar a
legitimação ativa do Município para a propositura de ações judiciais.
Ocorrendo a ruína do bem por conduta deliberada de seu
proprietário, contando com a omissão do Poder Público municipal no que tange ao
exercício do poder de polícia sobre o patrimônio cultural, poderá a Administração
Pública ser civilmente responsável, de forma solidária.
Tira-se da jurisprudência, a propósito:
AÇÃO CIVIL PÚBLICA AMBIENTAL. PROCEDÊNCIA.
CONDENAÇÃO SOLIDÁRIA DO GOVERNO DO ESTADO DE SÃO
PAULO, PREFEITURA MUNICIPAL DE RIBEIRÃO PRETO E DA
EMPRESA PROPRIETÁRIA DO IMÓVEL A EFETUAR RESTAURO
DO BEM TOMBADO. ADMISSIBILIDADE. OS PODERES PÚBLICOS
ESTADUAL E MUNICIPAL, RESPONSÁVEIS PELO TOMBAMENTO
DO IMÓVEL EM QUESTÃO, DEIXARAM DE ZELAR PELO
PATRIMÔNIO AO SE OMITIREM NO DEVER DE FISCALIZAR A
INTEGRIDADE DO BEM TOMBADO, DE FORMA QUE DEVEM
RESPONDER SOLIDARIAMENTE PELO DANO AMBIENTAL,
10AINDA QUE DE FORMA INDIRETA, PELA OMISSÃO.
Não é lícito, portanto, o Poder Público deixar de agir em
cumprimento ao dever de fiscalização e proteção dos bens tombados, devendo ser
responsabilizado por sua omissão.
4.4 Da responsabilidade objetiva pelo dano ao patrimônio
cultural
Notadamente em relação à edificação demolida, é exigível sua
reparação. Afinal, consoante os artigos 186 e 927 do Código Civil, aquele que, por
ato ilícito, causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.
Os bens tombados, por integrarem o patrimônio cultural brasileiro,
inserindo-se no meio ambiente artificial, constituem bens de interesse difuso. Nesse
10
TJSP, Apelação Cível n. 632.326.5/0-00, rel. Des. Sérgio Gomes, Nona Câmara de Direito Público, j.
12-11-2008.
17. EstedocumentoécópiadooriginalassinadodigitalmenteporROGERIOPONZISELIGMAN.Paraconferirooriginal,acesseositehttp://www.mpsc.mp.br,informeoprocesso08.2019.00198375-7eo
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sentido, aliás, deve ser lida a equiparação legal dos atentados contra eles cometidos
àqueles praticados contra o patrimônio público (Decreto-lei n. 25, de 1937, art. 21;
11Lei Municipal n.1.202, de 1974, art. 23).
Daí porque, nas palavras de Édis Milaré, o regime jurídico da
responsabilidade civil por danos ao patrimônio cultural pauta-se pela teoria da
responsabilidade objetiva, em que tão somente a lesividade é suficiente para
provocar a tutela judicial, no teor do que dispõem o art. 14, § 1º, da Lei n. 6.938, de
121981, e o art. 225, § 3º, da Constituição Federal.
Prevê a Lei da Política Nacional do Meio Ambiente:
Art. 14. [...]
§ 1º Sem obstar a aplicação das penalidades previstas neste artigo, é
o poluidor obrigado, independentemente da existência de culpa, a
indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a
terceiros, afetados por sua atividade. O Ministério Público da União e
dos Estados terá legitimidade para propor ação de responsabilidade
civil e criminal, por danos causados ao meio ambiente.
Recepcionando-a, o § 3º do art. 225 da Constituição de 1988 previu
a obrigação de reparar os danos ambientais sem condicionar o dever reparatório à
apuração de culpa:
Art. 225. [...]
§ 3º As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente
sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções
penais e administrativas, independentemente da obrigação de
reparar os danos causados.
A configuração da responsabilidade civil objetiva pressupõe que haja
nexo de causalidade entre a ação ou omissão e o dano, independente da existência
de culpa e da licitude da atividade. Desde que o dano resulte da atividade, surge
para o sujeito responsável a obrigação de reparação ou indenização, ainda que não
tenha atuado com culpa.
11
MIRANDA, ibid., p.167.
12 Ibid., p.591.
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Nos dizeres de Hugo Nigro Mazzilli, a ação ou omissão devem, de
forma direta ou indireta, ser causal e materialmente atribuídas a quem se pretende
responsabilizar; nos casos de responsabilidade objetiva, torna-se dispensável o
exame do elemento subjetivo que informou a ação ou a omissão, sendo irrelevante,
13pois, a discussão da culpa.
O proprietário de bem tombado detém obrigação legal de
conservação e reparação do bem. Sobrevindo em razão do uso a destruição da
coisa há responsabilidade objetiva. A alegação de que o imóvel se encontrava
locado não elide a responsabilidade objetiva de seu proprietário, pois subsiste sua
obrigação de cuidado com o bem, lançando mão de instrumentos presentes no
ordenamento jurídico para opor às práticas deletérias realizadas pelo locatário.
Assim é o entendimento do Superior Tribunal de Justiça:
[...] EFEITOS DO TOMBAMENTO 3. Emanação da função
memorativa do direito de propriedade, o tombamento, voluntário ou
compulsório, produz três órbitas principais de efeitos. Primeiro,
acarreta afetação ao patrimônio histórico, artístico e natural do bem
em tela, com a consequente declaração sobre ele de conjunto de
ônus de interesse público, sem que, como regra, implique
desapropriação, de maneira a assegurar sua conservação para a
posteridade. Segundo, institui obrigações concretas - de fazer, de
não fazer e de suportar - incidentes sobre o proprietário, mas
também sobre o próprio Estado. Terceiro, abre para a Administração
Pública e para a coletividade, depositárias e guardiãs em nome das
gerações futuras, a possibilidade de exigirem, em juízo, cumprimento
desses deveres negativos e positivos, inclusive a restauração do bem
ao status quo ante, sob regime de responsabilidade civil objetiva e
solidária, sem prejuízo de indenização por danos causados, até
mesmo morais coletivos. 4. "O ato de tombamento, seja ele
provisório ou definitivo, tem por finalidade preservar o bem
identificado como de valor cultural, contrapondo-se, inclusive, aos
interesses da propriedade privada, não só limitando o exercício dos
direitos inerentes ao bem, mas também obrigando o proprietário às
medidas necessárias à sua conservação" (REsp 753.534/MT, Rel.
Ministro Castro Meira, Segunda Turma, DJe 10/11/2011). 5. Vigora
no Brasil proibição legal absoluta de destruição, demolição e
mutilação de bens tombados (art. 17, caput, do Decreto-lei 25/1937),
vale dizer, um regime de preservação plena, universal e perpétua.
Aos que violam a proibição legal, além dos remédios e cominações
previstos no Decreto 25/1937 e da responsabilidade civil objetiva e
solidária, aplicam-se sanções criminais e, no caso de contribuição
13 A defesa dos interesses difusos em juízo. 20ª ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p.571.
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ativa ou passiva de servidor público, penas disciplinares e as
previstas na Lei da Improbidade Administrativa. Irrelevante, em
âmbito de defesa, o "jogo de empurra", tão comum, como pernicioso,
entre União, Estados e Municípios. 6. A notificação ao Poder Público,
pelo proprietário do bem tombado, de que não dispõe de recursos
para realizar obras de conservação e reparação (art. 19 do Decreto-
Lei 25/1937), não o libera para simplesmente abandonar a coisa à
sua própria sorte e ruína, sobretudo porque o ordenamento coloca à
sua disposição mecanismos gratuitos para forçar a ação do Estado,
bastando provocar o Ministério Público ou a Defensoria Pública.
RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA 7. Como bem decidiu o Tribunal
de origem, são responsáveis solidariamente pela preservação de
imóvel urbano em situação de risco, em face ao abandono e descaso
e pelos danos causados ao patrimônio histórico e cultural, todo
aquele a quem incumbe protegê-lo ou quem, direta ou indiretamente,
contribua para o desrespeito, entre os quais se incluem o proprietário,
14mesmo que locador, e o Poder Público. [...]
Demonstrada a conduta omissiva do proprietário, a ocorrência do
dano e o nexo de causalidade, configura-se caso de responsabilidade objetiva.
4.5 Do dano ambiental decorrente da demolição do bem
tombado da Rua General Bittencourt, n. 463
4.5.1 Da restauração do bem in specie
É induvidosa a ocorrência de dano ambiental em razão da demolição
do bem tombado localizado na Rua General Bittencourt, n. 463, e amplamente
atestado por meio de relatórios técnicos do Sephan.
O dano ambiental poder ser assim definido, segundo a doutrina de
Édis Milaré:
É dano ambiental toda interferência antrópica infligida ao patrimônio
ambiental (natural, cultural artificial), capaz de desencadear, imediata
ou potencialmente, perturbações desfavoráveis (in pejus) ao
equilíbrio ecológico, à sadia qualidade de vida, ou a qualquer outros
15valores coletivos ou de pessoas.
Consumado o dano ambiental de alcance difuso, sua reparação
deve dar-se, prioritariamente, pela restauração natural do bem agredido, cessando-
14
REsp 1359534/MA, Relator Min. Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 20-02-2014, DJe
24-10-2016. Grifo nosso.
15 Ibid., p.319.
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se a atividade lesiva e repondo-se a situação o mais próxima possível do status
16anterior ao dano, ou adotando-se medida compensatória equivalente. A
indenização em dinheiro é forma indireta de sanar a lesão. Afinal, é possível afirmar
que se extrai do art. 225 da Constituição o princípio tácito da primazia da reparação
17específica do dano ambiental.
In casu, não é possível a restauração do bem. Conforme posição do
Sephan externada no item D1 do ofício Ipuf n. OE95/IPUF/DIPLA/SEPHAN/2017,
teve lugar
um dano parcialmente irreparável, pois conforme é característico dos
bens patrimoniais, com a perda do substrato original do corpo da
edificação, perdeu-se irrevogavelmente parte significativa da sua
autenticidade, antiguidade e sua integridade estilística. Ademais,
o seu valor evocativo ficou parcialmente comprometido, ainda que
sua integridade funcional, valor de uso e historicidade, hoje
radicalmente prejudicadas, possam ser recuperadas através de uma
intervenção construtiva criteriosa.
Entretanto, seria possível, e mesmo recomendável, a restauração e
manutenção das fachadas remanescentes e a construção, a título de compensação
ambiental, de uma releitura da volumetria da edificação, garantindo a legibilidade
das intervenções (item D3):
O IPUF/SEPHAN preconiza que, apesar de não haver substrato
original ou informação suficiente para execução de um restauro total
propriamente dito, não só é possível como é do interesse público que
o imóvel da Rua General Bittencourt seja restituído a uma condição
não degradada próxima de sua condição original, mantendo-se e
restaurando-se (no sentido restrito do termo) apenas as suas
fachadas remanescentes (frontal e posterior). Tais trabalhos
incluiriam a edificação de uma releitura da volumetria da edificação
que existiria no local à época do tombamento em 1986, sem
ultrapassá-la. Entende-se que essa releitura deverá garantir a
legibilidade das intervenções através do recurso a técnicas e
materiais contemporâneos e aos testemunhos iconográficos que
possam ser recolhidos pelo autor do projeto a fim de informar sobre a
configuração passada da edificação histórica. O projeto deverá ser
submetido ao IPUF/SEPHAN para aprovação.
16 Id., p.334.
17
PINTO, Carlos Eduardo Ferreira; LEMOS, Fabiana Mattoso. Patrimônio cultural e fato consumado.
In: ALMEIDA, Gregório Assada de et al. (Coord.). Patrimônio Cultural. Belo Horizonte: Del Rey, 2013.
p.137.
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21
Até a plena restauração do bem, em sede de compensação
ambiental, não é justa qualquer forma de exploração econômica que gere lucro,
privilegiando a obtenção de ganho em razão de dano ambiental.
Não é tolerado o uso desconforme do bem tombado e sem
autorização do Sephan, conforme legislação referida no item 4.1 retro. Ademais,
tendo concorrido – ainda que de modo omissivo – para a demolição ilegal do bem, a
exploração econômica da atividade que por ela se fez viabilizar implica
enriquecimento ilícito.
Não se há de admitir, outrossim, a alegação de que se está diante
de um fato consumado. De acordo com jurisprudência sumulada pelo Superior
Tribunal de Justiça em seu enunciado 613, "não se admite a aplicação da teoria do
fato consumado em tema de Direito Ambiental".
Muito a propósito, vem a calhar referência a precedente do Tribunal
de Justiça de Minas Gerais que, a despeito da alegação de demolição de casarão de
valor histórico e cultural para a construção de um estacionamento, manteve a
decisão de primeiro grau que determinou a abstenção de qualquer ato na área do
imóvel, até a decisão final:
DIREITO ADMINISTRATIVO - DIREITO PROCESSUAL CIVIL -
AGRAVO DE INSTRUMENTO - IMÓVEL - TOMBAMENTO -
DEMOLIÇÃO - LIMINAR SUSPENSIVA - MANUTENÇÃO. Em se
tratando de defesa de patrimônio histórico, qualquer medida judicial,
de caráter liminar, tendente a evitar ou suspender obras de
demolição ou de reaproveitamento da área, deve ser mantida, até o
deslinde da ação, como forma de privilegiar o inestimável bem cuja
defesa é proposta, e a fim de desestimular providências deletérias
18em áreas adjacentes.
Consta no voto do relator:
Às vezes, aquilo que se vê como fato consumado é reversível; outras
vezes, não é reversível de forma direta, com a retomada do estado
anterior, mas é reversível sob a forma de punição, ou de não permitir
o aproveitamento de uma situação abusiva e lesiva ao patrimônio
maior.
18
Agravo de Instrumento n. 1.0028.07.014844-1/001, rel: Des. Moreira Diniz, 4ª Câmara Cível, j.
24-01-2008, publ. 28-02-2008.
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22
[...]
No caso agora em exame, a questão não é tão simples como
afirmam os agravantes. Não se trata de reconhecer que já houve a
demolição, que a vida segue, e que necessitam explorar o local como
estacionamento de veículos.
Ainda há muito a considerar, a sopesar.
E, enquanto tal não se conclui, com a devida e completa instrução da
ação, melhor será a preservação das coisas no estado em que se
encontram; ainda que sob a forma de escombros, porque da
destruição pode nascer a vida.
Se assim não se fizer, amanhã será o imóvel vizinho a ser demolido;
depois, o outro; em seguida, todo o bairro; afinal, a cidade. Tudo
porque já há fato consumado.
Não é assim.
Maior do que o patrimônio pessoal é a memória de toda uma
comunidade.
Nego provimento ao agravo.
Logo, é lícito reclamar, a título de compensação ambiental, a
restauração e manutenção das fachadas remanescentes e a criteriosa reconstrução
da edificação, mediante aprovação de projeto pelo Sephan, bem como que seja
imediatamente interditado o uso não autorizado do imóvel como estacionamento.
4.5.2 Da reparação do dano extrapatrimonial ou moral
A reparação ambiental, como é cediço, deve ser plena. A obrigação
atinente à restauração do bem não afasta o dever de indenizar, o qual inclui o dano
moral coletivo. A respeito, já sumulou o Superior Tribunal de Justiça que são
cumuláveis as indenizações por dano material e dano moral oriundos do mesmo fato
(Súmula 37).
O dano moral coletivo é reconhecido pelo direito positivo, prevendo o
art. 1º da Lei n. 7.347, de 1985, a possibilidade de sua reparação.
Concretiza-se na lesão à esfera moral de uma comunidade, na
ofensa a valores coletivos resultantes da lesão ambiental. Consoante a
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DEFESA DO MEIO AMBIENTE
23
jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, não está atrelado ao reconhecimento
da noção de dor ou sofrimento: o dano moral coletivo, aferível in re ipsa, é categoria
autônoma de dano relacionado à violação injusta e intolerável de valores
19fundamentais da coletividade.
Neste sentido:
AMBIENTAL, ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO
CIVIL PÚBLICA.
PROTEÇÃO E PRESERVAÇÃO DO MEIO AMBIENTE. COMPLEXO
PARQUE DO SABIÁ.
OFENSA AO ART. 535, II, DO CPC NÃO CONFIGURADA.
CUMULAÇÃO DE OBRIGAÇÕES DE FAZER COM INDENIZAÇÃO
PECUNIÁRIA. ART. 3º DA LEI 7.347/1985. POSSIBILIDADE.
DANOS MORAIS COLETIVOS. CABIMENTO.
1. Não ocorre ofensa ao art. 535 do CPC, se o Tribunal de origem
decide, fundamentadamente, as questões essenciais ao julgamento
da lide.
2. Segundo a jurisprudência do STJ, a logicidade hermenêutica do
art. 3º da Lei 7.347/1985 permite a cumulação das condenações em
obrigações de fazer ou não fazer e indenização pecuniária em sede
de ação civil pública, a fim de possibilitar a concreta e cabal
reparação do dano ambiental pretérito, já consumado. Microssistema
de tutela coletiva.
3. O dano ao meio ambiente, por ser bem público, gera repercussão
geral, impondo conscientização coletiva à sua reparação, a fim de
resguardar o direito das futuras gerações a um meio ambiente
ecologicamente equilibrado.
4. O dano moral coletivo ambiental atinge direitos de personalidade
do grupo massificado, sendo desnecessária a demonstração de que
a coletividade sinta a dor, a repulsa, a indignação, tal qual fosse um
indivíduo isolado.
5. Recurso especial provido, para reconhecer, em tese, a
possibilidade de cumulação de indenização pecuniária com as
obrigações de fazer, bem como a condenação em danos morais
coletivos, com a devolução dos autos ao Tribunal de origem para que
verifique se, no caso, há dano indenizável e fixação do eventual
20quantum debeatur.
19
Jurisprudência em Teses. Edição n. 125: responsabilidade civil – dano moral. Disponível em:
<http://www.stj.jus.br/SCON/jt/toc.jsp>. Acesso em: 23 mai. 2019.
20 REsp 1269494/MG, rel. Min. Eliana Calmon, Segunda Turma, j. 24-9-2013, DJe 01-10-2013.
24. EstedocumentoécópiadooriginalassinadodigitalmenteporROGERIOPONZISELIGMAN.Paraconferirooriginal,acesseositehttp://www.mpsc.mp.br,informeoprocesso08.2019.00198375-7eo
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28ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DA CAPITAL
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O dano moral coletivo, por conseguinte, pode advir diretamente da
agressão ao direito ao meio ambiente equilibrado, incluindo-se, obviamente, o meio
ambiente cultural, e configurando-se pela ofensa a valores da coletividade atingida.
Segundo André de Carvalho Ramos:
A dor psíquica que alicerçou a teoria do dano moral individual acaba
cedendo lugar, no dano moral coletivo, a um sentimento de
desapreço e de perda de valores essenciais que afetam
negativamente toda uma coletividade. [...] Tal intranquilidade e
sentimento de desapreço, gerados pelos danos coletivos, justamente
por serem indivisíveis, acarreta lesão moral que também deve ser
21reparada coletivamente.
No caso presente houve a demolição de bem tombado como
patrimônio histórico-cultural da Cidade, com grande perda de valor cultural capaz de
atingir a coletividade.
No que tange à fixação do valor da indenização por dano moral, a
natural dificuldade de quantificação traduz-se em diferentes critérios aplicáveis. A
valoração econômica dos danos aos bens culturais não se confunde com o mero
valor econômico atribuído ao seu suporte físico; com efeito, pode-se dizer que os
bens culturais materiais possuem corpo (suporte físico material, v.g. uma casa) e
alma (valores que se agregam ao bem material, tais como a antiguidade, raridade,
vinculação a fatos históricos etc.); entre as várias metodologias existentes no Brasil,
podem-se referir: a) Condephaat (Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico,
Arqueológico, Artístico e Turístico do Estado de São Paulo), que leva em conta o tipo
de bem que foi atingido e o tipo de dano que foi causado; b) VERD, ou Valor
Econômico Estimado de Referência para o Dano, que considera variáveis tangíveis
(custo hipotético de recuperação do bem, valor venal do imóvel, etc.) e variáveis
intangíveis (danos em que não há como estabelecer ou associar um valor
econômico); c) Prof. Georges Kaskantzis, que considera os aspectos do valor inicial
21
Ação civil pública e dano moral coletivo. Revista de Direito do Consumidor, São Paulo, Vol. 25,
p.83, jan/mar. 1998.
25. EstedocumentoécópiadooriginalassinadodigitalmenteporROGERIOPONZISELIGMAN.Paraconferirooriginal,acesseositehttp://www.mpsc.mp.br,informeoprocesso08.2019.00198375-7eo
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DEFESA DO MEIO AMBIENTE
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22(VI) e do valor cênico ou de singularidade (VC).
Convém portanto, que o estabelecimento do valor da indenização
por dano moral se dê por meio de perícia técnica (a qual poderá ser custeada pelo
Fundo para Reconstituição de Bens Lesados – FRBL - nos termos e limites da Lei n.
15.694, de 2011, de Santa Catarina, e da Circular n. 74/2016, da Corregedoria-Geral
da Justiça), considerando-se como valor mínimo a ser indenizado o equivalente ao
valor venal do imóvel para fins de Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU), hoje
correspondente a R$ 562.756,03.
4.6 Da imprescritibilidade da ação de reparação por dano
ambiental
O patrimônio cultural, como já se viu, integra um conceito amplo de
meio ambiente, o qual não se limita ao patrimônio natural, mas abrange o meio
ambiente artificial e especialmente um meio ambiente cultural.
É protegido, constitucionalmente, pelo art. 5º, LXXIII, pelo art. 129,
III, pelo art. 216 e pelo art. 225.
Faz-se, com isso, patrimônio público, no sentido de que a todos
pertence, bem de natureza difusa, essencial à sadia qualidade de vida e à afirmação
do Povo, sendo sua defesa e preservação dever do Poder Público e da coletividade.
É bem jurídico indisponível e fundamental que, tal qual os demais direitos
fundamentais, antecede a todos os demais direitos. Por tais razões, é imprescritível
o direito a sua reparação.
É da lavra de Celso Antônio Pacheco Fiorillo:
Não se pode olvidar que o meio ambiente é bem de natureza difusa,
22 MIRANDA, Marcos Paulo de Souza; NOVAIS, Andréa Lanna Mendes. Metodologias de valoração
econômica de danos a bens culturais materiais utilizadas pela Promotoria Estadual de Defesa do
Patrimônio Cultural e Turístico de Minas Gerais. MPMG Jurídico, Ministério Público do Estado de
Minas Gerais, Belo Horizonte, Edição especial Meio Ambiente, 2011. p.38-49.
26. EstedocumentoécópiadooriginalassinadodigitalmenteporROGERIOPONZISELIGMAN.Paraconferirooriginal,acesseositehttp://www.mpsc.mp.br,informeoprocesso08.2019.00198375-7eo
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objeto de direito fundamental de toda a coletividade, de forma que,
sendo essencial à vida com qualidade, é imprescritível, irrenunciável
e inalienável [...]. Dessarte, dada a natureza jurídica do meio
ambiente, bem como o seu caráter de essencialidade, as ações
23coletivas destinadas à sua tutela são imprescritíveis.
O entendimento tem sido albergado pela jurisprudência do Tribunal
de Justiça de Santa Catarina. A propósito:
ADMINISTRATIVO - AÇÃO CIVIL PÚBLICA - DANO AMBIENTAL -
PRESCRIÇÃO - INOCORRÊNCIA É imprescritível a pretensão
deduzida em ação civil pública que visa à recuperação de meio
24ambiente degradado.
No mesmo sentido:
Em matéria de prescrição cumpre distinguir qual o bem jurídico
tutelado: se eminentemente privado seguem-se os prazos normais
das ações indenizatórias; se o bem jurídico é indisponível,
fundamental, antecedendo a todos os demais direitos, pois sem ele
não há vida, nem saúde, nem trabalho, nem lazer, considera-se
imprescritível o direito à reparação. O dano ambiental inclui-se dentre
os direitos indisponíveis e como tal está dentre os poucos
acobertados pelo manto da imprescritibilidade a ação que visa
25reparar o dano ambiental.
O mesmo ocorre com os Tribunais de Justiça dos Estados. Veja-se
precedente do Tribunal de Justiça de Minas Gerais:
APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DECLARATÓRIA – INQUÉRITO
ADMINISTRATIVO QUE APURA PRÁTICA DE DEMOLIÇÃO
CLANDESTINA DE IMÓVEL TOMBADO – PROTEÇÃO AO
PATRIMÔNIO CULTURAL E AO MEIO AMBIENTE –
IMPRESCRITIBILIDADE [...]. A apuração de prática de demolição
clandestina de imóvel tombado não se submete às regras ordinárias
de prescrição, pois a defesa do patrimônio cultural e do meio
ambiente são imprescritíveis. Não demonstrada a existência de vícios
no procedimento administrativo e afastada a prescrição para apurar a
prática de demolição de imóvel tombado, porquanto a proteção ao
meio ambiente e patrimônio cultural não se sujeita às regras
ordinárias de prescrição, a manutenção da sentença é medida que se
23
Curso de Direito Ambiental Brasileiro. 18ªed. São Paulo: Saraiva, 2018. p.744.
24 Apelação Cível n. 2011.012821-6, de Chapecó, rel. Des. Luiz Cézar Medeiros, Terceira Câmara de
Direito Público, j. 19-3-2013.
25
Apelação Cível n. 0000219-98.2013.8.24.0103, de Araquari, rel. Des. Henry Petry Junior, Quinta
Câmara de Direito Civil, j. 09-5-2017.
27. EstedocumentoécópiadooriginalassinadodigitalmenteporROGERIOPONZISELIGMAN.Paraconferirooriginal,acesseositehttp://www.mpsc.mp.br,informeoprocesso08.2019.00198375-7eo
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27
26impõe.
No Tribunal de Justiça de São Paulo colhe-se este paradigma:
ADMINISTRATIVO. Pretensão do Município de que proprietário de
imóvel que alegadamente situava-se em “área de proteção NP-2”
seja obrigado a restaurar o imóvel, demolido em 2007.
PRESCRIÇÃO. Inocorrência. Dano envolvendo patrimônio histórico e
27cultural. Imprescritibilidade. Precedentes STJ e TJSP [...].
O Tribunal Regional Federal da 4ª Região também reconhece a
imprescritibilidade das ações por dano ambiental:
DIREITO ADMINISTRATIVO. DIREITO AMBIENTAL. DIREITO
CONSTITUCIONAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. CONSTRUÇÃO
IRREGULAR EM ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE E EM
TERRENO DE MARINHA. USO PRIVATIVO DE BEM PÚBLICO DE
USO COMUM DO POVO. [...] DANO AMBIENTAL.
RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA. DEVER DE
REPARAÇÃO. PRESCRIÇÃO [...]. É imprescritível a pretensão de
reparação dos danos ambientais, dado o seu caráter de direito
28fundamental, indisponível, comum a toda a humanidade.
Nesta senda é firme a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça:
[...] 6. O direito ao pedido de reparação de danos ambientais, dentro
da logicidade hermenêutica, está protegido pelo manto da
imprescritibilidade, por se tratar de direito inerente à vida,
fundamental e essencial à afirmação dos povos, independentemente
de não estar expresso em texto legal. 7. Em matéria de prescrição
cumpre distinguir qual o bem jurídico tutelado: se eminentemente
privado seguem-se os prazos normais das ações indenizatórias; se o
bem jurídico é indisponível, fundamental, antecedendo a todos os
demais direitos, pois sem ele não há vida, nem saúde, nem trabalho,
nem lazer , considera-se imprescritível o direito à reparação. 8. O
dano ambiental inclui-se dentre os direitos indisponíveis e como tal
está dentre os poucos acobertados pelo manto da imprescritibilidade
29a ação que visa reparar o dano ambiental [...].
Ainda:
PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL.
PREQUESTIONAMENTO. LITISPENDÊNCIA. SÚMULAS 07 E 283
26
Apelação Cível n. 1.0024.10.204893-1/005, de Belo Horizonte, rel. Des. Yeda Athias, Sexta Câmara
Cível, j. 01-12-2015, publ. 11-12-2015.
27
Remessa Necessária n. 1024501-71.2017.8.24.0562, de Santos, rel. Des. Heloísa Martins Mimessi,
Quinta Câmara de Direito Público, j. 12-11-2018.
28
AC 5003018-06.2012.4.04.7200, rel. Cândido Alfredo Silva Leal Junior, Quarta Turma, juntado aos
autos em 09-4-2015.
29 REsp 1120117/AC, rel. Min. Eliana Calmon, Segunda Turma, j. 10-11-2009, DJe 19-11-2009.
28. EstedocumentoécópiadooriginalassinadodigitalmenteporROGERIOPONZISELIGMAN.Paraconferirooriginal,acesseositehttp://www.mpsc.mp.br,informeoprocesso08.2019.00198375-7eo
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DO STJ. DESAFETAÇÃO ILEGAL DE PRAÇA.
IMPRESCRITIBILIDADE DE AÇÕES COLETIVAS VOLTADAS À
TUTELA DO MEIO AMBIENTE. INAPLICABILIDADE DO PRAZO
PRESCRICIONAL PREVISTO NO ARTIGO 1º DO DECRETO
20.910/32. PRECEDENTES DO SUPERIOR TRIBUNAL DE
JUSTIÇA. [...] 4. No mais, "é imprescritível a pretensão reparatória de
danos ambientais, na esteira de reiterada jurisprudência deste
Superior Tribunal de Justiça" (AgRg no REsp 1.466.096/RS, Rel.
Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe 30/3/2015);
no mesmo sentido, AgRg no REsp 1.150.479/RS, Rel. Ministro
30Humberto Martins, Segunda Turma, DJe 14/10/2011.
Logo, não se há de evocar a prescrição da ação de reparação pelo
dano ambiental.
5 DOS PEDIDOS LIMINARES
Segundo o art. 12 da Lei n. 7.347, de 1985, pode o juiz conceder
mandado liminar em ação civil pública, com ou sem justificação prévia, em decisão
sujeita a agravo. Trata-se de tutela de urgência, que pode ter caráter cautelar ou
antecipatório, e que encontra fundamento também no art. 300 do Código de
Processo Civil (CPC). Sua concessão depende dos pressupostos gerais de cautela:
o fumus boni juris e o periculum in mora.
5.1 Da indisponibilidade de bens
Demonstrou-se neste arrazoado que o requerido Ericson Doni Araújo
omite-se do dever de conservar e reparar o bem tombado localizado na Av.
Hercílio Luz, n. 962, e que se lhe atribui a responsabilidade objetiva pela demolição
não autorizada da edificação tombada com endereço na Rua Gen. Bittencourt, n.
463, o qual é atualmente utilizado como estacionamento de veículos.
Há fundamento jurídico, portanto, para se decretar a
indisponibilidade de seus bens, visando a resguardar a existência de recursos para a
conservação e reparação dos bens tombados e a garantir a indenização devida a
coletividade pelo dano ambiental causado, inclusive pelo dano moral coletivo.
Haverá dificuldade ou até impossibilidade na reparação do dano – e
30 REsp 1559396/MG, rel. Min. Herman Benjamin, Segunda Turma, j. 22-11-2016, DJe 19-12-2016.
29. EstedocumentoécópiadooriginalassinadodigitalmenteporROGERIOPONZISELIGMAN.Paraconferirooriginal,acesseositehttp://www.mpsc.mp.br,informeoprocesso08.2019.00198375-7eo
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aí reside o periculum in mora – se o requerido, uma vez ciente da tramitação da
actio, empeçar a derramar seu patrimônio no intento de ocultá-lo.
Pleiteia-se, logo, a decretação da indisponibilidade dos bens do
requerido até o limite de R$ 562.756,03, equivalente ao valor venal do bem para fins
de IPTU, considerado pelo autor o valor mínimo de indenização.
5.2 Da proibição do uso e exploração dos imóveis tombados
como estacionamento
Há informações segundo as quais ambos os imóveis tombados tem
sido indevidamente utilizados para fins de estacionamento. O uso é vedado sem
prévia autorização do órgão competente, compromete a ambiência dos bens e gera
enriquecimento ilícito por parte do requerido.
A começar pelo imóvel localizado na Av. Hercílio Luz, n. 962, o uso
como estacionamento tem sido objeto de atenção do Sephan, que orienta para a sua
proibição, exceto para uma vaga destinada a pessoas portadoras de deficiência.
No Parecer Técnico n. 283/2016, que analisou projeto de
recuperação/restauro do bem, os analistas fizeram constar:
3. Pr 03/07: Não será permitido o uso do pátio descoberto tombado
como estacionamento de veículos, sendo tolerada apenas uma (01)
vaga de estacionamento para Portadores de Deficiência. O pátio
deverá ter garantido o percentual mínimo de área permeável exigido
para o zoneamento de ARP e ser objeto de projeto paisagístico, a ser
aprovado pelo SEPHAN, visando a valorização do imóvel histórico.
Fica proibido o acesso ao estacionamento de veículos existente no
imóvel contíguo através do portão de acesso ao pátio da edificação
em questão.
A situação é melhor explicada no ofício n. OE
95/IPUF/DIPLA/SEPHAN/2017, em que o órgão responsável por elaborar e executar
a política de preservação do patrimônio e cultural de natureza material do Município
de Florianópolis pondera
que, quanto ao uso do pátio descoberto como área de
estacionamento, deverá considerar-se que a Rua General Bittencourt
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28ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DA CAPITAL
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já existia quando a Avenida Hercílio Luz foi concebida na década de
20 pelo governador que lhe empresa o nome, como parte importante
do sistema de escoamento do esgoto urbano de Florianópolis. A
edificação que hoje possui o número 962 da Avenida é anterior à
abertura daquele logradouro, a apresentava, portanto, sua testada
principal para a Rua General Bittencourt, possuindo então aí o
número de porta 135. Foi a sua entrada dos fundos que se
converteu, com a execução das obras da avenida, na entrada que
hoje é a principal, e o seu pátio, hoje encarado como um espaço
fronteiro à edificação, tratava-se, na verdade, de um quintal nos
fundos do imóvel. Assim, na configuração da edificação eclética
observa-se um investimento desigual nas suas fachadas,
privilegiando-se aquelas que confrontam com a Rua General
Bittencourt e Rua Jornalista Oswaldo Mello. A fachada voltada para a
Av. Hercílio Luz, por haver sido uma fachada posterior não merecia,
naquela época um tratamento de igual desempenho público,
privilegiando-se a relação pragmática e intimista com o quintal (daí as
duas sacadas, a assimetria da escada e a entrada a eixo para o
espaço de serviço correspondente ao porão). No entendimento do
IPUF/SEPHAN, o uso conferido ao espaço exterior em comento
como estacionamento é, por isso, particularmente desfavorável à
valorização do imóvel, o qual, desprovido de um agenciamento
paisagístico, não possibilita a leitura do que outrora foi o espaço, ao
contrário, prejudica intensamente a ambiência do imóvel.
Além disso, em termos estritamente legais, a Lei Complementar n.
482/2014 prevê que a área em comento, zoneada como ARP 12.5,
não ultrapasse a taxa de impermeabilização de 70%, ou seja, terá de
existir no imóvel uma área de solo permeável correspondente a 30%
todo total (no caso, aproximadamente 104m², considerando a área
oficial do imóvel para efeitos de IPTU). Ademais, o artigo 83 da
mesma lei determina: "as áreas de estacionamento descobertas
deverão ser arborizadas numa proporção mínima de duas árvores
para cada vaga", o que vem a reforçar a necessidade de
agenciamento paisagístico daquele espaço. Ademais, por tratar-se de
área tombada e inserida no triângulo central, o imóvel é dispensado
das vagas de estacionamento exigidas em outras circunstâncias em
prol de uma melhor harmonização do espaço com a função social
31assumida, por tratar-se de imóvel histórico.
Quanto ao imóvel localizado na Rua General Bittencourt, n. 463, cuja
edificação tombada foi ilegalmente demolida, vem sendo utilizado para a exploração
econômica de atividade de estacionamento, mediante locação.
Há contrato firmado entre Ericson Doni Araujo e Clíssia Terezinha
Kowalski Teske tendo por objeto a locação de "casa residencial em Florianópolis,
Estado de Santa Catarina, na Rua General Bittencourt, n. 463, Bairro Centro [...],
31 Grifo nosso.
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com 1 pavimento, de uso residencial familiar", destinado, "exclusivamente, à
residência do locatário", mediante remuneração de R$ 3.000,00 mensais. Embora o
vínculo contratual seja líquido, existem claros indícios de falsidade ideológica, haja
vista que o imóvel encontra-se demolido.
Além disso, em vistoria no local feita pelo Ministério Público, foi
constatado que no espaço onde se encontrava o imóvel tombado funciona um
estacionamento privado de veículos (termo de inspeção e fotografias anexas).
Com efeito, o Sephan, no ofício n. OE
105/IPUF/DIPLA/SEPHAN/2016 alertava para o fato do uso inapropriado do imóvel
como estacionamento de veículos, igualmente sem sua aprovação.
Percebe-se a fumaça do bom direito na exigência legal de
conservação do bem tombado e de autorização prévia do órgão de proteção para
qualquer intervenção, fartamente demonstrada.
O periculum in mora reside na perpetuação do uso desconforme do
imóvel, independente de autorização do órgão público competente, a comprometer
sua integridade e, desta forma, causar-lhe dano, ainda que indireto.
Cumpre destacar que o uso desconforme acarreta dano à
integridade do imóvel, como assentado pela jurisprudência do Superior Tribunal de
Justiça:
No campo jurídico do tombamento, o conceito de dano não se
restringe ou se resume a simples lesão física (desfiguradora e
estrutural) ao bem protegido, pois inclui agressões difusas e até
interferências fugazes nele mesmo, no conjunto e no seu entorno (=
dano indireto), que arranhem ou alterem os valores globais
intangíveis, as características, as funções, a estética e a harmonia, o
bucólico ou a visibilidade das suas várias dimensões que justificaram
32a especial salvaguarda legal e administrativa.
Acrescente-se que a exploração econômica do imóvel da Rua
General Bittencourt, n. 463, implica enriquecimento ilícito em detrimento do dever
32
REsp 1.127.633, proc. 2009/0136547-0/DF, rel. Min. Herman Benjamin, Segunda Turma, j.
23-3-2010, DJe 28-02-2012.
32. EstedocumentoécópiadooriginalassinadodigitalmenteporROGERIOPONZISELIGMAN.Paraconferirooriginal,acesseositehttp://www.mpsc.mp.br,informeoprocesso08.2019.00198375-7eo
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DEFESA DO MEIO AMBIENTE
32
legal de conservação e reparação do bem tombado.
5 DO PEDIDO
Diante do exposto, requer o Ministério Público, recebida e autuada
a presente inicial:
A) o deferimento liminar, inaudita altera parte, da medida de
decretação da indisponibilidade dos bens de Ericson Doni Araújo, CPF n.
155.104.849-34, até o limite de R$ 562.756,03, determinando, para tanto:
A.1) o bloqueio on-line dos valores constantes em contas
bancárias em seu nome, por meio do BACEN-JUD;
A.2) na hipótese de o valor depositado em instituições bancárias
mostrar-se insuficiente:
A.2.1) que se oficie o Detran/SC, para que informe sobre
a existência de veículos registrados em seu nome e para que bloqueie sua alienação
sem a prévia autorização do Juízo;
A.2.2) que se oficiem os Ofícios do Registro de Imóveis
da Comarca da Capital para que informem sobre a existência de bens imóveis
registrados em seu nome, determinando que não promova qualquer registro de
transferência ou negócio sem a prévia autorização do Juízo, notadamente os
imóveis objeto desta ação;
A.2.3) que seja oficiada a Capitania dos Portos de Santa
Catarina, para que informe sobre a existência de embarcações registradas em seu
nome e para que bloqueie sua alienação sem a prévia autorização do Juízo;
A.3) que seja requisitado à Receita Federal que remeta cópia
das declarações de bens e rendas do requerido referentes aos cinco últimos
exercícios;
B) a concessão de medida liminar, inaudita altera parte, para impor a
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DEFESA DO MEIO AMBIENTE
33
Ericson Doni Araújo as obrigações de não fazer consistentes em:
B.1) proibição do uso do pátio descoberto do imóvel tombado da
Av. Hercílio Luz, n. 962, como estacionamento de veículos, exceto uma vaga, a ser
destinada para portadores de deficiência, mediante autorização expressa do
Sephan;
B.2) proibição do uso do imóvel localizado na Rua General
Bittencourt, n. 463, como estacionamento de veículos;
C) a concessão de medida liminar para determinar ao Município de
Florianópolis que promova, em 30 dias, a efetiva fiscalização dos bens tombados,
promovendo, se for o caso, a autuação do responsável pelas irregularidades
casualmente constatadas e a deflagração dos procedimentos administrativos
próprios, visando à imposição das sanções aplicáveis e outras medidas cabíveis;
D) ainda em tutela de urgência, a determinação de que se proceda à
averbação do ajuizamento desta ação civil pública, para efeitos de publicidade e
proteção a terceiros de boa-fé, nas matrículas 26.444 e 26.445 do 1º Ofício do
Registro de Imóveis de Florianópolis;
E) a citação dos requeridos para contestar, no prazo legal;
F) a intimação pessoal do Ministério Público de todos os atos
processuais, conforme estabelecem os artigos 236, § 2º, do Código de Processo
Civil, e 41, IV, da Lei n. 8.625, de 1993 (Lei Orgânica Nacional do Ministério Público);
G) a produção de todos os meios de prova admitidos em direito,
notadamente a testemunhal, documental etc., com ouvida das testemunhas adiante
arroladas;
H) a realização de prova pericial, com a finalidade de estabelecer o
valor da indenização por dano moral, a qual poderá ser custeada pelo Fundo para
Reconstituição de Bens Lesados – FRBL - nos termos e limites da Lei n. 15.694, de
2011, de Santa Catarina, e da Circular n. 74/2016, da Corregedoria-Geral da Justiça;
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DEFESA DO MEIO AMBIENTE
34
I) o julgamento de procedência da presente ação civil pública, para
condenar Ericson Doni Araújo:
I.1) na obrigação de fazer consistente na execução de obras de
restauro e conservação do imóvel tombado da Av. Hercílio Luz, n. 962, mediante
prévia aprovação do projeto pelo Sephan, o qual deverá ser apresentado em até 60
dias e executado em até 180 dias a contar de sua aprovação;
I.2) na obrigação de não fazer consistente em se abster do uso
do pátio descoberto do imóvel tombado da Av. Hercílio Luz, n. 962, como
estacionamento de veículos, exceto uma vaga, a ser destinada para portadores de
deficiência, mediante autorização expressa do Sephan;
I.3) na obrigação de fazer consistente na execução de obras de
restauro e conservação das fachadas subsistentes do imóvel tombado da Rua
General Bittencourt, n. 463, bem como sua reconstrução em volumetria aproximada
à da edificação original, contendo referências estilísticas e históricas ao patrimônio
histórico demolido, tudo conforme projeto aprovado pelo Sephan, a ser apresentado
em prazo de 180 dias e executado em 365 dias a contar de sua aprovação;
I.4) na obrigação de não fazer consistente em se abster do uso
do imóvel localizado na Rua General Bittencourt, n. 463, como estacionamento de
veículos;
I.5) na obrigação de reparar o dano moral coletivo, mediante o
pagamento de indenização em dinheiro, em favor do FRBL, de montante a ser
apurado em perícia judicial, não podendo porém ser inferior ao valor venal do imóvel
para fins de IPTU, hoje correspondente a R$ 562.756,03;
J) o julgamento de procedência da presente ação civil pública, para
condenar o Município de Florianópolis:
J.1) a que promova a efetiva fiscalização dos bens tombados,
promovendo, se for o caso, a autuação do responsável pelas irregularidades
35. EstedocumentoécópiadooriginalassinadodigitalmenteporROGERIOPONZISELIGMAN.Paraconferirooriginal,acesseositehttp://www.mpsc.mp.br,informeoprocesso08.2019.00198375-7eo
código14F05D5.
fls. 586
28ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DA CAPITAL
DEFESA DO MEIO AMBIENTE
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casualmente constatadas e a deflagração dos procedimentos administrativos
próprios, visando à imposição das sanções aplicáveis e outras medidas cabíveis;
J.2) em caráter subsidiário, em caso de comprovada carência de
recursos pelo proprietário, observado o direito de regresso e a desapropriação dos
imóveis:
J.2.1) na obrigação de fazer consistente na execução de
obras de restauro e conservação do imóvel tombado da Av. Hercílio Luz, n. 962, na
forma do pedido H.1 retro;
J.2.2) na obrigação de fazer consistente na execução de
obras de restauro e conservação das fachadas subsistentes do imóvel tombado da
Rua General Bittencourt, n. 463, bem como sua reconstrução em volumetria
aproximada à da edificação original, contendo referências estílisticas e históricas ao
patrimônio histórico demolido, na forma do pedido H.3 retro;
K) a condenação dos réus ao pagamento das custas processuais,
verbas de sucumbência e demais cominações de estilo.
Valor da causa: R$ 562.756,03.
Florianópolis, 04 de junho de 2019.
[assinado digitalmente]
Rogério Ponzi Seligman
Promotor de Justiça
Rol de testemunhas:
1) Arq. Betina Adams, servidora pública municipal lotada no Ipuf;
2) Téc. Edif. Olga Rabelo, servidora pública municipal lotada no Ipuf;
3) Arq. Rui Stanzani Lapa, servidor público municipal lotado no Ipuf;
4) Arq. Karina Baseggio, servidora pública municipal lotada no Ipuf;
5) Maria Anilta Nunes, servidora pública municipal lotada no Ipuf;
6) Clíssia Terezinha Kowalski Teske, residente na Av. Hercílio Luz, n. 931, apart. 206,
Centro, Florianópolis.
Documentos anexos: extraídos do Inquérito Civil n. 06.2008.00000268-8