Ao contrário do que alguns interesses instalados querem fazer crer, há uma relação directa entre a produção desta espécie [eucalipto] e a dimensão dos incêndios florestais. Não é por acaso que os bombeiros australianos, país da origem desta espécie, apelidaram o eucalipto de árvore gasolina e muitos especialista em fogos florestais na Austrália e na Califórnia, EUA, declararam os eucaliptos o seu inimigo público número um. Afinal as celuloses tinham razão quando se referiam ao eucalipto como o petróleo verde!
Práticas sustentáveis e escolhas éticas, Jorge Moreira, Revista o Instalador ...
A árvore gasolina ou a floresta autóctone de Jorge Moreira
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Este verão assistimos novamente a cená-
rios apocalípticos, com a destruição maciça
de vastas áreas florestais pelo fogo. Uma
tragédia nacional e um desespero parti-
cular para quem esteve ameaçado, ficou
ferido, desalojado ou assistiu impotente à
morte de animais domésticos pelas cha-
mas infernais. Arderam sonhos de vidas,
patrimónios ecológicos e humanos. Um
problema cíclico que o avanço tecnológico
não consegue resolver, nem em ocorrên-
cia, nem em dimensão, dando a perceber
que este flagelo, além de subsistir, tem
aumentado nas últimas décadas. Conclui-
-se que o problema não tem sido resolvido
ou minorado adequadamente. Muitos são
os factores que têm contribuído para este
facto. Contudo, na base da questão poderá
estar o modelo económico vigente, com a
sua ânsia de explorar, dominar e rentabili-
zar tudo o máximo possível e a curto prazo,
sem olhar às consequências ecológicas ou
sociais das suas operações. Tal como o
eucalipto, que cresce rapidamente porque
absorve mais água e nutrientes, esgotando
esses preciosos recursos, que são a
riqueza de todos. As florestas deixaram de
desempenhar o seu papel multidimensional
e passaram a ser monoculturas de eucalip-
tos, cujos proprietários ou são as indústrias
insustentáveis e poluidoras, como as
celuloses, ou são indivíduos que possuem
o mesmo paradigma insalubre. É que, ao
contrário do que alguns interesses insta-
lados querem fazer crer, há uma relação
direta entre a produção desta espécie e a
dimensão dos incêndios florestais. Não é
por acaso que os bombeiros australianos,
país da origem desta espécie, apelidaram
o eucalipto de árvore gasolina e muitos
especialista em fogos florestais na Austrália
e na Califórnia, EUA, declararam os euca-
liptos o seu inimigo público número um.
Afinal as celuloses tinham razão quando
se referiam ao eucalipto como o petróleo
verde! Paralelamente, assistimos a leis que
favorecem a produção desta espécie e a
Força Aérea foi afastada do combate para
deixar surgir uma indústria privada oportu-
nista e dispendiosa ligada ao combate dos
fogos florestais, cujo único objetivo é o lu-
cro e é paga com os dinheiros públicos. No
meio desta loucura, observamos fogos em
monoculturas privadas de eucaliptos, que
A Árvore Gasolina
ou a Floresta Autóctone
O avançar de uma floresta idiota de eucaliptos
Ribeiro Telles
Texto_Jorge Moreira [Ambientalista]
Fotos_DR e Jorge Moreira
Que diabo têm os seres humanos feito ao
espalhar uma planta perigosa por todo o mundo
David Bowman,
ecologista florestal da University of Tasmania,
Austrália, relativamente ao eucalipto
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AMBIENTE E ENERGIAS RENOVÁVEIS
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estavam a ser combatidos com o nosso
dinheiro. Tratam-se de produções geridas
tecnicamente por pessoal qualificado, que
lançam novas dúvidas ligadas à formação
técnica, à gestão e à produção florestal.
Perante o agravamento da problemática
das alterações climáticas e a propagação
das exóticas e infestantes no nosso terri-
tório, o cenário parece muito negro, caso
se pretenda perpetuar estas políticas e
estes modelos (ou a falta deles) de gestão
florestal. Mas vamos por partes.
Durante o mês de agosto tive a oportuni-
dade de percorrer efetivamente o país de
lés a lés, de Vila Real de Santo António a
Valença do Minho. Durante o meu percurso
assisti a um pouco de tudo. Locais com
alguns incêndios ainda activos, outros já
só mostravam a destruição, o sofrimento
e a morte. Isto porque não são só os
seres humanos que sofrem o flagelo do
fogo, mas toda a vida se reduz a cinzas.
Espécies endémicas e raras desaparecem,
os rios e aquíferos ficam contaminados ou
secaram, os solos nus potenciam novas
desgraças, a beleza cessa. É verdade
que dada a heterogeneidade do território
português, será difícil tirar conclusões sim-
plistas daquilo que observei. Já se sabia
que os matos são o que mais ardem e isso
ficou bem patente. Contudo, nos locais
arborizados, um aspecto destacava-se:
onde existiam só espécies autóctones,
os fogos tiveram menor dimensão em
área e intensidade. Foram extintos com
alguma facilidade, mesmo em zonas com
temperaturas elevadas, ventos fortes e hu-
midade baixa, como nos casos do Alentejo
e Ribatejo. Foram fogos que não abriram
noticiários. Nos locais onde existiam vastas
áreas de eucalipto (Eucalyptus globulus) e
pinheiro-bravo (Pinus pinaster), o cenário
era desolador, sinistro, ameaçador, apo-
calíptico. Em espaços onde o eucalipto
aparecia par a par com alguma vegetação
autóctone, ainda se conseguia ver alguma
verdura no meio do cinzento. Quando
divulguei estas observações no terreno,
iguais a tantos outros testemunhos, fotos e
vídeos partilhados na Internet, apareceram
logo dois ou três experts a comentarem
que não existiam dados científicos que pro-
vam essas observações ou que há estudos
que indicam não existir uma relação entre
o eucalipto e o fogo. Na verdade, alguns
dos papers que tive acesso aos quais eles
se basearam, trataram dados para mim
incompletos e já o demonstrei em vários
fóruns nas redes sociais. Isto, para além de
sabermos que muitos dos estudos estão
comprometidos pelas entidades financia-
doras ou empreendedoras. Todavia, não
faltam dados científicos que explicam bem
as minhas observações realizadas no terre-
no. Por exemplo: "Os resultados permitidos
classificam a propensão de incêndio de
acordo com a seguinte ordem decrescen-
te: florestas de pinheiros-bravos, florestas
de eucaliptos, florestas de folha larga não
especificada, florestas de coníferas não
especificadas, montado de sobro, florestas
de castanheiros, florestas de azinheiras e
florestas de pinheiros-mansos" (Silva et
al, 2009); "O nosso estudo confirmou que
as folhosas, tanto em povoamentos puros
ou mistos, diminuem o risco de fogo em
áreas florestais, quando comparadas com
o pinheiro-bravo e o eucalipto" (Marques
et al, 2011); "Dentro do contexto florestal,
estudos em Portugal sugerem que as flo-
restas maduras de folha caduca e florestas
mistas têm geralmente um risco de incên-
dio baixo em comparação com florestas de
pinheiros, plantações de eucalipto ou mista
de pinheiro e eucalipto" (Fernandes, 2009;
Moreira et al., 2009) in: Moreira et al (2011).
O Investigador do Centro de Investigação
e de Tecnologias Agroambientais e Bioló-
gicas da Universidade de Trás-os Montes
e Alto Douro, o Professor Paulo Fernandes,
um especialista muito requisitado nesta
discussão por parte de alguns defensores
da monocultura de eucalipto, acaba por
responde-me numa rede social: "É pacífico
que as matas caducifólias (e outras) difi-
cultam a progressão do fogo...". Também
numa publicação sua acompanhada por
fotografias intitulada "Bidoeiro, a árvore
bombeiro!" Fernandes diz: "O fogo entra
no bidoal e normalmente arde assim,
por manchas e com chama muito curta,
extinguindo-se. É um efeito combinado da
quebra de vento e aumento da humidade
mas principalmente da folhada, com carga
muito baixa e razoavelmente compacta
(para uma folhosa) e nesta época já algo
decomposta...". Recentemente, Fernandes
disse a vários órgãos da comunicação
social que para além dos vidoeiros
(bidoeiros ou bétulas), os carvalhos e os
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castanheiros estão entre as principais
"árvores bombeiras" pelas mesmas razões
já mencionadas, acrecentando que "não há
ali muito alimento para o fogo e, frequen-
temente, os incêndios ou param por si só,
extinguindo-se ao entrar nas manchas,
ou ardem com pouquíssima intensidade
sem causar danos às árvores (...) para
zonas com "piores" condições de solo há
"sempre" espécies que embora ardam com
maior facilidade conseguem recuperar,
sendo o caso do sobreiro". Ainda num
outro comentário numa rede social, que re-
lacionava as áreas ardidas entre espécies,
Fernandes diz: "Acredito que a área ardida
de carvalhal diminuísse substancialmente
com uma ocupação maior. A fragmentação
e pouca extensão das manchas actuais
propicia que ardam, até porque estão
usualmente rodeadas pelo que mais arde
(matos) e localizadas nas regiões do país
que mais ardem. (...) nota por exemplo que
a maior mancha de carvalho, na serra da
Nogueira, tem-se mantido incólume e nun-
ca ardeu desde que foi plantada a não ser
nas orlas". Num estudo publicado em 2010,
Fernandes et al conclui que os bosques de
folhosas e de resinosas de montanha mo-
dificam as características e a severidade do
fogo, contribuindo para a redução da área
ardida e a resiliência ao fogo. Ao contrário,
num artigo de 2010, intitulado "Florestas
diferentes, fogos diferentes", O investigador
da UTAD diz a respeito do eucalipto: "A
enorme representatividade territorial de
tipos de vegetação muito vulneráveis ao
fogo — pinhal bravo, eucaliptal e matos —
potencia incêndios de grande dimensão
cujos impactes ambientais e socioeconó-
micos são bem conhecidos. (...) Plantações
de pinho e eucalipto têm folhagem rica
em compostos facilmente inflamáveis e
produzem manta morta e detritos lenhosos
de decomposição lenta, o que leva à sua
acumulação. Os povoamentos jovens
são particularmente vulneráveis, mesmo
quando a vegetação arbustiva é pouco
expressiva, uma vez que a continuidade
vertical existente permite que o fogo se
transmita facilmente à copa das árvores. A
casca dos eucaliptos, acumulada na base
das árvores ou ainda presa ao tronco, é
frequentemente projectada em combustão
dando origem a focos secundários de
incêndio que comprometem a eficácia de
qualquer corta-fogo".
Assim, a substituição de espécies autóc-
tones por monoculturas de eucalipto e
pinheiro-bravo, que se tem verificado nas
últimas décadas, com especial incidência
para o Eucalyptus globulus, têm poten-
ciado o problema dos fogos florestais.
Tanto a ciência, como a sabedoria popular
dizem que os bosques constituídos por
carvalhos adultos têm um comportamento
bastante diferente perante o fogo do que
um eucaliptal. Não se pode negar este
facto. Em complemento, a biodiversidade
de um bosque autóctone e os serviços
ecossistémicos que proporciona são bens
que a economia tradicional não inclui. De
igual modo, as externalidades ambientais
negativas da monocultura do eucalipto
também não estão sendo contabilizadas.
São conhecidos os problemas ecológicos,
a fraca biodiversidade, o esgotamento dos
solos e o impacto nos recursos hídricos
que a cultura intensiva acarreta. Por
exemplo: "(O eucalipto) tem importantes
consequências ecológicas, uma vez que
a regeneração cresce rapidamente e
pode dominar facilmente as comunidades
de plantas nativas em fases iniciais da
sucessão ecológica após o abandono das
terras. O abandono das plantações ocorre
principalmente após o último corte ou após
incêndio" (Coord. Joaquim Silva [CEABN
InBIO] in: WILDGUM - Uma abordagem
multi-escala para estudar a naturalização
do eucalipto comum (Eucalyptus globulus
Labill) em Portugal); "O Eucalyptus segrega
certas substâncias que afetam e impedem
o crescimento das plantas que estão ao
redor" (Valverde Valdes, Teresa Cano San-
tana, Zeno, 2005), com impactes significa-
tivos na biodiversidade. “A modificação da
floresta autóctone, nomeadamente através
da plantação de monoculturas de eucalipto
em áreas extensas, tem-se reflectido num
empobrecimento dos solos, provocando
o confinamento das salamandras às mar-
gens dos ribeiros. Foi já demonstrado que
as salamandras evitam a manta morta de
folhas de eucalipto devido à diminuição de
presas e ao efeito tóxico das substâncias
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das suas folhas (Vences, 1993). Este tipo
de alteração causa, também, modificações
do microhabitat, que se traduzem numa
acentuada diminuição da diversidade de
macroinvertebrados aquáticos e, conco-
mitantemente, num empobrecimento dos
recursos alimentares disponíveis" (Lima,
1995). O Conselho de Plantas Invasoras da
Califórnia (Cal-IPC) considera o eucalipto
um problema de gravidade média, devido à
sua rápida disseminação e sua capacidade
em fazer deslocar as comunidades vegetais
e animais nativas. Em contrapartida, são
muitos os estudos realizados na Península
Ibérica que mostram a existência de maior
biodiversidade das florestas nativas com-
parativamente às explorações de eucalipto
(e.g., Proença et al, 2010; Calviño-Cancela
et al, 2012; Calviño-Cancela et al, 2013;
Cruz, 2014; Cruz et al, 2015).
Com a expansão da árvore gasolina nas
nossas áreas florestais, os fogos não
irão abrandar, especialmente quando
se observa a sua presença em espaços
onde existiam anteriormente povoamentos
de autóctones e, pior do que isso, em
terrenos destinados à agricultura. As
consequências serão cada vez maiores, tal
como prevê um estudo da NASA. É urgente
alterar o rumo. Há que parar de alimentar
as monoculturas desta espécie. É preciso
ir mais longe e tentar resolver os problemas
de forma holística. Valorizar, incentivar,
investir, investigar, reinventar atividades
económicas ligadas às florestas que sejam
verdadeiramente sustentáveis e ricas em
biodiversidade. Potenciar economias que
já conhecemos, tais como a produção do
mel, a pastorícia, a resina, a cortiça, os
cogumelos, as espécies aromáticas, as
flores, chás e frutos silvestres. Promover o
turismo e o desporto sustentável na nature-
za, com percursos pedestres de fruição da
paisagem e das espécies emblemáticas.
Uma economia que sustente uma prática
preventiva, especialmente direcionada para
a floresta autóctone, rica em biodiversida-
de, que proporciona excelentes serviços
de ecossistema. É necessário valorizar
esses serviços prestados pela natureza. É
preciso taxar as externalidades ambientais
negativas de certas monoculturas, como a
do eucalipto. Há que integrar, que melhorar
a nossa relação com as outras formas de
vida e com a floresta. Há que olhar para
os bosques não na forma exploratória,
dominadora, mas com cuidado e coopera-
ção. Afinal, as árvores são seres vivos tão
especiais, capazes de comunicarem entre
si, ajudam-se mutuamente e passam infor-
mação às suas descendentes. Partilham
tanto de nós e dão-nos tanto. Uma floresta
não é uma monocultura de eucaliptos. É a
vida pujante em toda a sua plenitude.
Há uma economia mais bela e segura
para além da pasta de papel, Saibamos
aproveitá-la e potenciá-la. É disto que
Portugal precisa. Solidariedade para
com a nossa natureza, e uma Fénix, que
faça renascer das cinzas uma floresta
autóctone, resistente, resiliente e bela. Uma
floresta viva, cuidada, rica em diversidade.
Que seja ecologicamente redesenhada,
para dificultar as ignições, a severidade e
a propagação do fogo. Uma floresta que
potencie uma economia verdadeiramente
verde, capaz de minorar a problemática
das alterações climáticas e que seja mais
uma das maravilhas de Portugal. Resumi-
damente, é preciso apostar mais na pre-
venção holística e inteligente. Já agora, que
tal criar/requalificar empresas públicas no
combate aos fogos, em vez das privadas?