3. “[...] as relações de dominação e de submissão existentes entre a sociedade
colonial e a sociedade colonizada caracterizam a situação colonial”
(BALANDIER, 1993, p. 114).
De acordo com João Pacheco de Oliveira – um dos autores que
recebem o aporte teórico de Georges Balandier no Brasil, a noção de
situação colonial estabelece assimetria e disparidade postas em
“longa duração”. Tais efeitos incidem, pois, sobre as “situações
históricas” mais amplas nas políticas indigenistas e educacionais.
Para Jörn Rüsen, a consciência histórica é:
- A suma das operações mentais...
- ...com as quais os homens interpretam sua experiência...
- ...na evolução temporal de seu mundo e de si mesmos...
- ...de forma tal que possam orientar, intencionalmente, sua vida
prática no tempo.
História Indígena.
Situação Colonial.
Consciência Histórica.
“Nesta grande reavaliação das sociedades indígenas e das políticas indigenistas,
a historiografia tem – e terá – um papel fundamental, decisivo até. Pois cabe
aos historiadores [...] não apenas resgatar mais esses ‘esquecidos’ da história,
mas antes redimir a própria historiografia de seu papel conivente na tentativa
– fracassada – de erradicar os índios” (MONTEIRO In: SILVA; GRUPIONI, 1995,
p. 227).
4. HISTÓRIA INDÍGENA E
EDUCAÇÃO – PERCEPÇÕES PARA
SUPERAR O “HISTORICÍDIO”.
UMA HETEROLOGIA?
Uma edição especial da Revista Brasileira de História, RBH, que compreendeu o
período de maio a agosto de 2017, apresentou ao círculo dos historiadores
brasileiros o dossiê: “O protagonismo indígena na história” – que demonstra a
efetividade do conceito referido entre a comunidade acadêmica.
Existem avanços constatados por diferentes autores do dossiê:
- Renovação da história indígena entre 1970 e 1990;
- Protagonismo indígena mais valorizado a partir da década de 1990 (cabe pensá-
lo como categoria complexa...).
- Outro status ao indígena (superando-se a percepção de “rebeldes”, “vencidos”,
“dominados”, “escravizados”, “aculturados” ou da “crônica de extinção”, etc.).
Antes de tais renovações, cabe dizer que os indígenas foram:
“Duplamente violentados, como afirmou Carneiro da Cunha (1992), pois além
de terem enfrentado as trágicas consequências dos processos históricos
vivenciados, sofreram e ainda sofrem os efeitos da história disciplina, na qual
figuram em papéis secundários e depreciativos, entre as posições de vítimas
passivas, bons selvagens ou bárbaros sanguinários. Historicídio, nas palavras
de Hill (1996), que contribuiu para reforçar em nossa sociedade ideias
preconceituosas e estereotipadas sobre eles” (ALMEIDA, 2017, p. 20).
6. O DIPLOMA CONSTITUCIONAL DE 1988. Art. 210.
Art. 215.
Serão fixados conteúdos mínimos para o ensino fundamental, de maneira a assegurar
formação básica comum e respeito aos valores culturais e artísticos, nacionais e regionais.
§ 2º - O ensino fundamental regular será ministrado em língua portuguesa, assegurada
às comunidades indígenas também a utilização de suas línguas maternas e processos
próprios de aprendizagem.
O Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da
cultura nacional, e apoiará e incentivará a valorização e a difusão das manifestações
culturais.
§ 1º - O Estado protegerá as manifestações das culturas populares, indígenas e afro-
brasileiras, e das de outros grupos participantes do processo civilizatório nacional.
§ 2º - A Lei disporá sobre a fixação de datas comemoratórias de alta significação para os
diferentes segmentos étnicos nacionais.
Art. 231.
Art. 231 – são reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas,
crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam,
competindo à união demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens.
Constata-se, portanto, que apesar dos avanços indiscutíveis e de ser um marco importante para o nominado “Período de
Indigenismo Governamental Contemporâneo pós-1988” (expressão da terceira fase do indigenismo republicano
brasileiro), conforme Gersem Baniwa, o texto constitucional apenas tangencia as questões sobre educação (BANIWA In
RAMOS, 2012, p. 209).
8. DECRETO Nº 26/91.
Decreto nº 26/91 – Removeu a
incumbência da educação escolar
indígena da FUNAI para o
Ministério da Educação, MEC, o
qual passou a ter o dever de
refletir sobre a organização das
ações pedagógicas e educativas
em questão – cabendo,
entretanto, aos estados e aos
municípios a sua execução.
- A FUNAI fazia pouco em relação
à Educação Escolar Indígena.
- Oportunizou-se respaldo técnico
e financeiro do MEC.
Problemas do Decreto nº 26/91:
O ponto mais frágil: transferência de responsabilidades que a
estadualização e a municipalização causou.
Poucos estados e municípios estavam preparados para tanto.
Ocorreram pressões regionais desfavoráveis aos indígenas.
Houve substituição excessiva dos técnicos especializados das
secretarias de educação.
9. Lei de Diretrizes e Bases
da Educação Nacional,
LDB, nº 9.394/1996.
Priorizou os programas integrados de
ensino e pesquisa para propiciar oferta de
educação escolar bilíngue e intercultural
aos povos indígenas.
Indígenas, comunidades, povos, memórias,
valorização das línguas e das ciências, bem
como a reafirmação de identidades étnicas
eram tencionadas pelo texto legal.
Pretendia-se garantir aos índios acesso ao
conhecimento técnico-científico das
diferentes sociedades presentes no país.
Garante – depois de audiências
comunidades indígenas –,
o apoio técnico e financeiro aos sistemas
de ensino intercultural.
Alguns direitos à Educação
Escolar Indígena, garantidos na
LDB, foram assegurados somente
a partir de complementações e
modificações do texto original da
Lei de 1996: há outros textos, em
caráter contínuo, que embasam a
Educação Escolar Indígena.
Art. 78.
Art. 79.
10. REFERENCIAL CURRICULAR
NACIONAL PARA AS ESCOLAS
INDÍGENAS, RCNEI, 1998.
Partícipes da composição do documento em tela, antropólogos, linguistas, historiadores, pedagogos,
entre outros profissionais, relataram experiências diversas sobre esse modo de educação.
O documento propõe o respeito às culturas, às tradições e às diversidades comunitárias indígenas.
Prescreve, ainda: conteúdos, objetivos, construção curricular, registro escolar, produção pedagógica,
avaliação, organização do trabalho pedagógico e agrupamento dos alunos.
No entanto, o documento ainda se refere à adoção de “matérias” (disciplinas...) e a correlação de tais
“matérias” às comunidades. O espaço e a tradição nas escolas indígenas é, ainda, confundido com o
“folclore”, com a “folclorização”.
11. Elaborado pelo Poder Executivo em 1997, o Plano teve como perspectiva
direcionar as políticas da Educação: reconheceu-se a categoria “Escola Indígena”
e foi ao encontro do descrito na LDB/1996.
As políticas de “universalização” da educação, constantes no Plano, não
consideraram as especificidades da Educação Escolar Indígena.
PLANO NACIONAL DE
EDUCAÇÃO, 1997 – 2001.
O Conselho Nacional de Educação elaborou, em 1999, um parecer e uma resolução para a
Educação Escolar Indígena. As Diretrizes Curriculares da Educação Escolar Indígena foram
aprovadas por meio do Parecer 14/99 que estabeleceu as Diretrizes Nacionais para as
escolas indígenas.
Finalmente, a Resolução 03/99 estabeleceu a categoria “Escola Indígena” por sua
localização em terras habitadas pelas comunidades indígenas; fez, inobstante, indicações
sobre os materiais didático-pedagógicos produzidos de acordo com diferentes contextos e
etnias.
A partir da Resolução 03/99,
venceu-se a concepção de que as
escolas indígenas eram extensões
de escolas rurais ou urbanas.
PARECER 14/99 E
RESOLUÇÃO 03/99.
12. EXEMPLO DE LIVRO DIDATICO
ELABORADO POR
PROFESSORES GUARANI E
KAIOWÁ.
“A escola indígena é responsabilidade última das prefeituras e dos
estados e tem que se enquadrar nas diretrizes de orientações
básicas educacionais da Federação.
A tendência geral hoje é de que os professores das escolas
indígenas sejam índios e, prioritariamente, pertençam à mesma
etnia dos alunos. Mesmo assim, a escola indígena é a escola do
branco para o índio. É a mesma escola que o branco pensou para
ele, mas a serviço do índio. Essa escola possuirá, então, muitos dos
defeitos que possui a escola do branco, a que está ligada
geneticamente, com alguns deles apenas suavizados pelo direito à
diferenciação.
A escola do branco prestigia o pensamento cartesiano, o
reducionismo mecanicista, a disciplinaridade, traz implícita a ideia
ou princípios do progresso, a escrita, o cálculo, a teoria, o acúmulo,
o consumismo, a competição e, apesar de propiciar a utilização dos
meios globais de informação, ignora o seu entorno imediato, ignora
o conteúdo cultural dos seus alunos e familiares e tende a uma
padronização estéril”.
UMA CRÍTICA.
Por Carlos Alfredo Argüello.
13. CONVENÇÃO Nº 169 DA
ORGANIZAÇÃO
INTERNACIONAL DO
TRABALHO, OIT.
“E, em 19 de abril de 2004, a entrada em vigor
da Convenção nº 169, da Organização
Internacional do Trabalho, OIT, sobre Povos
Indígenas e Tribais” trouxe seis artigos
destinados à “educação dos povos indígenas”.
Entre as medidas indicadas, destaca-se a
“obrigação de garantir aos membros dos povos
interessados a possibilidade de adquirirem
educação em todos os níveis, ao menos em
condições de igualdade com o restante da
comunidade nacional” (PALADINO; ALMEIDA,
2012, p. 48 – 49).
Sabe-se que o ex-presidente Luís Inácio Lula da
Silva, em 10 de março de 2008, em consonância
com o artigo 31 da Convenção 169 da OIT,
promulgou a Lei 11.645 que instituiu a
obrigatoriedade do ensino da história e das
culturas indígenas no sistema de ensino público
e privado.
Art. 26-A. Nos estabelecimentos de ensino fundamental e de ensino médio,
públicos e privados, torna-se obrigatório o estudo da história e cultura afro-
brasileira e indígena.
§ 1º O conteúdo programático a que se refere este artigo incluirá diversos
aspectos da história e da cultura que caracterizam a formação da população
brasileira, a partir desses dois grupos étnicos, tais como o estudo da história da
África e dos africanos, a luta dos negros e dos povos indígenas no Brasil, a cultura
negra e indígena brasileira e o negro e o índio na formação da sociedade
nacional, resgatando as suas contribuições nas áreas social, econômica e política,
pertinentes à história do Brasil.
§ 2º Os conteúdos referentes à história e cultura afro-brasileira e dos povos
indígenas brasileiros serão ministrados no âmbito de todo o currículo escolar, em
especial nas áreas de educação artística e de literatura e história brasileiras.”
LEI 11.645/2008
14. O estudo da história e cultura
afro-brasileira e indígena
tornou-se obrigatório em todo
âmbito e currículo escolar
brasileiro desde a sanção da Lei
n. 11.645 de 10 de março do
ano de 2008. Ao incluir em
pauta a temática indígena, este
dispositivo legal alterou as
Diretrizes e Bases da Educação
Nacional estabelecidas em 20
de dezembro de 1996.
Acrescentada a observância da
agência histórica de indígenas –
em forma de protagonismo,
temos uma intenção sócio-
educacional de mobilizações de
consciências históricas
estudantis e combate às
práticas cotidianas de
discriminação ao romper com
visões estereotipadas acerca
dos sujeitos em questão e suas
vivências.
“[...] a Lei n. 11.645/2008 [...]
representa um passo enorme em
direção ao reconhecimento de uma
sociedade historicamente formada
por diversas culturas e etnias,
dentre elas as indígenas”
(WITTMANN, 2015, p. 14).
DA OBRIGATORIEDADE DA CONSCIÊNCIA
HISTÓRICA
UMA OPINIÃO
LAUDATÓRIA
15. Decreto nº 6.861/2009, que criou os Territórios Etnoeducacionais.
A PARTIR DOS ANOS 2000, APRESENTAM-SE AS SEGUINTES INICIATIVAS:
Criação da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão – SECADI.
Sucesso em razão dos investimentos em professores indígenas e material didático (Lula investiu
em 2004 a quantia de 3,6 milhões em formação e produção de materiais didáticos).
Trilhas do Conhecimento (criado em 2013 e com vistas à produção de materiais didáticos
para escolas indígenas).
Ação Saberes Indígenas na Escola (criado em 2013 e com vistas à formação continuada de
professores da Educação Escolar Indígena).
CAPES, Observatórios da Educação Escolar Indígena e o Programa Institucional de Bolsa de
Iniciação à Docência para a Diversidade – PIBID Diversidade.
Programa de Apoio à Formação Superior e Licenciaturas Interculturais Indígenas –
PROLIND. Sucesso por criar novos cursos e apoiar os cursos existentes; sucesso por projetar
novos cursos e sucesso por investir em programas de permanência para alunos indígenas no
ensino superior.
OS ANOS 2000...
Digredindo...
...avançando.
16. HISTÓRIA DE VIDA. Indígena Kaiowá que se formou nos anos 2000: da
crítica ao antropólogo ao doutorado em Antropologia.
18. A RESERVA INDÍGENA DE
DOURADOS,
RID – ESCOLAS.
“O contorno externo mostra o perímetro aproximado da RID. Da direita para a
esquerda, o eixo central conecta a Missão Cauiá, com seu hospital e a escola
Francisco Meireles, o Núcleo de Atividades Múltiplas (NAM) do Jaguapiru, o escritório
da FUNAI, as escolas Tengatuí e Marçal de Sousa, o Centro Poliesportivo e a escola
Araporã [...] vale lembrar que o centro Poliesportivo está localizado no ponto de
divisão política entre as aldeias Jaguapiru e Bororó. Existem ainda três postos de saúde
ao longo do eixo central [...] o primeiro está localizado próximo ao NAM do Jaguapiru, o
segundo, ao lado da escola Tengatuí, e o terceiro, ao lado da escola Ara Porã. Ao lado
desta última escola, fica também o NAM do Bororó e o Centro de Referência em
Assistência Social (CRAS) Indígena. Dessa forma, é grande o número de agências que
atuam diretamente no interior da RID” (PEREIRA In CHAMORRO; COMBÈS, 2015, p.
784).
Entre os investimentos que Levi Marques Pereira constatou, foram prioritários
aqueles na área da educação:
Levi Marques Pereira, ao retraçar a conformação
territorial e realizar uma descrição da Reserva Indígena
de Dourados, RID, se referenciou por escolas:
“Em décadas passadas, existia muita carência de alimento e a fome imperava na RID. Nos
últimos anos, os governos implantaram vários programas sociais que asseguram o
fornecimento de cestas básicas, bem como outros programas de seguridade social, como
bolsa escola e auxílio maternidade”.
19. TESTEMUNHOS SOBRE TEMPOS DIFÍCEIS.
Testemunho do indígena Dario Massi de
Morais, da etnia Terena:
“Em décadas passadas, existia muita
carência de alimento e a fome imperava na
RID. Nos últimos anos, os governos
implantaram vários programas sociais
que asseguram o fornecimento de cestas
básicas, bem como outros programas de
seguridade social, como bolsa escola e
auxílio maternidade [...] Dessa forma,
estudei até o quarto ano na Missão.
Depois, comecei a fazer ginásio, aí já fui
para escola Menodora e vim terminar lá na
escola Presidente Vargas. Depois peguei
transferência e fui para Campo Grande.
Terminei o 2º ano lá, daí então é que parei!
Meu pai, na época, era pastor e por isso foi
excluído da aldeia. Só porque ele era
religioso. Então, o pessoal não admitia que
índio progredisse, né?”
Testemunho da indígena Eulália Lima
Ramos, da etnia Kaiowá:
“Meu nome é Eulália Lima Ramos. Sou
nascida em dezembro de 1945. Meu pai é
Gregorio Velaque e minha mãe Adelia Lima.
Fui estudante da Missão Caiuá e cresci na
aldeia Jaguapirú, né?! Cresci mas sou nativa
daqui. Minha vida, se eu for contar, é muito
grande! Grande mesmo! Estudei e, nos dez
anos de estudo [necessários para completar
o ensino médio], tenho [estudei] três
meses só. Porque a gente tinha nossa
chácara, fui criada na roça e não tinha tempo
de estudar. Não que nossos pais não
queriam nos colocar no colégio, só que não
tinha jeito para nós. Era muito longe a gente
estudava e a escola era nove quilômetros,
longe mesmo! Andando, andando a pé
então... Nesta época [quem] ia para a escola
é meu irmão”.
Testemunho da indígena Elizena Lima
Velaque, da etnia Guarani:
“Com 14 anos fui para Maracajú. Vivi um
ano e dois meses com meu marido lá.
Depois fugi, [...] não deu certo. Um mês e
15 dias depois amiguei com outro rapaz
e fui para Campo Grande [...] Quando
chegamos na cidade, o mais difícil, foi se
acostumar, porque não falamos o idioma
brasileiro, só falava o guarani. A língua do
branco foi o mais difícil [para] conviver no
meio deles, para falar do mesmo jeito
deles, pois as vezes falavam coisas que não
era da compreensão. A escola foi difícil,
muito difícil mesmo, porque o povo tirava
muito sarro da gente, só porque a gente
era índio!”.
“Em décadas passadas, existia
muita carência de alimento e a
fome imperava na RID.”
“Era muito longe a gente estudava e
a escola era nove quilômetros, longe
mesmo! Andando, andando a pé .” “A escola foi difícil, muito difícil mesmo,
porque o povo tirava muito sarro da
gente, só porque a gente era índio!”.