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GANGRENA DE FOURNIER
FOURNIER’S GANGRENE
João B Cardoso1
, Omar Féres2
1
Médico Assistente. Disciplina de Cirurgia de Urgência e Trauma. 2
Docente. Disciplina de Proctologia. Departamento de Cirurgia e
Anatomia. Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto – USP.
CORRESPONDÊNCIA: Centro de Estudos de Emergências em Saúde. Rua Bernardino de Campos, 1000 - 2º andar. 14015-030 Ribeirão
Preto – SP. e-mail: jobacar@yahoo.com
Cardoso JB, Féres O. Gangrena de Fournier. Medicina (Ribeirão Preto) 2007; 40 (4): 493-9, out./dez.
RESUMO: A Gangrena de Fournier é uma grave infecção polimicrobiana que evolui com fasciite
necrotizante, comprometendo principalmente as regiões genital, perineal e perianal. Caracteri-
za-se por rápida evolução e pode complicar com sepse, falência de múltiplos órgãos e óbito. A
base do tratamento é o diagnóstico precoce e o desbridamento agressivo. Antibioticoterapia de
amplo espectro, oxigenoterapia hiperbárica e cuidados locais são medidas complementares.
Descritores: Gangrena de Fournier. Infecção. Fasciite Necrosante. Sepse.
493
1- INTRODUÇÃO
A Gangrena de Fournier é uma infecção poli-
microbiana causada por microorganismos aeróbios e
anaeróbios que, atuando de maneira sinérgica, deter-
minam um fasciite necrotizante acometendo principal-
mente as regiões genital, perineal e perianal.1
Esse processo infeccioso através de uma en-
darterite obliterante leva à trombose dos vasos
cutâneos e subcutâneos e conseqüente necrose da pele
da região acometida.1,2,3
Sem tratamento, o processo pode não só esten-
der-se rapidamente à parede abdominal anterior, à
região dorsal, aos membros superiores e ao retroperi-
tônio bem como induzir à sepse, à falência de múlti-
plos órgãos e à morte.
Relatada pela primeira vez em 1764 por
Baurienne e referida na literatura com uma rica sino-
nímia recebeu o nome de Gangrena de Fournier em
homenagem ao urologista francês Jean Alfred Fournier
que a descreveu com detalhes em dois trabalhos pu-
blicados em 1863 e 1864.4,5,6
Considerada inicialmente um processo limitado
ao sexo masculino, idiopático e fulminante em sua des-
crição original hoje é uma entidade bem conhecida,
mas que ainda persiste com índices variáveis, porém
elevados de mortalidade, alcançando em algumas sé-
ries 40% a 67%.3,7,8,9
2- EPIDEMIOLOGIA
Embora originariamente descrita como uma
doença que afeta o indivíduo jovem do sexo masculi-
no, teve esse perfil mudado em descrições mais re-
centes.3
A doença, embora ocorra principalmente em
indivíduos do sexo masculino na proporção de 10 para
1, não é restrita aos indivíduos jovens, afetando todas
as faixas etárias, com média das idades ao redor dos
50 anos. 3,10,11
É uma doença relativamente incomum. Até
1984 estimava-se em 300 o número de casos descri-
tos na literatura.12
Contudo, tem sido motivo de publicações cons-
Medicina, Ribeirão Preto, Simpósio: CIRURGIA DE URGÊNCIA E TRAUMA - 2ª Parte
2007; 40 (4): 493-9, out./dez. Capítulo I
494
Gangrena de Fournier Medicina (Ribeirão Preto) 2007; 40 (4): 493-9, out./dez.
Cardoso JB, Féres O http://www.fmrp.usp.br/revista
tantes quer em artigos de revisão11
, quer como re-
lato de casos13/16
quer como estudos de casuísti-
cas2,3,7,10,11,17/24
das quais, uma das maiores, foi publi-
cada, em nosso meio, por Féres et al. que estudaram
88 casos em um período de 10 anos.17
Algumas doenças sistêmicas parecem ser fa-
tores de risco, para o desenvolvimento da gangrena,
entre estas o diabetes mellitus encontrado em 40 a
60 % dos pacientes, o alcoolismo encontrado em 25 a
50% dos casos, a hipertensão arterial, a obesidade, o
tabagismo e as doenças e condições imunossupresso-
ras como infecção pelo HIV, radio e quimioterapia,
leucemias, dentre outras. 2,9,10,17
Face ao número crescente de casos de infec-
ção pelo HIV na população alguns autores têm suge-
rido que a Gangrena de Fournier possa ser a primeira
manifestação de infecção pelo HIV recomendando a
pesquisa dessa infecção em pacientes que desenvol-
vem a gangrena sem um fator causal aparente.2,24
3- ETIOLOGIA
Inicialmente descrita como uma doença de cau-
sa desconhecida, sabe-se hoje que um processo pato-
lógico subjacente pode ser encontrado na maioria dos
casos de Gangrena de Fournier embora ainda em um
número expressivo dos pacientes a causa não possa
ser determinada.3,9,10,11,25
Portanto uma investigação cuidadosa pode de-
monstrar a porta de entrada que pode ser localizada,
sobretudo, no trato urogenital, no trato digestivo ou
em afecções cutâneas.11,12, 25
Focos no trato urogenital, descritos na literatu-
ra, incluem causas diversas: estenoses uretrais, son-
dagem vesical de demora, abscesso escrotal, orquites,
epididimites, abscesso renal, cateterização uretral trau-
mática, cálculos uretrais, cálculos vesicais, câncer ve-
sical, câncer de pênis, massagem prostática e biópsia
prostática. 2,3,8,10,26
No trato digestório foram relatados focos origi-
nários em abscessos perianais, carcinomas do cólon e
do reto, apendicites e diverticulites agudas, Doença
de Crohn, hérnias encarceradas, e perfuração do reto
por corpo estranho (osso de frango).11,19,25,27
Em artigo de revisão, abrangendo 1726 casos,
as afecções cutâneas lideram a sede dos focos de
infecção respondendo por 24 % dos casos.11
Entre estas se destacam as bartolinites, abs-
cessos subcutâneos superficiais e complicações de pro-
cedimentos cirúrgicos comuns e de porte relativamente
pequeno como vasectomia, hemorroidectomia,
orquiectomia, herniorrafia, cirurgia para correção de
hidrocele e postectomia 3,16
(Tabela I).
4- MICROBIOLOGIA
Diversos estudos demonstram que a Gangrena
de Fournier é uma infecção polimicrobiana, um ver-
dadeiro caldo de cultura onde são encontradas bacté-
rias aeróbias e anaeróbias que habitualmente não são
patogênicas, mas que associadas, e em condições fa-
voráveis, são devastadoras. 2,3,7,8,10,11,25,28
As culturas realizadas demonstram, em média,
a presença de quatro microorganismos por paciente 2
.
Os microrganismos mais freqüentemente iso-
lados entre os Gram negativos aeróbios são Esche-
richia coli, Klebsiella pneumoniae, Pseudomonas
aeruginosa e Proteus mirabilis.2,3,7,8,10,11,20,25
En-
Tabela I: Principais etiologias e locais de origem da Gangrena de Fournier. 2,3,8,10,11,16, 25,26,27
Trato digestório e anoretal Urogenital Cutâneo
Abscesso perianal Infecção periuretral Trauma
Carcinoma colo-retal Estenose uretral Vasectomia
Apendicite Câncer de bexiga Orquiectomia
Diverticulite Orquiepididimite Correção de hidrocele
Perfuração retal Biópsia de próstata Abscesso superficial de pele
Hemorroidectomia Cálculo uretral Herniorrafia
Doença de Crohn Cateterização uretral Abscessos de Bartholin
Biópsia retal Extravasamento peri-uretral de urina Circuncisão
Implante de prótese peniana
495
Medicina (Ribeirão Preto) 2007; 40 (4): 493-9, out./dez. Gangrena de Fournier
http://www.fmrp.usp.br/revista Cardoso JB, Féres O
tre os aeróbios Gram positivos destacam-se o Sta-
phylococcus aureus, o Staphylococcus epidermidis,
Streptococcus viridans e o Streptococcus fecalis.
2,3,7,8,10,11,20,25
Os anaeróbios estão representados pelo
Bacteróides fragilis, Bacteróides melaninogenicus,
cocos Gram positivos e Clostridium species (não
perfringens).2,3,7,8,10,11,20,25
Atuando de maneira sinérgica essas bactérias
agem através de diferentes mecanismos contribuindo
não só para a gravidade mas também, para a rápida
disseminação do processo.
Assim, a oclusão vascular é facilitada pela ação
de bactérias aeróbicas por agregação plaquetária, de
bactérias anaeróbias pela produção de heparinase e
pela ação indutora de trombose pela ação da endoto-
xina de bactérias Gram-negativas.2,25
Por outro lado a destruição tissular é promovi-
da pela ação direta da hialuronidase, produzida por
estreptococos, estafilococos e bacteróides, sobre o
tecido conjuntivo.2,25
A ação de outras enzimas como estreptoquina-
ses e estreptodornases produzidas por estreptococos
agravam ainda mais a destruição tissular.2,25
Ao inibir a fagocitose os bacteróides impedem
a destruição de microrganismos aeróbicos. A crepita-
ção é produzida pela produção de hidrogênio e nitro-
gênio por anaeróbios.2
5- QUADRO CLÍNICO
As manifestações mais freqüentes são dor,
eritema, edema e necrose do escroto ou região perianal
e perineal em associação com febre e calafrios 2,3,11
.
Por outro lado, a doença pode manifestar-se de ma-
neira insidiiosa ou como sepse.15
Outras manifestações locais incluem flictenas,
crepitação, cianose e secreção com forte e repulsivo
odor fétido.2,3,11,20
Deve-se lembrar que as manifestações cutâ-
neas constituem a “ponta do iceberg” uma vez que a
infecção alastra-se rápida e agressivamente ao longo
de planos fasciais profundos. 3
A falta de resposta ao tratamento adequado de
uma celulite é forte indício da presença da doença.2
A suspeita clínica deve ser levantada quando
essas manifestações aparecem em pacientes porta-
dores de condições predisponentes para instalação da
doença: diabetes, alcoolismo e imunodepressão lem-
brando que a Gangrena de Fournier pode ser a pri-
meira manifestação da infecção pelo HIV ou quando
as manifestações sistêmicas (febre, toxemia, prostra-
ção, taquicardia, dentre outros ) são desproporcionais
às manifestações locais.2,3,25
Pela localização mais
freqüente, são várias as possibilidades no diagnóstico
diferencial: celulite, hérnia estrangulada, abscesso de
escroto, fasciite estreptocócica necrotizante, herpes
simples, pioderma gangrenoso, necrose pelo warfarin,
dentre outros.2
Embora o diagnóstico possa ser feito em bases
clínicas na maioria dos pacientes, nos casos de dúvi-
da, a radiografia e ultra-sonografia podem demons-
trar a presença de gás e a tomografia é útil não só
para fechar o diagnóstico e definir a causa, mas tam-
bém para demonstrar a extensão da infecção.3
O tratamento precoce e agressivo é a única
chance de sobrevivência para o paciente. Não trata-
da ou tratada de maneira tímida e inadequada a Gan-
grena de Fournier leva à falência progressiva de ór-
gãos e sistemas e ao êxito letal.
6- TRATAMENTO
O tratamento clássico da Gangrena de Fournier
consiste na imediata correção dos distúrbios hidro-
eletrolíticos, ácido-base e hemodinâmicos, antibiotico-
terapia de largo espectro e desbridamento cirúrgico
de emergência. O objetivo do tratamento cirúrgico é
remover todo o tecido necrótico, interromper a pro-
gressão do processo infeccioso e minimizar os efeitos
tóxicos sistêmicos.20
A remoção de todo tecido necrótico nem sem-
pre pode ser feita em apenas um procedimento cirúr-
gico, exigindo em alguns casos, que o paciente seja
operado diversas vezes até o controle completo da
infecção. A literatura tem demonstrado que, em mé-
dia, três ou quatro procedimentos são necessários,
porém em casos mais avançados este número pode
ultrapassar de 15 procedimentos. 2
A extensão da ressecção do tecido necrótico,
até alcançar tecido viável, deve nortear o cirurgião
como objetivo a ser alcançado durante a realização
do ato cirúrgico 3
(Figura 1).
Alguns pacientes irão necessitar procedimen-
tos cirúrgicos complementares ao desbridamento. A
colostomia está indicada nas situações que facilitam a
contaminação fecal como incontinência anal, destrui-
ção esfinctérica pelo processo infeccioso ou perfura-
ção retal.3,29
Quando a urina for fator de contamina-
ção está indicada o cateterismo vesical e quando este
não é possível, a cistostomia.3
496
Gangrena de Fournier Medicina (Ribeirão Preto) 2007; 40 (4): 493-9, out./dez.
Cardoso JB, Féres O http://www.fmrp.usp.br/revista
Uma decisão crucial no tratamento cirúrgico se
apresenta quando os testículos são comprometidos
exigindo a orquiectomia. Esse cenário, devido a irri-
gação testicular independente, embora menos freqüen-
te, não é raro, com incidência de até 21% em algumas
casuísticas2
. Uma vez constatada a inviabilidade tes-
ticular pelo acometimento necrótico o momento e a
gravidade da situação não comportam hesitações im-
pondo-se a orquiectomia.
A antibioticoterapia é medida, embora coadju-
vante, de fundamental importância no tratamento dos
portadores de Gangrena de Fournier. A indicação do
antimicrobiano deve responder às questões: qual (ou
quais) quando e como.
O tratamento deve ser iniciado assim que o diag-
nóstico for estabelecido e paralelamente às providên-
cias para encaminhar o paciente ao centro cirúrgico.
O esquema terapêutico deve ser dirigido no
sentido de abranger uma flora polimicrobiana e inicia-
do em bases empíricas, até obter dos resultados obti-
dos a partir de material enviado para cultura.
Essas circunstâncias, considerando a gravida-
de da infecção, exigem a adoção de um esquema que
propicie cobertura adequada para aeróbios Gram ne-
gativos, anaeróbios e estreptococos. 9,25
Além disso, deve-se considerar a possibilidade
da presença de Clostridium tetani e adotar as medi-
das necessárias para sua prevenção e também a pos-
sibilidade de infecção por fungos. O esquema antibió-
tico mais recomendado é a combinação de penicilinas
(penicilina cristalina ou amoxacilina), metronidazol ou
clindamicina, e cefalosporina de terceira geração ou
aminoglicosídeos. Outras opções, que podem ser utili-
zados na forma de monoterapia, são as penicilinas com
inibidor de 2-lactamase ou carbapenêmicos.
Mesmo instituída a antibioticoterapia, o desbri-
damento cirúrgico jamais deve ser retardado, deven-
do ser extenso e repetitivo até se debelar todo o teci-
do necrótico e ter como limite os tecidos viáveis. Mui-
tas vezes são necessários vários procedimentos cirúr-
gicos para se controlar o processo de necrose. O san-
gramento intraoperatório pode ser um fator limitante
para que se interrompa a cirurgia.
Os cuidados locais com a ferida, uma vez con-
trolada a infecção também devem ser motivo de aten-
ção. Entre os agentes propostos para esse fim a litera-
tura tem suprido uma vasta relação que abrange subs-
tâncias diversas como a colagenase liofilizada (enzi-
ma que digere tecido necrótico), carvão ativado, açú-
car, mel, papaína, hidróxido de magnésio entre outros.20
Figura 1: Extensão do desbridamento necessário para o controle da infecção inicialmente localizada no períneo (bartolinite).
A foto mostra o paciente em posição de litotomia
497
Medicina (Ribeirão Preto) 2007; 40 (4): 493-9, out./dez. Gangrena de Fournier
http://www.fmrp.usp.br/revista Cardoso JB, Féres O
Figura 2: Aspectos evolutivos do tratamento da Gangrena de Fournier mediante tratamento codjuvante com a oxigenioterapia
hiperbárica.
dos apesar de extenso desbridamento e naqueles com
evidência clínica e radiológica de infecção por anae-
róbio (Figura 2).
As sessões de oxigenoterapia hiperbárica de-
vem ser diárias com 2 horas de duração com pressão
de 2,4 ATA por um período médio de 10 a 15 sesssões
dependendo da evolução. Os casos críticos em sepse,
internados na UTI, mesmo na vigência de ventilação
mecânica e uso de drogas vasoativas, podem ser pres-
surizados e apresentam benefício com o tratamento.31
Com o uso da oxigenoterapia hiperbárica, al-
guns autores alegam que a mínima remoção de teci-
dos necróticos e pequenas incisões para drenagem
seriam suficientes para controlar o processo, não al-
terando a sobrevida.32
8- FATORES PROGNÓSTICOS
Mesmo com desbridamento extenso e antibio-
ticoterapia adequada os índices de óbitos permane-
cem elevados o que levou alguns autores a tentar iden-
tificar e validar fatores que possam predispor à maior
mortalidade.8,17,19,22,28
Entretanto, as conclusões desses trabalhos não
são consensuais.
Um estudo concluiu que o tempo decorrido en-
tre o início da doença e o tratamento cirúrgico era o
fator mais importante na indução de mortalidade.19
Independente da substância aplicada, a experiência
mostra que o principal aspecto relevante no curativo é
a limpeza mecânica com soro fisiológico e até com
água e sabão neutro.
7- OXIGENOTERAPIA HIPERBÁRICA
Pelo papel proeminente das bactérias anaeróbi-
cas na fisiopatologia, vários autores recomendam a
utilização de oxigenação hiperbárica como um trata-
mento coadjuvante para esse tipo de infecção. Suge-
re-se que o uso da terapia hiperbárica pode diminuir a
extensão da necrose e reduzir os índices de mortalida-
de e morbidade.2,3,30
Essa terapia tem efeito facilita-
dor na cicatrização de feridas e acelera a recupera-
ção após desbridamento, reduzindo inclusive a neces-
sidade de desbridamentos sucessivos.
A oxigenoterapia hiperbárica exerce um efeito
antibacteriano direto sobre os anaeróbios e a atividade
de endotoxinas é reduzida na presença de níveis teci-
duais elevados de oxigênio. Benefícios atribuídos a este
tratamento incluem a melhora na ação fagocitária dos
neutrófilos, aumento da proliferação dos fibroblastos
e da angiogênese, redução do edema devido à vaso-
constricção, aumento do transporte intracelular de
antibióticos e síntese de radicais livres de oxigênio.
Assim, este tratamento está indicado nos pacientes
com Gangrena de Fournier que permaneçam toxemia-
498
Gangrena de Fournier Medicina (Ribeirão Preto) 2007; 40 (4): 493-9, out./dez.
Cardoso JB, Féres O http://www.fmrp.usp.br/revista
Um outro estudo também conclui que a dura-
ção dos sintomas do início do quadro até a internação
é um fator contribuinte para a mortalidade e assinala
a localização ano retal, a insuficiência renal e a exten-
são da gangrena como outros fatores importantes.10
Correlação entre a extensão da doença e os
índices de mortalidade na Gangrena de Fournier foi
a conclusão do trabalho de Féres et al. que propuse-
ram uma classificação anatômica que abrange quatro
grupos cujas características estão especificada na Ta-
bela II.17
Um outro trabalho, analisando vários fatores,
pontuando alterações fisiológicas e baseando-se em
uma modificação do APACHE II, concluiu que o prin-
cipal fator influindo na mortalidade era o conjunto de
alterações fisiológicas que podem ser agrupadas no
que os autores denominaram de Índice de Gravidade
da Gangrena de Fournier (IGGF).22
Confirmação da validade do IGGF foi estabe-
lecida em dois estudos33,34
porém questionada em um
terceiro que concluiu que esse índice pode não refletir
a gravidade da doença.22
Portanto, embora ainda não consensual, os prin-
cipais fatores relacionados com a mortalidade na Gan-
grena de Fournier parecem ser: tempo decorrido en-
tre o início da doença e o tratamento cirúrgico, uso
precoce da oxigenoterapia hiperbárica32
extensão da
necrose e repercussões sistêmicas representadas por
alterações fisiológicas refletindo o impacto da doença
sobre o paciente.
Tabela II: Classificação anatômica da extensão da área de necrose e correlação com mortalidade (Féres et al.
2001) 9
Grupos Descrição Mortalidade (%)
Grupo I Necrose do períneo anterior, escroto e pênis ou vulva. 12,5
Grupo II Grupo I + períneo posterior, região perianal até 7 cm de diâmetro,
reto e gordura periretal. 34
Grupo III Grupo II + região sacral, glúteo, região inguinal e necrose do pênis. 37
GrupoIV Grupo III + parede abdominal, região suprapúbica, flanco, parede
torácica, região axilar e retro peritônio. 68,75
Cardoso JB, Féres O. Fournier’s Gangrene. Medicina (Ribeirão Preto) 2007; 40 (4): 493-9, oct./dec.
ABSTRACT: Fournier´s gangrene is a serious infectious disease caused by multiple
microorganisms leading to a necrotizing fasciitis of the genitals and perineum. With a rapid and
progressive evolution can complicate with sepsis, multiple organ failure and death. Treatment is
mainly based in early diagnosis and aggressive and extensive debridment, broadspectrum
antibiotics, hyperbaric oxygen therapy, and local wound care are coadjuvants.
Keywords: Fournier Gangrene. Infection; Fasciitis, Necrotizing. Sepsis.
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res de lesões teciduais. revisão de 1506 casos. [Tese de
Doutorado], São Paulo: Faculdade de Medicina - USP; 2004.
33 - Yeniol CO, Suelozgen T, Arslan M, Ayder AR Fournier´s
gangrene: experience with 25 patients and use of Fournier´s
Gangrene Severity Index Score. Urology 2004; 64: 218-22.
34 - Laor E, Palmer LS, Tolia BM, Reid RE Winter HI. Outcome
prediction in patients with Fournier´s Gangrene. J Urol 1995;
154: 89-92.
Recebido em 29/06/2007
Aprovado em 31/08/2007

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1 gangrena de fournier

  • 1. GANGRENA DE FOURNIER FOURNIER’S GANGRENE João B Cardoso1 , Omar Féres2 1 Médico Assistente. Disciplina de Cirurgia de Urgência e Trauma. 2 Docente. Disciplina de Proctologia. Departamento de Cirurgia e Anatomia. Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto – USP. CORRESPONDÊNCIA: Centro de Estudos de Emergências em Saúde. Rua Bernardino de Campos, 1000 - 2º andar. 14015-030 Ribeirão Preto – SP. e-mail: jobacar@yahoo.com Cardoso JB, Féres O. Gangrena de Fournier. Medicina (Ribeirão Preto) 2007; 40 (4): 493-9, out./dez. RESUMO: A Gangrena de Fournier é uma grave infecção polimicrobiana que evolui com fasciite necrotizante, comprometendo principalmente as regiões genital, perineal e perianal. Caracteri- za-se por rápida evolução e pode complicar com sepse, falência de múltiplos órgãos e óbito. A base do tratamento é o diagnóstico precoce e o desbridamento agressivo. Antibioticoterapia de amplo espectro, oxigenoterapia hiperbárica e cuidados locais são medidas complementares. Descritores: Gangrena de Fournier. Infecção. Fasciite Necrosante. Sepse. 493 1- INTRODUÇÃO A Gangrena de Fournier é uma infecção poli- microbiana causada por microorganismos aeróbios e anaeróbios que, atuando de maneira sinérgica, deter- minam um fasciite necrotizante acometendo principal- mente as regiões genital, perineal e perianal.1 Esse processo infeccioso através de uma en- darterite obliterante leva à trombose dos vasos cutâneos e subcutâneos e conseqüente necrose da pele da região acometida.1,2,3 Sem tratamento, o processo pode não só esten- der-se rapidamente à parede abdominal anterior, à região dorsal, aos membros superiores e ao retroperi- tônio bem como induzir à sepse, à falência de múlti- plos órgãos e à morte. Relatada pela primeira vez em 1764 por Baurienne e referida na literatura com uma rica sino- nímia recebeu o nome de Gangrena de Fournier em homenagem ao urologista francês Jean Alfred Fournier que a descreveu com detalhes em dois trabalhos pu- blicados em 1863 e 1864.4,5,6 Considerada inicialmente um processo limitado ao sexo masculino, idiopático e fulminante em sua des- crição original hoje é uma entidade bem conhecida, mas que ainda persiste com índices variáveis, porém elevados de mortalidade, alcançando em algumas sé- ries 40% a 67%.3,7,8,9 2- EPIDEMIOLOGIA Embora originariamente descrita como uma doença que afeta o indivíduo jovem do sexo masculi- no, teve esse perfil mudado em descrições mais re- centes.3 A doença, embora ocorra principalmente em indivíduos do sexo masculino na proporção de 10 para 1, não é restrita aos indivíduos jovens, afetando todas as faixas etárias, com média das idades ao redor dos 50 anos. 3,10,11 É uma doença relativamente incomum. Até 1984 estimava-se em 300 o número de casos descri- tos na literatura.12 Contudo, tem sido motivo de publicações cons- Medicina, Ribeirão Preto, Simpósio: CIRURGIA DE URGÊNCIA E TRAUMA - 2ª Parte 2007; 40 (4): 493-9, out./dez. Capítulo I
  • 2. 494 Gangrena de Fournier Medicina (Ribeirão Preto) 2007; 40 (4): 493-9, out./dez. Cardoso JB, Féres O http://www.fmrp.usp.br/revista tantes quer em artigos de revisão11 , quer como re- lato de casos13/16 quer como estudos de casuísti- cas2,3,7,10,11,17/24 das quais, uma das maiores, foi publi- cada, em nosso meio, por Féres et al. que estudaram 88 casos em um período de 10 anos.17 Algumas doenças sistêmicas parecem ser fa- tores de risco, para o desenvolvimento da gangrena, entre estas o diabetes mellitus encontrado em 40 a 60 % dos pacientes, o alcoolismo encontrado em 25 a 50% dos casos, a hipertensão arterial, a obesidade, o tabagismo e as doenças e condições imunossupresso- ras como infecção pelo HIV, radio e quimioterapia, leucemias, dentre outras. 2,9,10,17 Face ao número crescente de casos de infec- ção pelo HIV na população alguns autores têm suge- rido que a Gangrena de Fournier possa ser a primeira manifestação de infecção pelo HIV recomendando a pesquisa dessa infecção em pacientes que desenvol- vem a gangrena sem um fator causal aparente.2,24 3- ETIOLOGIA Inicialmente descrita como uma doença de cau- sa desconhecida, sabe-se hoje que um processo pato- lógico subjacente pode ser encontrado na maioria dos casos de Gangrena de Fournier embora ainda em um número expressivo dos pacientes a causa não possa ser determinada.3,9,10,11,25 Portanto uma investigação cuidadosa pode de- monstrar a porta de entrada que pode ser localizada, sobretudo, no trato urogenital, no trato digestivo ou em afecções cutâneas.11,12, 25 Focos no trato urogenital, descritos na literatu- ra, incluem causas diversas: estenoses uretrais, son- dagem vesical de demora, abscesso escrotal, orquites, epididimites, abscesso renal, cateterização uretral trau- mática, cálculos uretrais, cálculos vesicais, câncer ve- sical, câncer de pênis, massagem prostática e biópsia prostática. 2,3,8,10,26 No trato digestório foram relatados focos origi- nários em abscessos perianais, carcinomas do cólon e do reto, apendicites e diverticulites agudas, Doença de Crohn, hérnias encarceradas, e perfuração do reto por corpo estranho (osso de frango).11,19,25,27 Em artigo de revisão, abrangendo 1726 casos, as afecções cutâneas lideram a sede dos focos de infecção respondendo por 24 % dos casos.11 Entre estas se destacam as bartolinites, abs- cessos subcutâneos superficiais e complicações de pro- cedimentos cirúrgicos comuns e de porte relativamente pequeno como vasectomia, hemorroidectomia, orquiectomia, herniorrafia, cirurgia para correção de hidrocele e postectomia 3,16 (Tabela I). 4- MICROBIOLOGIA Diversos estudos demonstram que a Gangrena de Fournier é uma infecção polimicrobiana, um ver- dadeiro caldo de cultura onde são encontradas bacté- rias aeróbias e anaeróbias que habitualmente não são patogênicas, mas que associadas, e em condições fa- voráveis, são devastadoras. 2,3,7,8,10,11,25,28 As culturas realizadas demonstram, em média, a presença de quatro microorganismos por paciente 2 . Os microrganismos mais freqüentemente iso- lados entre os Gram negativos aeróbios são Esche- richia coli, Klebsiella pneumoniae, Pseudomonas aeruginosa e Proteus mirabilis.2,3,7,8,10,11,20,25 En- Tabela I: Principais etiologias e locais de origem da Gangrena de Fournier. 2,3,8,10,11,16, 25,26,27 Trato digestório e anoretal Urogenital Cutâneo Abscesso perianal Infecção periuretral Trauma Carcinoma colo-retal Estenose uretral Vasectomia Apendicite Câncer de bexiga Orquiectomia Diverticulite Orquiepididimite Correção de hidrocele Perfuração retal Biópsia de próstata Abscesso superficial de pele Hemorroidectomia Cálculo uretral Herniorrafia Doença de Crohn Cateterização uretral Abscessos de Bartholin Biópsia retal Extravasamento peri-uretral de urina Circuncisão Implante de prótese peniana
  • 3. 495 Medicina (Ribeirão Preto) 2007; 40 (4): 493-9, out./dez. Gangrena de Fournier http://www.fmrp.usp.br/revista Cardoso JB, Féres O tre os aeróbios Gram positivos destacam-se o Sta- phylococcus aureus, o Staphylococcus epidermidis, Streptococcus viridans e o Streptococcus fecalis. 2,3,7,8,10,11,20,25 Os anaeróbios estão representados pelo Bacteróides fragilis, Bacteróides melaninogenicus, cocos Gram positivos e Clostridium species (não perfringens).2,3,7,8,10,11,20,25 Atuando de maneira sinérgica essas bactérias agem através de diferentes mecanismos contribuindo não só para a gravidade mas também, para a rápida disseminação do processo. Assim, a oclusão vascular é facilitada pela ação de bactérias aeróbicas por agregação plaquetária, de bactérias anaeróbias pela produção de heparinase e pela ação indutora de trombose pela ação da endoto- xina de bactérias Gram-negativas.2,25 Por outro lado a destruição tissular é promovi- da pela ação direta da hialuronidase, produzida por estreptococos, estafilococos e bacteróides, sobre o tecido conjuntivo.2,25 A ação de outras enzimas como estreptoquina- ses e estreptodornases produzidas por estreptococos agravam ainda mais a destruição tissular.2,25 Ao inibir a fagocitose os bacteróides impedem a destruição de microrganismos aeróbicos. A crepita- ção é produzida pela produção de hidrogênio e nitro- gênio por anaeróbios.2 5- QUADRO CLÍNICO As manifestações mais freqüentes são dor, eritema, edema e necrose do escroto ou região perianal e perineal em associação com febre e calafrios 2,3,11 . Por outro lado, a doença pode manifestar-se de ma- neira insidiiosa ou como sepse.15 Outras manifestações locais incluem flictenas, crepitação, cianose e secreção com forte e repulsivo odor fétido.2,3,11,20 Deve-se lembrar que as manifestações cutâ- neas constituem a “ponta do iceberg” uma vez que a infecção alastra-se rápida e agressivamente ao longo de planos fasciais profundos. 3 A falta de resposta ao tratamento adequado de uma celulite é forte indício da presença da doença.2 A suspeita clínica deve ser levantada quando essas manifestações aparecem em pacientes porta- dores de condições predisponentes para instalação da doença: diabetes, alcoolismo e imunodepressão lem- brando que a Gangrena de Fournier pode ser a pri- meira manifestação da infecção pelo HIV ou quando as manifestações sistêmicas (febre, toxemia, prostra- ção, taquicardia, dentre outros ) são desproporcionais às manifestações locais.2,3,25 Pela localização mais freqüente, são várias as possibilidades no diagnóstico diferencial: celulite, hérnia estrangulada, abscesso de escroto, fasciite estreptocócica necrotizante, herpes simples, pioderma gangrenoso, necrose pelo warfarin, dentre outros.2 Embora o diagnóstico possa ser feito em bases clínicas na maioria dos pacientes, nos casos de dúvi- da, a radiografia e ultra-sonografia podem demons- trar a presença de gás e a tomografia é útil não só para fechar o diagnóstico e definir a causa, mas tam- bém para demonstrar a extensão da infecção.3 O tratamento precoce e agressivo é a única chance de sobrevivência para o paciente. Não trata- da ou tratada de maneira tímida e inadequada a Gan- grena de Fournier leva à falência progressiva de ór- gãos e sistemas e ao êxito letal. 6- TRATAMENTO O tratamento clássico da Gangrena de Fournier consiste na imediata correção dos distúrbios hidro- eletrolíticos, ácido-base e hemodinâmicos, antibiotico- terapia de largo espectro e desbridamento cirúrgico de emergência. O objetivo do tratamento cirúrgico é remover todo o tecido necrótico, interromper a pro- gressão do processo infeccioso e minimizar os efeitos tóxicos sistêmicos.20 A remoção de todo tecido necrótico nem sem- pre pode ser feita em apenas um procedimento cirúr- gico, exigindo em alguns casos, que o paciente seja operado diversas vezes até o controle completo da infecção. A literatura tem demonstrado que, em mé- dia, três ou quatro procedimentos são necessários, porém em casos mais avançados este número pode ultrapassar de 15 procedimentos. 2 A extensão da ressecção do tecido necrótico, até alcançar tecido viável, deve nortear o cirurgião como objetivo a ser alcançado durante a realização do ato cirúrgico 3 (Figura 1). Alguns pacientes irão necessitar procedimen- tos cirúrgicos complementares ao desbridamento. A colostomia está indicada nas situações que facilitam a contaminação fecal como incontinência anal, destrui- ção esfinctérica pelo processo infeccioso ou perfura- ção retal.3,29 Quando a urina for fator de contamina- ção está indicada o cateterismo vesical e quando este não é possível, a cistostomia.3
  • 4. 496 Gangrena de Fournier Medicina (Ribeirão Preto) 2007; 40 (4): 493-9, out./dez. Cardoso JB, Féres O http://www.fmrp.usp.br/revista Uma decisão crucial no tratamento cirúrgico se apresenta quando os testículos são comprometidos exigindo a orquiectomia. Esse cenário, devido a irri- gação testicular independente, embora menos freqüen- te, não é raro, com incidência de até 21% em algumas casuísticas2 . Uma vez constatada a inviabilidade tes- ticular pelo acometimento necrótico o momento e a gravidade da situação não comportam hesitações im- pondo-se a orquiectomia. A antibioticoterapia é medida, embora coadju- vante, de fundamental importância no tratamento dos portadores de Gangrena de Fournier. A indicação do antimicrobiano deve responder às questões: qual (ou quais) quando e como. O tratamento deve ser iniciado assim que o diag- nóstico for estabelecido e paralelamente às providên- cias para encaminhar o paciente ao centro cirúrgico. O esquema terapêutico deve ser dirigido no sentido de abranger uma flora polimicrobiana e inicia- do em bases empíricas, até obter dos resultados obti- dos a partir de material enviado para cultura. Essas circunstâncias, considerando a gravida- de da infecção, exigem a adoção de um esquema que propicie cobertura adequada para aeróbios Gram ne- gativos, anaeróbios e estreptococos. 9,25 Além disso, deve-se considerar a possibilidade da presença de Clostridium tetani e adotar as medi- das necessárias para sua prevenção e também a pos- sibilidade de infecção por fungos. O esquema antibió- tico mais recomendado é a combinação de penicilinas (penicilina cristalina ou amoxacilina), metronidazol ou clindamicina, e cefalosporina de terceira geração ou aminoglicosídeos. Outras opções, que podem ser utili- zados na forma de monoterapia, são as penicilinas com inibidor de 2-lactamase ou carbapenêmicos. Mesmo instituída a antibioticoterapia, o desbri- damento cirúrgico jamais deve ser retardado, deven- do ser extenso e repetitivo até se debelar todo o teci- do necrótico e ter como limite os tecidos viáveis. Mui- tas vezes são necessários vários procedimentos cirúr- gicos para se controlar o processo de necrose. O san- gramento intraoperatório pode ser um fator limitante para que se interrompa a cirurgia. Os cuidados locais com a ferida, uma vez con- trolada a infecção também devem ser motivo de aten- ção. Entre os agentes propostos para esse fim a litera- tura tem suprido uma vasta relação que abrange subs- tâncias diversas como a colagenase liofilizada (enzi- ma que digere tecido necrótico), carvão ativado, açú- car, mel, papaína, hidróxido de magnésio entre outros.20 Figura 1: Extensão do desbridamento necessário para o controle da infecção inicialmente localizada no períneo (bartolinite). A foto mostra o paciente em posição de litotomia
  • 5. 497 Medicina (Ribeirão Preto) 2007; 40 (4): 493-9, out./dez. Gangrena de Fournier http://www.fmrp.usp.br/revista Cardoso JB, Féres O Figura 2: Aspectos evolutivos do tratamento da Gangrena de Fournier mediante tratamento codjuvante com a oxigenioterapia hiperbárica. dos apesar de extenso desbridamento e naqueles com evidência clínica e radiológica de infecção por anae- róbio (Figura 2). As sessões de oxigenoterapia hiperbárica de- vem ser diárias com 2 horas de duração com pressão de 2,4 ATA por um período médio de 10 a 15 sesssões dependendo da evolução. Os casos críticos em sepse, internados na UTI, mesmo na vigência de ventilação mecânica e uso de drogas vasoativas, podem ser pres- surizados e apresentam benefício com o tratamento.31 Com o uso da oxigenoterapia hiperbárica, al- guns autores alegam que a mínima remoção de teci- dos necróticos e pequenas incisões para drenagem seriam suficientes para controlar o processo, não al- terando a sobrevida.32 8- FATORES PROGNÓSTICOS Mesmo com desbridamento extenso e antibio- ticoterapia adequada os índices de óbitos permane- cem elevados o que levou alguns autores a tentar iden- tificar e validar fatores que possam predispor à maior mortalidade.8,17,19,22,28 Entretanto, as conclusões desses trabalhos não são consensuais. Um estudo concluiu que o tempo decorrido en- tre o início da doença e o tratamento cirúrgico era o fator mais importante na indução de mortalidade.19 Independente da substância aplicada, a experiência mostra que o principal aspecto relevante no curativo é a limpeza mecânica com soro fisiológico e até com água e sabão neutro. 7- OXIGENOTERAPIA HIPERBÁRICA Pelo papel proeminente das bactérias anaeróbi- cas na fisiopatologia, vários autores recomendam a utilização de oxigenação hiperbárica como um trata- mento coadjuvante para esse tipo de infecção. Suge- re-se que o uso da terapia hiperbárica pode diminuir a extensão da necrose e reduzir os índices de mortalida- de e morbidade.2,3,30 Essa terapia tem efeito facilita- dor na cicatrização de feridas e acelera a recupera- ção após desbridamento, reduzindo inclusive a neces- sidade de desbridamentos sucessivos. A oxigenoterapia hiperbárica exerce um efeito antibacteriano direto sobre os anaeróbios e a atividade de endotoxinas é reduzida na presença de níveis teci- duais elevados de oxigênio. Benefícios atribuídos a este tratamento incluem a melhora na ação fagocitária dos neutrófilos, aumento da proliferação dos fibroblastos e da angiogênese, redução do edema devido à vaso- constricção, aumento do transporte intracelular de antibióticos e síntese de radicais livres de oxigênio. Assim, este tratamento está indicado nos pacientes com Gangrena de Fournier que permaneçam toxemia-
  • 6. 498 Gangrena de Fournier Medicina (Ribeirão Preto) 2007; 40 (4): 493-9, out./dez. Cardoso JB, Féres O http://www.fmrp.usp.br/revista Um outro estudo também conclui que a dura- ção dos sintomas do início do quadro até a internação é um fator contribuinte para a mortalidade e assinala a localização ano retal, a insuficiência renal e a exten- são da gangrena como outros fatores importantes.10 Correlação entre a extensão da doença e os índices de mortalidade na Gangrena de Fournier foi a conclusão do trabalho de Féres et al. que propuse- ram uma classificação anatômica que abrange quatro grupos cujas características estão especificada na Ta- bela II.17 Um outro trabalho, analisando vários fatores, pontuando alterações fisiológicas e baseando-se em uma modificação do APACHE II, concluiu que o prin- cipal fator influindo na mortalidade era o conjunto de alterações fisiológicas que podem ser agrupadas no que os autores denominaram de Índice de Gravidade da Gangrena de Fournier (IGGF).22 Confirmação da validade do IGGF foi estabe- lecida em dois estudos33,34 porém questionada em um terceiro que concluiu que esse índice pode não refletir a gravidade da doença.22 Portanto, embora ainda não consensual, os prin- cipais fatores relacionados com a mortalidade na Gan- grena de Fournier parecem ser: tempo decorrido en- tre o início da doença e o tratamento cirúrgico, uso precoce da oxigenoterapia hiperbárica32 extensão da necrose e repercussões sistêmicas representadas por alterações fisiológicas refletindo o impacto da doença sobre o paciente. Tabela II: Classificação anatômica da extensão da área de necrose e correlação com mortalidade (Féres et al. 2001) 9 Grupos Descrição Mortalidade (%) Grupo I Necrose do períneo anterior, escroto e pênis ou vulva. 12,5 Grupo II Grupo I + períneo posterior, região perianal até 7 cm de diâmetro, reto e gordura periretal. 34 Grupo III Grupo II + região sacral, glúteo, região inguinal e necrose do pênis. 37 GrupoIV Grupo III + parede abdominal, região suprapúbica, flanco, parede torácica, região axilar e retro peritônio. 68,75 Cardoso JB, Féres O. Fournier’s Gangrene. Medicina (Ribeirão Preto) 2007; 40 (4): 493-9, oct./dec. ABSTRACT: Fournier´s gangrene is a serious infectious disease caused by multiple microorganisms leading to a necrotizing fasciitis of the genitals and perineum. With a rapid and progressive evolution can complicate with sepsis, multiple organ failure and death. Treatment is mainly based in early diagnosis and aggressive and extensive debridment, broadspectrum antibiotics, hyperbaric oxygen therapy, and local wound care are coadjuvants. Keywords: Fournier Gangrene. Infection; Fasciitis, Necrotizing. Sepsis. REFERÊNCIAS 1 - Laucks SS. Fournier´s gangrene. Surg Clin North Am 1994; 74: 1339-52. 2 - Smith GL, Bunker CB, Dinneen MD. Fournier´s gangrene. Br J Urol 1998; 81: 347-55. 3 - Yaghan RJ, Al-Jaberi TM, Bani-Hani I. Fournier´s gangrene. Changing face of the disease. Dis Colon Rectum 2000; 1300-8. 4 - Stephens BJ, Lathrop JC, Rice WT, Gruenberg JC. Fournier´s gangrene: historic (1764 – 1978) versus contemporary (1979 – 1988) differences in etiology and clinical importance. Am Surg 1993; 59: 149-54.
  • 7. 499 Medicina (Ribeirão Preto) 2007; 40 (4): 493-9, out./dez. Gangrena de Fournier http://www.fmrp.usp.br/revista Cardoso JB, Féres O 5 - Fournier JA. Gangrene foudroyante de la verge. Med Prat 1883; 4: 589-97. 6 - Fournier JA Étude clinique de la gangrene foudroyante de la verge. Sem Med 1884; 4: 69. 7 - Yanar H, Taviloglu K, Ertekin C, Guloglu R, Zorba U, Cabioglu N, Baspinar I. Fournier´s Gangrene : Risk factors and strat- egies for management. World J Surg 2006; 30: 1750-4. 8 - Jeong HJ, Park SC, Seo IY, Rim JS. Prognostic factors in Fournier gangrene. Int J Urol 2005; 12: 1041-4 9 - Norton KS, Johnson LW, Perry T, Perry KH, Sehon JK, Zibary GB. Management of Fournier´s gangrene: an eleven year retrospective analysis of early recognition, diagnosis, and treatment. Am Surg 2002; 68: 709-13. 10 - Safioleas M, Stamatakos M, Mouxopoulos G, Diaba A, Kontzoglou K, Papachirstodoulou A. Fournier´s gangrene: exists and it is still lethal. Int Urol Nephrol 2006; 38: 653-7. 11 - Eke N. Fournier´s gangrene: a review of 1726 cases. Br J Surg 2000; 87: 718-28. 12 - Spirnak JP, Resnick MI, Hampel N, Persky L. Fournier´s gan- grene: report of 20 patients. J Urol 1984;131: 289-91. 13 - Uppot RN, Levy HM, Patel PH. Case 54: Fournier Gangrene. Radiology 2003; 226:115-7. 14 - Tran HA, Hart AM. Fournier´s gangrene. Intern Med J 2005; 36: 200-1. 15 - Rotondo N. Fournier´s gangrene: An unusual presentation of sepsis. J Emerg Med 2002; 23: 413-4. 16 - Lehnhardt M, Steinstraesser L, Druecke D, Muehlberger T, Steinau HU, Homann HH. Fournier´s gangrene after milligan- morgan hemorrhoidectomy requiring subsequent abdomi- noperineal resection of the rectum: report of a case. Dis Colon Rectum 2004; 47: 1729-33. 17 - Féres O, Andrade JI, Rocha JJR, Aprilli F. Fournier´s gan- grene: a new anatomic classification. In: Reis Neto JA, edi- tor. Proceedings of the 18th Biennial Congress of the Inter- national Society of University Colon and Rectal Surgeons; 2000 July 23-26; São Paulo, Brazil. Bologna: Monduzzi Editore; 2000. p. 103-7. 18 - Clayton MD, Fowler JE, Sharifi R. Causes, presentation and survival of 57 patients with necrotizing fasciitis of the male genitalia. Surg Gynaecol Obstet 1990;170: 49-55. 19 - Korkut M, Icoz G, Dayangac M, Akgun E, Yeniay L, Erdogan O, Cal C. Outcome analysis in patients with Fournier´s gan- grene. Report of 45 cases. Dis Colon Rectum 2003; 46: 649-52. 20 - Atakan IH, Kaplan M, Kaya Esat, Aktoz T, Inci O. A life- threating infection: Fournier´s gangrene. Int Urol Nephrol 2002; 34: 387-92. 21 - Nomikos IN. Necrotizing perineal infections (Fournier´s dis- ease): old remedies for an old disease. Int J Colorect Dis 1998; 13: 48-51. 22 - Tuncel A, Aydin O, Tekdogan U, Nalcacioglu V, Capar Y, Atan A. Foournier´s gangrene: three years of experience with 20 patiens and validity of the Fournier´s gangrene Severity Index Score. Eur Urol 2006; 50: 838-43. 23 - Ochiai T, Ohta K, Takahashi M, Yamazaki S, Iwai T. Fournier´s gangrene: report of six cases. Surg Today 2002; 31: 553-6. 24 - McKay TC, Waters WB. Fournier’s gangrene as the present- ing sign of an undiagnosed human immunodeficiency virus infection. J Urol 1994;152: 1552-4. 25 - Quatan N, Kirby RS. Improving outcomes in Fournier´s gan- grene. BJU Int 2004; 93: 691-2. 26 - Morpurgo E, Galandiuk S. Fournier´s gangrene. Surg Clin Nort Am 2002; 82: 1213-24. 27 - Moreira C, Wongpakdee S, Gennaro A. A foreign body (chicken bone) in the rectum causing perirectal and scrotal abscess. Dis Colon Rectum 1975; 18: 407-9. 28 - Laor E, Palmer LS, Tolia BM, Reid RE Winter HI. Outcome prediction in patients with Fournier´s gangrene. J Urol 1995; 154: 89-92. 29 - Murakami M, Okamura K, Hayashi M, Minoh S, Morishige I, Hamano K Fournier´s gangrene treated by simultaneously using colostomy and open drainage. J Infect. 2006; 53: 15- 8. 30 - Mindrup SR,Kealey GP, Fallon B. Hyperbaric oxygen for the treatment of Fournier’s gangrene. J Urol 2005; 173: 1975-7. 31 - Korhonen K, Hirn M,Niinikoski J. Hyperbaric oxygen in the treatment of Fournier’s gangrene. Eur J Surg 1998; 164: 251-5. 32 - Dias MD. Oxigenoterapia hiperbárica em pacientes portado- res de lesões teciduais. revisão de 1506 casos. [Tese de Doutorado], São Paulo: Faculdade de Medicina - USP; 2004. 33 - Yeniol CO, Suelozgen T, Arslan M, Ayder AR Fournier´s gangrene: experience with 25 patients and use of Fournier´s Gangrene Severity Index Score. Urology 2004; 64: 218-22. 34 - Laor E, Palmer LS, Tolia BM, Reid RE Winter HI. Outcome prediction in patients with Fournier´s Gangrene. J Urol 1995; 154: 89-92. Recebido em 29/06/2007 Aprovado em 31/08/2007