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Artigo bioterra v21_n1_05
1. REVISTA DE BIOLOGIA E CIÊNCIAS DA TERRA ISSN 1519-5228
Volume 21 - Número 1 - 1º Semestre 2021
PRESENÇA DE RAMPHASTIDAE VIGORS, 1825 DERIVADO DE ATIVIDADE DE
CAÇA DA SOCIEDADE AWÁ-GUAJÁ DO ESTADO DO MARANHÃO
Artur Chahud*
RESUMO
A Sociedade Etnográfica Awá-Guajá, um dos últimos povos de caçadores coletores da Amazônia,
possui grande envolvimento com a fauna de vertebrados, tanto para consumo quanto para atividades
ritualísticas. Uma coleção osteológica recuperada de depósitos de descarte contém significativa
diversidade faunística. As aves estão entre os principais grupos encontrados, destes os Ramphastidae
são os mais abunadantes. O objetivo desta contribuição é divulgar a presença desta família. Foram
reconhecidos o gênero Ramphastos e a espécie Pteroglossus bitorquatus, porém, devido a
preservação fragmentada do material, é possível que ocorram outras espécies típicas da região
amazônica do Maranhão.
Palavras-chave: Amazônia, Tucano, Araçari, Aves, Anatomia.
PRESENCE OF RAMPHASTIDAE VIGORS, 1825 DERIVED FROM HUNTING
ACTIVITIES OF THE AWÁ-GUAJÁ SOCIETY OF THE STATE OF MARANHÃO,
BRAZIL
ABSTRACT
The Awá-Guajá Ethnographic Society, one of the last hunter-gatherer peoples in the Amazon, has
great involvement with the vertebrate fauna, both for consumption and for ritualistic activities. An
osteological collection recovered from disposal deposits contains significant fauna diversity. Birds
are among the main groups found and the Ramphastidae are the most abundant. The purpose of this
contribution is to disclose the presence of this family. The genus Ramphastos and the species
Pteroglossus bitorquatus were recognized, however, due to the fragmentation of the material, it is
possible that other species typical of the Amazon region of Maranhão may occur.
Keywords: Amazon, Toucan, Aracari, Birds, Anatomy.
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2. INTRODUÇÃO
Os Awá-Guajá representam um dos
últimos povos caçadores e coletores que,
atualmente, vivem em reservas indígenas
localizadas no noroeste do Estado do Maranhão,
distribuídas em três Terras Indígenas; Alto
Turiaçu (530.525 ha), Caru (172.667 ha) e Awá
(118.000 ha).
A “Coleção Etnográfica Guajá” é uma
coleção de remanescentes faunísticos oriundas de
escavação ao redor do acampamento indígena da
Reserva Caru, acumuladas ao longo de três anos,
entre 1987 e 1990 (QUEIROZ; KIPNIS, 1990).
Apesar de sua riqueza e abundância em
material osteológico de diversos grupos
zoológicos, possui poucos trabalhos realizados
(QUEIROZ; KIPNIS, 1990; PRADO, 2007;
PRADO et al. 2012; CHAHUD, 2019), havendo,
portanto, vasto potencial para análise ecológica,
zoológica e antropológica.
O material osteológico recuperado inclui
grande quantidade de restos de aves, que fizeram
parte da dieta e de atividades ritualísticas da
comunidade Awá-Guajá. O objetivo desta
contribuição é a apresentação do material de
Ramphastidae, com breves comentários.
MATERIAL E MÉTODOS
O material osteológico refere-se ao
consumo dos índios da comunidade Awá-Guajá
da Reserva Indígena Caru, localizada as margens
do Rio Pindaré no estado do Maranhão (Figura
1). A coleta foi realizada durante os meses mais
secos do ano de 1990 por Queiroz e Kipnis
(1990). Todo material faunístico estava em
superfície ou enterrado em um tipo de lixeira
feita pelos Guajá nas proximidades de suas
habitações e locais de preparo.
Figura 1 – Localização das comunidades indígenas Awá-Guajá, Reserva Indígena Caru, de onde provém o material de
estudo, no estado do Maranhão. Adaptado de Prado et al. 2012.
A Coleção etnográfica Guajá inclui
milhares de ossos de mamíferos, répteis, aves e
peixes, que estão depositados e catalogados no
Laboratório de Estudos Evolutivos Humanos do
Departamento de Genética e Biologia Evolutiva
do Instituto de Biociências da Universidade de
São Paulo (LEEH-IB-USP).
3. AVES NA CULTURA AWÁ-GUAJÁ
Segundo Forline (1997) os Awá-Guajá
utilizam diversas metodologias de caça, podendo
ser diurnas ou noturnas, com equipamentos
tradicionais (arcos e lanças) e modernos (armas
de fogo e lanternas).
Ao Awá-Guaja se utilizaram da técnica de
Takaya para a caça de aves (FORLINE, 1997),
que envolve uma camuflagem de folhas de
palmeira de babaçu instalada próximo de árvores
frutíferas. O método consiste na caça de espera,
em que o caçador camuflado em seu interior
deixa uma isca perto da Takaya para que os
animais se aproximem e, então, disparam flechas
sem sair do esconderijo (POLITIS et al. 2013).
Segundo Forline (1997) as aves,
principalmente tucanos, era a principal caça
durante a época chuvosa para consumo e
alimentação. Forline (op.cit.) e González-Ruibal
et al. (2013) também comentaram sobre a
utilização das penas destes animais para
cerimônias e rituais religiosos.
RESULTADOS
A família Ramphastidae, representada
pelos tucanos, araçaris, saripocas e tucaninhos,
são aves que habitam a região Neotropical das
Américas. A família inclui cinco gêneros;
Aulacorhynchus Gould 1835, Andigena Gould
1851, Pteroglossus Illiger 1811, Selenidera
Gould 1837 e Ramphastos Linnaeus 1758 .
Os tucanos são aves típicas de florestas
primárias, vivem em pequenos bandos e fazem
ninhos em cavidades em troncos realizadas por
outros animais. A principal característica é o bico
muito leve, colorido e alongado, que por vezes
representa metade do tamanho corporal
(SHORT; HORNE, 2001).
Segundo Oren e Roma (2011) a região
amazônica do Estado do Maranhão possui duas
espécies de tucanos; Ramphastos vitellinus
Lichtenstein, 1823 e Ramphastos tucanus
Linnaeus 1758, três de araçari; Pteroglossus
aracari Linnaeus 1758, Pteroglossus inscriptus
Swainson, 1822, Pteroglossus bitorquatus
Vigors 1826, e uma de saripoca, Selenidera
gouldii Natterer, 1837. Todos são típicos das
copas de árvores de florestas úmidas, tanto em
seu interior quanto nas bordas de matas. Vive em
bandos de tamanhos variáveis e todas as espécies
são simpátricas.
O material ósseo recuperado é constituído
principalmente por bicos (maxila e mandíbula) e
ossos apendiculares. Os bicos representam a
parte anatômica que permitiu identificar os
espécimes, porém, apesar do pouco tempo de
exposição (máximo de quatro anos), a maioria
perdeu consistência, coloração original e o brilho
característico de diversas espécies desta família,
dificultando a identificação de espécies (Fig. 2A-
B). No entanto foi possível identificar alguns
espécimes a partir de algumas marcas residuais
de coloração (Fig. 2C-F).
Maxilas originalmente escuras ou pretas
como as de Ramphastos vitellinus e Ramphastos
tucanus perderam a coloração e tornaram-se
amarronzadas, porém um dos exemplares
coletados manteve a marca de coloração mais
clara próximo da articulação, que originalmente
deveria ser amarelada (figs. 2C-D) como as
encontradas nestas espécies de Ramphastos,
podendo ser associado com cautela a este gênero.
A espécie Pteroglossus bitorquatus
(araçari de pescoço vermelho) foi registrada na
Coleção Guajá baseada em duas mandíbulas que
preservaram a cor original exclusiva dessa
espécie de Ramphastidae. Existem três
subespécies de P. bitorquatus, porém duas, P. b.
bitorquatus e P. b. reichenowi são caracterizadas
pela faixa branca na base da mandíbula, como
observadas nas figuras 2E-2F. No entanto,
segundo Czaban (2015) e Brito (2016), a
diferença entre ambas é um colar amarelo
presente apenas em P. b. bitorquatus,
característica que não foi preservada e por isso
optou-se por não diferenciar nesse nível
taxonômico.
4. Figura 2 – Vistas laterais de maxilas e mandíbulas de Ramphastidae da Coleção Guajá. A-B e D) maxilas de
Ramphastidae indeterminados muito desgastados; C) maxila de Phamphastos sp.; E-F) mandíbulas de Pteroglossus
bitorquatus.
Havia sido registrada a captura pelos Awá-
Guaja, as espécies Ramphastos vitellinus e
Ramphastos tucanus, tanto para consumo quanto
para atividades ritualísticas por Forline (1997).
Segundo González-Ruibal et al. (2013) as penas
da cabeça de R. vitellinus são valorizadas pela
cultura Awá. Isso sugere que a comunidade
poderia ter preferência por determinadas espécies
de tucanos para finalidades ritualísticas.
No entanto a ocorrência de Pteroglossus
bitorquatus indica que os Awá-Guajá, do final
dos anos de 1980, não recusavam alguns outros
tipos de Ramphastidae e que outras espécies
também eram capturadas.
AGRADECIMENTOS
Agradeço aos doutores Renato Kipnis e
Helder Queiroz por terem coletado o material de
estudo. Agradecimento especial a Profa. Dr.a
Maria Mercedes Martinez Okumura responsável
pelo Laboratório de Estudos Evolutivos
Humanos do Instituto de Biociências, onde a
coleção osteológica Guajá está depositada.
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*Laboratório de Estudos Evolutivos Humanos,
Departamento de Genética e Biologia
Evolutiva, Instituto de Biociências,
Universidade de São Paulo, Rua do Matão
277, São Paulo, SP 05508-090, Brasil.
*E-mail: arturchahud@yahoo.com
*ORCID: https://orcid.org/0000-0001-7690-
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