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A Progressividade Fiscal no IPTU e o Princípio da Capacidade
Contributiva
Marcelo Dias Ferreira
Procurador do Município de Porto Alegre
“A questão de saber qual é, de entre as possibilidades que
se apresentam nos quadros do Direito a aplicar, a
<correcta>, não é sequer – segundo o próprio pressuposto
de que se parte – uma questão de conhecimento dirigido
ao Direito positivo, não é um problema de teoria do Direito,
mas um problema de política do Direito. A tarefa que
consiste em obter, a partir da lei, a única sentença justa
(certa) ou o único acto administrativo correcto é, no
essencial, idêntica à tarefa de quem se proponha, nos
quadros da Constituição, criar as únicas leis justas (certas).
Assim como da Constituição, através de interpretação, não
podemos extrair as únicas leis correctas, tão-pouco
podemos, a partir da lei, por interpretação, obter as únicas
sentenças correctas.”
(KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito, 5ª ed., 1979,
Colecção Studium, Armênio Amado ed. – Coimbra, p. 469)
“A justiça e a eqüidade são a mesma coisa, embora a
eqüidade seja melhor. O que cria o problema é o fato de o
eqüitativo ser justo, mas não o justo segundo a lei, e sim
um corretivo da justiça legal.”
(ARISTÓTELES. Ética a Nicômacos. UnB, 3ª ed., 1992, p.
109)
O propósito deste trabalho é, à luz das inovações
trazidas pela Emenda Constitucional nº 29/2000 e do Estatuto das Cidades (Lei
Federal nº 10.257/01), discutir o fenômeno da progressividade fiscal do Imposto
Predial e Territorial Urbano - IPTU e sua relação jurídico-axiológica com o
Princípio da Capacidade Contributiva, trazendo à baila algumas considerações
sobre a herança romanista que classifica o tributo em tela como um imposto real e
que, infelizmente, ainda resiste teimosamente em nossos pretórios unicamente
para afastar, até mesmo com a mancha da inconstitucionalidade, a possibilidade
da instituição do IPTU progressivo em razão do valor do imóvel. Recentemente,
participando do Curso de Desarrollo Profesional sobre Impuestos a la Propiedad
Inmobiliaria en América Latina, desenvolvido pelo Lincoln Institute of Land
Policy, na cidade de Cambridge – Massachusetts - EUA, tivemos a chance de
constatar, juntamente com representantes do México, Argentina, Chile, Colômbia,
Uruguai, Venezuela, EUA e Nicarágua, dentre outros, a imensa dificuldade de
aceitação da chamada progressividade fiscal do Imposto Predial e Territorial
Urbano, inserido em uma política tributária que seja lastreada, em nível local, na
eficiência econômica, na eqüidade, na redistribuição da riqueza, na
governabilidade e no exercício da cidadania. Basicamente, parte-se do imperativo
categórico de que o IPTU não é o melhor instrumento de redistribuição de riqueza,
uma vez que é um imposto real, e não pessoal, inaplicável, portanto, a regra
contida no § 1º do art. 145 da Constituição Federal; ademais, as alíquotas
progressivas correriam o risco de afetar de forma mais acentuada as decisões
econômicas dos contribuintes, sendo preferíveis outros modelos pela sua suposta
“neutralidade”, como as alíquotas proporcionais, posto que – dados os deficientes
modelos de aferição da base de cálculo do IPTU e das inconsistências dos
cadastros imobiliários – o valor do imóvel não reflete necessariamente a
capacidade contributiva do sujeito passivo.
Ora, são proposições fundamentadas em dados
consistentes, como se teve a oportunidade de verificar ao debater sobre as bases
conceituais adequadas sobre o Imposto Predial, técnicas de avaliação, confecção
de cadastros e atualização de mapas de valores, fórmulas alternativas à
proporcionalidade de alíquotas, extrafiscalidade e evasão impositiva, além da
elaboração e interpretação de indicadores que reflitam o desempenho de políticas
públicas e sistemas de arrecadação a elas associados. Nesse sentido, cumpre
inicialmente asseverar que o processo de redistribuição de riqueza é, também,
parte da efetivação da função social da cidade, e o IPTU serve, sim, como um
dos instrumentos desta política, pelo fato de lhe caberem algumas atribuições
constitucionais atinentes à garantia e concretude de direitos fundamentais e
sociais, como a igualdade, aos quais a propriedade e a cidade se vinculam em
razão de suas funções. Logo, as grandes desigualdades sociais e econômicas
que atingem os povos da América Latina (AL) se refletem no mapa da exclusão
no espaço urbano, e a tributação imobiliária é o mecanismo que pode e deve ser
utilizado enquanto instrumento efetivo de mudança sócio-econômica,
influenciando de modo incisivo na estrutura das sociedades latino-americanas,
dispondo o ente estatal de poder suficiente para redistribuir a riqueza de uma
forma mais igualitária.
Entretanto, para atingir este ideal de igualdade material,
conferindo à tributação esta função distributiva, tem-se que necessariamente
analisar, mesmo que de passagem, como a carga tributária – soma de todo o
dinheiro que o governo recebe cobrando tributo dividido pelo valor da riqueza do
país – no Brasil e em outros países latino-americanos, é significativamente mal
distribuída. Ora, são as classes sociais e os setores menos favorecidos que têm a
maior parte de seus rendimentos e recursos destinados ao financiamento do
Estado, enquanto que as classes de renda mais elevada têm diversos benefícios
e reduções tributárias. Isso significa que a elevação da carga tributária é feita com
tributos indiretos e cumulativos, que geram distorções históricas nas economias
destes países1
. Isto, em parte, explica porque o Brasil é um dos países com uma
das maiores concentrações de renda do planeta, só comparada a de alguns
paÍses da África Subsaariana2
. No equilíbrio de forças políticas, a tributação no
Brasil – e não é muito diferente dos outros países da AL - tem sido usada como
instrumento de concentração de renda, agravando o ônus fiscal dos mais pobres
e aliviando o dos mais ricos. Para mitigar os reflexos perversos desta política
tributária em relação aos menos favorecidos, deve a Administração Pública, em
todas as esferas de atuação, reagir proativamente, conferindo plena efetividade
ao princípio da capacidade contributiva e da função social da propriedade e da
cidade, como corolários ao basilar princípio da igualdade tributária.
Nesse diapasão, convém, de plano, questionar se,
dentro do sistema jurídico-tributário nacional, a tese de que o IPTU é um tributo de
natureza real e, portanto, incidente sobre a categoria da coisa que dá origem à
obrigação tributária, não poderá levar em consideração a condição pessoal do
sujeito passivo, e não poderá a expressão “sempre que possível” , contida no
comando constitucional do § 1º do art. 145, ser interpretada de modo a abarcar
todos os impostos, mas apenas aqueles que permitam a aplicação do princípio da
capacidade contributiva (impostos ditos pessoais), afastando-se,
consequentemente, a progressividade fiscal, restando somente às
Municipalidades o trato da progressividade com finalidades extrafiscais,
respeitadas as diretrizes do art. 182, § 4º, II, da CF/88 e art. 7º da Lei Federal nº
10.257/01.
Tal discussão está atrelada, mesmo com o advento da
Emenda Constitucional nº 29, de 14 de setembro de 2000 - que alterou
substancialmente a redação do § 1º do art. 156 da CF3
e adicionou-lhe dois
incisos, inaugurando expressamente a progressividade fiscal e balizando os
critérios de seletividade de alíquotas enquanto instrumento regulador da ocupação
urbana (localização e uso do imóvel) – ao julgamento do Recurso Extraordinário
nº 153.771-0-MG (apreciado pelo Plenário do STF em 20.11.1996, nove votos a
um, acórdão publicado no D.J.U., Seção I, em 05.09.1997, e na LEX-STF, vol.
229, pp. 177-219), que concluiu não ser admissível a progressividade
1
A taxinomia utilizada para distinguir os impostos em diretos e indiretos é, no entender de um
amplo leque de teóricos do Direito Tributário, desprovida de qualquer conteúdo jurídico. Convém
esclarecer que estamos utilizando-a neste caso, tão-somente, para evidenciar que, nos chamados
‘impostos sobre o consumo’, o repasse da carga impositiva tributária é um fato econômico real.
2
Informe do FORUM BRASIL CIDADÃO, “Justiça Fiscal e Social para Reconstruir o Brasil”, 2002,
p.08.
3
“Art. 156. Compete aos Municípios instituir impostos sobre:
(...)
I – propriedade predial e territorial urbana;
(...)
§ 1º - Sem prejuízo da progressividade no tempo a que se refere o art. 182, § 4º, II, o
imposto previsto no inciso I poderá:
I – ser progressivo em razão do valor do imóvel; e
II – ter alíquotas diferentes de acordo com a localização e o uso do imóvel. (Parágrafo
dado pela EC 29, de 13.09.2000)”
arrecadatória (ou fiscal), devido ao caráter real do IPTU, restando a respectiva
ementa assim consignada, verbis:
“EMENTA: IPTU. Progressividade. No sistema
tributário nacional é o IPTU inequivocamente um
imposto real. Sob o império da atual
Constituição, não á admitida a progressividade
fiscal do IPTU, quer com base exclusivamente no
seu art. 145, § 1º, porque esse imposto tem
caráter real que é incompatível com a
progressividade decorrente da capacidade
econômica do contribuinte, quer com arrimo na
conjugação desse dispositivo constitucional
(genérico) com o artigo 156, § 1º (específico).
A interpretação sistemática da Constituição
conduz inequivocamente à conclusão de que o
IPTU com finalidade extrafiscal a que alude o
inciso II do § 4º do artigo 182 é a
explicitação especificada, inclusive com
limitação temporal, do IPTU com finalidade
extrafiscal aludido no artigo 156, I, § 1º.
Portanto, é inconstitucional qualquer
progressividade, em se tratando de IPTU, que
não atenda exclusivamente ao disposto no artigo
156, § 1º, aplicado com as limitações
expressamente constantes dos §§ 2º e 4º do
artigo 182, ambos da Constituição Federal.
Recurso Extraordinário provido, declarando-se
inconstitucional o sub-item 2.2.3 do setor II
da Tabela III da Lei 5.641, de 22.12.89, no
Município de Belo Horizonte.”
No voto vencedor do RE 153.771-0, que conduziu toda
a jurisprudência do STF à negativa de constitucionalidade das alíquotas
progressivas em função do valor venal dos imóveis, buscou-se a força no Direito
Financeiro, o qual sempre advogou pela distinção entre impostos reais e pessoais,
manifestando-se o eminente Ministro Moreira Alves nos seguintes termos:
“(...)Ora, no sistema tributário nacional, é o
IPTU inequivocamente um imposto real, porquanto
tem ele como fato gerador a propriedade, o
domínio útil ou a posse de imóvel localizado na
zona urbana do Município, sem levar em
consideração a pessoa do proprietário, do
titular do domínio útil ou do possuidor, tanto
assim que o Código Tributário Nacional ao
definir seu fato gerador e sua base de cálculo
não leva em conta as condições da pessoa do
sujeito passivo. E mais: no artigo 130
estabelece que ‘os créditos tributários
relativos a impostos cujo fato gerador seja a
propriedade, o domínio útil ou a posse de bens
imóveis,(...),subrogam-se na pessoa dos
respectivos adquirentes, salvo quando conste do
título a prova de sua quitação’, o que implica
dizer que, se não constar do título de
transmissão a prova de quitação desses impostos
(inclusive, portanto, o IPTU), o sujeito
passivo do imposto devido anteriormente à
transmissão do imóvel passa a ser o adquirente,
o que importa concluir que essa obrigação
tributária, nesse caso, de certa forma, se
aproxima da obrigação ob ou propter rem, também
denominada obrigação ambulatória, porque o
devedor não é necessariamente o proprietário,
titular do domínio útil ou possuidor ao tempo
em que ocorreu o fato gerador e nasceu a
obrigação tributária, mas pode ser o que
estiver numa dessas posições quando da
exigibilidade do crédito tributário,
circunstância esta que mostra, claramente, que
nesses impostos não se leva em consideração a
capacidade contributiva do sujeito passivo
(...)”
Em suma, objetivou o Pretório Excelso fixar o seguinte
balizamento: os impostos reais, tal como o IPTU, são incompatíveis com o
sistema de progressividade (fiscal), por não levarem em consideração a pessoa
do sujeito passivo, de modo que a esta espécie de imposto não pode ser aplicado
o princípio da capacidade contributiva, expresso genericamente no art. 145, § 1º,
da Magna Carta.
Na verdade, como dito pelo eminente Professor Hugo
de Brito Machado4
, não existe na Constituição Federal de 1988 qualquer
vedação ao emprego do princípio da capacidade contributiva em relação
aos impostos reais, mas, muito pelo contrário, nela existe norma expressa que o
preconiza, como demonstra:
“Primeiro, note-se que o § 1º do art. 145 não
veda de modo nenhum a realização do princípio
da capacidade contributiva relativamente aos
impostos reais. É certo que preconiza, tenham
os impostos, sempre que possível, caráter
pessoal e sejam graduados em função da
capacidade econômica do contribuinte. Isto,
porém, não quer dizer que só os impostos de
caráter pessoal sejam instrumentos de
realização do princípio da capacidade
econômica, ou contributiva.
“À primeira vista, pode parecer que os impostos
reais não se prestam para a realização do
princípio da capacidade contributiva. Na
verdade, porém, assim não é. No dilema entre a
justiça e a produtividade, o legislador
contemporâneo inclina-se para soluções
transacionais, introduzindo certa dose de
personalização em impostos outrora havidos como
de natureza real.(....)
“Entendemos que não apenas a natureza de certos
produtos, mercadorias e serviços, presta-se
4
MACHADO, Hugo de Brito. Progessividade e Seletividade no IPTU. In “IPTU, Aspectos Jurídicos
Relevantes”, Coord. Marcelo Magalhães Peixoto – São Paulo: Quartier Latin, 2002. P. 259-62.
para demonstrar capacidade contributiva, como
também, muitas vezes, o local, o ambiente, as
circunstâncias em que ocorre o consumo, ou o
uso, do produto, mercadoria ou serviço. Daí
sustentarmos a conveniência da instituição de
um imposto que tenha como elemento essencial de
sua hipótese de incidência o caráter suntuário
de consumo,ou uso, do bem ou serviço. Quem se
hospeda, ou almoça, ou simplesmente consome uma
cerveja, ou mesmo um refrigerante, em um hotel
cinco estrelas, seguramente está demonstrando
que tem uma capacidade econômica bastante acima
da capacidade econômica média dos brasileiros.
É justo que as pessoas tenham a liberdade de
desfrutar dos bens materiais de que podem
dispor, porque são ricas. Essa liberdade o
Estado deve assegurar. É justo, entretanto, que
paguem por isso, contribuindo para a manutenção
dos serviços públicos que o Estado deve
prestar, especialmente em favor dos mais
carentes.
“Não se deve, portanto, afastar dos impostos
ditos reais o princípio da capacidade
contributiva. Pelo contrário, tal princípio
deve ser aplicado intensamente em relação a
eles. As alíquotas do IPI, por exemplo, estão a
merecer uma profunda reformulação, de sorte a
que se cumpra mais rigorosamente o preceito
constitucional que ordena seja ele seletivo em
função da essencialidade do produto. Também as
alíquotas do ICMS devem ser mais acentuadamente
seletivas em função da essencialidade das
mercadorias e serviços tributados.
“Por fim, é importante que se esclareça, porém,
que o fato de ser utilizado um imposto, como o
IPI, para a realização do princípio da
capacidade contributiva, como se colocou acima,
não confere a esse imposto um caráter pessoal.
Por maior que seja o seu grau de seletividade
em função da essencialidade do produto, segue
sendo ele tipicamente um imposto real. Pela
mesma razão, o fato de ter um imposto caráter
pessoal não significa que esse imposto realiza
o princípio da capacidade contributiva. Imposto
de caráter pessoal, repita-se, é aquele cujo
valor é determinado tendo-se em consideração as
condições pessoais do contribuinte, não
necessariamente para o fim de verificar a sua
capacidade contributiva.”
Vê-se, pois, nitidamente, que não é porque o IPTU seja
um imposto classificado como real que não possa se permitir à Administração
Tributária Municipal aplicar o princípio da capacidade contributiva. Tal equívoco a
respeito da temática foi, recentemente, explicitado em decisão de primeira
instância no Judiciário Paulista, onde, em sentença proferida pela MMª Juíza de
Direito da 14ª Vara da Fazenda Pública de São Paulo, Dra. Christine Santini, nos
autos do Mandado de Segurança nº 053.02.005274-2, impetrado pela empresa
ALLPAC EMBALAGENS LTDA., a ilustre magistrada declarou incidentalmente a
inconstitucionalidade da EC nº 29/2000, fundamentando seu entendimento na
classificação dos impostos em reais e pessoais, e que a aplicação da
progressividade de alíquotas em razão do valor do imóvel feriria o princípio da
isonomia entre os contribuintes, razão pela qual afastou do ordenamento jurídico
a Lei Municipal nº 13.250/2001, que havia instituído a progressividade no
Município de São Paulo. Obviamente, por se tratar de matéria sujeita a duplo grau
de jurisdição, poderá ser reformada pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, mas,
em função da orientação traçada pelo Supremo Tribunal Federal no Recurso
Extraordinário nº 153.771-0-MG, são grandes as chances de sua manutenção in
totum pelos tribunais superiores.
De qualquer modo, tem-se que a relação jurídico-
tributária a envolver o fisco e o contribuinte, ou responsável tributário, é de ordem
pessoal, obrigacional, e não real. A expressão “sempre que possível”, ao nosso
sentir, não foi colocada no § 1º do art. 145 da CF, no intuito de excluir do
albergue do princípio da capacidade contributiva os impostos reais, porque, se a
vontade do legislador originário fosse a de realizar esta exclusão, o teria feito
expressamente, e não o fez.5
Ressalte-se que a progressividade fiscal no IPTU não
somente como finalidade a realização do princípio da capacidade contributiva,
mas é, em última instância, a concretização de um ideal de igualdade material e
de justiça fiscal. Para o doutor Everardo Maciel, citado pelo Prof. Hugo Machado
em seu artigo, a igualdade que realiza a justiça é a igualdade horizontal. A nosso
ver, entretanto, a máxima aristotélica que citamos no prefácio deste trabalho e
que foi eternizada pelo insigne Rui Barbosa diz diferente: a verdadeira igualdade
consiste em aquinhoar desigualmente aos desiguais na medida em que se
desigualam6
:
5
A respeito do assunto, são louváveis as palavras de Sacha Calmon Navarro Coelho, em seu
Manual de Direito Tributário, 2ª ed., RJ: Forense, 2002, p.206: “É notável, no particular, como
tratadistas de renome, tirantes os leguleios, continuam a proclamar que o IPTU é um imposto real,
denunciando com isso: a) a má assimilação de lição da Ciência das Finanças; e b insuficiente
acuidade de análise jurídica, decorrente de repetição, sem espírito crítico, de avelhantadas
afirmações. Sem embargo, estamos convencidos de que tal vezo enraíza-se, a par dos vícios acima
expostos, em uma lembrança mal compreendida de certo tipo obrigacional que existia entre os
romanos. Referimo-nos à obrigação ambulatória, em que a prestação era certus na e certus
quando, mas o sujeito passivo tanto podia ser conhecido como não, por isso que a coisa ambulava
com o dono, e este nem sempre era o mesmo (ambulant cum dominus). Este tipo de obrigação era
comum em tributos que recaíam sobre bens imóveis, terras e edificações. Os romanos não se
preocupavam com a coisa, por isso que a sua propriedade ‘ambulava’, em sentido legal, com seu
dono, e este era exatamente quem devia pagar o tributo, fosse lá quem fosse. A muitos pareceu
que a pessoa não tinha importância, mas a coisa, irrelevante o seu dominus, daí a idéia de um
tributo real. Ora, dava-se extamente o contrário. A pessoa do proprietário era o que
importava, por isso que o tributo incidia sobre a condição jurídica ‘ ser proprietário’: o
imposto era pessoal. Real era o direito.”
6
Com o surgimento e a evolução do Estado Democrático de Direito, passou-se a buscar as efetivas
dimensões do princípio da igualdade e, num primeiro momento, partiu-se do pressuposto da
existência de uma igualdade material de todos os cidadãos, sintetizada no pensamento de Rui
Barbosa. Ocorre, porém, conforme assevera Elizabeth Carraza, em obra adiante citada, “que no
mundo fático não existe a igualdade absoluta. As desigualdades existem e decorrem da própria
“Portanto, na tributação, alguém que possua um
imóvel de valor elevado, ou de pequeno valor,
ou localizado em bairro pobre, com utilização
ou destinação comercial, ou prestação de
serviços, para residência ou atividade
essencial ou supérflua, todas estas situações
são diferenciações relevantes que justificam o
tratamento diferenciado na tributação do IPTU.7
Como salientado no início, uma das razões que
sustentam a manutenção, em nosso sistema tributário, da chamada
proporcionalidade de alíquotas, é a de que ela seria, em tese, um sistema
supostamente “neutro”, posto que lastreado em pressupostos legais tendentes à
realização da garantia constitucional da vedação ao confisco, enunciadas no
artigo 150, inciso IV, da CF/88. Ora, proporcionais seriam os impostos cujo valor
a pagar é definido, em cada caso, pela conjugação de dois elementos
estabelecidos abstratamente na lei instituidora: base de cálculo e alíquota. A base
de cálculo, nos impostos proporcionais, é grandeza ou medida de valor,
estabelecida abstratamente na lei (no caso do IPTU, o valor venal do imóvel). A
alíquota, por seu turno, é o percentual, a parte da grandeza que representará,
após singela operação aritmética, o exato valor do imposto devido. É a alíquota,
pois, o elemento definidor da parte do signo presuntivo de riqueza que deverá ser
recolhido aos cofres estatais. Nos impostos proporcionais, o montante a pagar a
título de imposto será, sempre, proporcionalmente igual, independentemente das
características de cada contribuinte, uma vez que nesses impostos a alíquota é
única, invariável. Obviamente que o montante a pagar, de acordo com o valor ‘in
concreto’ da base de cálculo, será maior ou menor conforme o seja a riqueza
tributada. Em tese, alguns tratadistas renomados sustentam que a
proporcionalidade – obtida pela aplicação de uma alíquota única sobre base
tributável variável – é um instrumento de justiça fiscal ‘neutro’, onde se realiza de
forma ideal o princípio da capacidade contributiva, que, em síntese, postula que o
desembolso de cada qual seja proporcional à grandeza da expressão econômica
do fato tributado.
Sem querer entrar a fundo nas divergências
doutrinárias a respeito da questão de saber se a proporcionalidade realiza ou não
uma justiça fiscal ‘neutra’, a realidade é que, na insofismável lição de Geraldo
Ataliba8
, “os impostos que não sejam progressivos – mas que tenham a
pretensão de neutralidade – na verdade, são regressivos, resultando em
injustiça e inconstitucionalidade. A progressividade é constitucionalmente
postulada, tanto a de caráter fiscal (inerente ao próprio tributo) como a extrafiscal
(promoção de uma igualação social – eliminação da desigualdade), o
favorecimento dos desvalidos, a criação de empregos, o desenvolvimento
econômico, a melhoria das condições de vida, a proteção do meio ambiente, etc.,
natureza. Devem, porém, ser minimizadas pelo Estado, no desempenho de suas funções,
sempre que, ao lume da Carta Fundamental, sejam ilegítimas.”
7
ATALIBA, Geraldo. Hipótese de Incidência Tributária. 6ª ed., Malheiros ed., 2000, p. 141.
8
ATALIBA, Geraldo. Progressividade e Capacidade Contributiva, Separata da Revista de Direito
Tributário, 1991, p. 49.
são valores que mereceram do constituinte especial encômio.” Cumpre verificar
que a eficácia do sistema tributário brasileiro, calcado nos princípios e valores
definidos na Magna Carta, deixa claro que a exacerbação do individualismo
econômico produz uma crescente desigualdade de renda, intensada pelas
vicissitudes imanentes ao nosso capitalismo tardio. No crescente apelo por
políticas eqüitativas reside o dilema: toda a ação afirmativa do Estado, destinada
a distribuir a riqueza social, tende a expandir o conceito de incidência tributária
para além das fronteiras tênues da autolimitação da liberdade, pois afeta as
esferas do mínimo existencial e do não-confisco. Diante do paradoxo, o sistema
tributário acaba por operar de maneira regressiva sobre a população, incidindo
gravemente, em termos relativos à renda, nas famílias com menor poder
aquisitivo, constituindo-se num dos fatores que contribui decisivamente para a
manutenção dos níveis de concentração de renda e de desigualdade sociais
observados no país, muito embora, como é sabido, as origens destes problemas
sejam bem mais complexos e estejam além da inequívoca tributação regressiva
praticada pelo Estado em relação ao imposto imobiliário9
.
A tese da regressividade dos impostos proporcionais
recebeu guarida em estudo que honrou a Dra. Claudia De Cesare - assessora em
assuntos relacionados à tributação imobiliária e avaliação de imóveis da
Secretaria da Fazenda do Município de Porto Alegre - com o Ph.D pela
Universidade de Saltford – Inglaterra10
. Fundamentalmente, defende a Profª. De
Cesare que a instituição do tributo imobiliário com alíquotas progressivas contribui
para tornar o Sistema Tributário Nacional menos regressivo e, portanto, mais
justo. E assim justifica:
“Diversos estudos prévios identificam que, à
medida em que a renda aumenta, os gastos com
habitação ocupam uma percentagem menor da renda
das famílias. A adoção de uma alíquota única
(para imóveis de uso residencial, p.ex.) para o
imposto imobiliário resultaria em uma tendência
a regressividade, isto é, na incidência de uma
carga tributária maior proporcionalmente sobre
as famílias mais pobres. (...) Aplicar
alíquotas progressivas para o cálculo do
imposto sobre a propriedade imobiliária tendo
por objetivo a progressividade fiscal do
9
Estereotipada por longos anos de vida rural, um dos efeitos da improvisação quase forçada de
uma espécie de burguesia urbana no Brasil, está o que Sérgio Buarque de Holanda (in “Raízes
do Brasil” – 21ª ed., Rio de Janeiro: José Olympio, 1989, p. 55) chama de “mentalidade de casa-
grande”, que invadiu as cidades e conquistou todas as pessoas, sem exclusão das mais humildes.
Ou seja, num país que, durante a maior parte de sua existência, foi terra de senhores e escravos,
os centros urbanos brasileiros, desde os seus primórdios, nunca deixaram de se ressentir
fortemente da ditadura dos domínios rurais. (n. do autor)
10
DE CESARE, Claudia Monteiro. An Empirical Analysis of a Property Tax System: a Case Study
from Brazil.
tributo, isto é, gerar uma carga tributária
maior proporcionalmente para as famílias de
maior capacidade econômica, é uma decisão de
cunho fortemente ideológico. A análise
apresentada no presente estudo demonstrou que a
adoção de uma alíquota única (invariável) para
os imóveis residenciais resulta em um imposto
sobre a propriedade imobiliária regressivo. Ou
seja, a carga tributária do IPTU é maior
proporcionalmente para as famílias de menor
capacidade econômica, porque o imposto absorve
uma parcela maior da renda das famílias de
baixa renda. Esta conclusão está diretamente
relacionada à inerente regressividade do
imposto sobre a propriedade, causada pelo fato
de que as famílias mais ricas precisam de menos
meses de salário para adquirir um imóvel. A
associação da regressividade inerente do
imposto com a extrema concentração de riquezas
existente sugere que alíquotas progressivas
poderiam ser aplicadas para tornar o IPTU mais
justo. O uso de alíquotas progressivas para o
IPTU seria recomendável se a progressividade
introduzida servisse para eliminar a
característica regressiva do imposto
proporcional, contribuindo para um sistema
‘neutro’. Neste sentido, a diferenciação de
alíquotas seria estabelecida dentro dos limites
da razoabilidade, visando apenas à correção do
viés identificado na relação entre o ‘Preço do
Imóvel’ e a ‘Renda Familiar’.” (o grifo é meu)
Esta razoabilidade se estabelece, como decorrência
lógica do princípio da capacidade contributiva, com a limitação imposta pelo art.
150, inciso IV, da CF, que veda à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos
Municípios a utilização do tributo com efeito de confisco, donde decorre que o
confisco em si mesmo será vedado – salvo aquele do art. 243 e § único, referente
às glebas utilizadas para o cultivo ilegal de plantas psicotrópicas – ainda que não
seja consequência de tributo. Também a razoabilidade na instituição de alíquotas
progressivas se estabelece num outro patamar, que o filósofo do direito Siches
chama de lógica do razoável e que contemplaria, ao lado da justiça, o conjunto de
valores11
que formam o direito enquanto ciência de objeto cultural, que nos
valiosos ensinamentos de Dilthey, somente pela ‘compreensão’ podemos
conhecê-lo, e não pela ‘explicação’, constituindo aquilo que já se denominou
método empírico-dialético12
. Nesse sentido, é preciso ter em linha de conta, como
já citado pela Dra. De Cesare, as decisões de forte cunho ideológico que
envolvem a instituição, pelos Municípios brasileiros e da AL, da progressividade
fiscal do IPTU. Obviamente, interesses poderosos tentarão obstaculizar, de
11
Conforme ensina A L. Machado Neto, in Compêndio de Introdução à Ciência do Direito, Ed.
Saraiva, São Paulo, 1969, p. 75, ao lado do justo, costuma-se afirmar que formam o plexo
axiológico-jurídico um total de sete valores: ordem, segurança, poder, paz, cooperação,
solidariedade e justiça e, ao se privilegiar, demasiadamente, um dos valores, por maior importância
que possa ter, no caso, a busca do justo, fatalmente se desatenderá aos demais.
12
Conforme Machado Neto, op. Cit., onde resume a teoria de Wilhelm Dilthey e aprecia a
formulação, com base nela, de Cóssio, sobre o método empírico-dialético, p. 268.
qualquer forma, a implantação nos Municípios do comando constitucional
insculpido no inciso I do § 1º do art. 156 da CF, com a redação dada pela EC nº
29/2000. E, para evitar um raciocínio jurídico empreendido a partir de uma lógica
formal (obtida através da exegese de um dispositivo legal, por exemplo) que
conduza a uma conclusão dúbia, irritante, agressiva aos valores prestigiados pelo
direito, causando uma insegurança jurídica que inevitavelmente abarrotará as
mesas dos juízes, promotores e procuradores de municípios, é preciso, sempre ,
ter em mente, que por objeto visamos problemas humanos, de natureza jurídica e
política e que devem, por isso, ser compreendidos em seus sentidos e conexões
de significados, operando sempre com valores e estabelecendo finalidades e
propósitos.
Conseqüentemente, dois aspectos – citados pelo Prof.
Gilberto Marques Bruno, em magistral arrazoado13
-, devem ser observados, ao
lado da já citada obediência ao princípio constitucional da vedação da utilização
do tributo com efeito de confisco: (i) tanto o Poder Executivo, quanto o Poder
Legislativo Municipal, têm o dever legal de respeitar os preceitos
consubstanciados na Carta de Regência Brasileira, destacando-se entre eles, os
direitos e garantias individuais, o processo legislativo, a hierarquia das leis e,
dentro do Sistema Tributário Nacional, o Capítulo que cuida das limitações
constitucionais ao poder de tributar (em geral). A fiel observância de tais
preceitos, adicionando-se o cumprimento ao disposto nas Constituições
Estaduais e também nas Leis Orgânicas Municipais, enseja a edição de atos
normativos essencialmente legalizados, evitando-se, assim, as incansáveis
discussões no âmbito do Poder Judiciário em todos os seus níveis; e (ii) a
progressividade fiscal no IPTU deve se adequar à realidade de cada uma das
administrações nas mais diferentes localidades do Brasil, onde os representantes
do executivo municipal, na medida em que estejam exercendo seus papéis de
administradores da coisa pública, o façam com lisura e respeito aos contribuintes,
instituindo alíquotas progressivas em razão do valor do imóvel dentro de critérios
de bom senso e razoabilidade, de sorte que as exações tributárias não viessem,
ao longo do tempo, representar perda patrimonial, reduzindo o valor econômico
dos imóveis.
Também em termos de bom senso e razoabilidade,
dentro dos parâmetros de uma proposta de redução da iniqüidade na tributação
imobiliária, uma crítica relevante tem sido feita aos deficientes modelos de
aferição da base de cálculo do IPTU e das inconsistências dos cadastros
imobiliários – com isto, sustentam alguns, o valor do imóvel não reflete
necessariamente a capacidade contributiva do sujeito passivo e, portanto, se hoje
podemos eliminar a regressividade do sistema proporcional por meio de alíquotas
progressivas, podemos ter na chamada base imponível (base de cálculo em
concreto) uma série de distorções e erros que fatalmente levarão a um outro tipo
13
BRUNO, Gilberto Marques. A Progressividade do Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial
Urbana. In IPTU, Aspectos Jurídicos Relevantes. Coord. Marcelo Magalhães Peixoto – São Paulo:
Quartier Latin, 2002, p. 215.
de regressividade, ensejadora de séria iniqüidade na distribuição da carga
tributária. Sobre este assunto, com propriedade, disserta a Profª. DE CESARE:
“A Regressividade no imposto sobre a
propriedade imobiliária pode resultar
basicamente de duas fontes: imperfeita
administração e intrínseca natureza do imposto
(Paglin e Fogarty, 1972; Edelstein, 1979); o
grau de eqüidade das avaliações empregadas no
estabelecimento da base de cálculo do imposto,
isto é, do valor de mercado dos imóveis,
depende diretamente dos seguintes fatores:
- habilidade de avaliar os imóveis com acurácia;
- habilidade de controlar a qualidade das avaliações;
- realização de reavaliação dos imóveis em intervalos
curtos de tempo para garantir que alterações no mercado
imobiliário sejam refletidas nas avaliações; e
- existência de cadastro de imóveis adequado, contendo os
principais elementos responsáveis pela formação dos
preços dos imóveis.
“Naturalmente que distorções e erros na
avaliação da base de cálculo do imposto afetam
diretamente a distribuição da carga tributária.
Ou seja, devido unicamente à baixa qualidade
das avaliações, isto é, imperfeições na
administração do imposto, a carga tributária
pode ser equivocamente transferida entre
diferentes grupos de renda e mesmo internamente
entre os elementos que compõem cada grupo
(Sabella, 1975). Portanto, a precisa avaliação
da base de cálculo do imposto é imprescindível
para a justiça fiscal.” (o grifo é meu)
Deve-se, portanto, identificar quais são os limites
constitucionais e legais colocados à disposição dos legisladores municipais no
que se refere a determinação da base de cálculo do IPTU, uma vez que tal
determinação guarda intrínseca relação com a possibilidade de cobrança deste
imposto de maneira progressiva. No que concerne exclusivamente à
determinação da base de cálculo do IPTU, necessário se faz compreender o que
deve ser entendido, então, por ”valor venal do imóvel”, expressamente referido no
art. 33 do Código Tributário Nacional (CTN), bem como esclarecer a quem
compete definir este seu valor e qual o veículo adequado para sua entrada no
mundo jurídico. Considerando que a lei determina que a base de cálculo seja o
valor de mercado do imóvel, como salienta Nygaard14
, “é vedado que a
administração utilize métodos ou critérios de avaliação inconsistentes e
dissociados da realidade; a abstrata definição, em lei, do critério de aferição do
valor tributável, determina que, concretamente, em cada fato imponível, seja o
valor concreto correspondente à descrição legal; quer dizer, se a lei diz que a
base de cálculo é o valor de mercado, necessariamente o valor concretamente
14
NYGAARD, Gustavo. Presupuestos Legales y Constitucionales para la Creación de Impuestos
sobre la Propiedad Urbana. Texto interno ao Curso de Desarrollo Profesional sobre Impuestos e Ça
Propiedad Inmobiliaria, Lincoln Institute of Land Policy, Cambridge – USA, 2003.
atribuído a cada imóvel deverá corresponder ao seu valor de mercado no
momento da ocorrência do fato gerador.”
Analisando a definição de valor venal, o Prof. Aires
Fernandino Barreto afirma que “é possível conceituar valor venal como o valor
normal que qualquer bem comercial obtém no mercado. A seu turno, valor venal
do imóvel nada mais é do que espécie desse gênero e como tal não foge às
regras que ditam a apuração dos demais valores venais. Os valores venais,
quaisquer que sejam, são sempre decorrentes das forças econômicas que
caracterizam a lei da oferta e da procura; todavia, ademais disso, são valores
altamente influenciados por fatores psicológicos ou subjetivos. Por isso, é
temerário afirmar que na sua busca se venha a encontrar alguma coisa mais
precisa do que um ‘ valor provável de venda’.”15
Como pode-se facilmente depreender, a determinação
da base de cálculo do IPTU não possui uma precisão matemática, sendo, desta
forma, presumido em relação aos valores que podem ser obtidos no mercado por
aquele imóvel. Entretanto, como pressuposto inerente ao princípio da isonomia, a
presunção daquele valor torna-se necessária, devendo ficar adstrita aos limites
legalmente aceitos, que permitam ao contribuinte demonstrar, cabalmente,
qualquer discrepância existente entre a valoração inicialmente determinada e a
realmente obtida nas negociações ocorridas em situações reais, possibilitando a
adequação do valor presumidamente fixado, se for o caso16
.
No caso do IPTU, a definição do valor venal dos
imóveis se dá através da edição, veiculada por intermédio de lei strictu sensu17
,
da chamada Planta Genérica de Valores, utilizada como padrão para determinar
a valorização dos imóveis nas transações realizadas naquele local. Ou seja, como
garantia ao princípio do tratamento isonômico entre contribuintes que se
encontrem na mesma situação, os municípios, baseados nos negócios realizados
e na experiência adquirida em relação ao seu território, “presumem que
determinado imóvel possa atingir um certo valor em caso de negociação e, assim
sendo, admitem este valor como verdadeiro num primeiro momento, para fins de
lançamento do imposto”.18
As eventuais inconsistências nas avaliações utilizadas
para a determinação da base de cálculo do tributo imobiliário não são óbices
tendentes a impedir a prevalência do princípio da capacidade contributiva, uma
vez que, mesmo admitindo-se devidamente veiculadas as referidas Plantas
15
BARRETO, Aires Fernandino. Imposto Predial e Territorial Urbano – IPTU, in Curso de Direito
Tributário, vol. 2, 2ª Edição, Ed. CEJUP, Belém, 1993, p. 318.
16
Cfe. CICONELO, Ricardo Malachias. O Imposto sobre Propriedade Predial e Territorial Urbano –
IPTU e sua Base de Cálculo, in IPTU, Aspectos Jurídicos Relevantes. Coord. Marcelo Magalhães
Peixoto – São Paulo: Quartier Latin, 2002, p. 553.
17
“Art. 97 (CTN): Somente a lei pode estabelecer: (....) II – a majoração de tributos, ou sua
redução, ressalvado o disposto nos arts. 21.26,39,57 e 65; (....) IV – a fixação da alíquota do
tributo e da sua base de cálculo, ressalvado o disposto nos arts. 21,26,39,57 e 65; (...)
18
Cfe. CICONELO, Ricardo Malachias. Op. Cit., p. 554.
Genéricas de Valores e considerando-se ainda os limites aplicáveis à utilização
de presunções no campo do Direito Tributário, tem o contribuinte o justo e
fundado direito de divergir do valor exigido pela Administração Fazendária a título
de IPTU, todas as vezes que os valores lançados não correspondam àqueles que
são realmente praticados no mercado em relação ao imóvel tributado. Não se
pode perder de vista o fato de que a única presunção admitida em Direito
Tributário é a presunção relativa (iuris tantum), que , por definição, admite a prova
em contrário.19
Ademais, não convém esquecer, nas palavras da Dra. De Cesare,
que as avaliações realizadas para fins tributários dependem da aprovação de um
corpo político – o Poder Legislativo local – cuja resistência em aceitar avaliações
mais precisas é histórica, muitas vezes impondo restrições sérias aos efeitos das
avaliações no imposto, em função, por exemplo, da inflação, ao teor do que
dispõe a Súmula 160 do STJ, que impede a atualização de valores do IPTU
mediante ato exclusivo do Poder Executivo. Parte da problemática que envolve as
inconsistências nas avaliações deve-se também, a uma responsabilidade do
corpo legislativo municipal, que por injunções diversas acaba por gerar, por ação
ou omissão, uma violação clara ao princípio da isonomia e, conseqüentemente,
malferindo o da capacidade contributiva na apuração e determinação de critérios
de aferição do valor tributável lastreados em uma base de cálculo dissociada da
realidade.
Por fim, cabe enfatizar que a progressividade fiscal
instituída a partir da EC nº 29/2000 é o corolário – ou, como alguns doutrinadores
de escol afirmam, um refinamento – do princípio da capacidade contributiva e,
num grau axiologicamente superior, do princípio da isonomia, de modo que a
carga tributária seja mais significativa para os contribuintes que revelam superior
riqueza20
e menos onerosa para os cidadãos de mais baixa renda. Durante muito
tempo a capacidade contributiva foi vista como um princípio de natureza
econômica, muito mais do que jurídica. Hoje, com a juridicização do princípio da
capacidade contributiva, ele se tornou efetivo para, nas palavras de Misabel
Derzi21
, consagrar o princípio da isonomia, ou seja, “o dever imposto ao legislador
de distinguir disparidades”. A Constituição Federal de 1988, já no seu preâmbulo,
19
“Antes de mais importa recordar que as “Plantas Genéricas de Valores” consistem na fixação de
critérios genéricos de apuração dos valores do metro quadrado de terreno e de construção, dos
fatores de correção e dos métodos de avaliação. Revestem assim a natureza jurídica de presunções
legais, o que redunda no caso concreto em atribuir ao imposto sobre a propriedade predial e
territorial urbana uma base de cálculo presumida. (...) Ora, a planta genérica de valores não pode
revestir a natureza de uma presunção legal absoluta ou uma ficção legal. Se assim fosse, ela não
faria prova do valor venal do terreno ou de construção, mas substituir-se-ia à prova, dando como
provado precisamente aquilo que se pretende provar”. (“Presunções no Direito Tributário”, in
Caderno de Pesquisas Tributárias – Vol. 9 , Ed. Resenha Tributária, São Paulo, 1984, p. 93)
20
Elizabeth Nazar Carrazza (IPTU e Progressividade. Curitiba: Juruá Editora, 1ª ed. – 3ª tiragem,
2002, p. 91) afirma, com inteira razão, que “O IPTU – como todo e qualquer imposto – deve
obedecer ao princípio da capacidade contributiva, que vem expresso no artigo 145, § 1º, da
Constituição Federal. Por incidir sobre o direito de propriedade, a capacidade contributiva a que
alude a Constituição Federal – e que o legislador ordinário deverá levar em conta ao criar o imposto
– é de natureza objetiva. Refere-se a uma manifestação objetiva de riqueza do contribuinte (ter
um imóvel). Este o fato-signo presuntivo de riqueza, a que se refere ALFREDO AUGUSTO
BECKER.” (o grifo é nosso)
prestigiou expressamente o princípio da isonomia como um ‘superprincípio’, no
qual se consigna a instituição de um Estado Democrático de Direito, destinado a
assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança,
o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos
de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos. Albergar o princípio da
capacidade contributiva com a instituição da progressividade fiscal no IPTU é
garantir a todos o exercício da cidadania, devendo o ente estatal exercer um
papel decisivo e insubstituível na aplicação normativa do tributo e na execução
das políticas públicas condizentes com o que preceitua o preâmbulo de nossa
Magna Carta. Assim, justiça (legal) e eqüidade andarão juntas, sem que esta
tenha que ser, sempre, o corretivo daquela, na visão de Aristóteles.
21
DERZI, Misabel. Do imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana, SP, Saraiva Ed.,
1982, p.63.

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  • 1. A Progressividade Fiscal no IPTU e o Princípio da Capacidade Contributiva Marcelo Dias Ferreira Procurador do Município de Porto Alegre “A questão de saber qual é, de entre as possibilidades que se apresentam nos quadros do Direito a aplicar, a <correcta>, não é sequer – segundo o próprio pressuposto de que se parte – uma questão de conhecimento dirigido ao Direito positivo, não é um problema de teoria do Direito, mas um problema de política do Direito. A tarefa que consiste em obter, a partir da lei, a única sentença justa (certa) ou o único acto administrativo correcto é, no essencial, idêntica à tarefa de quem se proponha, nos quadros da Constituição, criar as únicas leis justas (certas). Assim como da Constituição, através de interpretação, não podemos extrair as únicas leis correctas, tão-pouco podemos, a partir da lei, por interpretação, obter as únicas sentenças correctas.” (KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito, 5ª ed., 1979, Colecção Studium, Armênio Amado ed. – Coimbra, p. 469) “A justiça e a eqüidade são a mesma coisa, embora a eqüidade seja melhor. O que cria o problema é o fato de o eqüitativo ser justo, mas não o justo segundo a lei, e sim um corretivo da justiça legal.” (ARISTÓTELES. Ética a Nicômacos. UnB, 3ª ed., 1992, p. 109) O propósito deste trabalho é, à luz das inovações trazidas pela Emenda Constitucional nº 29/2000 e do Estatuto das Cidades (Lei Federal nº 10.257/01), discutir o fenômeno da progressividade fiscal do Imposto Predial e Territorial Urbano - IPTU e sua relação jurídico-axiológica com o Princípio da Capacidade Contributiva, trazendo à baila algumas considerações sobre a herança romanista que classifica o tributo em tela como um imposto real e que, infelizmente, ainda resiste teimosamente em nossos pretórios unicamente para afastar, até mesmo com a mancha da inconstitucionalidade, a possibilidade da instituição do IPTU progressivo em razão do valor do imóvel. Recentemente, participando do Curso de Desarrollo Profesional sobre Impuestos a la Propiedad Inmobiliaria en América Latina, desenvolvido pelo Lincoln Institute of Land Policy, na cidade de Cambridge – Massachusetts - EUA, tivemos a chance de
  • 2. constatar, juntamente com representantes do México, Argentina, Chile, Colômbia, Uruguai, Venezuela, EUA e Nicarágua, dentre outros, a imensa dificuldade de aceitação da chamada progressividade fiscal do Imposto Predial e Territorial Urbano, inserido em uma política tributária que seja lastreada, em nível local, na eficiência econômica, na eqüidade, na redistribuição da riqueza, na governabilidade e no exercício da cidadania. Basicamente, parte-se do imperativo categórico de que o IPTU não é o melhor instrumento de redistribuição de riqueza, uma vez que é um imposto real, e não pessoal, inaplicável, portanto, a regra contida no § 1º do art. 145 da Constituição Federal; ademais, as alíquotas progressivas correriam o risco de afetar de forma mais acentuada as decisões econômicas dos contribuintes, sendo preferíveis outros modelos pela sua suposta “neutralidade”, como as alíquotas proporcionais, posto que – dados os deficientes modelos de aferição da base de cálculo do IPTU e das inconsistências dos cadastros imobiliários – o valor do imóvel não reflete necessariamente a capacidade contributiva do sujeito passivo. Ora, são proposições fundamentadas em dados consistentes, como se teve a oportunidade de verificar ao debater sobre as bases conceituais adequadas sobre o Imposto Predial, técnicas de avaliação, confecção de cadastros e atualização de mapas de valores, fórmulas alternativas à proporcionalidade de alíquotas, extrafiscalidade e evasão impositiva, além da elaboração e interpretação de indicadores que reflitam o desempenho de políticas públicas e sistemas de arrecadação a elas associados. Nesse sentido, cumpre inicialmente asseverar que o processo de redistribuição de riqueza é, também, parte da efetivação da função social da cidade, e o IPTU serve, sim, como um dos instrumentos desta política, pelo fato de lhe caberem algumas atribuições constitucionais atinentes à garantia e concretude de direitos fundamentais e sociais, como a igualdade, aos quais a propriedade e a cidade se vinculam em razão de suas funções. Logo, as grandes desigualdades sociais e econômicas que atingem os povos da América Latina (AL) se refletem no mapa da exclusão no espaço urbano, e a tributação imobiliária é o mecanismo que pode e deve ser utilizado enquanto instrumento efetivo de mudança sócio-econômica, influenciando de modo incisivo na estrutura das sociedades latino-americanas, dispondo o ente estatal de poder suficiente para redistribuir a riqueza de uma forma mais igualitária. Entretanto, para atingir este ideal de igualdade material, conferindo à tributação esta função distributiva, tem-se que necessariamente analisar, mesmo que de passagem, como a carga tributária – soma de todo o dinheiro que o governo recebe cobrando tributo dividido pelo valor da riqueza do país – no Brasil e em outros países latino-americanos, é significativamente mal distribuída. Ora, são as classes sociais e os setores menos favorecidos que têm a maior parte de seus rendimentos e recursos destinados ao financiamento do Estado, enquanto que as classes de renda mais elevada têm diversos benefícios e reduções tributárias. Isso significa que a elevação da carga tributária é feita com tributos indiretos e cumulativos, que geram distorções históricas nas economias
  • 3. destes países1 . Isto, em parte, explica porque o Brasil é um dos países com uma das maiores concentrações de renda do planeta, só comparada a de alguns paÍses da África Subsaariana2 . No equilíbrio de forças políticas, a tributação no Brasil – e não é muito diferente dos outros países da AL - tem sido usada como instrumento de concentração de renda, agravando o ônus fiscal dos mais pobres e aliviando o dos mais ricos. Para mitigar os reflexos perversos desta política tributária em relação aos menos favorecidos, deve a Administração Pública, em todas as esferas de atuação, reagir proativamente, conferindo plena efetividade ao princípio da capacidade contributiva e da função social da propriedade e da cidade, como corolários ao basilar princípio da igualdade tributária. Nesse diapasão, convém, de plano, questionar se, dentro do sistema jurídico-tributário nacional, a tese de que o IPTU é um tributo de natureza real e, portanto, incidente sobre a categoria da coisa que dá origem à obrigação tributária, não poderá levar em consideração a condição pessoal do sujeito passivo, e não poderá a expressão “sempre que possível” , contida no comando constitucional do § 1º do art. 145, ser interpretada de modo a abarcar todos os impostos, mas apenas aqueles que permitam a aplicação do princípio da capacidade contributiva (impostos ditos pessoais), afastando-se, consequentemente, a progressividade fiscal, restando somente às Municipalidades o trato da progressividade com finalidades extrafiscais, respeitadas as diretrizes do art. 182, § 4º, II, da CF/88 e art. 7º da Lei Federal nº 10.257/01. Tal discussão está atrelada, mesmo com o advento da Emenda Constitucional nº 29, de 14 de setembro de 2000 - que alterou substancialmente a redação do § 1º do art. 156 da CF3 e adicionou-lhe dois incisos, inaugurando expressamente a progressividade fiscal e balizando os critérios de seletividade de alíquotas enquanto instrumento regulador da ocupação urbana (localização e uso do imóvel) – ao julgamento do Recurso Extraordinário nº 153.771-0-MG (apreciado pelo Plenário do STF em 20.11.1996, nove votos a um, acórdão publicado no D.J.U., Seção I, em 05.09.1997, e na LEX-STF, vol. 229, pp. 177-219), que concluiu não ser admissível a progressividade 1 A taxinomia utilizada para distinguir os impostos em diretos e indiretos é, no entender de um amplo leque de teóricos do Direito Tributário, desprovida de qualquer conteúdo jurídico. Convém esclarecer que estamos utilizando-a neste caso, tão-somente, para evidenciar que, nos chamados ‘impostos sobre o consumo’, o repasse da carga impositiva tributária é um fato econômico real. 2 Informe do FORUM BRASIL CIDADÃO, “Justiça Fiscal e Social para Reconstruir o Brasil”, 2002, p.08. 3 “Art. 156. Compete aos Municípios instituir impostos sobre: (...) I – propriedade predial e territorial urbana; (...) § 1º - Sem prejuízo da progressividade no tempo a que se refere o art. 182, § 4º, II, o imposto previsto no inciso I poderá: I – ser progressivo em razão do valor do imóvel; e II – ter alíquotas diferentes de acordo com a localização e o uso do imóvel. (Parágrafo dado pela EC 29, de 13.09.2000)”
  • 4. arrecadatória (ou fiscal), devido ao caráter real do IPTU, restando a respectiva ementa assim consignada, verbis: “EMENTA: IPTU. Progressividade. No sistema tributário nacional é o IPTU inequivocamente um imposto real. Sob o império da atual Constituição, não á admitida a progressividade fiscal do IPTU, quer com base exclusivamente no seu art. 145, § 1º, porque esse imposto tem caráter real que é incompatível com a progressividade decorrente da capacidade econômica do contribuinte, quer com arrimo na conjugação desse dispositivo constitucional (genérico) com o artigo 156, § 1º (específico). A interpretação sistemática da Constituição conduz inequivocamente à conclusão de que o IPTU com finalidade extrafiscal a que alude o inciso II do § 4º do artigo 182 é a explicitação especificada, inclusive com limitação temporal, do IPTU com finalidade extrafiscal aludido no artigo 156, I, § 1º. Portanto, é inconstitucional qualquer progressividade, em se tratando de IPTU, que não atenda exclusivamente ao disposto no artigo 156, § 1º, aplicado com as limitações expressamente constantes dos §§ 2º e 4º do artigo 182, ambos da Constituição Federal. Recurso Extraordinário provido, declarando-se inconstitucional o sub-item 2.2.3 do setor II da Tabela III da Lei 5.641, de 22.12.89, no Município de Belo Horizonte.” No voto vencedor do RE 153.771-0, que conduziu toda a jurisprudência do STF à negativa de constitucionalidade das alíquotas progressivas em função do valor venal dos imóveis, buscou-se a força no Direito Financeiro, o qual sempre advogou pela distinção entre impostos reais e pessoais, manifestando-se o eminente Ministro Moreira Alves nos seguintes termos: “(...)Ora, no sistema tributário nacional, é o IPTU inequivocamente um imposto real, porquanto tem ele como fato gerador a propriedade, o domínio útil ou a posse de imóvel localizado na zona urbana do Município, sem levar em consideração a pessoa do proprietário, do titular do domínio útil ou do possuidor, tanto assim que o Código Tributário Nacional ao definir seu fato gerador e sua base de cálculo não leva em conta as condições da pessoa do sujeito passivo. E mais: no artigo 130 estabelece que ‘os créditos tributários relativos a impostos cujo fato gerador seja a propriedade, o domínio útil ou a posse de bens imóveis,(...),subrogam-se na pessoa dos respectivos adquirentes, salvo quando conste do título a prova de sua quitação’, o que implica dizer que, se não constar do título de transmissão a prova de quitação desses impostos
  • 5. (inclusive, portanto, o IPTU), o sujeito passivo do imposto devido anteriormente à transmissão do imóvel passa a ser o adquirente, o que importa concluir que essa obrigação tributária, nesse caso, de certa forma, se aproxima da obrigação ob ou propter rem, também denominada obrigação ambulatória, porque o devedor não é necessariamente o proprietário, titular do domínio útil ou possuidor ao tempo em que ocorreu o fato gerador e nasceu a obrigação tributária, mas pode ser o que estiver numa dessas posições quando da exigibilidade do crédito tributário, circunstância esta que mostra, claramente, que nesses impostos não se leva em consideração a capacidade contributiva do sujeito passivo (...)” Em suma, objetivou o Pretório Excelso fixar o seguinte balizamento: os impostos reais, tal como o IPTU, são incompatíveis com o sistema de progressividade (fiscal), por não levarem em consideração a pessoa do sujeito passivo, de modo que a esta espécie de imposto não pode ser aplicado o princípio da capacidade contributiva, expresso genericamente no art. 145, § 1º, da Magna Carta. Na verdade, como dito pelo eminente Professor Hugo de Brito Machado4 , não existe na Constituição Federal de 1988 qualquer vedação ao emprego do princípio da capacidade contributiva em relação aos impostos reais, mas, muito pelo contrário, nela existe norma expressa que o preconiza, como demonstra: “Primeiro, note-se que o § 1º do art. 145 não veda de modo nenhum a realização do princípio da capacidade contributiva relativamente aos impostos reais. É certo que preconiza, tenham os impostos, sempre que possível, caráter pessoal e sejam graduados em função da capacidade econômica do contribuinte. Isto, porém, não quer dizer que só os impostos de caráter pessoal sejam instrumentos de realização do princípio da capacidade econômica, ou contributiva. “À primeira vista, pode parecer que os impostos reais não se prestam para a realização do princípio da capacidade contributiva. Na verdade, porém, assim não é. No dilema entre a justiça e a produtividade, o legislador contemporâneo inclina-se para soluções transacionais, introduzindo certa dose de personalização em impostos outrora havidos como de natureza real.(....) “Entendemos que não apenas a natureza de certos produtos, mercadorias e serviços, presta-se 4 MACHADO, Hugo de Brito. Progessividade e Seletividade no IPTU. In “IPTU, Aspectos Jurídicos Relevantes”, Coord. Marcelo Magalhães Peixoto – São Paulo: Quartier Latin, 2002. P. 259-62.
  • 6. para demonstrar capacidade contributiva, como também, muitas vezes, o local, o ambiente, as circunstâncias em que ocorre o consumo, ou o uso, do produto, mercadoria ou serviço. Daí sustentarmos a conveniência da instituição de um imposto que tenha como elemento essencial de sua hipótese de incidência o caráter suntuário de consumo,ou uso, do bem ou serviço. Quem se hospeda, ou almoça, ou simplesmente consome uma cerveja, ou mesmo um refrigerante, em um hotel cinco estrelas, seguramente está demonstrando que tem uma capacidade econômica bastante acima da capacidade econômica média dos brasileiros. É justo que as pessoas tenham a liberdade de desfrutar dos bens materiais de que podem dispor, porque são ricas. Essa liberdade o Estado deve assegurar. É justo, entretanto, que paguem por isso, contribuindo para a manutenção dos serviços públicos que o Estado deve prestar, especialmente em favor dos mais carentes. “Não se deve, portanto, afastar dos impostos ditos reais o princípio da capacidade contributiva. Pelo contrário, tal princípio deve ser aplicado intensamente em relação a eles. As alíquotas do IPI, por exemplo, estão a merecer uma profunda reformulação, de sorte a que se cumpra mais rigorosamente o preceito constitucional que ordena seja ele seletivo em função da essencialidade do produto. Também as alíquotas do ICMS devem ser mais acentuadamente seletivas em função da essencialidade das mercadorias e serviços tributados. “Por fim, é importante que se esclareça, porém, que o fato de ser utilizado um imposto, como o IPI, para a realização do princípio da capacidade contributiva, como se colocou acima, não confere a esse imposto um caráter pessoal. Por maior que seja o seu grau de seletividade em função da essencialidade do produto, segue sendo ele tipicamente um imposto real. Pela mesma razão, o fato de ter um imposto caráter pessoal não significa que esse imposto realiza o princípio da capacidade contributiva. Imposto de caráter pessoal, repita-se, é aquele cujo valor é determinado tendo-se em consideração as condições pessoais do contribuinte, não necessariamente para o fim de verificar a sua capacidade contributiva.” Vê-se, pois, nitidamente, que não é porque o IPTU seja um imposto classificado como real que não possa se permitir à Administração Tributária Municipal aplicar o princípio da capacidade contributiva. Tal equívoco a respeito da temática foi, recentemente, explicitado em decisão de primeira instância no Judiciário Paulista, onde, em sentença proferida pela MMª Juíza de Direito da 14ª Vara da Fazenda Pública de São Paulo, Dra. Christine Santini, nos autos do Mandado de Segurança nº 053.02.005274-2, impetrado pela empresa ALLPAC EMBALAGENS LTDA., a ilustre magistrada declarou incidentalmente a
  • 7. inconstitucionalidade da EC nº 29/2000, fundamentando seu entendimento na classificação dos impostos em reais e pessoais, e que a aplicação da progressividade de alíquotas em razão do valor do imóvel feriria o princípio da isonomia entre os contribuintes, razão pela qual afastou do ordenamento jurídico a Lei Municipal nº 13.250/2001, que havia instituído a progressividade no Município de São Paulo. Obviamente, por se tratar de matéria sujeita a duplo grau de jurisdição, poderá ser reformada pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, mas, em função da orientação traçada pelo Supremo Tribunal Federal no Recurso Extraordinário nº 153.771-0-MG, são grandes as chances de sua manutenção in totum pelos tribunais superiores. De qualquer modo, tem-se que a relação jurídico- tributária a envolver o fisco e o contribuinte, ou responsável tributário, é de ordem pessoal, obrigacional, e não real. A expressão “sempre que possível”, ao nosso sentir, não foi colocada no § 1º do art. 145 da CF, no intuito de excluir do albergue do princípio da capacidade contributiva os impostos reais, porque, se a vontade do legislador originário fosse a de realizar esta exclusão, o teria feito expressamente, e não o fez.5 Ressalte-se que a progressividade fiscal no IPTU não somente como finalidade a realização do princípio da capacidade contributiva, mas é, em última instância, a concretização de um ideal de igualdade material e de justiça fiscal. Para o doutor Everardo Maciel, citado pelo Prof. Hugo Machado em seu artigo, a igualdade que realiza a justiça é a igualdade horizontal. A nosso ver, entretanto, a máxima aristotélica que citamos no prefácio deste trabalho e que foi eternizada pelo insigne Rui Barbosa diz diferente: a verdadeira igualdade consiste em aquinhoar desigualmente aos desiguais na medida em que se desigualam6 : 5 A respeito do assunto, são louváveis as palavras de Sacha Calmon Navarro Coelho, em seu Manual de Direito Tributário, 2ª ed., RJ: Forense, 2002, p.206: “É notável, no particular, como tratadistas de renome, tirantes os leguleios, continuam a proclamar que o IPTU é um imposto real, denunciando com isso: a) a má assimilação de lição da Ciência das Finanças; e b insuficiente acuidade de análise jurídica, decorrente de repetição, sem espírito crítico, de avelhantadas afirmações. Sem embargo, estamos convencidos de que tal vezo enraíza-se, a par dos vícios acima expostos, em uma lembrança mal compreendida de certo tipo obrigacional que existia entre os romanos. Referimo-nos à obrigação ambulatória, em que a prestação era certus na e certus quando, mas o sujeito passivo tanto podia ser conhecido como não, por isso que a coisa ambulava com o dono, e este nem sempre era o mesmo (ambulant cum dominus). Este tipo de obrigação era comum em tributos que recaíam sobre bens imóveis, terras e edificações. Os romanos não se preocupavam com a coisa, por isso que a sua propriedade ‘ambulava’, em sentido legal, com seu dono, e este era exatamente quem devia pagar o tributo, fosse lá quem fosse. A muitos pareceu que a pessoa não tinha importância, mas a coisa, irrelevante o seu dominus, daí a idéia de um tributo real. Ora, dava-se extamente o contrário. A pessoa do proprietário era o que importava, por isso que o tributo incidia sobre a condição jurídica ‘ ser proprietário’: o imposto era pessoal. Real era o direito.” 6 Com o surgimento e a evolução do Estado Democrático de Direito, passou-se a buscar as efetivas dimensões do princípio da igualdade e, num primeiro momento, partiu-se do pressuposto da existência de uma igualdade material de todos os cidadãos, sintetizada no pensamento de Rui Barbosa. Ocorre, porém, conforme assevera Elizabeth Carraza, em obra adiante citada, “que no mundo fático não existe a igualdade absoluta. As desigualdades existem e decorrem da própria
  • 8. “Portanto, na tributação, alguém que possua um imóvel de valor elevado, ou de pequeno valor, ou localizado em bairro pobre, com utilização ou destinação comercial, ou prestação de serviços, para residência ou atividade essencial ou supérflua, todas estas situações são diferenciações relevantes que justificam o tratamento diferenciado na tributação do IPTU.7 Como salientado no início, uma das razões que sustentam a manutenção, em nosso sistema tributário, da chamada proporcionalidade de alíquotas, é a de que ela seria, em tese, um sistema supostamente “neutro”, posto que lastreado em pressupostos legais tendentes à realização da garantia constitucional da vedação ao confisco, enunciadas no artigo 150, inciso IV, da CF/88. Ora, proporcionais seriam os impostos cujo valor a pagar é definido, em cada caso, pela conjugação de dois elementos estabelecidos abstratamente na lei instituidora: base de cálculo e alíquota. A base de cálculo, nos impostos proporcionais, é grandeza ou medida de valor, estabelecida abstratamente na lei (no caso do IPTU, o valor venal do imóvel). A alíquota, por seu turno, é o percentual, a parte da grandeza que representará, após singela operação aritmética, o exato valor do imposto devido. É a alíquota, pois, o elemento definidor da parte do signo presuntivo de riqueza que deverá ser recolhido aos cofres estatais. Nos impostos proporcionais, o montante a pagar a título de imposto será, sempre, proporcionalmente igual, independentemente das características de cada contribuinte, uma vez que nesses impostos a alíquota é única, invariável. Obviamente que o montante a pagar, de acordo com o valor ‘in concreto’ da base de cálculo, será maior ou menor conforme o seja a riqueza tributada. Em tese, alguns tratadistas renomados sustentam que a proporcionalidade – obtida pela aplicação de uma alíquota única sobre base tributável variável – é um instrumento de justiça fiscal ‘neutro’, onde se realiza de forma ideal o princípio da capacidade contributiva, que, em síntese, postula que o desembolso de cada qual seja proporcional à grandeza da expressão econômica do fato tributado. Sem querer entrar a fundo nas divergências doutrinárias a respeito da questão de saber se a proporcionalidade realiza ou não uma justiça fiscal ‘neutra’, a realidade é que, na insofismável lição de Geraldo Ataliba8 , “os impostos que não sejam progressivos – mas que tenham a pretensão de neutralidade – na verdade, são regressivos, resultando em injustiça e inconstitucionalidade. A progressividade é constitucionalmente postulada, tanto a de caráter fiscal (inerente ao próprio tributo) como a extrafiscal (promoção de uma igualação social – eliminação da desigualdade), o favorecimento dos desvalidos, a criação de empregos, o desenvolvimento econômico, a melhoria das condições de vida, a proteção do meio ambiente, etc., natureza. Devem, porém, ser minimizadas pelo Estado, no desempenho de suas funções, sempre que, ao lume da Carta Fundamental, sejam ilegítimas.” 7 ATALIBA, Geraldo. Hipótese de Incidência Tributária. 6ª ed., Malheiros ed., 2000, p. 141. 8 ATALIBA, Geraldo. Progressividade e Capacidade Contributiva, Separata da Revista de Direito Tributário, 1991, p. 49.
  • 9. são valores que mereceram do constituinte especial encômio.” Cumpre verificar que a eficácia do sistema tributário brasileiro, calcado nos princípios e valores definidos na Magna Carta, deixa claro que a exacerbação do individualismo econômico produz uma crescente desigualdade de renda, intensada pelas vicissitudes imanentes ao nosso capitalismo tardio. No crescente apelo por políticas eqüitativas reside o dilema: toda a ação afirmativa do Estado, destinada a distribuir a riqueza social, tende a expandir o conceito de incidência tributária para além das fronteiras tênues da autolimitação da liberdade, pois afeta as esferas do mínimo existencial e do não-confisco. Diante do paradoxo, o sistema tributário acaba por operar de maneira regressiva sobre a população, incidindo gravemente, em termos relativos à renda, nas famílias com menor poder aquisitivo, constituindo-se num dos fatores que contribui decisivamente para a manutenção dos níveis de concentração de renda e de desigualdade sociais observados no país, muito embora, como é sabido, as origens destes problemas sejam bem mais complexos e estejam além da inequívoca tributação regressiva praticada pelo Estado em relação ao imposto imobiliário9 . A tese da regressividade dos impostos proporcionais recebeu guarida em estudo que honrou a Dra. Claudia De Cesare - assessora em assuntos relacionados à tributação imobiliária e avaliação de imóveis da Secretaria da Fazenda do Município de Porto Alegre - com o Ph.D pela Universidade de Saltford – Inglaterra10 . Fundamentalmente, defende a Profª. De Cesare que a instituição do tributo imobiliário com alíquotas progressivas contribui para tornar o Sistema Tributário Nacional menos regressivo e, portanto, mais justo. E assim justifica: “Diversos estudos prévios identificam que, à medida em que a renda aumenta, os gastos com habitação ocupam uma percentagem menor da renda das famílias. A adoção de uma alíquota única (para imóveis de uso residencial, p.ex.) para o imposto imobiliário resultaria em uma tendência a regressividade, isto é, na incidência de uma carga tributária maior proporcionalmente sobre as famílias mais pobres. (...) Aplicar alíquotas progressivas para o cálculo do imposto sobre a propriedade imobiliária tendo por objetivo a progressividade fiscal do 9 Estereotipada por longos anos de vida rural, um dos efeitos da improvisação quase forçada de uma espécie de burguesia urbana no Brasil, está o que Sérgio Buarque de Holanda (in “Raízes do Brasil” – 21ª ed., Rio de Janeiro: José Olympio, 1989, p. 55) chama de “mentalidade de casa- grande”, que invadiu as cidades e conquistou todas as pessoas, sem exclusão das mais humildes. Ou seja, num país que, durante a maior parte de sua existência, foi terra de senhores e escravos, os centros urbanos brasileiros, desde os seus primórdios, nunca deixaram de se ressentir fortemente da ditadura dos domínios rurais. (n. do autor) 10 DE CESARE, Claudia Monteiro. An Empirical Analysis of a Property Tax System: a Case Study from Brazil.
  • 10. tributo, isto é, gerar uma carga tributária maior proporcionalmente para as famílias de maior capacidade econômica, é uma decisão de cunho fortemente ideológico. A análise apresentada no presente estudo demonstrou que a adoção de uma alíquota única (invariável) para os imóveis residenciais resulta em um imposto sobre a propriedade imobiliária regressivo. Ou seja, a carga tributária do IPTU é maior proporcionalmente para as famílias de menor capacidade econômica, porque o imposto absorve uma parcela maior da renda das famílias de baixa renda. Esta conclusão está diretamente relacionada à inerente regressividade do imposto sobre a propriedade, causada pelo fato de que as famílias mais ricas precisam de menos meses de salário para adquirir um imóvel. A associação da regressividade inerente do imposto com a extrema concentração de riquezas existente sugere que alíquotas progressivas poderiam ser aplicadas para tornar o IPTU mais justo. O uso de alíquotas progressivas para o IPTU seria recomendável se a progressividade introduzida servisse para eliminar a característica regressiva do imposto proporcional, contribuindo para um sistema ‘neutro’. Neste sentido, a diferenciação de alíquotas seria estabelecida dentro dos limites da razoabilidade, visando apenas à correção do viés identificado na relação entre o ‘Preço do Imóvel’ e a ‘Renda Familiar’.” (o grifo é meu) Esta razoabilidade se estabelece, como decorrência lógica do princípio da capacidade contributiva, com a limitação imposta pelo art. 150, inciso IV, da CF, que veda à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios a utilização do tributo com efeito de confisco, donde decorre que o confisco em si mesmo será vedado – salvo aquele do art. 243 e § único, referente às glebas utilizadas para o cultivo ilegal de plantas psicotrópicas – ainda que não seja consequência de tributo. Também a razoabilidade na instituição de alíquotas progressivas se estabelece num outro patamar, que o filósofo do direito Siches chama de lógica do razoável e que contemplaria, ao lado da justiça, o conjunto de valores11 que formam o direito enquanto ciência de objeto cultural, que nos valiosos ensinamentos de Dilthey, somente pela ‘compreensão’ podemos conhecê-lo, e não pela ‘explicação’, constituindo aquilo que já se denominou método empírico-dialético12 . Nesse sentido, é preciso ter em linha de conta, como já citado pela Dra. De Cesare, as decisões de forte cunho ideológico que envolvem a instituição, pelos Municípios brasileiros e da AL, da progressividade fiscal do IPTU. Obviamente, interesses poderosos tentarão obstaculizar, de 11 Conforme ensina A L. Machado Neto, in Compêndio de Introdução à Ciência do Direito, Ed. Saraiva, São Paulo, 1969, p. 75, ao lado do justo, costuma-se afirmar que formam o plexo axiológico-jurídico um total de sete valores: ordem, segurança, poder, paz, cooperação, solidariedade e justiça e, ao se privilegiar, demasiadamente, um dos valores, por maior importância que possa ter, no caso, a busca do justo, fatalmente se desatenderá aos demais. 12 Conforme Machado Neto, op. Cit., onde resume a teoria de Wilhelm Dilthey e aprecia a formulação, com base nela, de Cóssio, sobre o método empírico-dialético, p. 268.
  • 11. qualquer forma, a implantação nos Municípios do comando constitucional insculpido no inciso I do § 1º do art. 156 da CF, com a redação dada pela EC nº 29/2000. E, para evitar um raciocínio jurídico empreendido a partir de uma lógica formal (obtida através da exegese de um dispositivo legal, por exemplo) que conduza a uma conclusão dúbia, irritante, agressiva aos valores prestigiados pelo direito, causando uma insegurança jurídica que inevitavelmente abarrotará as mesas dos juízes, promotores e procuradores de municípios, é preciso, sempre , ter em mente, que por objeto visamos problemas humanos, de natureza jurídica e política e que devem, por isso, ser compreendidos em seus sentidos e conexões de significados, operando sempre com valores e estabelecendo finalidades e propósitos. Conseqüentemente, dois aspectos – citados pelo Prof. Gilberto Marques Bruno, em magistral arrazoado13 -, devem ser observados, ao lado da já citada obediência ao princípio constitucional da vedação da utilização do tributo com efeito de confisco: (i) tanto o Poder Executivo, quanto o Poder Legislativo Municipal, têm o dever legal de respeitar os preceitos consubstanciados na Carta de Regência Brasileira, destacando-se entre eles, os direitos e garantias individuais, o processo legislativo, a hierarquia das leis e, dentro do Sistema Tributário Nacional, o Capítulo que cuida das limitações constitucionais ao poder de tributar (em geral). A fiel observância de tais preceitos, adicionando-se o cumprimento ao disposto nas Constituições Estaduais e também nas Leis Orgânicas Municipais, enseja a edição de atos normativos essencialmente legalizados, evitando-se, assim, as incansáveis discussões no âmbito do Poder Judiciário em todos os seus níveis; e (ii) a progressividade fiscal no IPTU deve se adequar à realidade de cada uma das administrações nas mais diferentes localidades do Brasil, onde os representantes do executivo municipal, na medida em que estejam exercendo seus papéis de administradores da coisa pública, o façam com lisura e respeito aos contribuintes, instituindo alíquotas progressivas em razão do valor do imóvel dentro de critérios de bom senso e razoabilidade, de sorte que as exações tributárias não viessem, ao longo do tempo, representar perda patrimonial, reduzindo o valor econômico dos imóveis. Também em termos de bom senso e razoabilidade, dentro dos parâmetros de uma proposta de redução da iniqüidade na tributação imobiliária, uma crítica relevante tem sido feita aos deficientes modelos de aferição da base de cálculo do IPTU e das inconsistências dos cadastros imobiliários – com isto, sustentam alguns, o valor do imóvel não reflete necessariamente a capacidade contributiva do sujeito passivo e, portanto, se hoje podemos eliminar a regressividade do sistema proporcional por meio de alíquotas progressivas, podemos ter na chamada base imponível (base de cálculo em concreto) uma série de distorções e erros que fatalmente levarão a um outro tipo 13 BRUNO, Gilberto Marques. A Progressividade do Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana. In IPTU, Aspectos Jurídicos Relevantes. Coord. Marcelo Magalhães Peixoto – São Paulo: Quartier Latin, 2002, p. 215.
  • 12. de regressividade, ensejadora de séria iniqüidade na distribuição da carga tributária. Sobre este assunto, com propriedade, disserta a Profª. DE CESARE: “A Regressividade no imposto sobre a propriedade imobiliária pode resultar basicamente de duas fontes: imperfeita administração e intrínseca natureza do imposto (Paglin e Fogarty, 1972; Edelstein, 1979); o grau de eqüidade das avaliações empregadas no estabelecimento da base de cálculo do imposto, isto é, do valor de mercado dos imóveis, depende diretamente dos seguintes fatores: - habilidade de avaliar os imóveis com acurácia; - habilidade de controlar a qualidade das avaliações; - realização de reavaliação dos imóveis em intervalos curtos de tempo para garantir que alterações no mercado imobiliário sejam refletidas nas avaliações; e - existência de cadastro de imóveis adequado, contendo os principais elementos responsáveis pela formação dos preços dos imóveis. “Naturalmente que distorções e erros na avaliação da base de cálculo do imposto afetam diretamente a distribuição da carga tributária. Ou seja, devido unicamente à baixa qualidade das avaliações, isto é, imperfeições na administração do imposto, a carga tributária pode ser equivocamente transferida entre diferentes grupos de renda e mesmo internamente entre os elementos que compõem cada grupo (Sabella, 1975). Portanto, a precisa avaliação da base de cálculo do imposto é imprescindível para a justiça fiscal.” (o grifo é meu) Deve-se, portanto, identificar quais são os limites constitucionais e legais colocados à disposição dos legisladores municipais no que se refere a determinação da base de cálculo do IPTU, uma vez que tal determinação guarda intrínseca relação com a possibilidade de cobrança deste imposto de maneira progressiva. No que concerne exclusivamente à determinação da base de cálculo do IPTU, necessário se faz compreender o que deve ser entendido, então, por ”valor venal do imóvel”, expressamente referido no art. 33 do Código Tributário Nacional (CTN), bem como esclarecer a quem compete definir este seu valor e qual o veículo adequado para sua entrada no mundo jurídico. Considerando que a lei determina que a base de cálculo seja o valor de mercado do imóvel, como salienta Nygaard14 , “é vedado que a administração utilize métodos ou critérios de avaliação inconsistentes e dissociados da realidade; a abstrata definição, em lei, do critério de aferição do valor tributável, determina que, concretamente, em cada fato imponível, seja o valor concreto correspondente à descrição legal; quer dizer, se a lei diz que a base de cálculo é o valor de mercado, necessariamente o valor concretamente 14 NYGAARD, Gustavo. Presupuestos Legales y Constitucionales para la Creación de Impuestos sobre la Propiedad Urbana. Texto interno ao Curso de Desarrollo Profesional sobre Impuestos e Ça Propiedad Inmobiliaria, Lincoln Institute of Land Policy, Cambridge – USA, 2003.
  • 13. atribuído a cada imóvel deverá corresponder ao seu valor de mercado no momento da ocorrência do fato gerador.” Analisando a definição de valor venal, o Prof. Aires Fernandino Barreto afirma que “é possível conceituar valor venal como o valor normal que qualquer bem comercial obtém no mercado. A seu turno, valor venal do imóvel nada mais é do que espécie desse gênero e como tal não foge às regras que ditam a apuração dos demais valores venais. Os valores venais, quaisquer que sejam, são sempre decorrentes das forças econômicas que caracterizam a lei da oferta e da procura; todavia, ademais disso, são valores altamente influenciados por fatores psicológicos ou subjetivos. Por isso, é temerário afirmar que na sua busca se venha a encontrar alguma coisa mais precisa do que um ‘ valor provável de venda’.”15 Como pode-se facilmente depreender, a determinação da base de cálculo do IPTU não possui uma precisão matemática, sendo, desta forma, presumido em relação aos valores que podem ser obtidos no mercado por aquele imóvel. Entretanto, como pressuposto inerente ao princípio da isonomia, a presunção daquele valor torna-se necessária, devendo ficar adstrita aos limites legalmente aceitos, que permitam ao contribuinte demonstrar, cabalmente, qualquer discrepância existente entre a valoração inicialmente determinada e a realmente obtida nas negociações ocorridas em situações reais, possibilitando a adequação do valor presumidamente fixado, se for o caso16 . No caso do IPTU, a definição do valor venal dos imóveis se dá através da edição, veiculada por intermédio de lei strictu sensu17 , da chamada Planta Genérica de Valores, utilizada como padrão para determinar a valorização dos imóveis nas transações realizadas naquele local. Ou seja, como garantia ao princípio do tratamento isonômico entre contribuintes que se encontrem na mesma situação, os municípios, baseados nos negócios realizados e na experiência adquirida em relação ao seu território, “presumem que determinado imóvel possa atingir um certo valor em caso de negociação e, assim sendo, admitem este valor como verdadeiro num primeiro momento, para fins de lançamento do imposto”.18 As eventuais inconsistências nas avaliações utilizadas para a determinação da base de cálculo do tributo imobiliário não são óbices tendentes a impedir a prevalência do princípio da capacidade contributiva, uma vez que, mesmo admitindo-se devidamente veiculadas as referidas Plantas 15 BARRETO, Aires Fernandino. Imposto Predial e Territorial Urbano – IPTU, in Curso de Direito Tributário, vol. 2, 2ª Edição, Ed. CEJUP, Belém, 1993, p. 318. 16 Cfe. CICONELO, Ricardo Malachias. O Imposto sobre Propriedade Predial e Territorial Urbano – IPTU e sua Base de Cálculo, in IPTU, Aspectos Jurídicos Relevantes. Coord. Marcelo Magalhães Peixoto – São Paulo: Quartier Latin, 2002, p. 553. 17 “Art. 97 (CTN): Somente a lei pode estabelecer: (....) II – a majoração de tributos, ou sua redução, ressalvado o disposto nos arts. 21.26,39,57 e 65; (....) IV – a fixação da alíquota do tributo e da sua base de cálculo, ressalvado o disposto nos arts. 21,26,39,57 e 65; (...) 18 Cfe. CICONELO, Ricardo Malachias. Op. Cit., p. 554.
  • 14. Genéricas de Valores e considerando-se ainda os limites aplicáveis à utilização de presunções no campo do Direito Tributário, tem o contribuinte o justo e fundado direito de divergir do valor exigido pela Administração Fazendária a título de IPTU, todas as vezes que os valores lançados não correspondam àqueles que são realmente praticados no mercado em relação ao imóvel tributado. Não se pode perder de vista o fato de que a única presunção admitida em Direito Tributário é a presunção relativa (iuris tantum), que , por definição, admite a prova em contrário.19 Ademais, não convém esquecer, nas palavras da Dra. De Cesare, que as avaliações realizadas para fins tributários dependem da aprovação de um corpo político – o Poder Legislativo local – cuja resistência em aceitar avaliações mais precisas é histórica, muitas vezes impondo restrições sérias aos efeitos das avaliações no imposto, em função, por exemplo, da inflação, ao teor do que dispõe a Súmula 160 do STJ, que impede a atualização de valores do IPTU mediante ato exclusivo do Poder Executivo. Parte da problemática que envolve as inconsistências nas avaliações deve-se também, a uma responsabilidade do corpo legislativo municipal, que por injunções diversas acaba por gerar, por ação ou omissão, uma violação clara ao princípio da isonomia e, conseqüentemente, malferindo o da capacidade contributiva na apuração e determinação de critérios de aferição do valor tributável lastreados em uma base de cálculo dissociada da realidade. Por fim, cabe enfatizar que a progressividade fiscal instituída a partir da EC nº 29/2000 é o corolário – ou, como alguns doutrinadores de escol afirmam, um refinamento – do princípio da capacidade contributiva e, num grau axiologicamente superior, do princípio da isonomia, de modo que a carga tributária seja mais significativa para os contribuintes que revelam superior riqueza20 e menos onerosa para os cidadãos de mais baixa renda. Durante muito tempo a capacidade contributiva foi vista como um princípio de natureza econômica, muito mais do que jurídica. Hoje, com a juridicização do princípio da capacidade contributiva, ele se tornou efetivo para, nas palavras de Misabel Derzi21 , consagrar o princípio da isonomia, ou seja, “o dever imposto ao legislador de distinguir disparidades”. A Constituição Federal de 1988, já no seu preâmbulo, 19 “Antes de mais importa recordar que as “Plantas Genéricas de Valores” consistem na fixação de critérios genéricos de apuração dos valores do metro quadrado de terreno e de construção, dos fatores de correção e dos métodos de avaliação. Revestem assim a natureza jurídica de presunções legais, o que redunda no caso concreto em atribuir ao imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana uma base de cálculo presumida. (...) Ora, a planta genérica de valores não pode revestir a natureza de uma presunção legal absoluta ou uma ficção legal. Se assim fosse, ela não faria prova do valor venal do terreno ou de construção, mas substituir-se-ia à prova, dando como provado precisamente aquilo que se pretende provar”. (“Presunções no Direito Tributário”, in Caderno de Pesquisas Tributárias – Vol. 9 , Ed. Resenha Tributária, São Paulo, 1984, p. 93) 20 Elizabeth Nazar Carrazza (IPTU e Progressividade. Curitiba: Juruá Editora, 1ª ed. – 3ª tiragem, 2002, p. 91) afirma, com inteira razão, que “O IPTU – como todo e qualquer imposto – deve obedecer ao princípio da capacidade contributiva, que vem expresso no artigo 145, § 1º, da Constituição Federal. Por incidir sobre o direito de propriedade, a capacidade contributiva a que alude a Constituição Federal – e que o legislador ordinário deverá levar em conta ao criar o imposto – é de natureza objetiva. Refere-se a uma manifestação objetiva de riqueza do contribuinte (ter um imóvel). Este o fato-signo presuntivo de riqueza, a que se refere ALFREDO AUGUSTO BECKER.” (o grifo é nosso)
  • 15. prestigiou expressamente o princípio da isonomia como um ‘superprincípio’, no qual se consigna a instituição de um Estado Democrático de Direito, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos. Albergar o princípio da capacidade contributiva com a instituição da progressividade fiscal no IPTU é garantir a todos o exercício da cidadania, devendo o ente estatal exercer um papel decisivo e insubstituível na aplicação normativa do tributo e na execução das políticas públicas condizentes com o que preceitua o preâmbulo de nossa Magna Carta. Assim, justiça (legal) e eqüidade andarão juntas, sem que esta tenha que ser, sempre, o corretivo daquela, na visão de Aristóteles. 21 DERZI, Misabel. Do imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana, SP, Saraiva Ed., 1982, p.63.