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Reflexões sobre a Proposta de Reforma Tributária (PEC nº 233/2008)
Marcio Roberto Alabarce1
O sistema constitucional tributário criado pelo constituinte de 1.988 revela um sistema
tributário que aproveitou a experiência acumulada durante a vigência das Constituições
anteriores, especialmente no que se refere aos tributos que oneram o consumo de bens,
serviços e outras utilidades em geral. Desde a promulgação do novo texto constitucional,
porém, não foram poucas as ocasiões em que mudanças no sistema tributário nacional foram
colocadas em debate. Basta dizer que, desde 1.988, a Constituição foi modificada 17 vezes
pela inserção, modificação ou supressão de enunciados no texto da Constituição Federal,
efetivada pela promulgação de emendas constitucionais relativas à tributação.
Todas essas alterações, como se sabe, não foram suficientes para que os diversos
agentes sociais – governos e iniciativa privada – considerassem suas demandas ou
insatisfações satisfeitas. Pelo contrário, cada uma das modificações introduzidas nos
diferentes tributos criou novas insatisfações, novas demandas, e, por conseguinte, novas
regulações, e assim sucessivamente. A história do regime não-cumulativo do PIS e da
COFINS é um bom exemplo de como isso ocorreu. Baseando-se nas pressões particulares
para a instituição de regimes não-cumulativos para a cobrança dessas contribuições, foram
editadas as leis básicas disciplinadoras desses regimes, as Leis nº 10.637/02 e 10.833/03. O
que foi postulado por vários anos, de um momento para outro passou a ser relevante e urgente
a ponto de justificar a edição das Medidas Provisórias, posteriormente convertidas nas
mencionadas leis. E, sem que tenha havido debate mais aprofundado sobre aqueles regimes,
os mesmos logo se mostraram deficientes, justificando a edição de quase duas dezenas de leis
nos anos que se seguiram.
É claro que a estrutura federal adotada no Brasil, por si só, dá origem à complexa
repartição constitucional das rendas e aos conflitos horizontais e verticais de competência
tributária que tem se verificado com tanta freqüência na prática tributária de nosso país. A ela
1
Mestre e doutorando em direito tributário pela Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
(PUC/SP). É advogado, e sócio de Machado Associados Advogados e Consultores, e professor nos Cursos de Especialização
em Direito Tributário da FGV Law – EDESP e do CEU. Juiz do Tribunal de Impostos e Taxas de São Paulo (Presidente da 2ª
Câmara Julgadora).
se aliam a pluralidade e a complexidade socioeconômica dos dias atuais, que tornam
necessário um sistema tributário altamente diversificado e complexo. Essa complexidade,
porém, seria enfrentada por coerência e lógica na definição da lei tributária, e não pelo
casuísmo e oportunismo que pontilham a nossa legislação.
Ademais, essa complexidade – que seria natural, além de conseqüência da própria
dinâmica moderna – acabou sendo deturpada. Isso se verifica, visivelmente, na disciplina dos
tributos que recaem sobre o consumo – ICMS, IPI, ISS, PIS, COFINS, CIDE, e outros – aos
quais estão direcionadas grande parcela de demandas e insatisfações dos mais diferentes
agentes econômicos (empresas, consumidores) e de diferentes órgãos de governo nas esferas
federal, estadual e municipal.
É que esses tributos incidem diretamente sobre as atividades realizadas pelos
contribuintes: sobre a venda, sobre a prestação de serviços, sobre a importação, sobre o
auferimento de receitas. Em geral, são tributos plurifásicos, que tendem a afetar diretamente o
preço dos bens, serviços e outras utilidades e, por isso mesmo, o resultado, o sucesso ou
insucesso dos empreendimentos empresariais. Por incidirem sobre o produto das atividades
empresariais, e, nessa medida, afetarem diretamente seu resultado, podem criar equilíbrio ou
desequilíbrio entre a carga tributária suportada em cada uma dessas atividades.
Devido a esse efeito direto sobre os preços de bens, serviços e outras utilidades, são
tributos que mais facilmente viabilizam a concessão de incentivos – predatórios ou não – à
economia, à produção e ao consumo, e que permitem ao Estado tratar de outros objetivos de
sua política de governo, além dos objetivos meramente fiscais. As características desses
tributos tornam-nos mais expostos a críticas dos agentes sociais, sendo eles os que mais
despertam a atenção no que se refere à “Reforma Tributária”, tanto em nível constitucional
como meramente legal. E, infelizmente, tem sido eles os maiores alvos da “fúria legislativa”
que tomou conta do país em nossa História tributária recente. Justamente eles são os
principais objetos das propostas apresentadas pelo Governo Federal no seio da PEC nº
233/08. E daí o risco que se avizinha na hipótese de mudanças radicais em nosso sistema
constitucional.
Neste contexto, com o envio de nova Proposta de Emenda Constitucional (PEC nº
233/08), o tema “Reforma Tributária” volta a ser um assunto na pauta do Congresso. Nessa
nova fase, e a despeito da proposta e justificativa oficiais, inúmeros objetivos serão postos em
debate: aumento ou redução da arrecadação, combate à sonegação, simplificação das leis
2
fiscais, estímulo do investimento, melhoria das condições de auditoria pública,
aperfeiçoamento da não-cumulatividade, solução de conflitos de competência, entre outros
que sejam considerados dignos de disciplina constitucional.
Sem antes nos debruçarmos previamente sobre esses objetivos debalde será o nosso
esforço no tocante à análise das diferentes propostas apresentadas pelo Governo Federal e das
alternativas que a sociedade tem a oferecer sobre esse mesmo tema. A respeito disso, vale
citar o seguinte trecho de estudo elaborado por MARCELO COLETTO POHLAMNN e por
SÉRGIO DE IUDÍCIBUS, segundo os quais “a política tributária tem vários objetivos, tais
como elevar a arrecadação, redistribuir a riqueza e estimular a atividade econômica. Dada a
meta estabelecida para a regra tributária, pesquisadores podem avaliar ex post sua
eficácia”2
. Inegavelmente, no futuro – se a proposta for convertida em uma Emenda
Constitucional – só poderemos responder à questão acerca dos objetivos que, hoje,
pretendíamos alcançar com a Reforma desde que tenhamos claro qual a meta que se pretendeu
atingir3
.
Seja como for, antes de se debater quais são os objetivos a perseguir por meio de nova
proposta de Emenda Constitucional – até porque não há consenso quanto a esses objetivos –,
é preciso compreender qual o conteúdo da proposta do Governo Federal, tecendo as devidas
críticas. Não nos ocuparemos, todavia, de seu aspectos ou objetivos políticos, mas em relação
à coerência das propostas e suas posteriores conseqüências jurídicas. Aqueles são mais
adequados no discurso político; estes, pela análise jurídica.
Vale dizer, de início, que as principais medidas propostas passarão a vigorar no
segundo ano seguinte ao da promulgação de eventual Emenda, exceto em relação ao ICMS,
que passará por um período de transição de oito anos. Esses períodos de transição são virtudes
da proposta, que permitem a readequação dos orçamentos e procedimentos de empresas e
governos às novas realidades tributárias.
Uma das principais medidas inclusas na proposta é a que atribui a competência para a
União cobrar um imposto sobre “operações com bens e prestações de serviços”, ainda que se
2
POHLAMNN, Marcelo Coletto; IUDÍCIBUS, Sérgio. Tributação e política tributária: uma abordagem
interdisciplinar. São Paulo: Atlas, 2006, p. 32.
3
Abra-se um parêntese para dizer que definir a referida meta é tão ou mais desafiador que responder se a medida
implementada atingiu os resultados dela esperados principalmente porque em meio às sucessivas mudanças nas regras
tributárias participam diferentes atores ou agentes sociais: a Presidência da República, o Ministério da Fazenda, a Secretaria
da Receita Federal, a Secretaria da Receita Previdenciária, Congresso Nacional, os Sindicatos de Auditores Fiscais, as
Federações e Confederações de Indústria, Comércio e Serviços, entre outros. São entidades formadas por pessoas com
interesses contrapostos – ou sobrepostos – e que participam do processo legislativo, em sua acepção social. Já se disse,
ademais, que a história política da lei é diferente da história jurídica da lei.
3
iniciem no exterior. É o IVA (imposto sobre valor agregado) a que tem se referido o
Ministério da Fazenda perante a mídia, que, na realidade, assume a feição de um imposto
sobre operações, semelhante ao que é o ICMS e o IPI, com característica não-cumulativa4
.
Além do fato de que recairá sobre operações com bens e serviços em geral – e não
sobre operações relativas à circulação, com tal qualificador – não deixa de ser curiosa – por
significar uma ruptura com a jurisprudência atualmente consagrada – a previsão de que, para
os fins desse imposto, será considerado serviço toda e qualquer prestação que não constitua
circulação ou transmissão de bens. Tal definição leva a uma situação singular em nosso
direito constitucional, em que um mesmo termo utilizado no texto constitucional (“serviço”)
poderá vir a ter significados diferentes. Nos campo dos “serviços” que, tecnicamente, não são
“serviços”, a proposta de Reforma acaba por permitir que a União institua um imposto que
poderia ser instituído por meio de lei complementar, no contexto da competência residual da
União.
Somando essa disposição com a referência às “operações com bens” – não nos
limitando às mercadorias –, abre-se a possibilidade para a União tributar transações com ativo
imobilizado, transferências, locações, empréstimos, e sobre tudo aquilo que pode ser tido
como “serviço”. A título de exemplo, debater-se-á, futuramente, se as “cessões de direitos”
são bens objetos de tais operações. É um imposto sobre praticamente todas as transações
empresariais. O fato gerador desse tributo é o mais aberto possível, mais amplo que o fato
gerador de ICMS, IPI, ISS, CIDE-Combustível, PIS e COFINS. Há, aqui, uma nítida atecnia
jurídica, pois a definição constitucional da competência tributária, além de bem definida em
seu escopo, haveria de ser restritiva de tais poderes, e, conforme a proposta, a competência a
4
Em seu tempo, a Emenda Constitucional nº 18/65 promoveu ampla reforma tributária, representando uma
mudança significativa no sistema tributário brasileiro. Essa Reforma criou o imposto federal “sobre produtos
industrializados”, com perfil não-cumulativo, introduzindo no plano constitucional um novo conceito na
tributação do consumo. Foi essa Emenda que criou o imposto estadual “sobre operações relativas à circulação
de mercadorias” (com adicional devido aos Municípios), também não-cumulativo, o imposto federal sobre
serviços de transporte e comunicações, salvo os estritamente municipais e o imposto municipal sobre serviços de
qualquer natureza. Embora o então ICM não-cumulativo tenha sido criado sob a influência da taxe sur la valeur
ajoutée, concebido por financistas franceses para evitar a cumulatividade dos impostos de vendas, isso não quer
significar, em absoluto, que o ICM, atual ICMS, é um imposto sobre o valor agregado. Tal figura caracteriza-se
por incidir sobre a parcela acrescida, ou seja, sobre a diferença positiva do valor que se verifica entre duas
operações seqüenciais, onerando o contribuinte apenas na proporção do que foi adicionado à primeira operação.
Pode o ser sob a ótica econômica, mas não sob a ótica jurídica, eis que a técnica desde sempre adotada no Brasil
foi a da não-cumulatividade.
4
ser conferida à União é uma carta aberta à União. Pode ser uma carta perigosa, a depender das
virtudes de nossos futuros legisladores5
.
Pela proposta, este imposto integrará a sua própria base de cálculo, não incidirá nas
exportações, e será não-cumulativo, nos termos da lei, mas não se reconhecerá o crédito em
relação às operações e prestações sujeitas à alíquota zero, isenção, não-incidência e imunidade
para compensação com as operações seguintes. Pela experiência acumulada desde há muito
com a não-cumulatividade do IPI, ICMS e PIS/COFINS, é possível prever as inúmeras
restrições ao creditamento oriundas da regulamentação desse tributo. Provavelmente, será
mais uma não-cumulatividade falaciosa, que só traz limitações, incertezas e complicações ao
contribuinte no momento de apropriar seus créditos. E, além de ser calculado sobre si mesmo,
o que mascara a efetiva carga tributária sobre um bem ou serviço, não é preciso muita
reflexão para imaginarmos que esse tributo recairá sobre o ICMS e/ou o IPI, ou o contrário.
Ademais, ao incidir sobre a importação, esse novo imposto – federal – passa a constituir mais
um adicional ao imposto de importação.
Uma regra importante em relação a esse novo imposto envolve previsão quanto à não
aplicabilidade do princípio da anterioridade (anual) para esse novo imposto federal, prevista
na proposta, o que poderá vir a gerar controvérsias, como as que animaram as discussões
iniciais relativas ao IPMF. O argumento do Poder Executivo em defesa dessa regra é
previsível: não se justifica a anterioridade anual, pois o novo imposto é um substituto do PIS e
COFINS, que não estão sujeitos a tal critério, mas sim à anterioridade mitigada. Esse novo
imposto também não poderá ser objeto de alterações por meio de Medida Provisória, como
proposto. Ao menos essa é uma proposta de cunho democrático.
Como se percebe da proposta, não se trata de um imposto sobre valor adicionado
(IVA), como noticiado pelo Governo Federal, mas sim de um imposto não-cumulativo sobre
operações, semelhante ao IPI e ICMS, mas que também abrangerá os fatos hoje tributados
pelo ISS, indo até além destes fatos.
5
Nesta proposta, incorremos no mesmo erro cometido pela Emenda Constitucional nº 18/65. Como salientou
Rubens Gomes de Souza, aquela Reforma havia avançado só até certo ponto na técnica de discriminação das
rendas tributárias que acolheu, à medida que procurou atribuir a cada ente tributante “não figuras tributárias
específicas, mas sim campos de atividade econômica suscetíveis de tributação. Todavia, logo em seguida se
desdisse, porque depois de feita esta atribuição de campos (comércio exterior, patrimônio e renda e produção e
circulação), ao invés de parar aí, para ficar coerente com a sua linha, a Emenda n. 18, por força de
contingências que se impuseram aos pretensos legisladores (e digo pretensos, porque eu era um deles) se
contradisse e passou a enumerar os tributos supostamente incluídos dentro de cada um deste campos”
(SOUZA, Rubens Gomes et. al. Comentários ao Código Tributário Nacional: Parte Geral. 2.ed. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 1985, p. 21).
5
Em sua essência econômica, conforme tem sido divulgado, é um imposto que
substituirá PIS, COFINS, que são tributos sobre as receitas auferidas pelas empresas, e a
COFINS-Importação, exigido nas importações de bens e serviços, além de CIDE-
Combustíveis e a contribuição ao salário-educação. É claro que é salutar a “simplificação” –
embora a “simplificação” desejada fosse outra, de clareza, coerência, estabilidade das normas
jurídicas e da apuração dos tributos – decorrente da extinção de todas essas rubricas por uma
só. Mas a pergunta que devemos fazer é: valerá a pena? Consideremos o PIS e a COFINS.
São as contribuições que representam a maior arrecadação nesse conjunto, e recaem sobre um
dado objetivo das empresas (suas receitas). Em substituição a elas, pretende-se criar um
tributo novo cuja definição constitucional é vaga e imprecisa (operações). Simplificar, diga-
se, por fim, não é substituir cinco tributos por um, mas sim trazer consistência, clareza,
transparência às regras tributárias. Não precisamos conhecer muito das vicissitudes do sistema
tributário nacional para se antever as inúmeras discussões administrativas e judiciais
envolvendo a incidência ou não desse tributo em transações como transferências, doações,
bonificações, comodato, consignações, entre outras. Será que a insegurança jurídica que se
criará com isso compensa a suposta vantagem de mais um imposto federal sobre operações?
Será que é aceitável ofertar esta carta em branco ao Poder Executivo, que pode ser tão ávido e
eficiente em matéria de arrecadação? E, caso essa competência lhe seja outorgada, é grande o
risco de aumento de carga tributária.
Alega-se, ademais, que o PIS e a COFINS atuais são complexos. É verdade. São
complexos porque são cobrados em mais de dois regimes diferentes – o cumulativo, o não-
cumulativo, além de existirem regras especiais para diferentes setores. Quem conhece o
ICMS, o IPI e o ISS também dirá que impostos sobre operações e serviços também são
complexos. O que assegura que o novo imposto recairá de modo uniforme na economia? E
essa uniformidade não será causa de injustiça fiscal, tratando igualmente empreendimentos
que evidenciam capacidade contributiva desigual? E, além do mais, mencione-se que o
Governo Federal tem parcela considerável de responsabilidade – ou culpa, poderíamos até
dizer – por essa complexidade. Afinal, desde 2002 até agora, foram mais de 17 leis sobre
esses tributos, praticamente todas originadas de Medidas Provisórias. O projeto faz alusão a
um imposto não-cumulativo sobre operações. Basta comparar o ICMS e o IPI atuais, que são
impostos não-cumulativos sobre operações, para identificarmos neles exemplos de tributos
complexos. É, pois, falacioso o argumento da simplificação promovida neste tocante.
6
Não sejamos acusados de ir contra as boas intenções do Governo, mas promover uma
Emenda Constitucional para a substituição de tributos como o PIS e a COFINS por um
imposto calcado em conceitos tão abertos parece não se justificar sob o ponto de vista
jurídico-fiscal, especialmente sob o rótulo “simplificação”. A simplificação indicada como
vantagem da proposta é excelente, mas o remédio que irá cuidar dos males atuais em matéria
tributária parece não ser esse novo imposto.
Ainda no que se refere às competências da União, pretende-se permitir a instituição de
adicionais ao imposto de renda por setor de atividade econômica, medida essa que – em seu
sentido valorativo – conflita com a previsão genérica da isonomia tributária prescrita pelo
artigo 150, II, do texto constitucional. Essa é uma medida de constitucionalidade duvidosa,
porque restringe o sentido de cláusula pétrea.
Independentemente dessa proposta, é provável que as alíquotas do imposto de renda,
futuramente, venham a ser majoradas, pois o discurso governamental relativo à proposta
envolve a extinção da contribuição social sobre o lucro líquido a ser substituída por alíquotas
mais elevadas do imposto de renda. Essa última medida até pode ser neutra para as empresas
estrangeiras, à medida em que muitas delas compensam o montante pago a título de imposto
de renda no Brasil em seus próprios países, mas se prejudicam, de imediato, os exportadores,
especialmente em um momento no qual o Poder Judiciário começa a consagrar a tese de que
tais resultados são imunes à CSLL desde o advento da Emenda Constitucional nº 33/2001.
A proposta também pretende afetar as competências dos Estados e Municípios. Uma
novidade importante na proposta de reforma constitucional envolve a possibilidade de a
União, nos tratados internacionais por ela firmados, instituir isenções dos impostos de
competência dos Estados e Municípios. É o retorno das isenções heterônomas, repelidas pelo
constituinte de 1988, e que será, certamente, objeto de controvérsias futuras.
Inequivocamente, essa regra conferirá flexibilidade ao Governo Federal na negociação
de acordos com outros países abrangendo, inclusive, tributos sobre consumo como o ICMS e
o ISS. Por outro lado, ela consagra a possibilidade de o Governo Federal fazer “milagre com o
santo alheio”, reduzindo a competência desses entes políticos, que não costumam deixar de
reagir contra semelhantes investidas. É bem possível que Estados e Municípios exijam
contrapartidas no futuro, e que avancem contra os contribuintes (como, por exemplo, ocorreu
certa vez no Rio de Janeiro, no qual as autoridades fazendárias não aceitavam os créditos de
ICMS decorrentes de exportações). Quem sofrerá mais uma vez será o contribuinte e o Estado
7
de Direito, pois é difícil dizer que essa regra não fere cláusula pétrea, ao causar desequilíbrio
na Federação.
Quanto ao ICMS, que já é um imposto com características nacionais, e que deve seguir
as linhas gerais da legislação nacional (leis complementares e resoluções do Senado Federal)
mas que é efetivamente regido por leis estaduais, existem muitas alterações. Nada se altera em
relação aos fatos tributados por esse imposto, mas, pela proposta, pretende-se converter o
ICMS em um imposto de “competência conjunta” dos Estados e do Distrito Federal, a ser
regulado apenas por uma lei complementar, com regulamento editado por um órgão colegiado
presidido por um representante da União (sem direito a voto) e por representantes dos
Estados. Juridicamente, a competência legislativa deixa de ser dos Estados e Distrito Federal,
que só manterão consigo a chamada “capacidade tributária ativa”, aprofundando-se o regime
nacional que rege esse imposto.
É de se notar que a iniciativa da lei complementar que disciplinará o ICMS, de acordo
com a proposta, será reservada ao Presidente da República, a um terço dos membros do
Senado Federal (abrangendo todas as Regiões do país) ou a um terço dos Governadores ou
das Assembléias Legislativas do país. Essa disposição – também de constitucionalidade
duvidosa perante o princípio federativo – cria uma exceção ao princípio geral de que as leis
complementares são de iniciativa de qualquer membro ou comissão da Câmara ou Senado
Federal, entre outros legitimados. A proposta, de todo modo, fortalece notavelmente os
poderes do Presidente da República em relação à disciplina do ICMS.
Em relação à não-cumulatividade do ICMS, a proposta retira do texto constitucional a
forma (metodologia) por meio da qual deve ser alcançado o efeito não-cumulativo, de modo
que esse princípio passa a figurar, mais claramente, como uma regra de eficácia limitada. Na
prática, o entendimento de que esse princípio é amplo já foi sepultado pelo Supremo Tribunal
Federal, mas a medida proposta vai além, e enterra por completo algumas garantias que ainda
derivavam do texto constitucional. Por exemplo, questões controversas envolvendo o
aproveitamento de créditos com base em “documentação inidônea” perderão amparo
constitucional. Os Fiscos Estaduais, nesse sentido, terão suas posições fortalecidas no sentido
de que o crédito fiscal a apropriar tem base no montante pago a cada operação, e não no
montante que incide a cada operação.
À semelhança do regime atual, as operações e prestações sujeitas à alíquota zero,
isenção, não-incidência e imunidade não implicarão crédito para compensação com o
montante devido nas operações ou prestações seguintes, salvo determinação da lei
8
complementar em contrário. Mas, diferentemente do que consta do texto constitucional em
vigor, a proposta não disciplina o que ocorre com o crédito relativo às operações e prestações
anteriores tributadas, quando as operações subseqüentes estão amparadas por esses benefícios.
Neste particular, a proposta só trata da garantia do crédito relativo às operações anteriores no
caso de exportação, mas não trata das demais hipóteses.
Ainda a respeito da não-cumulatividade do ICMS, uma competência do legislador
complementar em particular poderá ensejar controvérsias, pois lhe caberá “assegurar o
aproveitamento do crédito do imposto”. Como o “aproveitamento” dos créditos de ICMS – na
terminologia técnica – tem a ver com a definição das hipóteses nas quais o contribuinte tem
direito ao crédito, essa expressão da proposta poderá levar a disputas doutrinárias e judiciais
no sentido de que a proposta irá assegurar um “creditamento amplo” do ICMS. Não sejamos,
todavia, ingênuos, pois a tendência é que as restrições aos créditos sejam mais uma vez
aceitas. Melhor seria, então, que a proposta não trouxesse dispositivos que só dão falsas
esperanças a quem ainda as têm, ou que utilizasse termos menos ambíguos.
Pela proposta, as alíquotas (faixas) do novo imposto serão definidas por meio de
Resolução do Senado Federal, que também poderá aprovar ou rejeitar as propostas de
enquadramento de mercadorias e serviços nas faixas de alíquotas definidas, conforme
proposições daquele órgão colegiado, que teve suas competências ampliadas, se comparadas
com as atuais atribuições do CONFAZ. É uma proposta que, de um lado, atribui aos
representantes dos Estados – os Senadores – a competência para definir as alíquotas de
interesse dos Estados, mas, por outro lado, retira dos representantes do povo – os Deputados –
a competência para deliberar, e consentir com a carga tributária proposta.
A proposta, porém, permite que a Lei Complementar defina mercadorias e serviços
cujas alíquotas poderão ser alteradas pelos Estados. Na prática, essa é uma das poucas
matérias cuja competência legislativa será deliberada pelos representantes do povo, e
permanecerá com os Estados.
O projeto também pretende alterar a base de cálculo do ICMS, pois retira do texto
constitucional a previsão de que o valor do IPI só será incluído na base de cálculo do ICMS
nas vendas realizadas para consumo. Com isso, a base de cálculo do ICMS, em tese, pode vir
a abranger o IPI em todas as situações, ou, no mínimo, podem-se iniciar conflitos com base
no argumento de que o ICMS não mais poderá ser calculado sobre o IPI. O silêncio sobre
matéria que é, hoje, regulada levará à inequívoca controvérsia, baseada na lógica de que um
9
tributo não pode ser calculada sobre outro, atualmente em debate no tocante à inclusão do
ICMS na base de cálculo de PIS e COFINS.
De modo análogo, o fato de se pretender eliminar previsão de que operações com
telecomunicações, energia elétrica e produtos minerais só serão tributadas pelo ICMS –
pretendendo-se permitir a cobrança do novo imposto federal – poderá levar à cobrança do IPI
sobre algumas dessas atividades. Sem a garantia da imunidade constitucional – cuja
revogação é questionável – podemos imaginar, em futuro próximo, debates envolvendo a
eventual cobrança de IPI sobre o beneficiamento de minérios.
De acordo com o projeto de reforma, o tratamento fiscal nas operações interestaduais é
acentuadamente modificado. Pelos novos parâmetros, o imposto incidente nas operações
interestaduais pertencerá ao Estado de destino, exceto em relação à 2%, que pertencerá ao
Estado de origem das mercadorias e serviços. Essa regra não será aplicável nas operações
envolvendo petróleo e outros combustíveis e derivados, que continuarão sendo integralmente
tributados no Estado de destino e nas operações e prestações sujeitas à alíquotas inferiores a
2%, caso em que a operação ou prestação só será tributada na origem. Ou seja, substitui-se um
regime misto, que é o atual, por um regime predominantemente de destino.
Para viabilizar a aplicação da nova sistemática, poderá ser estabelecida a exigência
integral do imposto pelo Estado de origem, estabelecendo-se o dever de este transferir a
arrecadação correspondente ao Estado de destino, via câmara de compensação. Inclusive, para
assegurar esse mecanismo de integração arrecadatória, a proposta permite que a União venha
a intervir em Unidade da Federação que retenha parte da arrecadação devida a outra.
No que se refere às isenções e benefícios vinculados ao ICMS, a proposta prevê que
tais incentivos serão definidos pelo órgão de deliberação correspondente, e deverão ser
uniformes em todo o território nacional. A um só tempo, essa proposta tende à eliminação da
guerra fiscal, e prestigia um princípio (não-discriminação) já presente no texto constitucional.
Como o atual ICMS só deverá ser extinto só no 1º dia do oitavo ano subseqüente ao da
eventual edição da nova Emenda, esse é o período de transição a ser observado para os
benefícios atuais.
O novo ICMS deverá ter regulamentação única, editada pelo órgão colegiado, sendo
vedada a adoção de norma estadual, à exceção das poucas exceções previstas na proposta.
Assim, o novo CONFAZ sairá fortalecido caso a proposta venha a ser implementada,
cabendo-lhe a competência para editar o regulamento do ICMS, dispor sobre benefícios
fiscais, entre outras atribuições. Mais uma regra inovadora – além de romper paradigmas
10
constitucionais – pois é atribuição constitucional dos decretos a regulamentação das leis para
sua fiel execução. Atribuir-se-á, pela proposta, a referido órgão deliberativo a função
subordinadora dos atos das Administrações Públicas Estaduais (em certa medida, havemos de
reconhecer, isso já ocorre com o SimplesNacional).
Nesse particular, considerando o universo de normas de cunho regulamentar e
infraregulamentar que são necessárias para a administração do atual ICMS, será um grande
desafio, nos oito anos de transição para o novo ICMS, que esse novo regulamento já
contemple todos os procedimentos de escrituração fiscal hoje disciplinados – e necessários ao
dia-a-dia desse imposto – pelas autoridades fazendárias, inclusive os regimes especiais
relativos ao cumprimento de obrigações acessórias, que viabilizam as atividades de tantas
empresas.
Já o processo administrativo fiscal será objeto da Lei Complementar que dispuser
sobre o ICMS, que deverá harmonizar a estrutura que já existe nos Estados e Distrito Federal,
com Tribunais e Conselhos altamente qualificados. Em relação a essa matéria, um dos
desafios será harmonizar as estruturas e filosofias já implantadas nas 27 Unidades da
Federação para o julgamento uniforme das questões do “novo ICMS” em nível nacional, além
de administrar os processos já em andamento ou a serem iniciados em relação ao “antigo
ICMS” mesmo após o início de cobrança do “novo ICMS”.
A Lei Complementar também enfrentará um outro trabalho árduo, que é
estabelecimento de sanções aos Estados e Distrito Federal – sem que isso represente
inconstitucionalidade – caso estes descumpram as normas nacionais pertinentes ao novo perfil
desse imposto. Esta é, porém, uma virtude da proposta, desde que não se continue a apenar os
contribuintes (os adquirentes de bens e serviços) pelos benefícios irregularmente concedidos
por algumas Unidades da Federação.
A fase transição definida pela proposta consiste na manutenção do atual ICMS pelos
sete anos seguintes ao da eventual promulgação da reforma. Durante esse período serão
mantidos o ICMS e os adicionais já instituídos por alguns Estados para o financiamento de
seus programas de combate à pobreza. Nesse período, porém, haverá uma transição gradual
no regime de tributação nas operações interestaduais. Existe também uma proposta segundo a
qual o prazo de aproveitamento dos créditos relativos às aquisições de bens destinados ao
ativo permanente será gradualmente reduzido ao longo de sete anos, dos 48 meses atuais para
8 meses ao cabo desse período.
11
Ainda em um período de transição do atual para o novo ICMS se pretende afastar a
aplicabilidade dos limites temporais estabelecidos pela anterioridade, pelo prazo de dois anos,
contados do início da exigência desse novo ICMS. Nesse período, a majoração do tributo só
será efetivada após 30 dias, sem o respeito dos limites atuais (anualidade e 90 dias). Pode-se,
é claro, argumentar que isso seria necessário para conferir agilidade às decisões dos Governos
no período de transição, mas, por outro lado, significa abrir mão do único instrumento de
proteção do contribuinte contra mudanças bruscas da legislação tributária. É politicamente
justificável a medida, mas o será juridicamente?
Avançando no exame das proposições apresentadas pelo Governo Federal, percebe-se
que nada se altera em relação à competência tributária dos Municípios, o que é lamentável
pois uma Reforma Tributária poderia solucionar um dos grandes conflitos em matéria de ISS,
que é a definição clara das regras relativas à identificação do local de ocorrência do respectivo
fato gerador. Bastaria que a Emenda Constitucional introduzisse uma disposição atribuindo,
de modo expresso ao legislador complementar, a competência para este dispor, para fins de
definição do local de ocorrência do fato gerador, onde se considera ocorrido o respectivo fato
gerador. Essa sim seria uma medida de impacto e simplificação no campo tributário,
eliminando as inúmeras disputas e controvérsias envolvendo prestadores de serviço e
Municípios no país, que levam muitos a pagar o ISS em mais de um Município.
Em relação às contribuições sociais, a proposta pretende eliminar a competência da
União para exigir as contribuições sobre o lucro (CSLL), sobre receitas ou faturamento (PIS e
COFINS) e sobre os importadores (COFINS-Importação). Será também eliminada a CIDE-
Combustíveis e a contribuição ao salário-educação. Esta última deverá ser extinta somente no
2º ano subseqüente ao da promulgação da Emenda. Por outro lado, como não há proposta para
alterar ou modificar o artigo 149, pode-se presumir que o PIS-Importação e a CIDE-royalties
serão mantidos.
Especificamente em relação à extinção de PIS, COFINS e CSLL, não é demais
lembrar que a proposta mantém a competência da União para instituir contribuições sociais
residuais por meio de lei complementar. Nada impedirá, portanto, que uma futura
Administração venha a propor a recriação desses tributos, o que deve ser um ponto de atenção
no futuro, tendo em vista o pacto político que eventualmente virá a ser firmado.
Ainda em relação à contribuições sociais, consta da proposta a possibilidade de a
contribuição sobre folha de salários e demais rendimentos do trabalho ser substituída por uma
alíquota adicional ao novo imposto federal sobre operações, assegurando-se que, em tal
12
hipótese, um percentual da receita arrecadada com esse imposto seja direcionada ao
financiamento da Previdência Social (a proposta é silente quanto aos demais integrantes da
Seguridade Social, a saber, a Saúde e a Assistência Social).
Em relação à contribuição social incidente sobre a folha de salários, a proposta
também atribui à lei a competência para definir reduções gradativas de sua alíquota, a serem
efetuadas do segundo ao sétimo ano subseqüente ao da promulgação da emenda. Não há,
porém, previsão quanto à extinção completa dessa contribuição, tampouco o patamar mínimo
ou máximo que deverá ser observado por essa lei.
Ainda nesse tocante, existe uma proposição permitindo que a agroindústria, o produtor
rural pessoa física ou jurídica, o consórcio simplificado de produtores rurais, a cooperativa
rural e a associação desportiva fiquem sujeitas à contribuição sobre suas receitas ou
faturamento em substituição à contribuição sobre a folha de salários e demais rendimentos do
trabalho. Nessa hipótese, segue a proposta, não será aplicável o benefício relativo à imunidade
das receitas de exportação em face das contribuições sociais.
É de se comentar que sistemática semelhante à prevista já foi instituída e está sendo
aplicada em relação às entidades já referidas. Não há grandes novidades nesse particular,
portanto. Por outro lado, a proposta incorpora, de certo modo, o reconhecimento – hoje
negado pelas autoridades fazendárias federais – de que as contribuições da agroindústria sobre
suas receitas merecem o benefício da referida imunidade.
Uma última proposição de interesse para os contribuintes em geral constante da
Proposta encaminhada ao Congresso Nacional reside na possibilidade de a lei complementar
estabelecer limites e mecanismos de ajuste de carga tributária em relação ao IPI, ao novo
imposto federal sobre operações e ao novo ICMS. A proposta está carregada de boas
intenções políticas, mas é realmente difícil esperar que tal medida seja implementada. Basta
lembrar que a Lei nº 10.637/02 (artigo 12, parágrafo único), que introduziu a sistemática de
cálculo não-cumulativo do PIS, continha disposição referente ao ajuste de suas alíquotas (a
mudança de regime, à época, não era manifestamente arrecadatória). Com o tempo, o PIS, e,
em seguida, a COFINS passaram a ser os principais responsáveis pelos seguidos recordes de
arrecadação sem que houvesse ajuste, como inicialmente previsto.
Como se vê, em certos aspectos, a proposta é bastante ampla, mas as expectativas
formadas em torno de seus efeitos – especialmente questões relativas à simplificação e
crescimento do país caso ela venha a ser implementada – são dignas de desconfiança.
Ademais, pelas medidas propostas, podem decorrer efeitos indesejados e imprevisíveis, que
13
devem, por isso mesmo, ser objeto de maior reflexão, não só por parte da sociedade civil, mas
também dos Governos, no âmbito federal, estadual e municipal.
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Reflexões sobre a Reforma Tributária

  • 1. Reflexões sobre a Proposta de Reforma Tributária (PEC nº 233/2008) Marcio Roberto Alabarce1 O sistema constitucional tributário criado pelo constituinte de 1.988 revela um sistema tributário que aproveitou a experiência acumulada durante a vigência das Constituições anteriores, especialmente no que se refere aos tributos que oneram o consumo de bens, serviços e outras utilidades em geral. Desde a promulgação do novo texto constitucional, porém, não foram poucas as ocasiões em que mudanças no sistema tributário nacional foram colocadas em debate. Basta dizer que, desde 1.988, a Constituição foi modificada 17 vezes pela inserção, modificação ou supressão de enunciados no texto da Constituição Federal, efetivada pela promulgação de emendas constitucionais relativas à tributação. Todas essas alterações, como se sabe, não foram suficientes para que os diversos agentes sociais – governos e iniciativa privada – considerassem suas demandas ou insatisfações satisfeitas. Pelo contrário, cada uma das modificações introduzidas nos diferentes tributos criou novas insatisfações, novas demandas, e, por conseguinte, novas regulações, e assim sucessivamente. A história do regime não-cumulativo do PIS e da COFINS é um bom exemplo de como isso ocorreu. Baseando-se nas pressões particulares para a instituição de regimes não-cumulativos para a cobrança dessas contribuições, foram editadas as leis básicas disciplinadoras desses regimes, as Leis nº 10.637/02 e 10.833/03. O que foi postulado por vários anos, de um momento para outro passou a ser relevante e urgente a ponto de justificar a edição das Medidas Provisórias, posteriormente convertidas nas mencionadas leis. E, sem que tenha havido debate mais aprofundado sobre aqueles regimes, os mesmos logo se mostraram deficientes, justificando a edição de quase duas dezenas de leis nos anos que se seguiram. É claro que a estrutura federal adotada no Brasil, por si só, dá origem à complexa repartição constitucional das rendas e aos conflitos horizontais e verticais de competência tributária que tem se verificado com tanta freqüência na prática tributária de nosso país. A ela 1 Mestre e doutorando em direito tributário pela Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP). É advogado, e sócio de Machado Associados Advogados e Consultores, e professor nos Cursos de Especialização em Direito Tributário da FGV Law – EDESP e do CEU. Juiz do Tribunal de Impostos e Taxas de São Paulo (Presidente da 2ª Câmara Julgadora).
  • 2. se aliam a pluralidade e a complexidade socioeconômica dos dias atuais, que tornam necessário um sistema tributário altamente diversificado e complexo. Essa complexidade, porém, seria enfrentada por coerência e lógica na definição da lei tributária, e não pelo casuísmo e oportunismo que pontilham a nossa legislação. Ademais, essa complexidade – que seria natural, além de conseqüência da própria dinâmica moderna – acabou sendo deturpada. Isso se verifica, visivelmente, na disciplina dos tributos que recaem sobre o consumo – ICMS, IPI, ISS, PIS, COFINS, CIDE, e outros – aos quais estão direcionadas grande parcela de demandas e insatisfações dos mais diferentes agentes econômicos (empresas, consumidores) e de diferentes órgãos de governo nas esferas federal, estadual e municipal. É que esses tributos incidem diretamente sobre as atividades realizadas pelos contribuintes: sobre a venda, sobre a prestação de serviços, sobre a importação, sobre o auferimento de receitas. Em geral, são tributos plurifásicos, que tendem a afetar diretamente o preço dos bens, serviços e outras utilidades e, por isso mesmo, o resultado, o sucesso ou insucesso dos empreendimentos empresariais. Por incidirem sobre o produto das atividades empresariais, e, nessa medida, afetarem diretamente seu resultado, podem criar equilíbrio ou desequilíbrio entre a carga tributária suportada em cada uma dessas atividades. Devido a esse efeito direto sobre os preços de bens, serviços e outras utilidades, são tributos que mais facilmente viabilizam a concessão de incentivos – predatórios ou não – à economia, à produção e ao consumo, e que permitem ao Estado tratar de outros objetivos de sua política de governo, além dos objetivos meramente fiscais. As características desses tributos tornam-nos mais expostos a críticas dos agentes sociais, sendo eles os que mais despertam a atenção no que se refere à “Reforma Tributária”, tanto em nível constitucional como meramente legal. E, infelizmente, tem sido eles os maiores alvos da “fúria legislativa” que tomou conta do país em nossa História tributária recente. Justamente eles são os principais objetos das propostas apresentadas pelo Governo Federal no seio da PEC nº 233/08. E daí o risco que se avizinha na hipótese de mudanças radicais em nosso sistema constitucional. Neste contexto, com o envio de nova Proposta de Emenda Constitucional (PEC nº 233/08), o tema “Reforma Tributária” volta a ser um assunto na pauta do Congresso. Nessa nova fase, e a despeito da proposta e justificativa oficiais, inúmeros objetivos serão postos em debate: aumento ou redução da arrecadação, combate à sonegação, simplificação das leis 2
  • 3. fiscais, estímulo do investimento, melhoria das condições de auditoria pública, aperfeiçoamento da não-cumulatividade, solução de conflitos de competência, entre outros que sejam considerados dignos de disciplina constitucional. Sem antes nos debruçarmos previamente sobre esses objetivos debalde será o nosso esforço no tocante à análise das diferentes propostas apresentadas pelo Governo Federal e das alternativas que a sociedade tem a oferecer sobre esse mesmo tema. A respeito disso, vale citar o seguinte trecho de estudo elaborado por MARCELO COLETTO POHLAMNN e por SÉRGIO DE IUDÍCIBUS, segundo os quais “a política tributária tem vários objetivos, tais como elevar a arrecadação, redistribuir a riqueza e estimular a atividade econômica. Dada a meta estabelecida para a regra tributária, pesquisadores podem avaliar ex post sua eficácia”2 . Inegavelmente, no futuro – se a proposta for convertida em uma Emenda Constitucional – só poderemos responder à questão acerca dos objetivos que, hoje, pretendíamos alcançar com a Reforma desde que tenhamos claro qual a meta que se pretendeu atingir3 . Seja como for, antes de se debater quais são os objetivos a perseguir por meio de nova proposta de Emenda Constitucional – até porque não há consenso quanto a esses objetivos –, é preciso compreender qual o conteúdo da proposta do Governo Federal, tecendo as devidas críticas. Não nos ocuparemos, todavia, de seu aspectos ou objetivos políticos, mas em relação à coerência das propostas e suas posteriores conseqüências jurídicas. Aqueles são mais adequados no discurso político; estes, pela análise jurídica. Vale dizer, de início, que as principais medidas propostas passarão a vigorar no segundo ano seguinte ao da promulgação de eventual Emenda, exceto em relação ao ICMS, que passará por um período de transição de oito anos. Esses períodos de transição são virtudes da proposta, que permitem a readequação dos orçamentos e procedimentos de empresas e governos às novas realidades tributárias. Uma das principais medidas inclusas na proposta é a que atribui a competência para a União cobrar um imposto sobre “operações com bens e prestações de serviços”, ainda que se 2 POHLAMNN, Marcelo Coletto; IUDÍCIBUS, Sérgio. Tributação e política tributária: uma abordagem interdisciplinar. São Paulo: Atlas, 2006, p. 32. 3 Abra-se um parêntese para dizer que definir a referida meta é tão ou mais desafiador que responder se a medida implementada atingiu os resultados dela esperados principalmente porque em meio às sucessivas mudanças nas regras tributárias participam diferentes atores ou agentes sociais: a Presidência da República, o Ministério da Fazenda, a Secretaria da Receita Federal, a Secretaria da Receita Previdenciária, Congresso Nacional, os Sindicatos de Auditores Fiscais, as Federações e Confederações de Indústria, Comércio e Serviços, entre outros. São entidades formadas por pessoas com interesses contrapostos – ou sobrepostos – e que participam do processo legislativo, em sua acepção social. Já se disse, ademais, que a história política da lei é diferente da história jurídica da lei. 3
  • 4. iniciem no exterior. É o IVA (imposto sobre valor agregado) a que tem se referido o Ministério da Fazenda perante a mídia, que, na realidade, assume a feição de um imposto sobre operações, semelhante ao que é o ICMS e o IPI, com característica não-cumulativa4 . Além do fato de que recairá sobre operações com bens e serviços em geral – e não sobre operações relativas à circulação, com tal qualificador – não deixa de ser curiosa – por significar uma ruptura com a jurisprudência atualmente consagrada – a previsão de que, para os fins desse imposto, será considerado serviço toda e qualquer prestação que não constitua circulação ou transmissão de bens. Tal definição leva a uma situação singular em nosso direito constitucional, em que um mesmo termo utilizado no texto constitucional (“serviço”) poderá vir a ter significados diferentes. Nos campo dos “serviços” que, tecnicamente, não são “serviços”, a proposta de Reforma acaba por permitir que a União institua um imposto que poderia ser instituído por meio de lei complementar, no contexto da competência residual da União. Somando essa disposição com a referência às “operações com bens” – não nos limitando às mercadorias –, abre-se a possibilidade para a União tributar transações com ativo imobilizado, transferências, locações, empréstimos, e sobre tudo aquilo que pode ser tido como “serviço”. A título de exemplo, debater-se-á, futuramente, se as “cessões de direitos” são bens objetos de tais operações. É um imposto sobre praticamente todas as transações empresariais. O fato gerador desse tributo é o mais aberto possível, mais amplo que o fato gerador de ICMS, IPI, ISS, CIDE-Combustível, PIS e COFINS. Há, aqui, uma nítida atecnia jurídica, pois a definição constitucional da competência tributária, além de bem definida em seu escopo, haveria de ser restritiva de tais poderes, e, conforme a proposta, a competência a 4 Em seu tempo, a Emenda Constitucional nº 18/65 promoveu ampla reforma tributária, representando uma mudança significativa no sistema tributário brasileiro. Essa Reforma criou o imposto federal “sobre produtos industrializados”, com perfil não-cumulativo, introduzindo no plano constitucional um novo conceito na tributação do consumo. Foi essa Emenda que criou o imposto estadual “sobre operações relativas à circulação de mercadorias” (com adicional devido aos Municípios), também não-cumulativo, o imposto federal sobre serviços de transporte e comunicações, salvo os estritamente municipais e o imposto municipal sobre serviços de qualquer natureza. Embora o então ICM não-cumulativo tenha sido criado sob a influência da taxe sur la valeur ajoutée, concebido por financistas franceses para evitar a cumulatividade dos impostos de vendas, isso não quer significar, em absoluto, que o ICM, atual ICMS, é um imposto sobre o valor agregado. Tal figura caracteriza-se por incidir sobre a parcela acrescida, ou seja, sobre a diferença positiva do valor que se verifica entre duas operações seqüenciais, onerando o contribuinte apenas na proporção do que foi adicionado à primeira operação. Pode o ser sob a ótica econômica, mas não sob a ótica jurídica, eis que a técnica desde sempre adotada no Brasil foi a da não-cumulatividade. 4
  • 5. ser conferida à União é uma carta aberta à União. Pode ser uma carta perigosa, a depender das virtudes de nossos futuros legisladores5 . Pela proposta, este imposto integrará a sua própria base de cálculo, não incidirá nas exportações, e será não-cumulativo, nos termos da lei, mas não se reconhecerá o crédito em relação às operações e prestações sujeitas à alíquota zero, isenção, não-incidência e imunidade para compensação com as operações seguintes. Pela experiência acumulada desde há muito com a não-cumulatividade do IPI, ICMS e PIS/COFINS, é possível prever as inúmeras restrições ao creditamento oriundas da regulamentação desse tributo. Provavelmente, será mais uma não-cumulatividade falaciosa, que só traz limitações, incertezas e complicações ao contribuinte no momento de apropriar seus créditos. E, além de ser calculado sobre si mesmo, o que mascara a efetiva carga tributária sobre um bem ou serviço, não é preciso muita reflexão para imaginarmos que esse tributo recairá sobre o ICMS e/ou o IPI, ou o contrário. Ademais, ao incidir sobre a importação, esse novo imposto – federal – passa a constituir mais um adicional ao imposto de importação. Uma regra importante em relação a esse novo imposto envolve previsão quanto à não aplicabilidade do princípio da anterioridade (anual) para esse novo imposto federal, prevista na proposta, o que poderá vir a gerar controvérsias, como as que animaram as discussões iniciais relativas ao IPMF. O argumento do Poder Executivo em defesa dessa regra é previsível: não se justifica a anterioridade anual, pois o novo imposto é um substituto do PIS e COFINS, que não estão sujeitos a tal critério, mas sim à anterioridade mitigada. Esse novo imposto também não poderá ser objeto de alterações por meio de Medida Provisória, como proposto. Ao menos essa é uma proposta de cunho democrático. Como se percebe da proposta, não se trata de um imposto sobre valor adicionado (IVA), como noticiado pelo Governo Federal, mas sim de um imposto não-cumulativo sobre operações, semelhante ao IPI e ICMS, mas que também abrangerá os fatos hoje tributados pelo ISS, indo até além destes fatos. 5 Nesta proposta, incorremos no mesmo erro cometido pela Emenda Constitucional nº 18/65. Como salientou Rubens Gomes de Souza, aquela Reforma havia avançado só até certo ponto na técnica de discriminação das rendas tributárias que acolheu, à medida que procurou atribuir a cada ente tributante “não figuras tributárias específicas, mas sim campos de atividade econômica suscetíveis de tributação. Todavia, logo em seguida se desdisse, porque depois de feita esta atribuição de campos (comércio exterior, patrimônio e renda e produção e circulação), ao invés de parar aí, para ficar coerente com a sua linha, a Emenda n. 18, por força de contingências que se impuseram aos pretensos legisladores (e digo pretensos, porque eu era um deles) se contradisse e passou a enumerar os tributos supostamente incluídos dentro de cada um deste campos” (SOUZA, Rubens Gomes et. al. Comentários ao Código Tributário Nacional: Parte Geral. 2.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1985, p. 21). 5
  • 6. Em sua essência econômica, conforme tem sido divulgado, é um imposto que substituirá PIS, COFINS, que são tributos sobre as receitas auferidas pelas empresas, e a COFINS-Importação, exigido nas importações de bens e serviços, além de CIDE- Combustíveis e a contribuição ao salário-educação. É claro que é salutar a “simplificação” – embora a “simplificação” desejada fosse outra, de clareza, coerência, estabilidade das normas jurídicas e da apuração dos tributos – decorrente da extinção de todas essas rubricas por uma só. Mas a pergunta que devemos fazer é: valerá a pena? Consideremos o PIS e a COFINS. São as contribuições que representam a maior arrecadação nesse conjunto, e recaem sobre um dado objetivo das empresas (suas receitas). Em substituição a elas, pretende-se criar um tributo novo cuja definição constitucional é vaga e imprecisa (operações). Simplificar, diga- se, por fim, não é substituir cinco tributos por um, mas sim trazer consistência, clareza, transparência às regras tributárias. Não precisamos conhecer muito das vicissitudes do sistema tributário nacional para se antever as inúmeras discussões administrativas e judiciais envolvendo a incidência ou não desse tributo em transações como transferências, doações, bonificações, comodato, consignações, entre outras. Será que a insegurança jurídica que se criará com isso compensa a suposta vantagem de mais um imposto federal sobre operações? Será que é aceitável ofertar esta carta em branco ao Poder Executivo, que pode ser tão ávido e eficiente em matéria de arrecadação? E, caso essa competência lhe seja outorgada, é grande o risco de aumento de carga tributária. Alega-se, ademais, que o PIS e a COFINS atuais são complexos. É verdade. São complexos porque são cobrados em mais de dois regimes diferentes – o cumulativo, o não- cumulativo, além de existirem regras especiais para diferentes setores. Quem conhece o ICMS, o IPI e o ISS também dirá que impostos sobre operações e serviços também são complexos. O que assegura que o novo imposto recairá de modo uniforme na economia? E essa uniformidade não será causa de injustiça fiscal, tratando igualmente empreendimentos que evidenciam capacidade contributiva desigual? E, além do mais, mencione-se que o Governo Federal tem parcela considerável de responsabilidade – ou culpa, poderíamos até dizer – por essa complexidade. Afinal, desde 2002 até agora, foram mais de 17 leis sobre esses tributos, praticamente todas originadas de Medidas Provisórias. O projeto faz alusão a um imposto não-cumulativo sobre operações. Basta comparar o ICMS e o IPI atuais, que são impostos não-cumulativos sobre operações, para identificarmos neles exemplos de tributos complexos. É, pois, falacioso o argumento da simplificação promovida neste tocante. 6
  • 7. Não sejamos acusados de ir contra as boas intenções do Governo, mas promover uma Emenda Constitucional para a substituição de tributos como o PIS e a COFINS por um imposto calcado em conceitos tão abertos parece não se justificar sob o ponto de vista jurídico-fiscal, especialmente sob o rótulo “simplificação”. A simplificação indicada como vantagem da proposta é excelente, mas o remédio que irá cuidar dos males atuais em matéria tributária parece não ser esse novo imposto. Ainda no que se refere às competências da União, pretende-se permitir a instituição de adicionais ao imposto de renda por setor de atividade econômica, medida essa que – em seu sentido valorativo – conflita com a previsão genérica da isonomia tributária prescrita pelo artigo 150, II, do texto constitucional. Essa é uma medida de constitucionalidade duvidosa, porque restringe o sentido de cláusula pétrea. Independentemente dessa proposta, é provável que as alíquotas do imposto de renda, futuramente, venham a ser majoradas, pois o discurso governamental relativo à proposta envolve a extinção da contribuição social sobre o lucro líquido a ser substituída por alíquotas mais elevadas do imposto de renda. Essa última medida até pode ser neutra para as empresas estrangeiras, à medida em que muitas delas compensam o montante pago a título de imposto de renda no Brasil em seus próprios países, mas se prejudicam, de imediato, os exportadores, especialmente em um momento no qual o Poder Judiciário começa a consagrar a tese de que tais resultados são imunes à CSLL desde o advento da Emenda Constitucional nº 33/2001. A proposta também pretende afetar as competências dos Estados e Municípios. Uma novidade importante na proposta de reforma constitucional envolve a possibilidade de a União, nos tratados internacionais por ela firmados, instituir isenções dos impostos de competência dos Estados e Municípios. É o retorno das isenções heterônomas, repelidas pelo constituinte de 1988, e que será, certamente, objeto de controvérsias futuras. Inequivocamente, essa regra conferirá flexibilidade ao Governo Federal na negociação de acordos com outros países abrangendo, inclusive, tributos sobre consumo como o ICMS e o ISS. Por outro lado, ela consagra a possibilidade de o Governo Federal fazer “milagre com o santo alheio”, reduzindo a competência desses entes políticos, que não costumam deixar de reagir contra semelhantes investidas. É bem possível que Estados e Municípios exijam contrapartidas no futuro, e que avancem contra os contribuintes (como, por exemplo, ocorreu certa vez no Rio de Janeiro, no qual as autoridades fazendárias não aceitavam os créditos de ICMS decorrentes de exportações). Quem sofrerá mais uma vez será o contribuinte e o Estado 7
  • 8. de Direito, pois é difícil dizer que essa regra não fere cláusula pétrea, ao causar desequilíbrio na Federação. Quanto ao ICMS, que já é um imposto com características nacionais, e que deve seguir as linhas gerais da legislação nacional (leis complementares e resoluções do Senado Federal) mas que é efetivamente regido por leis estaduais, existem muitas alterações. Nada se altera em relação aos fatos tributados por esse imposto, mas, pela proposta, pretende-se converter o ICMS em um imposto de “competência conjunta” dos Estados e do Distrito Federal, a ser regulado apenas por uma lei complementar, com regulamento editado por um órgão colegiado presidido por um representante da União (sem direito a voto) e por representantes dos Estados. Juridicamente, a competência legislativa deixa de ser dos Estados e Distrito Federal, que só manterão consigo a chamada “capacidade tributária ativa”, aprofundando-se o regime nacional que rege esse imposto. É de se notar que a iniciativa da lei complementar que disciplinará o ICMS, de acordo com a proposta, será reservada ao Presidente da República, a um terço dos membros do Senado Federal (abrangendo todas as Regiões do país) ou a um terço dos Governadores ou das Assembléias Legislativas do país. Essa disposição – também de constitucionalidade duvidosa perante o princípio federativo – cria uma exceção ao princípio geral de que as leis complementares são de iniciativa de qualquer membro ou comissão da Câmara ou Senado Federal, entre outros legitimados. A proposta, de todo modo, fortalece notavelmente os poderes do Presidente da República em relação à disciplina do ICMS. Em relação à não-cumulatividade do ICMS, a proposta retira do texto constitucional a forma (metodologia) por meio da qual deve ser alcançado o efeito não-cumulativo, de modo que esse princípio passa a figurar, mais claramente, como uma regra de eficácia limitada. Na prática, o entendimento de que esse princípio é amplo já foi sepultado pelo Supremo Tribunal Federal, mas a medida proposta vai além, e enterra por completo algumas garantias que ainda derivavam do texto constitucional. Por exemplo, questões controversas envolvendo o aproveitamento de créditos com base em “documentação inidônea” perderão amparo constitucional. Os Fiscos Estaduais, nesse sentido, terão suas posições fortalecidas no sentido de que o crédito fiscal a apropriar tem base no montante pago a cada operação, e não no montante que incide a cada operação. À semelhança do regime atual, as operações e prestações sujeitas à alíquota zero, isenção, não-incidência e imunidade não implicarão crédito para compensação com o montante devido nas operações ou prestações seguintes, salvo determinação da lei 8
  • 9. complementar em contrário. Mas, diferentemente do que consta do texto constitucional em vigor, a proposta não disciplina o que ocorre com o crédito relativo às operações e prestações anteriores tributadas, quando as operações subseqüentes estão amparadas por esses benefícios. Neste particular, a proposta só trata da garantia do crédito relativo às operações anteriores no caso de exportação, mas não trata das demais hipóteses. Ainda a respeito da não-cumulatividade do ICMS, uma competência do legislador complementar em particular poderá ensejar controvérsias, pois lhe caberá “assegurar o aproveitamento do crédito do imposto”. Como o “aproveitamento” dos créditos de ICMS – na terminologia técnica – tem a ver com a definição das hipóteses nas quais o contribuinte tem direito ao crédito, essa expressão da proposta poderá levar a disputas doutrinárias e judiciais no sentido de que a proposta irá assegurar um “creditamento amplo” do ICMS. Não sejamos, todavia, ingênuos, pois a tendência é que as restrições aos créditos sejam mais uma vez aceitas. Melhor seria, então, que a proposta não trouxesse dispositivos que só dão falsas esperanças a quem ainda as têm, ou que utilizasse termos menos ambíguos. Pela proposta, as alíquotas (faixas) do novo imposto serão definidas por meio de Resolução do Senado Federal, que também poderá aprovar ou rejeitar as propostas de enquadramento de mercadorias e serviços nas faixas de alíquotas definidas, conforme proposições daquele órgão colegiado, que teve suas competências ampliadas, se comparadas com as atuais atribuições do CONFAZ. É uma proposta que, de um lado, atribui aos representantes dos Estados – os Senadores – a competência para definir as alíquotas de interesse dos Estados, mas, por outro lado, retira dos representantes do povo – os Deputados – a competência para deliberar, e consentir com a carga tributária proposta. A proposta, porém, permite que a Lei Complementar defina mercadorias e serviços cujas alíquotas poderão ser alteradas pelos Estados. Na prática, essa é uma das poucas matérias cuja competência legislativa será deliberada pelos representantes do povo, e permanecerá com os Estados. O projeto também pretende alterar a base de cálculo do ICMS, pois retira do texto constitucional a previsão de que o valor do IPI só será incluído na base de cálculo do ICMS nas vendas realizadas para consumo. Com isso, a base de cálculo do ICMS, em tese, pode vir a abranger o IPI em todas as situações, ou, no mínimo, podem-se iniciar conflitos com base no argumento de que o ICMS não mais poderá ser calculado sobre o IPI. O silêncio sobre matéria que é, hoje, regulada levará à inequívoca controvérsia, baseada na lógica de que um 9
  • 10. tributo não pode ser calculada sobre outro, atualmente em debate no tocante à inclusão do ICMS na base de cálculo de PIS e COFINS. De modo análogo, o fato de se pretender eliminar previsão de que operações com telecomunicações, energia elétrica e produtos minerais só serão tributadas pelo ICMS – pretendendo-se permitir a cobrança do novo imposto federal – poderá levar à cobrança do IPI sobre algumas dessas atividades. Sem a garantia da imunidade constitucional – cuja revogação é questionável – podemos imaginar, em futuro próximo, debates envolvendo a eventual cobrança de IPI sobre o beneficiamento de minérios. De acordo com o projeto de reforma, o tratamento fiscal nas operações interestaduais é acentuadamente modificado. Pelos novos parâmetros, o imposto incidente nas operações interestaduais pertencerá ao Estado de destino, exceto em relação à 2%, que pertencerá ao Estado de origem das mercadorias e serviços. Essa regra não será aplicável nas operações envolvendo petróleo e outros combustíveis e derivados, que continuarão sendo integralmente tributados no Estado de destino e nas operações e prestações sujeitas à alíquotas inferiores a 2%, caso em que a operação ou prestação só será tributada na origem. Ou seja, substitui-se um regime misto, que é o atual, por um regime predominantemente de destino. Para viabilizar a aplicação da nova sistemática, poderá ser estabelecida a exigência integral do imposto pelo Estado de origem, estabelecendo-se o dever de este transferir a arrecadação correspondente ao Estado de destino, via câmara de compensação. Inclusive, para assegurar esse mecanismo de integração arrecadatória, a proposta permite que a União venha a intervir em Unidade da Federação que retenha parte da arrecadação devida a outra. No que se refere às isenções e benefícios vinculados ao ICMS, a proposta prevê que tais incentivos serão definidos pelo órgão de deliberação correspondente, e deverão ser uniformes em todo o território nacional. A um só tempo, essa proposta tende à eliminação da guerra fiscal, e prestigia um princípio (não-discriminação) já presente no texto constitucional. Como o atual ICMS só deverá ser extinto só no 1º dia do oitavo ano subseqüente ao da eventual edição da nova Emenda, esse é o período de transição a ser observado para os benefícios atuais. O novo ICMS deverá ter regulamentação única, editada pelo órgão colegiado, sendo vedada a adoção de norma estadual, à exceção das poucas exceções previstas na proposta. Assim, o novo CONFAZ sairá fortalecido caso a proposta venha a ser implementada, cabendo-lhe a competência para editar o regulamento do ICMS, dispor sobre benefícios fiscais, entre outras atribuições. Mais uma regra inovadora – além de romper paradigmas 10
  • 11. constitucionais – pois é atribuição constitucional dos decretos a regulamentação das leis para sua fiel execução. Atribuir-se-á, pela proposta, a referido órgão deliberativo a função subordinadora dos atos das Administrações Públicas Estaduais (em certa medida, havemos de reconhecer, isso já ocorre com o SimplesNacional). Nesse particular, considerando o universo de normas de cunho regulamentar e infraregulamentar que são necessárias para a administração do atual ICMS, será um grande desafio, nos oito anos de transição para o novo ICMS, que esse novo regulamento já contemple todos os procedimentos de escrituração fiscal hoje disciplinados – e necessários ao dia-a-dia desse imposto – pelas autoridades fazendárias, inclusive os regimes especiais relativos ao cumprimento de obrigações acessórias, que viabilizam as atividades de tantas empresas. Já o processo administrativo fiscal será objeto da Lei Complementar que dispuser sobre o ICMS, que deverá harmonizar a estrutura que já existe nos Estados e Distrito Federal, com Tribunais e Conselhos altamente qualificados. Em relação a essa matéria, um dos desafios será harmonizar as estruturas e filosofias já implantadas nas 27 Unidades da Federação para o julgamento uniforme das questões do “novo ICMS” em nível nacional, além de administrar os processos já em andamento ou a serem iniciados em relação ao “antigo ICMS” mesmo após o início de cobrança do “novo ICMS”. A Lei Complementar também enfrentará um outro trabalho árduo, que é estabelecimento de sanções aos Estados e Distrito Federal – sem que isso represente inconstitucionalidade – caso estes descumpram as normas nacionais pertinentes ao novo perfil desse imposto. Esta é, porém, uma virtude da proposta, desde que não se continue a apenar os contribuintes (os adquirentes de bens e serviços) pelos benefícios irregularmente concedidos por algumas Unidades da Federação. A fase transição definida pela proposta consiste na manutenção do atual ICMS pelos sete anos seguintes ao da eventual promulgação da reforma. Durante esse período serão mantidos o ICMS e os adicionais já instituídos por alguns Estados para o financiamento de seus programas de combate à pobreza. Nesse período, porém, haverá uma transição gradual no regime de tributação nas operações interestaduais. Existe também uma proposta segundo a qual o prazo de aproveitamento dos créditos relativos às aquisições de bens destinados ao ativo permanente será gradualmente reduzido ao longo de sete anos, dos 48 meses atuais para 8 meses ao cabo desse período. 11
  • 12. Ainda em um período de transição do atual para o novo ICMS se pretende afastar a aplicabilidade dos limites temporais estabelecidos pela anterioridade, pelo prazo de dois anos, contados do início da exigência desse novo ICMS. Nesse período, a majoração do tributo só será efetivada após 30 dias, sem o respeito dos limites atuais (anualidade e 90 dias). Pode-se, é claro, argumentar que isso seria necessário para conferir agilidade às decisões dos Governos no período de transição, mas, por outro lado, significa abrir mão do único instrumento de proteção do contribuinte contra mudanças bruscas da legislação tributária. É politicamente justificável a medida, mas o será juridicamente? Avançando no exame das proposições apresentadas pelo Governo Federal, percebe-se que nada se altera em relação à competência tributária dos Municípios, o que é lamentável pois uma Reforma Tributária poderia solucionar um dos grandes conflitos em matéria de ISS, que é a definição clara das regras relativas à identificação do local de ocorrência do respectivo fato gerador. Bastaria que a Emenda Constitucional introduzisse uma disposição atribuindo, de modo expresso ao legislador complementar, a competência para este dispor, para fins de definição do local de ocorrência do fato gerador, onde se considera ocorrido o respectivo fato gerador. Essa sim seria uma medida de impacto e simplificação no campo tributário, eliminando as inúmeras disputas e controvérsias envolvendo prestadores de serviço e Municípios no país, que levam muitos a pagar o ISS em mais de um Município. Em relação às contribuições sociais, a proposta pretende eliminar a competência da União para exigir as contribuições sobre o lucro (CSLL), sobre receitas ou faturamento (PIS e COFINS) e sobre os importadores (COFINS-Importação). Será também eliminada a CIDE- Combustíveis e a contribuição ao salário-educação. Esta última deverá ser extinta somente no 2º ano subseqüente ao da promulgação da Emenda. Por outro lado, como não há proposta para alterar ou modificar o artigo 149, pode-se presumir que o PIS-Importação e a CIDE-royalties serão mantidos. Especificamente em relação à extinção de PIS, COFINS e CSLL, não é demais lembrar que a proposta mantém a competência da União para instituir contribuições sociais residuais por meio de lei complementar. Nada impedirá, portanto, que uma futura Administração venha a propor a recriação desses tributos, o que deve ser um ponto de atenção no futuro, tendo em vista o pacto político que eventualmente virá a ser firmado. Ainda em relação à contribuições sociais, consta da proposta a possibilidade de a contribuição sobre folha de salários e demais rendimentos do trabalho ser substituída por uma alíquota adicional ao novo imposto federal sobre operações, assegurando-se que, em tal 12
  • 13. hipótese, um percentual da receita arrecadada com esse imposto seja direcionada ao financiamento da Previdência Social (a proposta é silente quanto aos demais integrantes da Seguridade Social, a saber, a Saúde e a Assistência Social). Em relação à contribuição social incidente sobre a folha de salários, a proposta também atribui à lei a competência para definir reduções gradativas de sua alíquota, a serem efetuadas do segundo ao sétimo ano subseqüente ao da promulgação da emenda. Não há, porém, previsão quanto à extinção completa dessa contribuição, tampouco o patamar mínimo ou máximo que deverá ser observado por essa lei. Ainda nesse tocante, existe uma proposição permitindo que a agroindústria, o produtor rural pessoa física ou jurídica, o consórcio simplificado de produtores rurais, a cooperativa rural e a associação desportiva fiquem sujeitas à contribuição sobre suas receitas ou faturamento em substituição à contribuição sobre a folha de salários e demais rendimentos do trabalho. Nessa hipótese, segue a proposta, não será aplicável o benefício relativo à imunidade das receitas de exportação em face das contribuições sociais. É de se comentar que sistemática semelhante à prevista já foi instituída e está sendo aplicada em relação às entidades já referidas. Não há grandes novidades nesse particular, portanto. Por outro lado, a proposta incorpora, de certo modo, o reconhecimento – hoje negado pelas autoridades fazendárias federais – de que as contribuições da agroindústria sobre suas receitas merecem o benefício da referida imunidade. Uma última proposição de interesse para os contribuintes em geral constante da Proposta encaminhada ao Congresso Nacional reside na possibilidade de a lei complementar estabelecer limites e mecanismos de ajuste de carga tributária em relação ao IPI, ao novo imposto federal sobre operações e ao novo ICMS. A proposta está carregada de boas intenções políticas, mas é realmente difícil esperar que tal medida seja implementada. Basta lembrar que a Lei nº 10.637/02 (artigo 12, parágrafo único), que introduziu a sistemática de cálculo não-cumulativo do PIS, continha disposição referente ao ajuste de suas alíquotas (a mudança de regime, à época, não era manifestamente arrecadatória). Com o tempo, o PIS, e, em seguida, a COFINS passaram a ser os principais responsáveis pelos seguidos recordes de arrecadação sem que houvesse ajuste, como inicialmente previsto. Como se vê, em certos aspectos, a proposta é bastante ampla, mas as expectativas formadas em torno de seus efeitos – especialmente questões relativas à simplificação e crescimento do país caso ela venha a ser implementada – são dignas de desconfiança. Ademais, pelas medidas propostas, podem decorrer efeitos indesejados e imprevisíveis, que 13
  • 14. devem, por isso mesmo, ser objeto de maior reflexão, não só por parte da sociedade civil, mas também dos Governos, no âmbito federal, estadual e municipal. 14