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1
O MISTÉRIO DA LUZ AZUL
JOÃO IV
2
A conquista é reservada àqueles que ousam trilhar
novos caminhos.
João IV
3
JOÃO IV
O MISTÉRIO DA LUZ AZUL
4
Dedicatória e síntese.
A todas as pessoas que amam o simples e abominam o
simplório. Este livro é para você que possui a capacidade de se debruçar
sobre as manifestações emanadas diretamente do povo para o povo. É
dedicado a quem tem faculdades distintas capazes de discernir e perceber
as nuance da arte, do talento, do amor e das várias manifestações e
facetas que a Doutrina Espírita distribui a seus filhos provisoriamente
encarnados.
A mineiridade impregnada á narrativa inicial e a forma
intimista e despretensiosa em que o livro foi concebido levam a um
mergulho saboroso as mais doces memórias que o interior oferece ao
nosso inconsciente coletivo. Este mergulho segue aprofundando-se sobre
o cotidiano do personagem Alexandre. Sua vida corriqueira acontece na
fictícia cidade de nome Cristalina e no interior do interior, de uma
comunidade rural chamada Arabizá durante a minimalista década de 90.
O marco separador da trama é o instante em que Alexandre se
depara com um misterioso fenômeno. Desde então surge o seu divisor de
águas, aquele momento em que os eventos, mudanças e os fatos nos
convidam a visitar as encruzilhadas da vida. A refletir sobre nossa zona de
conforto e as novidades e transformações que já não se encontram mais
dentro dela. Alexandre parte em uma investigação no intuito de
desvendar o tal mistério. Porém à medida que avança em suas buscas ele
se depara com algo muito mais importante. Algo que transpõe a própria
vida de Alexandre e vai de encontro com a comunidade do Arabizá. Agora
começa uma verdadeira corrida contra o tempo. Cada decisão, cada
busca, cada atitude de Alexandre no presente, cada volta dolorosa a um
passado distante marcado por paixões viscerais, riquezas suntuosas
adquiridas de formas obscuras e sinistras, em fim, cada elemento da
trama servirá de ferramentas para que Alexandre possa discernir e tomar
as decisões certas para salvar a comunidade do Arabizá.
5
Nota do autor.
Aos escritores justifico a concepção deste livro
deixando bem claro que não sou e não tenho a pretensão de me alto
intitular escritor e sair por ai jorrando palavras pelo vasto universo da
escrita. Como todo bom Mineiro sou apenas um grande contador de
causo. É neste estilo que me encontro e justifico o fato de ser e escrever.
Pois escrever é ser, para mim. É o instinto de partilhar vivências, idéias,
experiência, que me arrasta para o universo da escrita. E como não sou
escritor profissional ainda, a forma que abri mão para ir de encontro ao
leitor foi à capacidade que tenho de contar causos.
Nunca subestimei esta capacidade, pois só através deste
dom conseguimos conceber uma obra tão peculiar e inusitada quanto à
vida real o pode ser. Somente através do causo alcançamos a
metamorfose de estilo necessária para retratar as nuances da
personalidade de um adolescente e exemplificar de forma clara e objetiva
todas as estruturas caóticas e fascinantes da vida cotidiana no momento
preciso em que a mesma pulsa. O causo consegue captar a fluidez do rio
da vida, todas as curvas, poças, abismos, pedregulhos, bancos de areia e
remansos. Este rio passará pelo leitor e aquele que nele mergulhar se
identificará com o rio e as perguntas, esperanças e desejos do rio já não
serão mais dele.
Termino deixando minha obra a mercê daqueles que
conseguem entender a dimensão da mesma.
Um abraço a você!
João IV.
6
Aos amigos de outro plano.
O projeto deste livro foi concebido através do processo de
psicofonia. Embora seja apenas um romance e uma obra de ficção a
forma e os fatos que nos inspiraram foram extraídos de vivencias e
pessoas que já deixaram este plano e outras que ainda estão nesta terra.
Com a ajuda de diversos amigos desencarnados que me ditaram
trechos inteiros e me inspiraram e muito me influenciaram a escrever,
somente assim conseguimos transformar este projeto em realidade. Meu
sonho era escrever um livro, porém somente quando me deparei com
estes Espíritos foi que consegui desenvolver e concluir este projeto.
A vocês minha eterna gratidão!
7
O Mistério da Luz Azul
Direitos da obra reservados a João Batista da Silva.
Pseudônimo - João IV.
Obra devidamente registrada na B.N - Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro.
8
Sumário.
1 - O Arabizá. 09
2 - O pesadelo. 23
3 - A procura de respostas. 40
4 - De encontro às respostas. 80
5 - A terapia. 92
6 - Primeira sessão. 96
7 - Vidas passadas. 102
8 - O manuscrito de Alexandre. 104
9 - O Poço do Fubá. 137
10 - A missão de Alexandre. 153
11 - A fazenda do Arabizá. 162
12 - O noivado. 193
13 - Ainda nos anos 90. 202
14 - Um vidro de palmito. 212
15 - O fim do mistério. 236
9
1 O Arabizá.
12h45min.
--- Mãe cheguei!
Gritou Alexandre e bateu a porta da sala entrando apressado pelo
recinto. O garoto jogou a mochila do colégio em cima do sofá e subiu as
escadas correndo em direção ao seu quarto. Já no quarto Alexandre abriu
o guarda-roupa rapidamente. Estava eufórico! Esperou por aquele
momento o semestre todo. Pegou uma grande mala de viagens e
colocou-a aberta em cima da cama. E foram cuecas, meias, cintos,
perfumes, escova de dente, toalhas, e quase todo o armário de Alexandre
pra dentro de sua mala de viagens:
--- Preciso enfiar tudo isto aqui nesta mala! Tem de caber aqui. O mais
importante eu levo na mochila.
Dito isto, Alexandre continuou enfiando roupas na mala. Finalmente
depois de muito esforço e pressa ele conseguiu arrumar tudo o que queria
e precisava para viagem. Em seguida Alexandre brigou um tempo com o
zíper porque não podia fechá-lo. Alguns instantes depois Alexandre
ganhou a briga com o zíper e olhou para mala estufada e finalmente
fechada em cima da cama.
--- Pronto.
Ele deu um suspiro de alívio, mas lembrou de relance que faltavam
muitos preparativos ainda. Saiu do quarto, correu para o banheiro no
final do corredor, tirou a roupa e quase abriu o chuveiro.
--- Não posso tomar banho aqui, minhas coisas estão no outro
banheiro.
Vestiu novamente a roupa, passou pelo corredor, entrou no quarto
de seus pais, abriu o guarda-roupa de sua mãe e adentrou a porta falsa de
acesso a suíte do casal. Tomou banho, vestiu a única peça de roupa limpa
sua, que não foi pra dentro da mala e desceu voando as escadas.
10
--- Mãe, mãe, cadê o uniforme do meu time? Não vi nada lá em
cima!
--- Tenha calma Alexandre vai almoçar primeiro! Tem dois
uniformes passados e arrumados lá na área de serviço.
--- Mãe eu vou levar tudo!
--- Pra quê Alexandre? Quatro uniformes? Leva só dois. Um para
treinar e outro para as disputas de domingo.
--- Preciso levar os quatro! Vou ficar muitos dias no Arabizá, pode
chover, dar barro, poeira, vaca comer.
--- Deixa de ser maluco meu filho. O Arabizá fica só oito
quilômetros da cidade. Se precisar de alguma coisa seu pai coloca no carro
e leva pra você domingo. Já inventou celular, sabia?
--- Mas assim vou ter de treinar sem uniforme até o fim de semana!
Não vou poder esperar este tempo todo.
--- Olha, eu é que não posso esperar mais meu filho. Já fez seu
prato?
--- Sim, mamãe!
--- Então vai almoçar lá na sala de jantar porque eu estou sem
empregada hoje e preciso arrumar esta bagunça na pia.
--- Posso comer na sala de TV mamãe?
--- Não! Não na sala de visitas, nem à sala de som, tão pouco na sala
de estar, nem na varanda em frente à piscina, no escritório, na cozinha, na
despensa, na área de serviço, na garagem, em nenhum destes lugares
Senhor Alexandre. Que mal a sala de jantar lhe fez?
--- Pode deixar mamãe! Mas a senhora vai ver só. Hoje eu sou um
simples reserva do time de futebol de várzea do Arabizá, mas um dia vou
jogar no ataque. Quero ver a Senhora me impedir de comer na sala.
--- Você pode jogar até no Real Madri, mas vai continuar almoçando
na sala de jantar campeão!
11
Depois de engolir a comida, quase que sem mastigar Alexandre
correu para a sala de visitas. Lá pegou a mochila com o material escolar e
levou para seu quarto. Chegando ao quarto ele esvaziou a mochila com o
material da escola, em seguida correu para a área de serviço da casa com
ela. Desobedecendo as ordens da mãe Alexandre colocou os dois
uniformes secos do time de futebol na mochila e os outros dois, que ainda
estavam molhados também. Pois os uniformes molhados dentro de sacos
plásticos para não molhar os uniformes secos, não molhar a mochila e o
par de chuteiras e meões que estavam dentro dela.
Tudo pronto o garoto correu para o carro de sua mãe na garagem.
Acomodou a mala no porta-malas e a mochila ficou em seu colo.
Seguiram-se minutos de aflição para Alexandre. Aguardava ansioso dentro
do carro o pai chegar do serviço na câmara de vereadores e a mãe
terminar de embalar quitutes, guloseimas e outros mimos que seriam
entregues para avó de Alexandre no Arabizá.
E assim depois de todos os protocolos, recomendações maternas,
procedimentos de viagens familiares, sermões paternos, verificação de
trancas e portas da casa e demais tramite, finalmente, para alegria de
Alexandre a família Lemos conseguiu partir para o tão sonhado Arabizá.
Dentro do carro de sua mãe, que também era sua professora de
geografia, Alexandre não cabia em si de tão contente. Era um desses
momentos familiar em que todos estavam muito felizes e descontraiam-se
com conversas triviais. À medida que o assunto esquentava a paisagem
urbana ia ao poucos se transformando em paisagem rural. E a viagem de
fusca seguia tranqüila. E como era de costume durante as viagens a família
Lemos começou mais um de seus famosos debates. O assunto principal
deste debate em questão era á comunidade do Arabizá:
--- Nossa meu filho, que felicidade é esta? Até parece que você está
viajando pra Disney!
--- É verdade meu pai! Se dependesse de mim o senhor vendia a
casa na cidade e nós nos mudávamos pro Arabizá hoje mesmo. Eu nem
voltava para Cristalina depois destas férias.
12
--- O dia que isto acontecer eu largo do seu pai e ponho vocês pra
morarem na casa da sua Avó Alexandre.
--- Mas verdade seja dita minha querida o Arabizá é um ótimo lugar
para um garoto de 16 anos feito o Alexandre se desenvolver.
--- Concordo Papai! E pro senhor é melhor ainda, pois é de lá que
vem os seus eleitores mais fieis.
--- Não sei qual dos dois é mais criança. Imagina deixarmos a
comodidade de uma cidade estruturada e asfaltada igual à Cristalina pra
nos embrenharmos em estradas que em certos meses são de barro, e em
outros meses são de pó.
--- Mãe! Cristalina é só uma versão mais ou menos, maior que o
Arabizá.
--- O quê você chama de mais ou menos filho? 9.000 habitantes de
Cristalina, contra 965 do Arabizá?
--- Nosso filho tem razão amor! Tudo o que tem em Cristalina tem
no Arabizá.
--- Vocês não estão falando sério, estão? Aqui em Cristalina tem a
fábrica de cimento que emprega quase toda a população da cidade, tem a
Igreja Matriz de frente a uma grande praça, tem o Rio Grande que
serpenteia pelas áreas nobres e planas de Cristalina, tem casebres
bucólicos e limpinhos fincados nos altos dos morros, tem vários bairros,
tem quase seis escolas públicas, um hospitalzinho modesto, mas
funcional, postos de saúde, uns belos casarios antigos, prédios como a
câmara, que foram tombados, nossa malha ferroviária, uma das poucas a
oferecer viagens e passeios de trem, rede hoteleira, antigas fazendas que
se tornaram hotéis, pensões para universitários, a faculdade federal, a
pizzaria, a sorveteria, o fórum, o correio, a delegacia...
--- Veja Alexandre sua mãe quando começa defender Cristalina não
para mais.
13
--- Estou apenas enumerando as coisas que minha bela cidade
natal, também conhecida como a Princesinha das Montanhas, que atende
pelo nome de Cristalina, tem. Agora eu lhes pergunto cavalheiros. O quê
que o Arabizá tem?
--- Por onde a gente começa a falar papai?
--- Não sei filhinho! São tantos adjetivos que o Arabizá tem. E estes
adjetivos destacam o Arabizá desta tal Princesinha do fim do mundo cujo
nome é Cristalina. São tantos que eu não consigo nem enumerá-los.
--- Pra começo de conversa mochinhos todos os dois meninos são
Cristalinenses. Os dois nasceram na maternidade daqui. Podem olhar no
registro! Não existem Arabisenses. Todo mundo vem pra cá pra nascer e
também para ser enterrado no cemitério daqui de Cristalina. Mas vamos
lá estou ansiosa para saber pelo menos um atrativo que o Arabizá tem.
Olha estou sendo boazinha hoje em! Podem-me dizer pelo menos um. Só
basta um para mim.
--- Pois bem, que assim seja! Senhor Vereador Meu Pai,
excelentíssima senhora Professora licenciada em Geografia Minha Mãe!
Para começo e fim da discutição, eu, Alexandre filho, vou enunciar os três
principais atrativos da nossa querida comunidade rural do Arabizá.
--- Veja que eloqüência ao falar, com certeza este menino puxou a
mim, seu Pai!
--- Só se for à malemolência, pois até agora não falou nada que eu
precise saber.
--- Então como eu estava dizendo... O Arabizá é mundialmente
conhecido pelo seu famoso Morro do Curió. O morro tem este nome por
causa da abundância de curiós, canários e aves raras da nossa fauna
Brasileira.
--- Muito bem meu filho, mas você esqueceu-se de falar que lá
também é famoso pela sua subida íngreme, terrenos cheios de pedras e
areia onde nada que se planta dá. Sem contar a sua estrada de acesso.
14
É uma estradinha mixuruca de terra, que cabe só um carro, sem
acostamento, e é muito sinuosa também. E ainda tem as inúmeras
cobras, lagartos, e aranhas da fauna Brasileira e mundial que habitam o
Morro do Curió.
--- Agora sou eu quem vai falar minha esposa. Mesmo sendo
arenoso e rochoso o terreno, o Morro do Curió tem arbustos, vegetação
rasteira, algumas árvores resistentes e frondosas e um lindo riacho de
água bem clara e pura lá no pezinho dele.
--- É verdade meu pai! E este riacho segue por entre uma pequena
floresta que preserva sua nascente, dá sombra e água fresca aos
estradeiros, e abriga todas as espécies de vida.
--- Certo meus amores, mas onde estão os outros dois atrativos do
Arabizá? Essa conversa de pássaros não me convenceu.
--- Explica para ela meu filho!
--- Querida mamãe! O Arabizá é um grande ponto no mapa quando
o assunto é turismo. Ao chegarmos à comunidade, basta andar apenas uns
trezentos metros a frente que logo encontraremos a famosa Cachoeira do
Fubá!
--- Bem lembrado meu filho! Ela tem este nome devido ao histórico
e preservado moinho de pedra. Embora este moinho basicamente seja
apenas uma casa, minúscula, de um cômodo só, antigo e vazio por dentro,
por fora o moinho está preservado e tem a sua roda girando a mais de
cem anos
--- Correto papai! É Bom lembrar que a frente do moinho tem a
belíssima Cachoeira do Fubá e logo á baixo da cachoeira o famoso, fundo e
grande, Poço do Fubá.
--- Muito bem frisado meu filho. É bom informar a sua mãe que no
verão quase toda a cidade de Cristalina vem para o Arabizá se refrescar
nas águas do Poço do Fubá. Muita gente gosta de nadar aqui no Arabizá.
Principalmente turista e certa Professora de Geografia que não quer dar o
braço a torcer.
15
--- Vocês me pegaram nesta. Tenho de admitir. Gosto muito do
Poço do Fubá! Mas nada me faz vir ao Arabizá durante o inverno. Isto aqui
é assim, esfriou um pouco que seja o povo some e não vê mais ninguém
da cidade aqui. Só poeira, mato, e os nativos.
--- Mentira mamãe, eu não estou vindo passar as férias aqui?
Friozinho, beira de fogão a lenha, quase um hotel fazenda a casa da avó.
--- Você e seu pai não contam. São dois fanáticos pelo Arabizá. Eu
estou falando de gente normal. Gente que não tem família ou vínculo com
o Arabizá. Duvido que estas pessoas venham para cá no inverno respirar o
pó da estrada. Eu mesma só estou aqui para trazer você, visitar minha
sogra e acompanhar seu pai. Arabizá, inverno, e eu, não nos damos!
--- Veja Alexandre sua mãe está completamente equivocada
novamente.
--- Então me fala benzinho? Qual o motivo as pessoas tem para vir
ao Arabizá no inverno?
--- Deixa que eu resolvo isto papai!
--- Olha mamãe! O Arabizá no inverno é o centro do universo.
--- Isto mesmo meu filho. Convém lembrar sua mãe que toda a
população ativa, inativa, encarnada e até quem já deixou este plano vem
para o Arabizá no mês de Julho!
--- É uma festa só papai! Toda a comunidade se prepara. Cornetas,
tambores, roupas de festas, venda de churrasquinhos, matança de
garrote, porcos e outros assados, refrigerantes, salgados, doces, balas, e
muitos fogos de artifícios...
--- Já sei o que vocês estão tentando me dizer.
--- É isto ai meu filho. Explica pra ela que Julho sempre tem a final
do campeonato intermunicipal! E o campo dos sonhos do Arabizá é onde
os times sempre disputam à final e as melhores partidas.
--- E por falar em time dos sonhos papai, não se esqueça de lembrar a
Professora que o “Timão de Várzea do Arabizá” é o maior de todos.
16
--- Sim filhote. Oito anos seguidos disputando e vencendo o
campeonato intermunicipal. Ninguém é páreo para nós. Pode vir outras
comunidades rurais da região, cidades anexas e aquela gente pé torta de
Cristalina. Todos no fim perdem de goleada para o famoso “Arabizá
Várzea Futebol Clube”
--- Somos várzea com muito orgulho! Viva o Arabizá! O melhor
futebol do mundo! Levamos o caneco pra casa todo ano.
--- Eu ouvi dizer meu filho, que este ano vem até olheiro de São
Paulo assistir a nossa final.
--- Ele vai voltar pra casa com as vista doendo, isto sim meu marido.
Imagina a hora que ele se deparar com metade de Cristalina e cem por
cento do Arabizá se acotovelando pra tentar ver uma simples disputa de
futebol na beira do campo? Sem contar que a partida se resume em
adolescentes e marmanjos correndo juntos dentro de um campo, atrás de
uma bola, sem técnica nenhuma, formando um verdadeiro show de
horror repleto de pernas de pau. E o coitado do juiz? Ele fica no meio do
furacão tomando xingamento de todos os lados.
--- Mãe! Este é o futebol raça, o futebol puro, o futebol arte.
--- Só se for Arte moderna Alexandre. Arte do tipo joelhos
estourados. Seu pai surta e pensa que voltou a juventude, enfia os fins de
semanas neste Arabizá, e depois domingo de tardezinha tenho de
acumular função. De professora passo pra enfermeira cuidando dos
hematomas, torcicolos, dores no corpo e feridas dele.
--- Mas a senhora mesma admitiu Mamãe que as finais do Arabizá
atraem a metade de Cristalina pra beira do nosso campo de várzea.
--- É verdade amor! Nosso filho tem razão. Eu vi você falando. Por
tanto este é o melhor de todos os motivos que uma pessoa comum e sem
vínculo tem para vir pro Arabizá no inverno.
--- A Senhora pode não gostar Mamãe, mas a cidade inteira gosta e
vem pra cá ver o jogo.
17
--- E não é só o jogo filhote! Tem também os valores culturais
agregados ao evento.
--- Valores culturais agregados? Sabia que meu filho e meu marido
eram fanáticos pelo Arabizá, mas agora estou ficando com medo de vocês
dois.
--- Valores sim querida! Sempre que ganhamos uma partida. E digo
sempre porque é sempre mesmo! O time e as famílias dos jogadores vão
se reunir no Sítio da Cascata. Muita prosa, muita gente reunida, muita
comemoração. Senhor Flávio, dono do sítio é gaucho, assa o melhor
churrasco do mundo, serve vinho bom e também distribui doses de pinga
para adultos beberem e esquentarem o peito. E também a sua esposa
serve um almoço pro time e todas as famílias dos jogadores. Tem arroz
temperado, maionese completa, frango frito, toucinho, torresmo, angu,
feijão tropeiro, carne de vaca assada e a famosa lasanha que ela faz. E de
sobremesa goiabada com queijo. O manjar dos Deuses! E depois que
todos enchem bem a barriga cada um vai pra sua casa descansar e digerir
a vitória.
--- Não Pai! Isto é para os homens feito o Senhor, que tem de
voltar pra casa se não apanha da esposa! A maioria da turma vai até a
vendinha do vilarejo arrematar a tarde jogando truco, sinuca, contando
causos, rindo e bebericando, cerveja, vinho ou pinga.
--- Nem eu, e nem a sua mãe queremos ouvir falar de você mentido
nesta venda Alexandre. Você está proibido de ir lá pra fazer qualquer
coisa. Eu que sou seu pai não freqüento e não quero que você fique lá. Se
a gente souber que você anda freqüentando a venda cancelamos suas
férias no Arabizá para sempre!
--- Eu só vou lá pra comprar pão quando a vovó me pede. E isto eu
faço durante a semana de dia. Esta hora não tem movimento pai. E eu
vou a um pé e volto no outro!
--- Está certo filho, nossa venda também é nosso armazém! Pode ir
e voltar lá, mas só pra fazer favor a sua avó. Mas freqüentar apenas
quando fizer dezoito. E mesmo assim ao nosso contragosto!
18
--- Pai o Senhor esqueceu o melhor. Não falou das quermesses que
o Padre Ernani e as Senhoras da Igreja realizam todos os sábados a noite
durante o mês de Julho!
--- Nossa meu querido filho bem lembrado! Dá água na boca só de
pensar, quentão, canjica, pé-de-moleque, doce de leite, goiabada, milho
cozido com manteiga derretendo encima, pipoca, queijo quente.
--- E têm os leilões de galinha caipira, ovo da roça, queijo fresco,
verduras da horta, quitutes, salgados, garrotes, leitões, cavalos e toda
variedade de coisa boa.
--- Meu Deus do céu! Meu marido e meu filho são dois matutos.
--- E não para por ai pai, tem a queima da fogueira de São Pedro, As
missas de sábado à noite, a novena de São Pedro nas sextas, os bingos no
final da missa, os sorteios das rifas da paróquia, as festas de peão na
fazenda dos Quincas as quinta, as rodas de violas na casa do Senhor Nono
nas quartas, a boa prosa e os comes e bebes servido depois do terço de
São Gonçalo na fazenda da Pedrinha, e as pescarias diurnas e noturnas, as
caçadas...
--- Então estes são os valores culturais agregados? Empolgantes
meninos!
--- Pai não adianta explicar a mãe nunca vai entender nosso jeito de
ser Arabizá.
--- Muito pelo contrário meu filho! Foi graças ao Arabizá que eu
conheci seu pai. Minha única razão para freqüentar esta terra.
--- E sabe filhote! O único, e exclusivo motivo que me faz morar em
Cristalina, estão aqui, bem na minha frente dirigindo um fusca, nas
estradas empoeiradas, sinuosas, de pista única, cheias de lombadas,
pedregulhos, mata-burros de madeira, porteiras de tábua velha, em fim.
Sua mãe enfia no meio do sertão do Arabizá só pra agradar a mim e a
você.
--- Olha filho é pelo seu pai e por você que eu suporto vir, e às vezes até
dormir no Arabizá. Respeito, e amo aqui por causa de vocês.
19
--- Veja bem filho são por você e pela sua mãe que eu vivo feliz
todos os dias de minha vida em Cristalina. Respeito e amo aquela cidade
por isto.
--- Ai que nojo vocês dois, pare de fazer isto, pelo amor de Deus! Se
vocês se beijarem novamente dentro deste carro eu vou descer pra casa
da vovó sozinho e a pé!
--- Deixa de ser criança filho! Papai e mamãe se amam!
Respeitamos e admiramos as nossas diferenças e procuramos crescer com
elas.
--- É verdade filho! Unimo-nos pra somar! Para partilhar
experiências distintas e promover o crescimento através da comunhão das
diversidades de nossa cultura e personalidade que possuímos.
--- Mãe, pai, é claro que eu sei disto tudo! Não sou bobo! Entendo a
maturidade construtiva de nossos debates amistosos! No fim não é pra
ver quem são os vencedores e sim para conhecer melhor o outro e a nos
mesmo dentro do contexto familiar.
--- Este é o meu garoto! Eu acho que este menino é super dotado!
Olha as palavras que ele usa? Será quem ele puxou?
--- Não sei. Sendo eu a Professora da família sou meia suspeita pra
falar!
--- Escuta aqui vocês dois! Eu só sei de uma coisa! Já estamos
entrando no Arabizá.
--- Nossa meu filho é verdade. A gente nem viu a paisagem passar
direito! Mas eu pude reparar que a grama do campo está muito verdinha
apesar deste frio de doer que está fazendo!
--- É por isto que as finais de Julho são sempre disputadas aqui meu
pai. Nosso campo está construído encima de uma antiga várzea. No tempo
das águas, dependendo do volume de chuvas ele até chega a alagar, mas
no inverno seca e conserva a terra úmida e fresquinha e a grama é sempre
verde por este motivo.
20
--- Verdade filho! Só no Arabizá que tem este tipo de geografia. E
por falar em geografia, nada de andar sozinho nas trilhas da estrada velha.
Nem de bicicleta e tão pouco a pé! Aquela estrada é muito antiga, está há
décadas sem passar carros. Só restou a trilha estreita no meio do
caminho. Eu tenho medo daqueles barrancos enormes desabarem e
fechar a trilha. E quando você e seu primo forem lá olhem bem para o
chão. Prestem atenção. Cuidado, pois pode haver cobras nas moitas de
capim.
--- Seu pai está certo meu filho! Eu morro de medo daquela estrada!
É uma trilha muito estreita, cercada de arbustos altos, e vai adentrando a
uma mata muito fechada, escura e fria. Prefiro que você e seu primo
brinquem em torno da igreja e nas ruas do vilarejo.
--- Isto mesmo que sua mãe falou! E têm mais dois avisos Senhor
Alexandre Lemos! O primeiro é:
--- Quando for ao campo, passe pela estrada nova. Ela é
empoeirada, estreita, mas é muito mais segura que a velha trilha da
estrada abandonada. Suba o Morro do Curió pela estrada e não tome
atalhos!
O segundo aviso é:
--- Você, seu primo e seus amigos podem ir juntos na estrada velha!
Mas quando chegar à altura da curva da divisa não entre na trilha que dá
acesso a represa abandonada do Senhor Tati.
--- Mais pai, a represa se rompeu a mais de 50 anos sei lá! Só
ficaram uns brejos cheios de taboas, minas, pequenas poças de água e
trilhas de animais! Não tem perigo. Lá só tem uma represazinha de nada
no meio disto tudo onde a gente pesca uns lambaris, e o Poço do Bambu
lá perto, mas a gente nunca vai nele.
--- Não quero saber de você indo sozinho na represa do Sr. Tati!
Aquilo é um labirinto muito perigoso. Podem esconder voçorocas, galerias
de água subterrâneas. Eu nasci e me criei aqui. Cansei de ver a terra ceder
e nascer poços da noite pro dia lá.
21
--- Nunca vá ao Poço do Bambu. Ninguém até hoje achou o fundo
daquilo. Nem com adulto você pode entrar lá. Tem muita árvore ao redor,
quem nada lá corre o risco do pé se prender nas raízes se afogar e o corpo
sumir. E jamais nadem na represinha do senhor Tati também, não vá lá
com seu primo ou amiguinho. Se por acaso resolver pescar na represinha,
vá acompanhado do meu irmão. Ele é adulto e responsável. Conhece bem
a região. Nasceu e mora aqui todos estes anos. Por tanto ele entende do
que eu estou falando a respeito desta represa abandonada.
--- Acabou papai? Mãe? A Senhora também tem algum sermão pra
me dizer?
--- São recomendações necessárias para o seu bem meu filho. E eu
concordo com seu pai. Não dê trabalho a sua avó.
Enquanto o protocolo de recomendações seguia a todo vapor o
carro corria serpenteando pelas estreitas estradas do Arabizá levantando
uma nuvem de poeira por baixo de suas rodas. Minutos depois avistaram
o pequeno vilarejo do Arabizá. Havia ao todo umas cinqüenta casas
distribuídas ao longo de três ruas. O restante da população, que eram a
maioria, estava esparramado pelas pequenas fazendas vizinhas ao vilarejo.
As maiorias das casas do Vilarejo eram de telha curva, parede de adobe e
tinham quase as mesmas distribuições de cômodos. Geralmente eram
compostos por pequena sala de visita, dois ou no máximo três quartos e
uma cozinha modesta. Em todas as casas havia fogão a lenha! Mesmo
quando se fazia adaptações, reformas, ou nas poucas construções novas, a
regra era que a casa deveria ter um fogão à lenha.
A avó de Alexandre era mãe de seu pai. Ela tinha dois filhos homens,
um o pai de Alexandre e outro era o caçula que morava em uma casa
vizinha a dela no Arabizá. O tio de Alexandre era casado e tinha três
filhos, Uma filha na idade de 12 anos, que morava com eles, outra com 21
que se casou e foi morar em São Paulo com o marido, e o filho do meio
Herbert de 15 anos. Herbert não só era primo de Alexandre como também
seu melhor amigo.
22
Outra curiosidade das casas do Arabizá era que em suas velhas
construções não havia banheiro interno. Os banheiros vieram depois.
Provavelmente começaram a partir da década de 70. As maiorias dos
banheiros ficavam anexados a casa, com a porta virada para o lado de
fora. Isto era quase uma regra. Abria-se a porta da cozinha para sair no
terreiro e lá estava a porta do banheiro. A casa da avó de Alexandre e de
seu primo Herbert não era diferente. Mas a casa da Avó de Alexandre e a
de seu primo ficavam no centro do Arabizá. Chamavam de centro porque
bem no meio havia uma grande floresta. Quem visse esta mata bem
fechada e com as copas das árvores enormes, poderia imaginar que ali,
algum dia, houve uma praça. Porém, aquele lugar não tratava de uma
antiga praça, e sim das ruínas abandonadas de um imenso e misterioso
casarão. Bastava observar mais de perto. O formato da mata era redondo,
por este motivo a última Rua do Arabizá era uma rua oval que
acompanhava o formato desta pequena floresta. Do lado interno não
havia casas, as casas estavam do outro lado da rua. Eram as mais antigas,
com grandes alicerces de pedras e quintais imensos separados por cercas
de bambu. Do velho casarão o tempo só deixou sobreviver às partes
pequenas de o alicerce circular do jardim. Ninguém se atrevia tomar
posse daquelas terras, cortarem suas árvores ou se quer entrar lá.
Embora fosse cheio de natureza e vida, o local vivia cercado de mistério,
lendas, verdades e superstições. Quando um ou outro morador atrevia-se
a entrar lá, nada de extremo ou grandioso acontecia. Mas muitas pessoas
evitavam por causa das sensações e sentimentos estranhos que tinham ao
adentrar esta mata. Uns sentiam dor de cabeça, outros eram tomados
por calafrios, alguns por melancolia ou simplesmente tinham fortes
intuições e cismas. E no mais a comunidade aceitou aquela mata no meio
da rua como quem recebe uma praça coletiva. Era propriedade comum.
Assim determinou os moradores. Dentro da mata havia sucos, e morros
nas terras, e muitas pedras grandes esparramadas. Isto dificultava que
alguém cortasse caminho pela mata. Por isto não houve quem se
atrevesse abrir uma trilha por lá também.
23
Devidamente instalados no Arabizá a família Lemos deixou seu
único filho aos cuidados de sua avó e retornou a cidade. No pouco tempo
que teve do entardecer até a noite Alexandre percorreu quase todas as
imediações na companhia de seu primo. Foram na única escola da
comunidade, visitaram o Poço do Fubá, e terminaram a noite atrás da
Capela, com um pequeno grupo de amigos, contando causos e se
aquecendo em torno da fogueira. Alexandre tinha a vida de um
adolescente normal até aquele momento. Claro que tanto ele quando
seus pais não conseguiam entender o apego que o garoto tinha pelo
Arabizá. Deixar o conforto de uma casa grande e imponente na cidade,
para se abrigar na limpa, modesta e pequena casa da avó. E não era
apenas isto. Os atrativos da cidade eram muito mais empolgantes para
um jovem do que os da pequena comunidade do Arabizá. Por muitos
anos o próprio Alexandre se perdia em pensamentos inconclusivos a
respeito deste apego tão arraigando que ele sentia pelo Arabizá.
***************
2 - Pesadelo.
Em silêncio olhando para o teto, Alexandre tentava pegar no sono.
O cansaço físico e mental era muito e isto o impedia de desacelerar,
repousar e dormir. Sempre que vinha para o Arabizá era assim. Alexandre
se via arrebatado por um misto de vários sentimentos.
Então ele se lembrou do entardecer daquele dia e remergulhou na
melancolia nostálgica que imediatamente transportou seus sentimentos
aquela tarde morna. Contemplou em pensamento o sol se por atrás da
montanha vendo a penumbra se aproximar aos poucos, enquanto
pássaros, voando aos bandos, procuravam abrigo nos horizontes daquele
vilarejo pouco iluminado. Uma saudade monótona e ao mesmo tempo
aconchegante, sempre tentava se aproximar de Alexandre quando ele se
via sozinho nas tardes ou nas noites do Arabizá. Estas sensações vinham
feito um fantasma. Mistérios de algo que um garoto de 16 anos não
conseguia sondar. Tão pouco dimensionar este apego arraigado, quase
uma obrigação da alma que o levava ao Arabizá.
24
Durante o dia Alexandre preenchia a vida com atividades juvenis.
Andava e vivia cercado de amigos, em companhia do primo, ou as voltas
ajudando e aproveitando a amizade atemporal que tinha com sua querida
avó.
Porém ao cair da noite, quando o silencio é táctil e a meia luz da lua
era sua única fonte morna de claridade a vazar pelas frestas do telhado
antigo e nos vão das portas e janelas. Quando este clima de isolamento
invadia o pequeno quarto de Alexandre era que ele se sentia um estranho
no ninho. Vinha o deslocamento. Uma sensação de que estar ali com a
freqüência e apego que ele estava não fazia sentido. Mas se não é razão
sua estadia, pois todas as coisas na cidade lhe eram muito mais atraentes
e abundantes que no Arabizá, o que lhe atraia aquele lugar? Pensava,
questionava, e tudo lhe parecia vago. Menos a estranha sensação de
deslocamento e a sede de resposta que angustiava e fazia divagar em
pensamentos agora cada vez mais inconclusivos e acelerados. Nada de
sono. Alexandre queria uma resposta. A imaturidade tem pressa, e o
tempo tem as suas razões. O atrito disto gerava uma busca agonizante.
Alexandre tentou distrair as idéias. Procurou pelo mugido das vacas, pios
de coruja, um uivo do que quer fosse, mas nem os grilos cantavam
naquela noite. Tudo era silêncio. Não havia se quer os estalos da madeira
se delatando no assoalho. Antes, quando tinha estas sensações, as
banalizavam e logo dava um jeito de se distrair. Dizia a si mesmo que isto
passa, toda noite é assim mesmo aqui no Arabizá, ou simplesmente se
consolava dizendo:
--- Relaxa Alexandre! Você só está estranhando a casa e o ambiente.
Sozinho a gente sempre pensa besteira.
Em seguida começava a bombardear a cabeça de idéias agradáveis,
e fazia planos de atividades de férias e logo em seguida conseguia pegar
no sono. Mas hoje era diferente. Os placebos psicológicos não estavam
surtindo efeito. Alexandre se sentia atraído por aquela correnteza de
pensamentos. Tentou de início livrar-se deles, mas isto só trouxe mais
pensamentos e questões.
25
Talvez fossem sintomas da maturidade, vontade de enfrentar os
dilemas da vida e partir em busca de respostas mais satisfatórias a
respeito de si mesmo e das razões que compõe seu mundo. Também
havia o encantamento por aquelas questões. Ele mesmo ficou
deslumbrado de ver que sua mente era capaz de compor raciocínios tão
profundos, coerentes, e se relacionar com perguntas existenciais tão
maduras e complexas. Alexandre viu-se diante do adulto que havia dentro
dele e não conseguiu entende por onde ele entrou. Como ele estava
pronto? E por que só se manifestou naquele momento? Se fosse expor em
palavras Alexandre não conseguiria expressar. Estava embasbacado,
como ele com aquela pouca idade tinha este dom tão peculiar?
E foi no meio desta empolgação que Alexandre não se conteve.
Quebrou o silêncio da noite, perguntando a si mesmo:
--- Por que eu gosto tanto daqui?
Sentiu envergonhado com a pergunta, pois temeu que sua avó, que
dormia no quarto ao lado pudesse ter ouvido. Depois ele voltou à torrente
de pensamentos.
Agora parecia que sua cabeça era um lugar de todos. Um lugar
aonde se vinha fragmentos de respostas de todas as direções. Cada
fragmento tinha um som específico tal qual a voz de estranhos. Cada
fragmento de voz entrava e saia com uma resposta em sua cabeça, e às
vezes se quer conluia um raciocínio dando espaço à outra voz com outra
resposta ou outra pergunta.
Estes sons de pensamentos pincelavam coisas do tipo:
--- Olha Alexandre isto é um vício!
--- Não Alexandre é genético. Seu pai também ama o Arabizá.
--- Você é roceiro, e daí?
--- Pensa bem garoto você gosta daqui porque está de férias! Duvido
que você fosse gostar daqui se de estudasse ou trabalhasse no Arabizá!
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--- Admite mocinho você está apaixonado pela Naiara dos olhos
verdes...
--- No fundo você acredita que vai transformar em um grande
jogador de futebol e acha que vai ser descoberto aqui no Arabizá.
--- Não, isto se deve ao fato da sua família ser pequena, seus primos
e sua avó estão aqui, por isto...
--- Quando você casar nem vai lembrar que existe Arabizá...
--- Você tem aqui uma dívida de outros tempos.
--- Amanhã deve acordar cedo pra pescar...
--- Seu primo também pensa coisas deste tipo... Deve ser da idade...
--- Você precisa rezar...
--- Para de pensar, se não vai ficar doido, deixa essas questões pra
lá, isto não chega a nada...
--- Trata-se de questões antigas, pendências oriundas de vidas
passadas.
--- Você tem é de se benzer... Procurar um padre...
Alexandre mergulhava cada vez mais na busca de uma resposta
satisfatória. Na verdade já havia encontrado, porém relutava em não
aceitar a resposta que lhe parecia mais coerente. E foi ai que ele sem
querer quebrou o silencio outra vez dizendo:
----- Dividas de outras vidas, não!
Negar era preciso. Ele não entendia, acreditava, ou se quer aceitava
esta resposta. Em seu íntimo Alexandre estranhamente pressentia que
aquela era a mais coerente das respostas. Porém na superfície, sua
formação religiosa, seu medo de enlouquecer mergulhando em questões
complexas e a desconfiança implantada em torno da Doutrina o fazia
temer a simples hipótese de considerar este pensamento.
27
Mas não teve jeito. Sua cabeça ferveu e o sono fugiu para outro
País. Alexandre estava convicto de que a loucura o havia arrebatado de
vez. Ele, que apesar de freqüentar a Igreja católica, não entendia de
experiências e vivencia religiosa. Para Alexandre Religião era como uma
matéria escolar. Algo que se estudava, praticava e seguia sem muito se
preocupar. Ele era assim. Dogmático. Aceitava e não questionava muito,
buscava sempre a zona de conforto evitando aprofundar-se.
Este fato se deve em parte a sociedade que nivela por baixo o
potencial intelectual dos Adolescentes. Os coloca na categoria de
espectadores, julgando-os incapazes de transcender questões que vão
além das grades curriculares.
Alexandre tinha isto arraigado em seu comportamento. Achava que
ser religioso estava simplesmente associado a ser bom e também era
simplesmente ser obediente aos pais e professores. E ser religioso era
uma questão mecânica que se resumia em freqüentar e participar no que
lhe fosse solicitado. Ele imaginava que um garoto da idade dele tinha de
seguir o bando e se preocupar com a marca do Tênis, com a roupa nova, o
perfume, as provas e em aproveitar mecanicamente a juventude, pois
todos diziam que ela ia passar rápido. Alexandre acreditava no caminho
prático, trabalhar, estudar, divertir. Achava que este tripé era o segredo
da vida feliz.
Mas de onde vinha aquele Alexandre? Este adulto? Este que
acredita em coisas que o garoto achava ser perigosa? Por que ele quer
quebrar tabus internos? Aonde ele quer chegar? Pra quê? De nada
adiantou. Alexandre estava preso em um remanso de pensamento. E por
mais que ele tentava fugir com outras idéias e assuntos a palavra “vidas
passadas” latejava em sua mente. Mas forte e intensa era a sua negação
sobre o tema, tão forte que seu organismo manifestou.
Começou latejando bem de leve, e aos pouco foi aumentando, até
que quase sem perceber Alexandre se deparou com uma intensa dor de
cabeça.
28
Pronto, estava salvo. Agora toda a atenção do garoto esta voltada
para dor. A dor o fizera esquecer tudo. Ele agora está concentrado em
apenas livrar-se dela neste instante.
Assim Alexandre saltou da cama, seguiu em direção a mochila,
abriu-a e retirou uma cartela de comprimidos em um de seus muitos
compartimentos de zíper. Abriu a porta do quarto, caminhou até a
cozinha, pegou um copo de alumínio, encheu de água do filtro, engoliu o
comprimido e tomou em seguida a água do copo. Voltou para o quarto,
ajoelhou-se próximo a cama e puxou um penico de plástico de cor branca.
Fez xixi no penico, guardou penico em baixo da cama novamente, e deitou
na cama. A avó de Alexandre sempre trancava a porta da sala e da
cozinha deixando o banheiro da casa fechado do lado de fora. Se fosse
preciso ele a acordava, mas para fazer xixi, não tinha precisão. Alexandre
usava o penico. Ou “Suíte de pobre”, como ele costumava brincar com
avó.
Acomodado novamente na cama Alexandre só tinha um desejo.
Aguardar a dor ir embora. E aos poucos a dor foi se afastando da cabeça
do garoto. E à medida que ela se afastava lentamente o sono se
aproximava. E foi assim que Alexandre finalmente conseguiu dormir. O
medicamento abaixou um pouco sua pressão, e o sono também ajudou
neste processo. Relaxado, o corpo se entregou ao merecido descanso
reparador. Em alguns minutos, após a dor passar Alexandre estava
mergulhado em um sono profundo e pesado.
E foi então que veio o pesadelo.
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Em seus sonhos Alexandre sentia cheiros.
Por milésimos de segundo teve a sensação de saber estar sonhando.
Isto lhe ocorreu mais rápido que um flash.
Inspirou bem fundo e sentiu novamente o cheiro entrar em
suas narinas. Era cheiro de comida e bebida. Der repente se viu no meio
de uma grande festa.
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Começou a ouvir som de instrumentos, uma profusão de vozes a
cantar, falar, gritar e sorrir. Os sons se misturavam tornando-se
indecifráveis os diálogos, tal qual acontece em grandes bailes. Deu para
perceber que as luzes vinham de velas. Eram luzes amareladas,
trepidantes que pareciam dançar ao sabor dos ventos e vultos que
circulavam na casa. Sabia-se que era uma casa, pois via de relance,
paredes amareladas, telhas curvas, cumeeiras, assoalhos e grandes portais
vermelhos e grossos. Outro pressentimento invadiu Alexandre. De relance
entendeu que estava no Arabizá. Percebeu se tratar de coisas antigas. De
tempos e pessoas de outra época. Mas lhe intrigava o fato de não
reconhecer aquela casa onde estava em questão. Pois todas as casas do
Arabizá eram antigas e algumas até centenárias. Mesmo em um sonho
Alexandre saberia reconhecer qual delas ele estava. Mas aquela casa não
era familiar. Estava no Arabizá. Tinha uma forte intuição. Tão forte que lhe
passava a mais convicta das certezas. Mas não reconhecia aquela casa
grande e estranha.
O som foi aumentando. Alexandre tentava reter as informações.
Tudo em vão. Via pessoas, mas não via rostos, só vultos. Ouvia sons, mas
não entendia as palavras. Tudo aparecia e desaparecia feito fumaça.
Cenas se construíam e desconstruíam dando lugar a outras em um passe
de mágica. As únicas coisas que se mantinham fixas eram as certezas que
Alexandre tinha. Ali era o Arabizá, estava ele em uma festa, e as pessoas
não se vestiam,comiam, ouviam música ou dançavam como as pessoas de
1997. Tratava-se de outro tempo bem remoto.
Alexandre viu vultos de saias rodadas compridas e encardidas, viu
blusas de manga longa, viu homens de botas pesadas, calças de pano, e
camisas cheias de bordados e arremates, viu cabelos compridos, dentes,
alguns tortos, outros careados e quase todos amarelados. Via tudo isto se
dissolver e se construir na sua frente e estranhava-lhe o fato de ter
certezas. Uma delas era que estas pessoas tinham algumas posses e certo
prestigio social.
Der repente todos os vultos e vozes entraram em desespero e
começaram a gritar e correr por todas as direções.
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Começou a chover cacos de telha, ripas, rebocos, tijolos e um
grande clarão de fogo cresceram feito um raio. Quando deu por si
Alexandre se viu sentado no chão assistindo todo aquele caos. Não
conseguia se mexer e o pavor tomavam conta de seu corpo. Com muito
esforço olhou para cima e viu um enorme caibo vir em sua direção.
Já em outra cena de seu sonho Alexandre estava completamente
em pânico e não conseguia se mexer. Escutava uns gemidos, e pedidos de
socorro, mas aos poucos as vozes iam cessando. Sentia água subindo pelo
seu corpo lentamente. Isto lhe causava muito pavor. Não sabia onde
estava. Estava tudo escuro, frio, e os restos de construção pareciam
envolver o seu corpo feito um cobertor. Der repente à água subiu de uma
só vez cobrindo toda a sua cabeça. Em um surto de fobia e desespero
Alexandre puxava o ar e ele não vinha. Esforçava, debatia, tentava em vão
respirar, gritar por ajuda...
Com grande susto Alexandre acordou deste pesadelo.
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E foi assim que o garoto acordou do sonho. Agora com a
consciência retomada Alexandre percebeu que tudo não passou de um
grande e nítido pesadelo. Ele se assustou tanto que quando acordou
estava sentando na cama. Pensou em gritar pela avó pra saber se ela o
escutara sonhando. Mas não o fez. Imaginou que se ela tivesse ouvido
teria vindo em seu quarto lhe perguntar pelo ocorrido. E foi então que
Alexandre começou a sussurrar para si mesmo:
--- Calma Xandi, tudo não passou de um sonho moleque. Ninguém
te escutou sonhando medroso. Viu! A dor de cabeça já passou e meu sono
ainda continua. Volta a dormir porque amanhã você tem história pra
contar para o primo Herbert e pra vovó.
Quando estava sozinho Alexandre gostava de conversar baixinho.
Chamava este habito de loucura do bem. Dizia ser do bem, pois já flagrara
seu primo, avó, pai, mãe e amigos agindo assim também. Por isto chama
de loucura do bem. Algo estranho, mas bom e que não causava mal
alguma e muita gente que ele conhecia praticava.
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Alexandre se levantou da cama. Foi até a cozinha bebeu um copo de
água. Olhou pelo basculante da cozinha o terreiro da casa. Era a única
janela de vidro desta residência. Um basculante pequeno, mas por ele
Alexandre viu a luz doce da lua dar contorno às formas do terreiro. Sentiu
um calafrio correr pela sua coluna. Aquele terreiro iluminado e silencioso
parecia cenário perfeito para mistérios e causos antigos. Estava tudo
muito quieto e um ar de cisma sinistra sondou os sentimentos de
Alexandre. Em seguida Alexandre deu de ombros para este medo que
sentira e voltou para o quarto. Deitou na cama enfiando-se debaixo dos
cobertores e procurando um lado aconchegante no colchão e no
travesseiro. Logo, logo ele voltou a dormir.
E outro sonho lhe pegou de relance.
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Em seu novo sonho Alexandre percebeu que a escuridão era
intensa. Também reconheceu estar no Arabizá. Sim, ele sabia até o local
onde se encontrava. No Morro do Curió. Estava subindo o Morro do Curió
à noite. Era uma noite muito escura, sem lua, sem estrelas, e não havia
lanterna ou luz iluminando o caminho. Alexandre não via seu corpo,
apenas via as siluetas pouco definidas de si mesmo e de uma pequena
trilha de terra. Também tinha a sensação de estar caminhando, pois sentia
a cadência do corpo feito quem caminha morro abaixo. Tentou
incessantemente ver o próprio corpo, mas não conseguiu.
Em um dado momento de seu sonho Alexandre viu os braços, suas
mãos e elas seguravam um objeto que parecia ser um chicote.
Em sua frente surgiu um vulto ainda mais negro que a escuridão.
Este vulto tinha contornos de um menino. Parecia esquelético curvado e
frágil. Alexandre começou a chicotear este vulto. O vulto caia pelo chão.
Dava para ouvir o barulho de seu corpo caindo sobre o cascalho da trilha.
Quanto mais o vulto se defendia com as mãos, se agachava ou tentava se
esquivar mais Alexandre o chicoteava.
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Alexandre sentia um prazer mórbido em chicotear este vulto.
Sentia muito ódio por aquela criatura. Tanto que a raiva lhe despertava
grande euforia e prazer. Causar dor no vulto lhe dava razão de estar ali. E
ele chicoteava para evitar pensar e para dar vazão aos sentimentos.
Pressentia que o vulto merecia o sofrimento e ele tinha motivos para se
vingar do vulto. Só não entendia as bases destes motivos.
De rápido relance o cenário do sonho mudou novamente.
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O que mais ele estranhou nesta cena foi à nitidez intensa e clara
com que via e enxergava as coisas ao seu redor. Imediatamente Alexandre
trocou de sonho. Agora estava em um barco no meio de um lago
gigantesco. Uma incrível sensação de conhecer aquele lugar lhe tomou
por inteiro. Era um lago maravilhoso! Imenso e a paisagem ao redor deste
lhe parecia muito familiar. Outra vez Alexandre reconheceu, em seus
sonhos, estar no Arabizá. Aquela era sem sombra de dúvidas a região
onde estavam à estrada velha e a represa abandona do Senhor Tati. Só
que em seus sonhos a represa não era abandonada. Muito pelo contrário.
Era um grande lago, com suas margens límpidas e águas bem
transparentes. A distância viu uma bela e bem cuidada estrada de terra. A
estrada acompanhava a margem esquerda do lago formando um grande
“S”. Avistou de longe, quase se misturando no horizonte, o que lhe
parecia ser um imenso muro de pedra. Deduziu que aquela estrutura
gigantesca seria a comporta daquele imenso lago. Ele também entendeu
que por baixo das águas deste lago estavam o Poço do Bambu e seu
sumidouro, as dezenas de minas e açudes e na parte mais funda a
represinha. Tudo isto devia estar dormindo abaixo daquele monumental
espelho d água.
Alexandre ficou espantado quando olhou o próprio corpo. Ele
parecia ser outra pessoa. Era muito branco. Sua pele tinha tonalidade
pálida. Acariciou o próprio braço e viu que era tão pálido que conseguia
ver os contornos de suas veias sob sua pele. Depois estranhou suas
roupas. Eram limpas, engomadas, elegantemente discretas.
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Percebeu que estava de sapato preto de cano longo e couro groso.
Logo pressentiu se tratar de alguém importante e rico. Notou também que
as roupas eram de outros tempos. Sabia que estava em outro corpo, mas
pressentia que este estranho ao mesmo tempo era ele. Tinha a mesma
idade, mas a cor, os movimentos, a personalidade e maneira de pressentir
as coisas eram distintas. Foram alguns segundos de espanto e admiração.
Quase um estado de êxtase. Mas tão breves eram as imagens, mais
fugazes eram as sensações. E em tudo Alexandre punha atenção e tentava
reter a intensidade de toda aquela informação. Inspirou novamente e
sentiu um cheiro forte e agradável vindo de seu corpo. Era o odor de seu
perfume. Um odor amadeirado com toque adocicado de uma flor que ao
mesmo lhe era familiar, no entanto o nome se fazia desconhecer.
Conhecia o cheio. Novamente estranhou o fato de entender estar dentro
de um sonho. Ficou maravilhado e confuso por estar sentindo cheiro
novamente. Então tudo se desfez outra vez. E como sonhos não têm nexo
e nem tão pouco regras o garoto mudou de cenário novamente.
Agora Alexandre estava dentro de um barco maior no meio do
próprio lago. Parecia uma noite muito clara e as imagens eram nítidas.
Der repente Alexandre ergue um imenso enrolado de pano branco e
corda. Debaixo destes panos parece haver um rapaz com a mesma
estatura que ele. Este moço reluta, e tenta em vão se mexer. A boca desta
criatura não emite som, apenas um grunhido abafado, agonizante e
fundo. Sem dó nem piedade Alexandre joga este corpo amarrado na água
e fica assistindo atônito o corpo afundar. O corpo afunda lentamente e à
medida que vai afundando nas águas os lençóis e cordas vão se
desenrolando. De súbito Alexandre vê o seu próprio rosto refletido no
espelho d água. É o mesmo rosto pálido, e esbranquiçado da cena
anterior. Alexandre toma um baita susto. O corpo que afundava retorna
a superfície com grande fúria e velocidade. Ele salta para cima de
Alexandre tentando puxá-lo para o fundo das águas com ele. Mas o que
mais intrigou e deixou Alexandre em pânico foi o fato de o corpo estar
livre dos lençóis e o rosto desta criatura era o mesmo que ele viu refletido
no espelho d água.
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Ou seja, Alexandre e o corpo eram a mesma pessoa, ou seriam seres
diferentes? Um forte estado de agonia e pavor tomou conta de Alexandre.
Foi que de relance ele ouviu um grito forte, seco e muito
sinistro. Um grito tão agudo e carregado de dor, mas tão estranho e
monstruoso que parecia vir de dentro da sua alma. Aquele som se
misturou com tudo e dominou por completo todo o ser de Alexandre. O
susto e a confusão ganharam espaço. Tudo era tão real que Alexandre
acordou assustado novamente.
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Alexandre ergueu o corpo na cama em uma velocidade
admirável vindo a ficar sentando na nela outra vez. Por vários segundos
ficou ali estático, com o olhar voltado para o nada, tentando distinguir o
real do imaginário. O grito fora tão claro e visceral que Alexandre não
conseguia entender se veio do fundo de seus sonhos nítidos, ou fora
alguém real que berrara desta forma agonizante, naquela madrugada fria
do Arabizá de 1997.
Aos poucos Alexandre fora digerindo a situação. Assim a consciência
foi se retomando lentamente até fazê-lo compreender que tudo não
passara de um pesadelo outra vez. E foi então que ele disse:
--- Meu Deus do céu! Que pesadelo! Deve ser por causa do remédio.
Será que já são cinco horas da manhã? Que foi isto meu pai? Agora
pesadelos têm segundo tempo igual a jogo de futebol?
Alexandre olhou as horas no celular que estava na cabeceira da
cama. Eram três e quarenta e cinco. Logo em seguida Alexandre deitou
novamente na cama, puxou as cobertas e levou a mão sobre o calção do
pijama tomando um baita susto:
--- Nossa não acredito que isto está acontecendo comino! E agora?
Era só o que me faltava! Não bastasse toda esta sonharia acabei urinando
na cama!
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Alexandre verificou novamente com cuidado seu corpo. Sentiu
certo Alívio em constatar que não havia molhado a cama e sim apenas
parte da cueca e do calção:
--- Ainda bem! Ufa! Foi só um jato que escapuliu. Ninguém nem vai
ficar sabendo disto.
Alexandre começou a bolar um plano para não deixar ninguém
saber que ele havia feito xixi nas calças. Igual ao que aconteceu com a dor
de cabeça este fato lhe tirou a atenção dos sonhos. Antes Alexandre
estava cabreiro com a nitidez e com a capacidade de sentir cheiro durante
os sonhos. Agora ele só se preocupava em resolver o problema do xixi.
Como todo Adolescente ele era muito vaidoso e não queria virar
motivo de piada em todo Arabizá. Isto ele não ia permitir. E sendo ele um
dos jogadores do time dos sonhos do Arabizá havia sua legião de meia
dúzia de meninas. Suas fãs e futuros namoricos. Este era sem dúvida a
sua principal fonte de vaidade e pudor e a principal razão para ele se livrar
das evidencias do ocorrido tal qual um criminoso se livra das pistas de um
crime.
O plano fora traçado. Alexandre teria de fazer grandes sacrifícios.
Primeiro ele saltou da cama e tirou toda a roupa do corpo. Ficou
completamente nu no meio do quarto sem acender a luz para não acordar
avó. Depois ele pegou uma sacola plástica na mochila e colocou a roupa
nela. Deu um nó na sacola. Em seguida escondeu a sacola no fundo da
mala. A idéia era levar para Cristalina a sacola com a roupa e quando a
empregada se distraísse colocaria a roupa na máquina junto com as
outras. Sua avó não poderia lavar aquelas peças, porque ela separava as
roupas uma a uma. Como ele nunca lavava roupas também estranharia se
ele lavasse aquela. Tinha de ser do jeito que ele planejou. E esta fora a
parte mais fácil do plano.
Alexandre começou a tremer de frio. Tentava controlar para não
bater o queixo e não fazer barulho com toda a tremedeira. A segunda
parte do plano era mais ariscada. Ele precisava se lavar sem usar o
banheiro. Não poderia pedir a chave para a avó.
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Ela tinha boa memória e certamente estranharia o fato dele trocar
de roupa sem esperar a noite terminar. O cheiro de xixi poderia levantar
suspeitas, pensou Alexandre. Ele precisava se livrar daquelas evidências
sem a ajuda de ninguém. Caso contrário seus planos de não ser
descoberto iriam por água abaixo.
O jeito era se lavar no terreiro. E foi o que Alexandre fez.
Abriu a janela de madeira do quarto com muito cuidado para evitar
rangido, e saltou para o terreiro. Seria rápido e simples. Já que era jovem,
estava de noite, e sua avó não criava cachorro por causa do gato de
estimação na casa. Por este motivo Alexandre poderia entrar e sair pela
janela de seu quarto sem levantar suspeita. E ele já fizera isto várias vezes
nas noites quentes de verão quando perdia o sono e caminhava no
terreiro aproveitando a brisa da noite. A única diferença era que aquela
noite estava muito fria e ele estava nu. Apesar de não estar ventando o ar
estava frio feito a gaveta de verduras de uma geladeira. Era noite de lua
cheia e o terreiro se encontrava claro e dava pra ver com nitidez a direção
das coisas. Alexandre correu despido para o tanque de cimento próximo
a casa. Não quis se enrolar na toalha temendo transferir o cheiro para ela.
Foi até o tanque e cobrindo as partes com as mãos. Tremia feito uma vara
verde e seus lábios estavam ficando roxos de frio. Ia retirar um farto
balde de água para limpar abaixo da cintura quando se lembrou de um
detalhe:
--- Se eu retirar à água da caixa a bóia vai ligar para repor outra.
Não posso fazer isto. Esta velha bóia faz mais barulho que um avião! Até
avó que tem o sono pesado pode acordar com o escândalo que esta
maldita bóia faz. E agora o que eu faço? Não posso voltar e deitar sem me
lavar, meu cheiro no dia seguinte vai me denunciar.
Alexandre era todo rompante e confusão. Estava tão preocupado
com o fato de se limpar e se livrar daquele ocorrido sem deixar suspeita.
Tão preocupado que começou agir sem muito pensar. Cometeu vários
erros grotescos e primários. Coisa que se tivesse parado para pensar
melhor não necessitaria nem ter saído do quarto. Mas naquele momento
Alexandre não agia movido pela razão. Agia movido pela vontade. E sendo
assim acatava a primeira idéia que aparecia em sua mente.
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De súbito teve uma idéia. Correu em direção ao paiol de milho da
casa de sua avó. Atrás do paiol havia a entrada de uma mata. E pouco
antes de adentrar esta mata tinha um pequeno riacho. Alexandre
agradeceu o fato de sua avó não possuir cachorro. Se tivesse faria um
grande escândalo. O cão mais próximo era o da casa de seu primo
Herbert. Mas este animal era tão velho que jamais se atreveria sair de sua
casinha para percorrer o terreiro naquela friagem toda. Nem o cão e nem
o resto do Arabizá sairia de casa naquela madrugada fria. No mais os
animais do Arabizá estavam familiarizados com o cheiro de Alexandre.
Enquanto pensava estas coisas Alexandre tentava se lavar o mais
rápido possível. Sentia muito frio, a água estava mais gelada ainda e pra
piorar ele teria de ficar um tempo atrás do paiol aguardando a água secar.
Era um tempo que não passava nunca. E quanto mais tremia mais
Alexandre sonhava como o travesseiro macio, o colchão quentinho e o
conforto de suas três cobertas aconchegantes. Alexandre tremia
encolhido atrás do paiol. O tempo parecia remar contra a maré. A
sensação era que isto não ia acabar jamais. Em um rompante Alexandre
olhou na lateral do paiol e planejou sua volta para o quarto. Parte do seu
corpo estava úmida, porém nada de mais. Isto terminava de secar na
cama. E como era apenas água não traria nenhum transtorno. Então
Alexandre começou a conversar consigo mesmo pra passar o tempo e
planejar sua estratégia de retorno ao quarto:
--- Pronto Xandi, seco, seco, não vai ficar não! To meio úmido, mas
não vai molhar o lençol. Isto seca sozinho sem deixar rastro. Ainda bem
que o terreiro da vovó é muito bem varrido. Se não fosse eu poderia sujar
o pé. Tanto faz também, se eu sujar falo que saí pra ver alguma coisa
suspeita. O importante é ninguém ficar sabendo que fiz xixi na cama.
Terminado o diálogo consigo mesmo Alexandre deu o primeiro
passo em direção a casa. Este foi o primeiro e último passo que ele
conseguiu dar.
38
Ao virar repentinamente para voltar á casa Alexandre viu de
relance a mata. O que ele viu lá o deixou completamente petrificado.
O que era Aquilo?
Um medo intenso percorreu todo o corpo de Alexandre. Este pânico
desceu pela sua coluna provocando mais tremedeira, frio e arrepiando
todos os seus pelos. Seus olhos se arregalaram, as pupilas se dilataram o
máximo que puderam. Ele perdeu o domínio sobre o corpo. Não
conseguia correr, e se esforçava para que a tremedeira não o jogasse no
chão de vez. Permaneceu de pé, paralisado, e agonizando de medo. O
estomago revirava, o coração parecia que saltava pela boca, a cabeça
fervia de pensamentos acelerados. Alexandre permanecia ali. Parado,
tentando involuntariamente ficar imóvel. Tinha a impressão que seu
corpo queria ficar ali e passar despercebido aos olhos daquela criatura, ou
seja lá o que aquilo fosse.
O que se plantou diante dos olhos de Alexandre naquele momento
foi um fenômeno. Um evento de natureza desconhecida por muitos e por
ele. Não há nada mais nocivo para o homem do que a sua própria
ignorância. Por este motivo o assombro de Alexandre diante deste
ocorrido por pouco não extrapolou a linha tênue da razão e da loucura.
Não fosse a sua juventude, sua saúde de ferro e coração forte há esta hora
ele poderia até ter desfalecido de tanto susto. Alexandre, naquele
momento sofria os prejuízos da falta de conhecimento científico e colhia
os frutos de uma busca espiritual superficial. Ao depara-se com aquele
fenômeno sua mente buscou compreensão para definir o ocorrido. Porém
tudo o que sua cabeça conhecia estava relacionado a assombrações,
demônios, almas perdidas, lobisomens, criaturas sinistras de filme de
terror, extraterrestres que seqüestravam pessoas e as matavam, e todo
tipo de coisa ruim. Estes preconceitos agravaram seu medo e acentuaram
profundamente o assombro diante o que ele viu.
Na verdade o que Alexandre viu, e que quase o matou de medo, foi
uma grande bola de fogo azulada. Tinha uma luz pouco luminosa, a
coloração de suas chamas era a mesma coloração que tem o fogo dos
fogões a gás.
39
Era mais ou menos do tamanho de uma bola grande de fisioterapia.
Seu formato oscilava entre cilíndrico, oval e outras formas arredondadas.
Parecia consumir a si mesma pela própria luz. Uma luz fraca como já foi
dito. E o mais assombroso era que esta bola flutuava livremente no
espaço sem nenhuma base de sustentação ou ponto de origem de suas
chamas. Esta luz surgiu no repente vindo do fundo da mata. Flutuou em
linha reta na direção da mina, dando a entender estar indo de encontro a
Alexandre. Chegando à mina a luz acompanhou o curso d água por alguns
metros, em seguida fez uma curva em torno de si mesma e terminou sua
aparição embrenhando-se na mata novamente até que Alexandre não
enxergasse mais sua luz.
Quando a luz misteriosa se foi de vez Alexandre recobrou o
domínio de seu corpo, conseguiu, entre o pânico profundo que sentia um
pouco de controle e forças nas pernas. Rapidamente sem pensar em nada
retornou para o seu quarto na velocidade de um vulto, saltou a janela
feito um puma, fechou a janela, enfiou-se debaixo das cobertas e lá ficou.
Debaixo das cobertas Alexandre era uma tremedeira só. Tremia de frio,
tremia de medo, achava que ia morrer pois seu coração batia cada vez
mais acelerado, e sua cabeça não distinguia o que era sonho, realidade, o
que viu o que não viu. Tudo estava muito confuso.
Para solucionar o problema do medo Alexandre começou a rezar
como nunca havia rezado na vida. Tentou bloquear qualquer
pensamento, fobia ou sensação. Engatava uma Ave Maria atrás da outra,
recitava um Pai nosso Atrás do outro. Franzia a testa, e apertava a pele da
face rezando cada vez mais rápido. Não poderia deixar brechas para
pensar em outra coisa. Precisava sentir que algo ou alguém superior o
protegeria de tudo aquilo. Tinha de fugir do desconhecido, tinha de ter de
volta a vida normal e corriqueira. Precisava fazer daquele evento um fato
isolado e que nunca mais aconteceria outra vez.
Deu certo rezar. Alexandre começou a ficar mais calmo depois de
alguns minutos. Ficou tão calmo que aos poucos foi parando de rezar e
retomando o curso normal de seus pensamentos. Às vezes sentia a fobia
querer dominá-lo novamente, mas bastasse o medo vir que ele começava
a rezar de novo e tudo se atenuava.
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Depois de muito rezar, e pensar, Alexandre começou a organizar
suas idéias corretamente e a se sentir mais calmo e equilibrado. Evitava
pensar no que viu. Ainda estava recente e poderia desencadear todo o
medo novamente. Por isto ele procurava se distrair, já que o sono não lhe
seria mais possível aquele resto de noite. O jeito era procurar coisas que
lhe causassem bem e lhe trouxesse de volta a velha vida. Sendo assim
Alexandre arriscou a falar sozinho novamente:
--- Que bobagem a minha! Se eu tivesse ido até a cozinha, pegado
um copo com água, um punhado de papel toalha, eu poderia ter limpado
aqui mesmo no quarto. Jogava tudo no penico e de manhã levava o penico
pro banheiro e dava a descarga. Não precisava ter saído lá fora.
Alexandre mergulhava no mundo do si, tentando resolver
problemas de fatos já ocorridos. Na verdade ele só queria pensar em
coisas que o livrasse daquela noite e fizesse o tempo passar de pressa.
Sendo assim ele voltou ao vício de conversar consigo mesmo:
---- Nunca mais eu durmo sozinho aqui de novo! Só não vou embora
hoje mesmo pra Cristalina porque ninguém vai compreender e a vovó vai
ficar muito triste. Está de noite não tem jeito de partir. Mas uma coisa eu
tenho certeza. Amanhã eu não durmo aqui na casa da vovó!
***************
3 - A procura de respostas.
Finalmente a noite turbulenta terminou. Logo no primeiro cantar
do galo Alexandre se pós de pé. Saiu do quarto onde havia esperado o dia
chegar e foi até a cozinha da casa. Ao chegar à cozinha subiu na beira do
fogão a lenha e lá ficou aguardando sua avó acordar. O gato da casa
procurou abrigo em seu colo e Alexandre o abrigou. Os dois esperaram
por mais ou menos meia hora até que avó de Alexandre levantasse e fosse
fazer café.
--- Bom dia meu netinho querido! Dormiu bem? Puxa o pezinho
para traz pra eu acender o fogo! Vou fazer aqueles biscoitos de polvilho
que você tanto adora!
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A avó de Alexandre tinha o sono de pedra. Não percebera toda a
movimentação de Alexandre no quarto. A única coisa que notou foi que o
menino estava com olheiras e meio macambúzio.
--- Estou notando que você não dormiu direito! Está com olheira e
meio abatido o que aconteceu? Ta precisando de mais cobertor?
--- Não vovó, esta tudo bem! Eu não preciso de cobertor não! É que
tive dor de cabeça, e depois que a dor passou dormi e tive um pesadelo
daí não consegui dormir mais. Por isto estou com esta cara.
--- Que isto Alexandre! Por que você não me chamou?
--- Não foi nada vovó. Pra falar a verdade eu nem lembro mais o que
sonhei. Só sei que fiquei sem sono a noite toda! Daí eu levantei e vim pra
cá ver o dia amanhecer.
Por dentro Alexandre era uma confusão só. Sua cabeça parecia
ferver. Os pensamentos todos embaralhados. Ele não conseguira digerir
tudo o que aconteceu. Tentava manter as aparências para ganhar tempo.
Mas sentia que ia enlouquecer ou ter uma crise. Precisava de imediato
resolver dois problemas.
--- Vovó? Posso lhe pedir uma coisa?
--- Claro meu querido se tiver ao meu alcance.
--- É que esta semana eu gostaria de dormir na casa do tio, no
quarto do meu primo Herbert. Faz tempo que a gente não faz isto. A tia
tem reclamado que eu não durmo mais lá. E também o Herbert comprou
um novo cartucho de vídeo game.
--- Por mim tudo bem! Você deixa as coisas aqui e de noite leva só o
que for precisar. Mas você vai jantar aqui ou lá?
--- Eu vou dividir vovó! O dia que jantar aqui eu almoço lá, e o dia
que almoçar eu janto aqui! O primo Herbert pode vir comer aqui
também?
--- Mas é claro que pode Alexandre! Vou gostar de cozinhar para
meus dois netinhos queridos.
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--- Vovó na outra semana eu posso trazer o Herbert pra dormir aqui
na sua casa? A senhora Poe o colchão no chão pra ele no meu quarto...
--- Olha Alexandre! Você até pode trazer o Herbert pra dormir aqui.
Eu vou achar bom. Mas tem de ver com a mãe dele e principalmente com
ele. Será que ele vai gostar de deixar o quarto arrumadinho dele logo aqui
do lado para dormir em um colchão no chão aqui em casa?
--- Ele vai sim eu tenho certeza e se precisar eu durmo no chão e
deixo a cama para ele.
--- Tudo bem meu querido faça como bem entender! Só estou
achando tudo muito estranho e repentino. Posso saber o porquê de tudo
isto?
--- Nada não, vovó. É que estão chegando às finais dos jogos do
Arabizá e a gente precisa ficar na concentração. De noite a gente pode
discutir uns passes de bola, criar umas jogadas e também contar uns
causos, pois de dia tem tanta coisa pra fazer que nem dá tempo de
conversar com o primo.
À medida que Alexandre ia tentando se explicar, menos avó dele
acreditava. Ela sabia que alguma coisa não estava em ordem. Não
conseguia entender qual era esta coisa. E por outro lado Alexandre
também tinha certeza que suas desculpas não estavam convencendo em
nada sua avó. Mas continuava a contá-las. No fundo o que ele estava
tentando era pedir para sua avó que acatasse seus pedidos como súplicas
e não lhe questionasse muito sobre a razão de seu comportamento
estranho. Pois nem ele sabia lidar com isto no momento. Por tanto discuti-
los ou expor antes de entendê-los seria em vão. Alexandre queria era
voltar a ter os momentos de paz que tinha antes de todos estes ocorridos.
Precisava descansar primeiro e só depois tocar o dedo nestas feridas.
Anos de experiência prática tornou a avó de Alexandre uma grande
observadora e sagaz ouvinte. Dona destes dois adjetivos aliados a sua
grande sabedoria a fez perceber que seu neto estava com problemas e
pedia indiretamente para resolver-los sozinho. Sem a intromissão dos
mais velhos.
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Ela supunha que o menino tivera algum pesadelo e estava com
medo de dormir no quarto desacompanhado. Como ele não era mais
criança ficou com vergonha de pedir ajuda a ela e inventou esta desculpa
de dormir na casa do primo para não admitir o medo. A avó de Alexandre
já fora uma adolescente um dia e entende bem que nesta idade qualquer
coisa é extremamente importante e séria. Ela sabia da instabilidade e do
excesso de importância que os garotos daquela fase davam a respeito das
pequenas atribulações da vida. E mesmo sendo semi-analfabeta avó de
Alexandre compreendia muito da vida e das pessoas. Às vezes até mais
que muita gente estudada que tem por ai. Por este motivo avó de
Alexandre reconheceu qual seria seu papel na vida de Alexandre. Ela
ficaria de fora do evento. Acompanharia de longe o garoto. Observaria se
ele estava perdendo o medo e como ele lidava com a situação. Jamais ela
iria intervir, pois ele deveria crescer tentando resolver o problema
sozinho. Só haveria intervenção se este medo evoluísse ou estagnasse a
vida do garoto. Sendo assim ela o acompanhava de longe, porém atenta e
sem perder de vista o desenlace deste drama juvenil.
O que a avó de Alexandre nem suspeitava era que o medo e os
problemas de seu querido neto iam muito mais além de um simples
pesadelo ou um simples medo de escuro.
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Um dia inteiro se passou na vida e nas férias de Alexandre no
Arabizá. E depois deste dia, veio outro, e mais outro, e entre, treinos,
campeonatos, pescarias, passeios a pé e a cavalo a vida seguiu seu curso
quase que normal.
Todos notavam que Alexandre havia mudado. Ele tentava agir e
seguir com a vida o mais natural possível, mas por dentro era só
inquietação e dúvidas. Sobraram resquícios do ocorrido. Devida a ocasião
Alexandre não ingeria nenhum tipo de líquido depois que anoitecia
temendo repetir a situação daquela noite fatídica. Também evitava
dormir e ficar desacompanhado dentro de casa a noite. Às vezes tinha
pesadelos e quando não tinha dormia um sono inquieto e acordava
cansado como se não tivesse repousado.
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Alexandre percebera que quanto mais ele caminhava no sentido de
tentar esquecer o ocorrido mais ele era atormentado pelos pensamentos
e sentimentos. Cansado de ficar pensando e sentindo estas coisas decidiu
seguir na contra mão. Alexandre decidirá que já era hora de enfrentar a
situação e buscar respostas. Não sabia onde, não sabia quando e nem
como. Mas já concluirá que tudo ficaria melhor se pelo menos dividisse o
problema com alguém. Havia uma semana, depois do acontecido e
Alexandre dormia na casa de seu primo. Os pais do primo de Alexandre
improvisaram um colchão no chão próximo a cama de Herbert.
Neste exato momento era uma noite de sexta feira qualquer e os
meninos tiveram um dia de pescaria. Eles não treinaram no campo, pois
domingo haveria jogo e sexta era dia de descanso. Por este motivo os
garotos pescaram durante o dia, e depois de noite foram na quermesse
local e chegaram tarde e animados. O dia seguinte seria sábado e
ninguém teria de acordar cedo. Sono nem pensar. Em razão disto os dois
primos e amigos ficaram conversando até tarde no quarto. E neste clima
de descontração e amizade Alexandre aproveitou para engatar o seu tão
temido assunto:
--- Herbert eu tenho de lhe contar um segredo!
--- Não precisa contar Xandi, todo mundo já sabe! Não é mais
segredo. Até o doido da Casa Verde já percebeu que você está
apaixonado pela Bia.
--- Não to apaixonado não! O palhaço da família é você Herbert.
Você que ficou uma semana levando fora da Naiara dos olhos verdes.
Mandou cartinhas apaixonadas, gastou com tele mensagens, comprou
violetas, e quando chegou na hora “H” levou um fora na quermesse atrás
da Igreja! E pra piorar ela ainda ficou com o João Pedro cantor de moda
caipira. Agora você quer continuar falando de mim?
--- Não to nem ai Xandi! A Naiara se quiser que vá morar com o Jeca
Tatu do João Pedro. Ela e Ele podem até aproveitar e formar uma dupla
caipira. Mas pelo menos eu criei coragem e declarei o que sinto. Agora
você fica enrolando com a Bia.
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--- Não estou enrolando. Estou conversando com ela pra estudar o
terreno. Se ela der um sinal eu avanço. Não sou doido desesperado igual
a você. Não quero torrar minha mesada em vão.
--- Desde quando mulher virou semáforo pra esperar sinal Xandi?
Chega nela, fala o que pensa e do chão você não passa, ou é sim ou é não.
Agora você parece que quer viver no talvez! Amanhã de tarde ela vai ao
amistoso lá no campo. A Regina sua prima e a Paula me falaram. Elas
também vão...
--- Por isto Hebinho que eu trouxe quatro uniformes. Vou estar
sempre limpinho e arrumadinho nos jogos e nos treinos.
--- Limpinho arrumadinho e bobinho puxado pela mão Xandi.
Mulher não é ponto turístico pra gente arrumar e ficar vendo de longe
não.
--- Falou a voz da experiência! O Doutor Herbert! O Don Ruan das...
Quantas mesmo? Há esqueci! Nenhuma! O cara que de cada dez mulheres
que ele faz a corte, onze lhe dizem não.
--- Fazer a corte? De onde você tirou isto Alexandre? É assim que
você vai conquistar a Bia?
--- Pra falar a verdade Hebinho eu nem sei se eu vou neste jogo! É
só um amistoso e a gente ta na reserva mesmo.
--- Vai amarelar Xandi?
--- Não Hebinho, Elas também vão à quermesse amanhã à noite seu
besta! E a Naiara e o João Pedro também vão! Porque você não leva uma
espada pra duelar com ele? Quem sabe assim você reconquista sua
princesa?
--- Quem gosta de duelos é você. O senhor é que solta estas
palavras antigas que fica falando de vez em quando por ai. E você ainda
esqueceu que a noite vamos à casa da Dona Aparecida no terço? A vovó
vai também e depois do terço terá quitutes.
--- Acho que é você que está amarelando.
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--- Pelo contrário Xandi, eu acho que é você que gosta da Naiara.
Porque você vira e mexe vive falando dela. Porque eu já to em outra há
muito tempo.
--- Posso saber o nome desta vítima Hebinho?
--- Claro que sim! E se você voltar para os anos 90 até você pode
conseguir ficar com uma também. Porque elas são duas e são idênticas.
--- Não to entendendo nada Hebinho? Da pra falar as coisas com
mais clareza?
--- Dá sim é só você voltar pro mundo real. Estes dias parece que o
seu corpo está aqui no Arabizá, mas Sua cabeça esta em outro planeta
Xandi. Mas deixa-me lhe explicar. Amanhã no terço lá na casa da Dona
Aparecida vão estar presente as netas gêmeas dela a Tico e a Roberta.
Entendeu? A gente chega junto. Eu fico com uma e você com outra! Já
pensou nisto Alexandre?
--- Amanhã eu não posso ir ao treino amistoso Hebinho. Preciso ir à
estrada velha, entrar na mina, e chegar perto do Poço do Bambu!
--- Que conversa sem rumo é esta Xandi? O pai vai estar na roça e
ninguém pode nos acompanhar até lá! E eu estou falando do teço a noite
e não do treino! Xandi você está bebendo? Usando drogas? Está mais
doido que de costume, isto está me preocupando meu primo!
--- Tudo bem se você não quiser ir comigo eu vou sozinho mesmo.
--- Olha se você não quer ficar com uma das Gêmeas, com a Bia ou
se você está apaixonado pela Naiara ok. A gente discute assim, mas você
sabe que é só de brincadeira, não sabe?
--- Sei, mas o que eu preciso fazer não é brincadeira. Agora é sério!
Não dá mais pra esperar! Quanto mais eu adio mais eu sofro e mais a
minha consciência me tortura. Eu preciso seguir! Não sei por onde. Por
isto vou começar visitando os lugares! Algum sinal vai surgir de algum
lugar pode ter certeza que sim.
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--- Pelo Amor de Deus Alexandre que prosa sem rumo é esta? To
ficando com medo! Vou bater na porta do quarto do Pai com a Mãe se
você não parar com isto ou me explicar o que está acontecendo.
--- Eu vou parar quando você parar de tagarelar feito doido. Eu
comecei esta prosa pra ver se você desconfia. Hebinho eu tenho algo
muito sério pra lhe contar e não pode ficar pra manhã. E nem pode
demorar se não eu posso não conseguir falar. É coisa importante caso de
vida ou morte.
--- O que pode ser mais importante que mulher?
--- Ta vendo, Hebinho, eu preciso que você me leve a sério. Não é
hora de brincar. E pelo amor de Deus o que eu vou lhe falar é segredo de
vida ou morte.
--- Sangue de Jesus tem poder Xandi! Será que você vai me falar o
que eu estou pensando? Nossa Senhora da Cruz que me proteja!
--- Não existe Santa com este nome Hebinho! E para de teatro. É
claro que eu não vou falar o que você está pensado porque da sua cabeça
não sai pensamento só sai besteira.
--- Pelo menos eu expresso o que sinto, não fico rodando igual
remanso de rio feito você.
--- Eu vou falar quando você me deixar falar Hebinho!
--- Deixemos a palhaçada de lado Xandi. Pronto! Acabou a criancice.
Eu sei ser sério quando precisa. Pode começar, não vou lhe interromper
Alexandre. Fala que eu te escuto!
--- Eu vi uma coisa do outro mundo?
--- Pelo amor de Deus Alexandre. Me ajuda vai! Manda coerência
nesta prosa sua, por favor!
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--- É serio! Eu juro por Deus Hebinho! Porque você acha que eu
inventei de dormir no seu quarto, e de pedi a vovó pra você ir dormir
comigo na casa dela? Porque eu fiquei três dias sem sair de casa a noite e
parei de ir à quermesse ou ficar de bobeira nas ruas do Arabizá à noite
com a turma?
--- Sei lá! Eu pareço maluquinho e meio desgovernado, mas bobo eu
não sou Alexandre. Somo-nos Adolescentes, às vezes temos recaídas e
voltamos a ser criança de novo. Normal. Achei que fosse medo de escuro
por causa de algum pesadelo ou coisa assim.
--- Eu tive um pesadelo sim! E acordei assustado e como o sono não
me vinha pulei a janela e sai no terreiro. E foi ai que eu vi esta aparição.
Alexandre omitiu a parte de ter urinado na roupa e de ter sido este
o motivo que o levou para fora do quarto. Achou que isto era irrelevante,
e não contaria para o primo, pois com certeza o primo usaria isto contra
ele em momentos de conflito entre os dois.
--- Meu Deus do céu é sério isto que você está falando?
--- Claro que sim Hebinho, olha meu braço! Basta apenas lembrar-
se do ocorrido que os pelos do braço se arrepiam.
--- Mas a quaresma já passou! Por tanto mula sem cabeça e
lobisomem não é. O que foi que você viu Alexandre?
--- Já disse que estou lhe falando sério. É coisa de outro mundo de
verdade. Não é lenda não!
--- Mas Alexandre eu acredito em mula sem cabeça e lobisomem,
aqui no Arabizá tem cada história. É de arrepiar os cabelos. Pergunta pra
vovó pra você ver! Tem gente aqui que já viu até disco voador.
--- Quem viu disco voador foi o doido da Casa Verde, pelo menos
fala que viu. E também quem diz ter visto Lobisomem e Mula Sem Cabeça
é o mentiroso do João Paulino. Hebinho o que eu vi é coisa séria e antiga.
Não é deste tempo e não é deste mundo.
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--- Você está me assustando Xandi. De inicio achei que você queria
pregar uma peça em mim. Mas estou vendo que a coisa é séria. Aqui no
Arabizá tem cinco lendas que os mais antigos e sérios do vilarejo contam.
Sabia que aqui já foi assombrado de verdade?
--- Não! A vovó nunca tocou neste assunto. Nem a vovó, nem o tio a
tia, e também meus pais nunca me falara nada sobre as cinco lendas do
Arabizá. Agora até eu fiquei curioso. Porque será que ninguém me falou
sobre as cinco lendas do Arabizá?
--- Porque quando você era criança poderia ficar com medo e depois
que começo ou a ficar grandinho você nunca se interessou por estas
histórias.
--- Deve ser por isto mesmo Hebinho. E também eu sempre
debochei de quem queria me contar alguma coisa deste tipo. Toda minha
vida fui muito desconfiado. E estando eu de férias tinha tanta coisa pra
fazer durante o dia que quando chegava à noite só tinha tempo de dormir.
--- Não é isto não Alexandre. Quer saber a verdade? Deixa eu lhe
contar primeiro um segredo sobre sua vida! Dos seis anos de idade até os
treze sua mãe o levava no pediatra, Lembra?
--- Lembro sim Hebinho era aquele velhinho turco de fala
engraçada. O Doutro Faridh. A gente até chegou a consultar juntos uma
vez Bibinho. Lembro que na saída você levou todos os pirulitos do pote. Eu
fiquei morrendo de vergonha.
--- Pois é eu já era esperto naquela época e você não. Mas este
médico suspeitava que você tivesse algum tipo de problema cardíaco. Não
sei direito o nome técnico das coisas, mas era uma doença conhecida pelo
povo como sopro no coração!
--- Não me lembro de nada disto! Ninguém me falou nada sobre
isto! A única coisa que eu me lembro de achar estranho foi que durante
um tempo eu fiz muitos exames cardíacos e tirei sangue. Mas nunca
suspeitei de nada.
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--- Mas Alexandre é por isto mesmo. Ninguém poderia lhe contar.
Você não podia tomar muito susto, ficar impressionado, ou seja, quanto
menos preocupação melhor. Assim estas histórias fortes e coisas deste
tipo lhe foram evitadas.
--- Mas eu vi filme de terror, joguei bola, corro e brinco, pulo e nada
me acontecem.
--- Sim e nem vai acontecer. Porque depois que você cresceu um
pouco mais, sua mãe o levou em outro médico.
--- Eu me lembro deste Hebinho. Era o tal de Doutor Wellington. Eu
até me lembro de não gostar do consultório dele porque não tinha aquele
papel de parede irado dos super heróis que outro consultório tinha. Claro
que eu era criança na época.
--- E ainda é Xandi. Mas isto não vem ao caso. E por falar nisto
Bibinho é a sua outra Avó. Aquela que não é a minha avó viu? Não gosto
que me chame deste apelido. Soa muito estranho.
--- Não enrola Hebinho me conta logo o que aconteceu.
--- Este médico descobriu que você não tinha sopro no coração. O
outro suspeitava, mas também não tinha certeza. Porém o Doutor
Wellington lhe curou. Seu problema eram gazes.
--- Agora me lembro! Eu vivia-me queixando de fincadas no peito e
ninguém resolvia o problema. Só o Doutor Wellington me curou disto.
--- Sim. Elementar meu caro Alexandre! E até provar que focinho de
porco não era tomada ninguém lhe contava nada! Porque você acha que
só entrou para o time de futebol do Arabizá aos treze? Todo mundo sabia
do problema assim também como todo mundo depois ficou sabendo que
seu problema eram gazes.
--- Cambada de gente fofoqueira! Nunca mais eu volto aqui! Eu não
tenho problema com gazes eu tive e daí?
--- Esquece isto todo mundo já esqueceu! Bicho de pé, lombriga,
piolho, pulga, carrapato percevejo todo mundo já pagou mico com doença
algum dia.
51
--- É verdade agora que você falou estou me lembrando daquela dor
de barriga que você teve na missa do galo...
--- Palhaçada Xandi. Eu tentando lhe consolar e você
esculhambando comigo!
--- Desculpa Herbert foi mau.
--- Mas mudando de assunto. O que foi que você viu de tão
assombroso no terreiro da vovó Alexandre?
--- Algo que não sei explicar direito. Mas de uma coisa eu tenho
certeza. Eu vi! Era uma bola de fogo gigante. Do tamanho da
circunferência dos braços. Um fogo meio azulado, não era intensa igual
fogueira não. Parecia um fogo meio parado. Não sei explicar direito. Só
sei que esta bola de fogo azulada andava de um lado para o outro.
Primeiro ela veio do fundo da mata, depois parecia que ela ia me pegar.
Nesta hora quase borrei nas calças, sorte que eu não estava usando calças
na hora.
--- Você estava sem calça Alexandre? Como assim? Você saiu pelado
no terreiro?
--- Não sua besta é modo de falar. Eu estava com o calção do
pijama.
Alexandre mentiu novamente sobre estar vestido para o primo. Ele
percebeu que teria de ficar esperto se não poderia deixar vazar
informações desnecessárias e vexatórias do ocorrido.
--- Entendi. Então termina de contar o resto da história Alexandre.
--- Está certo, mas desta vez vê se não me interrompe. Então a bola
de fogo veio em minha direção, mas depois ela virou e seguiu o curso do
riacho. Em seguida ela deu uma virada rápida e foi entrando na mata até
desaparecer. Foi o pior dia da minha vida. Nunca mais eu quero passar por
isto.
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--- Que História em Alexandre! Agora sou eu que estou arrepiado!
Eu sei o que você viu! É mais comum que você imagina. O que você viu foi
à Mãe de Ouro.
--- Mãe de quê? Que lorota é esta Hebinho?
--- Seu tonto não é lorota. Se você não tivesse problemas com gazes
a esta altura você devia saber deste assunto.
--- Eu não tenho problema com gazes Bibinho.
--- Eu não sou Bibinho! Você é que não assume que quer ser o
Xandão da Naiara!
--- Mas que História é esta de Mãe de Ouro?
--- Foi isto que você viu Alexandre, o meu Pai também viu. A avó do
pai também viu, e outras pessoas do Arabizá também viram. Esta é a
maior de todas as Lendas do Arabizá. O Arabizá é conhecido por isto.
Muitos pescadores, caçadores e estradeiros já viram esta luz estranha.
--- Você usou a palavra certa Hebinho! Luz estranha! É exatamente
o que ela é! Mas pra que ela aparece pras pessoas?
--- Isto eu não sei Alexandre! Tem um monte de causos sobre estes
assuntos. Mas todos dizem que não é coisa boa. Se você ver esta luz tem
de fugir dela. Se ela te pega você some.
--- Some? Por quê? Como assim?
--- Já lhe disse o povo antigo é que conta. Dizem que é coisa ruim
que anda pela terra à noite. Mas também dizem que onde ela aparece
geralmente tem ouro.
--- Então é uma coisa boa Herbert! É um sinal. Vamos cavar no
terreiro da avó. Estamos ricos.
--- Não é bem assim não Xandi. Ela leva a pessoa para onde está o
ouro.
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--- Não estou entendendo. Primeiro ela mata e some com a gente se
a gente não fugir dela. Depois se a gente seguir ela encontra ouro. Que
coisa confusa!
--- Olha Alexandre isto são coisas que os antigos contam. São lendas
e lendas não tem filtro cada um conta de um jeito e ai a cada dia tudo fica
mais diferente.
--- Mas eu vi. Eu sei o que eu vi! Eu tenho certeza que vi! Se eu vi,
meu Tio viu, e as pessoas do Arabizá viram! Então, ou todos estão ficando
doidos ou isto realmente é verdade.
--- Alexandre bota uma coisa na sua cabeça de uma vez por todas.
As aparições são verdadeiras. Estas pessoas que viram são sérias. Elas
também viram de verdade. Nenhuma delas tinha motivos para mentir.
Você acha que estas pessoas iam correr o risco de virar chacota a toa? Elas
não receberam pra contar isto, e tem até quem duvidou da palavra delas.
Então porque elas contariam uma coisa desta? Só pra se
comprometerem?
--- Verdade esta parte eu entendo e literalmente eu entendi na
prática igual a São Tomé. O que eu não entendo é o motivo desta tal Mãe
de Ouro aparecer para as pessoas?
--- Mas é daí que surgem as lendas a respeito deste assunto.
Ninguém sabe de verdade qual o motivo destas aparições. E também
ninguém sabe por que ela aparece. Só existem especulações e tudo
aponta para o lado do mal. Da ambição, do apego do homem pela
matéria. A maioria das pessoas acha que a Mãe de Ouro é coisa do Diabo.
--- Credo Hebinho você está me dizendo que eu vi um Demônio?
--- Tudo indica que sim! Pois não é o Demônio que gosta de fazer
pacto com as pessoas? Então! Deixa eu lhe contar a História toda.
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--- Reza a lenda que uma pessoa honesta, de bem, trabalhadora, ou
seja, qualquer pessoa comum pode ver a Mãe de Ouro. Ela aparece à
noite, e sempre quando a pessoa está à só em lugar ermo. O correto é
sair correndo desta aparição. Não se deve falar com ela, e nem tocar nela.
Foge! Porém, existem cabras muito machos e corajosos. Estes sujeitos
quando vêem a Mãe de Ouro não tem medo. Pelo contrário. Eles até
procuram pela Mãe de Ouro.
--- Procuram? Pra quê? Estes sujeitos não são machos coisa
nenhuma. Eles são idiotas.
--- Bom isto eu não sei. Só sei que existe gente corajosa ou doida se
preferir que entra na mata com um punhal virgem e uma folha contendo
uma oração antiga
--- Deixa-me ver se entendi? Eles são os caçadores de Mãe de Ouro?
--- Xandi, você viu mesmo a Mãe de Ouro? Porque não parece.
Quem vê estas coisas não fica debochando do que viu e nem
desrespeitando histórias antigas.
--- Desculpa Herbert. Eu estou brincando assim é porque estou
aliviado. Há dias que eu queria contar pra alguém o ocorrido. Parece que
quando fiz isto senti um alívio tão grande que o medo e o receio que
estava em mim foram embora. Tudo ficou mais leve. Contar o problema
parece que me fez enxergar as coisas com mais clareza e otimismo. Por
isto estou brincando com isto é que parte do medo e receio desapareceu.
--- Eu compreendo Xandi. A vovó fala que quando a gente quer
saber se está seguindo o caminho certo basta olhar para os sentimentos.
Se os sentimentos forem bons, então você está no caminho certo.
--- Olha só! Meu primo está filosofando! Parece até o pai falando!
Tem certeza que você é meu primo? Vai ver você é meu irmão Hebinho.
--- Eu bem que gostaria de morar naquele casarão em Cristalina.
Não sei por que você gosta tanto de passar as férias aqui Alexandre. Eu é
que devia ir pra lá nas férias pra gente se jogar nas noites da cidade.
55
--- Olha Herbert isto é uma coisa que eu cansei de tentar entender.
Já decidi. Gosto do Arabizá e ponto final. Mas continua a contar o causo.
--- Não é causo Alexandre é fato. Tem pessoas que entram mesmo
na mata com um punhal virgem e uma oração antiga a procura da tal Mãe
de Ouro.
--- Pra que? O que elas fazem quando a encontram?
--- Dizem que primeiro elas vão à noite para o fundo da mata. De
preferência na quaresma que é a época mais perigosa. Nesta época tudo
de ruim está à solta. Então elas vão pro meio da mata, no lugar onde
outras pessoas dizem ter visto a Mãe de Ouro e ficam por lá aguardando.
--- Só isto? Elas ficam lá aguardando o que?
--- Elas aguardam o coelhinho da páscoa! É claro que é a Mãe de
Ouro seu bocó. Então! Quando a Mãe de Ouro aparece, elas fazem a tal
oração antiga. Esta oração mantém a Mãe de Ouro parada. Sendo assim
logo em seguida elas pegam o punhal virgem e cortam um pedaço do
dedo com ele. Depois a pessoa joga o punhal sujo do próprio sangue no
meio da bola azul de fogo. Reza a lenda que a Mãe de Ouro carrega o
punhal e sai com ele pro meio da mata. A pessoa deve ir atrás dela. Depois
de andar por certo tempo a Mãe de Ouro simplesmente desaparece
deixando o punhal fincado sobre a terra.
--- Só isto? Os caras fazem este circo todo pra ver isto?
--- Não Xandi. Deixa-me terminar de contar. Quando o punhal
estiver sobre a terra à pessoa deve rezar o credo de traz para frente e
oferecer a alma dela pro Diabo e falar que o sangue que escorre no punhal
é a garantia. Depois é só arrancar o punhal da terra, marcar o lugar onde
ele estava fincado e no dia seguinte voltar e cavar.
--- Pra quê tudo isto?
--- Porque você acha que ela chama Mãe de Ouro? Porque quem
cavar onde ela fincar o punhal vai encontrar um veio de ouro e ficar rico.
Entendeu?
56
--- Entender, eu entendi! Mas não acredito em nada disto. A parte
que isto seja coisa ruim, ligado a ambição humana faz sentido. Mas esta
história de quaresma, Diabo, pactos de sangue não me desce.
--- O Xandi? Você viu, ou não viu a Mãe de Ouro?
--- Juro por Deus Hebinho eu vi sim. Juro pela minha mãe que é a
coisa mais sagrada pra mim nesta vida. Eu vi. O que eu não acredito é no
resto.
--- Olha Xandi se você me disse eu acredito. Acredito porque o pai
também viu. E o pai é sistemático, é das antigas, não gosta de mentiras. Se
ele diz uma coisa é porque ele tem certeza. E você também está muito
convicto.
--- Então Hebinho a certeza que eu tenho é esta. Eu vi algo que por
enquanto não sei explicar o que é. Mas só por enquanto porque em breve
eu vou desvendar este mistério.
--- Já eu Xandi aprendi que existe coisas ruins e Diabos sim. E eles
andam nesta terra desde os tempos de Cristo a procura de almas pra levar
pro inferno. Inclusive quem faz este tipo de pacto com a Mãe de Ouro não
vive mais que sete anos. E a vida que vive vira uma desgraça. A pessoa
tem todo tipo de prazer e luxuria no começo, mas depois termina por ficar
doida e doente e a maioria se mata ou morre de forma dolorida e
estranha.
--- Pois eu acho Herbert, que as pessoas antigas e algumas pessoas
de hoje em dia tem é medo de sondar as coisas que elas não conhecem.
Por este motivo mistificam muito o desconhecido pelo simples fato dele
ser desconhecido. Assim elas evitam questionar os fenômenos e buscar
respostas mais precisas sobre assuntos temidos.
--- Você não acredita em nada Alexandre? Mas você vai à missa todo
domingo! Como assim?
57
--- É complicado Herbert, por isto que eu tenho de desvendar. Eu
preciso descobrir a mim mesmo! Eu acredito em Deus, acredito no amor
de Cristo, mas tenho dificuldades de acreditar no mal eterno. Pensa
comigo! Por pior que seja matar uma pessoa. Se um homem mata uma
única vez ele vai pro inferno pagar eternamente por este único erro?
--- Não Xandi, é pra isto que tem o perdão.
--- Mas ele pede perdão e fica por isto mesmo? Pronto? Ele vai pro
céu assim de graça?
--- Não sei Xandi, na próxima Missa a gente pergunta o Padre. Eu
acredito que ele deve se confessar, pagar pelo erro e só depois ser
perdoado. Mas isto em vida. Se ele morrer sem pedir perdão aí é inferno
na certa.
--- E o céu? Não gosto do céu! Tenho medo! O que a pessoal fala
sobre o céu é muito estranho. O céu parece mais um asilo. A gente sobe e
fica lá eternamente à toa? Só rezando, rezando, cantando louvor, dando
glórias a Deus, andando de um lado para o outro eternamente?
--- Xandi eu não sei estas coisas não. O que eu sei é que na casa de
Deus há várias moradas e que nos somos apenas dois garotos. Temos de
brincar, namorar, estudar e viver. Se a gente ficar focado nestas coisas
podemos até enlouquecer. Lembra daquele menino filho da dona Lílian
que vivia rezando e que...
--- Herbert, a gente não pode deixar o mistério e as coisas nos meter
medo. Esta é a única verdade que eu aprendi com este aperto que passei.
O povo antigo também dizia que estudar de mais enlouquece. Nossa
geração arrebenta de tanto estudar e nem por isto deixa de viver ou fica
doida. Pelo contraio quanto mais à gente estuda mais a gente fica
antenado.
A gente vai continuar treinando pro campeonato, vamos continuar
indo nas quermesses, e eu vou ficar com a Bia antes de você ficar com, a
Tico ou a Roberta. Mas paralelo a isto nos podemos buscar respostas para
estas questões.
58
--- Nossa mãe! Já começou a ficar doido.
--- Ta vendo? É disto que eu estou falando.
--- Alexandre você está me deixando confuso. Do que você está
falando afinal?
--- Estou falando disto. De a gente procurar respostas para o
ocorrido sem precisar viver na gastura. Sem ter de ficar sofrendo ou
querendo resolver tudo de uma só vez. Você me ajuda Herbert?
--- Ajudar no que? Vamos virar caçadores de Mãe de Ouro? Tipo
caça fantasmas?
--- Não! Agora é você que está debochando do desconhecido seu
maluco!
--- Xandi com estas coisas não se brincam! Quem procura acha! Eu
não vou sair por ai de noite com punhal na mão procurando estas coisas
não.
--- E quem falou em procurar Mãe de Ouro? Se Deus quiser não
quero ver aquilo tão cedo ou nunca mais. O que eu quero lhe dizer é que
eu tive uns sonhos estranhos também, e tive pensamentos que estavam
em minha cabeça, mas parecia a voz de outras pessoas e umas intuições
fortes...
--- Alexandre você está confuso, e cheio de minhoca na cabeça. Mas
isto é normal. Faz parte! Você teve este ocorrido que lhe deixou nervoso,
mais a nossa idade que é uma explosão de hormônios e conflitos e mais a
sua loucura natural. Tudo lhe parece estranho, mas não é. Deixa estar
vamos nadar, pescar, esquecer isto. Logo passa!
--- Não adianta lhe explicar Herbert! Pra falar a verdade nem eu sei
explicar o que estou sentindo direito. É muito mais que conflito juvenil. E
pra lhe ser sincero eu só tenho certeza de uma coisa. Eu preciso e quero
seguir minha intuição.
--- Xandi quem tem intuição é mulher. Vai ver você está de T.P.M
então.
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  • 1. 1 O MISTÉRIO DA LUZ AZUL JOÃO IV
  • 2. 2 A conquista é reservada àqueles que ousam trilhar novos caminhos. João IV
  • 4. 4 Dedicatória e síntese. A todas as pessoas que amam o simples e abominam o simplório. Este livro é para você que possui a capacidade de se debruçar sobre as manifestações emanadas diretamente do povo para o povo. É dedicado a quem tem faculdades distintas capazes de discernir e perceber as nuance da arte, do talento, do amor e das várias manifestações e facetas que a Doutrina Espírita distribui a seus filhos provisoriamente encarnados. A mineiridade impregnada á narrativa inicial e a forma intimista e despretensiosa em que o livro foi concebido levam a um mergulho saboroso as mais doces memórias que o interior oferece ao nosso inconsciente coletivo. Este mergulho segue aprofundando-se sobre o cotidiano do personagem Alexandre. Sua vida corriqueira acontece na fictícia cidade de nome Cristalina e no interior do interior, de uma comunidade rural chamada Arabizá durante a minimalista década de 90. O marco separador da trama é o instante em que Alexandre se depara com um misterioso fenômeno. Desde então surge o seu divisor de águas, aquele momento em que os eventos, mudanças e os fatos nos convidam a visitar as encruzilhadas da vida. A refletir sobre nossa zona de conforto e as novidades e transformações que já não se encontram mais dentro dela. Alexandre parte em uma investigação no intuito de desvendar o tal mistério. Porém à medida que avança em suas buscas ele se depara com algo muito mais importante. Algo que transpõe a própria vida de Alexandre e vai de encontro com a comunidade do Arabizá. Agora começa uma verdadeira corrida contra o tempo. Cada decisão, cada busca, cada atitude de Alexandre no presente, cada volta dolorosa a um passado distante marcado por paixões viscerais, riquezas suntuosas adquiridas de formas obscuras e sinistras, em fim, cada elemento da trama servirá de ferramentas para que Alexandre possa discernir e tomar as decisões certas para salvar a comunidade do Arabizá.
  • 5. 5 Nota do autor. Aos escritores justifico a concepção deste livro deixando bem claro que não sou e não tenho a pretensão de me alto intitular escritor e sair por ai jorrando palavras pelo vasto universo da escrita. Como todo bom Mineiro sou apenas um grande contador de causo. É neste estilo que me encontro e justifico o fato de ser e escrever. Pois escrever é ser, para mim. É o instinto de partilhar vivências, idéias, experiência, que me arrasta para o universo da escrita. E como não sou escritor profissional ainda, a forma que abri mão para ir de encontro ao leitor foi à capacidade que tenho de contar causos. Nunca subestimei esta capacidade, pois só através deste dom conseguimos conceber uma obra tão peculiar e inusitada quanto à vida real o pode ser. Somente através do causo alcançamos a metamorfose de estilo necessária para retratar as nuances da personalidade de um adolescente e exemplificar de forma clara e objetiva todas as estruturas caóticas e fascinantes da vida cotidiana no momento preciso em que a mesma pulsa. O causo consegue captar a fluidez do rio da vida, todas as curvas, poças, abismos, pedregulhos, bancos de areia e remansos. Este rio passará pelo leitor e aquele que nele mergulhar se identificará com o rio e as perguntas, esperanças e desejos do rio já não serão mais dele. Termino deixando minha obra a mercê daqueles que conseguem entender a dimensão da mesma. Um abraço a você! João IV.
  • 6. 6 Aos amigos de outro plano. O projeto deste livro foi concebido através do processo de psicofonia. Embora seja apenas um romance e uma obra de ficção a forma e os fatos que nos inspiraram foram extraídos de vivencias e pessoas que já deixaram este plano e outras que ainda estão nesta terra. Com a ajuda de diversos amigos desencarnados que me ditaram trechos inteiros e me inspiraram e muito me influenciaram a escrever, somente assim conseguimos transformar este projeto em realidade. Meu sonho era escrever um livro, porém somente quando me deparei com estes Espíritos foi que consegui desenvolver e concluir este projeto. A vocês minha eterna gratidão!
  • 7. 7 O Mistério da Luz Azul Direitos da obra reservados a João Batista da Silva. Pseudônimo - João IV. Obra devidamente registrada na B.N - Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro.
  • 8. 8 Sumário. 1 - O Arabizá. 09 2 - O pesadelo. 23 3 - A procura de respostas. 40 4 - De encontro às respostas. 80 5 - A terapia. 92 6 - Primeira sessão. 96 7 - Vidas passadas. 102 8 - O manuscrito de Alexandre. 104 9 - O Poço do Fubá. 137 10 - A missão de Alexandre. 153 11 - A fazenda do Arabizá. 162 12 - O noivado. 193 13 - Ainda nos anos 90. 202 14 - Um vidro de palmito. 212 15 - O fim do mistério. 236
  • 9. 9 1 O Arabizá. 12h45min. --- Mãe cheguei! Gritou Alexandre e bateu a porta da sala entrando apressado pelo recinto. O garoto jogou a mochila do colégio em cima do sofá e subiu as escadas correndo em direção ao seu quarto. Já no quarto Alexandre abriu o guarda-roupa rapidamente. Estava eufórico! Esperou por aquele momento o semestre todo. Pegou uma grande mala de viagens e colocou-a aberta em cima da cama. E foram cuecas, meias, cintos, perfumes, escova de dente, toalhas, e quase todo o armário de Alexandre pra dentro de sua mala de viagens: --- Preciso enfiar tudo isto aqui nesta mala! Tem de caber aqui. O mais importante eu levo na mochila. Dito isto, Alexandre continuou enfiando roupas na mala. Finalmente depois de muito esforço e pressa ele conseguiu arrumar tudo o que queria e precisava para viagem. Em seguida Alexandre brigou um tempo com o zíper porque não podia fechá-lo. Alguns instantes depois Alexandre ganhou a briga com o zíper e olhou para mala estufada e finalmente fechada em cima da cama. --- Pronto. Ele deu um suspiro de alívio, mas lembrou de relance que faltavam muitos preparativos ainda. Saiu do quarto, correu para o banheiro no final do corredor, tirou a roupa e quase abriu o chuveiro. --- Não posso tomar banho aqui, minhas coisas estão no outro banheiro. Vestiu novamente a roupa, passou pelo corredor, entrou no quarto de seus pais, abriu o guarda-roupa de sua mãe e adentrou a porta falsa de acesso a suíte do casal. Tomou banho, vestiu a única peça de roupa limpa sua, que não foi pra dentro da mala e desceu voando as escadas.
  • 10. 10 --- Mãe, mãe, cadê o uniforme do meu time? Não vi nada lá em cima! --- Tenha calma Alexandre vai almoçar primeiro! Tem dois uniformes passados e arrumados lá na área de serviço. --- Mãe eu vou levar tudo! --- Pra quê Alexandre? Quatro uniformes? Leva só dois. Um para treinar e outro para as disputas de domingo. --- Preciso levar os quatro! Vou ficar muitos dias no Arabizá, pode chover, dar barro, poeira, vaca comer. --- Deixa de ser maluco meu filho. O Arabizá fica só oito quilômetros da cidade. Se precisar de alguma coisa seu pai coloca no carro e leva pra você domingo. Já inventou celular, sabia? --- Mas assim vou ter de treinar sem uniforme até o fim de semana! Não vou poder esperar este tempo todo. --- Olha, eu é que não posso esperar mais meu filho. Já fez seu prato? --- Sim, mamãe! --- Então vai almoçar lá na sala de jantar porque eu estou sem empregada hoje e preciso arrumar esta bagunça na pia. --- Posso comer na sala de TV mamãe? --- Não! Não na sala de visitas, nem à sala de som, tão pouco na sala de estar, nem na varanda em frente à piscina, no escritório, na cozinha, na despensa, na área de serviço, na garagem, em nenhum destes lugares Senhor Alexandre. Que mal a sala de jantar lhe fez? --- Pode deixar mamãe! Mas a senhora vai ver só. Hoje eu sou um simples reserva do time de futebol de várzea do Arabizá, mas um dia vou jogar no ataque. Quero ver a Senhora me impedir de comer na sala. --- Você pode jogar até no Real Madri, mas vai continuar almoçando na sala de jantar campeão!
  • 11. 11 Depois de engolir a comida, quase que sem mastigar Alexandre correu para a sala de visitas. Lá pegou a mochila com o material escolar e levou para seu quarto. Chegando ao quarto ele esvaziou a mochila com o material da escola, em seguida correu para a área de serviço da casa com ela. Desobedecendo as ordens da mãe Alexandre colocou os dois uniformes secos do time de futebol na mochila e os outros dois, que ainda estavam molhados também. Pois os uniformes molhados dentro de sacos plásticos para não molhar os uniformes secos, não molhar a mochila e o par de chuteiras e meões que estavam dentro dela. Tudo pronto o garoto correu para o carro de sua mãe na garagem. Acomodou a mala no porta-malas e a mochila ficou em seu colo. Seguiram-se minutos de aflição para Alexandre. Aguardava ansioso dentro do carro o pai chegar do serviço na câmara de vereadores e a mãe terminar de embalar quitutes, guloseimas e outros mimos que seriam entregues para avó de Alexandre no Arabizá. E assim depois de todos os protocolos, recomendações maternas, procedimentos de viagens familiares, sermões paternos, verificação de trancas e portas da casa e demais tramite, finalmente, para alegria de Alexandre a família Lemos conseguiu partir para o tão sonhado Arabizá. Dentro do carro de sua mãe, que também era sua professora de geografia, Alexandre não cabia em si de tão contente. Era um desses momentos familiar em que todos estavam muito felizes e descontraiam-se com conversas triviais. À medida que o assunto esquentava a paisagem urbana ia ao poucos se transformando em paisagem rural. E a viagem de fusca seguia tranqüila. E como era de costume durante as viagens a família Lemos começou mais um de seus famosos debates. O assunto principal deste debate em questão era á comunidade do Arabizá: --- Nossa meu filho, que felicidade é esta? Até parece que você está viajando pra Disney! --- É verdade meu pai! Se dependesse de mim o senhor vendia a casa na cidade e nós nos mudávamos pro Arabizá hoje mesmo. Eu nem voltava para Cristalina depois destas férias.
  • 12. 12 --- O dia que isto acontecer eu largo do seu pai e ponho vocês pra morarem na casa da sua Avó Alexandre. --- Mas verdade seja dita minha querida o Arabizá é um ótimo lugar para um garoto de 16 anos feito o Alexandre se desenvolver. --- Concordo Papai! E pro senhor é melhor ainda, pois é de lá que vem os seus eleitores mais fieis. --- Não sei qual dos dois é mais criança. Imagina deixarmos a comodidade de uma cidade estruturada e asfaltada igual à Cristalina pra nos embrenharmos em estradas que em certos meses são de barro, e em outros meses são de pó. --- Mãe! Cristalina é só uma versão mais ou menos, maior que o Arabizá. --- O quê você chama de mais ou menos filho? 9.000 habitantes de Cristalina, contra 965 do Arabizá? --- Nosso filho tem razão amor! Tudo o que tem em Cristalina tem no Arabizá. --- Vocês não estão falando sério, estão? Aqui em Cristalina tem a fábrica de cimento que emprega quase toda a população da cidade, tem a Igreja Matriz de frente a uma grande praça, tem o Rio Grande que serpenteia pelas áreas nobres e planas de Cristalina, tem casebres bucólicos e limpinhos fincados nos altos dos morros, tem vários bairros, tem quase seis escolas públicas, um hospitalzinho modesto, mas funcional, postos de saúde, uns belos casarios antigos, prédios como a câmara, que foram tombados, nossa malha ferroviária, uma das poucas a oferecer viagens e passeios de trem, rede hoteleira, antigas fazendas que se tornaram hotéis, pensões para universitários, a faculdade federal, a pizzaria, a sorveteria, o fórum, o correio, a delegacia... --- Veja Alexandre sua mãe quando começa defender Cristalina não para mais.
  • 13. 13 --- Estou apenas enumerando as coisas que minha bela cidade natal, também conhecida como a Princesinha das Montanhas, que atende pelo nome de Cristalina, tem. Agora eu lhes pergunto cavalheiros. O quê que o Arabizá tem? --- Por onde a gente começa a falar papai? --- Não sei filhinho! São tantos adjetivos que o Arabizá tem. E estes adjetivos destacam o Arabizá desta tal Princesinha do fim do mundo cujo nome é Cristalina. São tantos que eu não consigo nem enumerá-los. --- Pra começo de conversa mochinhos todos os dois meninos são Cristalinenses. Os dois nasceram na maternidade daqui. Podem olhar no registro! Não existem Arabisenses. Todo mundo vem pra cá pra nascer e também para ser enterrado no cemitério daqui de Cristalina. Mas vamos lá estou ansiosa para saber pelo menos um atrativo que o Arabizá tem. Olha estou sendo boazinha hoje em! Podem-me dizer pelo menos um. Só basta um para mim. --- Pois bem, que assim seja! Senhor Vereador Meu Pai, excelentíssima senhora Professora licenciada em Geografia Minha Mãe! Para começo e fim da discutição, eu, Alexandre filho, vou enunciar os três principais atrativos da nossa querida comunidade rural do Arabizá. --- Veja que eloqüência ao falar, com certeza este menino puxou a mim, seu Pai! --- Só se for à malemolência, pois até agora não falou nada que eu precise saber. --- Então como eu estava dizendo... O Arabizá é mundialmente conhecido pelo seu famoso Morro do Curió. O morro tem este nome por causa da abundância de curiós, canários e aves raras da nossa fauna Brasileira. --- Muito bem meu filho, mas você esqueceu-se de falar que lá também é famoso pela sua subida íngreme, terrenos cheios de pedras e areia onde nada que se planta dá. Sem contar a sua estrada de acesso.
  • 14. 14 É uma estradinha mixuruca de terra, que cabe só um carro, sem acostamento, e é muito sinuosa também. E ainda tem as inúmeras cobras, lagartos, e aranhas da fauna Brasileira e mundial que habitam o Morro do Curió. --- Agora sou eu quem vai falar minha esposa. Mesmo sendo arenoso e rochoso o terreno, o Morro do Curió tem arbustos, vegetação rasteira, algumas árvores resistentes e frondosas e um lindo riacho de água bem clara e pura lá no pezinho dele. --- É verdade meu pai! E este riacho segue por entre uma pequena floresta que preserva sua nascente, dá sombra e água fresca aos estradeiros, e abriga todas as espécies de vida. --- Certo meus amores, mas onde estão os outros dois atrativos do Arabizá? Essa conversa de pássaros não me convenceu. --- Explica para ela meu filho! --- Querida mamãe! O Arabizá é um grande ponto no mapa quando o assunto é turismo. Ao chegarmos à comunidade, basta andar apenas uns trezentos metros a frente que logo encontraremos a famosa Cachoeira do Fubá! --- Bem lembrado meu filho! Ela tem este nome devido ao histórico e preservado moinho de pedra. Embora este moinho basicamente seja apenas uma casa, minúscula, de um cômodo só, antigo e vazio por dentro, por fora o moinho está preservado e tem a sua roda girando a mais de cem anos --- Correto papai! É Bom lembrar que a frente do moinho tem a belíssima Cachoeira do Fubá e logo á baixo da cachoeira o famoso, fundo e grande, Poço do Fubá. --- Muito bem frisado meu filho. É bom informar a sua mãe que no verão quase toda a cidade de Cristalina vem para o Arabizá se refrescar nas águas do Poço do Fubá. Muita gente gosta de nadar aqui no Arabizá. Principalmente turista e certa Professora de Geografia que não quer dar o braço a torcer.
  • 15. 15 --- Vocês me pegaram nesta. Tenho de admitir. Gosto muito do Poço do Fubá! Mas nada me faz vir ao Arabizá durante o inverno. Isto aqui é assim, esfriou um pouco que seja o povo some e não vê mais ninguém da cidade aqui. Só poeira, mato, e os nativos. --- Mentira mamãe, eu não estou vindo passar as férias aqui? Friozinho, beira de fogão a lenha, quase um hotel fazenda a casa da avó. --- Você e seu pai não contam. São dois fanáticos pelo Arabizá. Eu estou falando de gente normal. Gente que não tem família ou vínculo com o Arabizá. Duvido que estas pessoas venham para cá no inverno respirar o pó da estrada. Eu mesma só estou aqui para trazer você, visitar minha sogra e acompanhar seu pai. Arabizá, inverno, e eu, não nos damos! --- Veja Alexandre sua mãe está completamente equivocada novamente. --- Então me fala benzinho? Qual o motivo as pessoas tem para vir ao Arabizá no inverno? --- Deixa que eu resolvo isto papai! --- Olha mamãe! O Arabizá no inverno é o centro do universo. --- Isto mesmo meu filho. Convém lembrar sua mãe que toda a população ativa, inativa, encarnada e até quem já deixou este plano vem para o Arabizá no mês de Julho! --- É uma festa só papai! Toda a comunidade se prepara. Cornetas, tambores, roupas de festas, venda de churrasquinhos, matança de garrote, porcos e outros assados, refrigerantes, salgados, doces, balas, e muitos fogos de artifícios... --- Já sei o que vocês estão tentando me dizer. --- É isto ai meu filho. Explica pra ela que Julho sempre tem a final do campeonato intermunicipal! E o campo dos sonhos do Arabizá é onde os times sempre disputam à final e as melhores partidas. --- E por falar em time dos sonhos papai, não se esqueça de lembrar a Professora que o “Timão de Várzea do Arabizá” é o maior de todos.
  • 16. 16 --- Sim filhote. Oito anos seguidos disputando e vencendo o campeonato intermunicipal. Ninguém é páreo para nós. Pode vir outras comunidades rurais da região, cidades anexas e aquela gente pé torta de Cristalina. Todos no fim perdem de goleada para o famoso “Arabizá Várzea Futebol Clube” --- Somos várzea com muito orgulho! Viva o Arabizá! O melhor futebol do mundo! Levamos o caneco pra casa todo ano. --- Eu ouvi dizer meu filho, que este ano vem até olheiro de São Paulo assistir a nossa final. --- Ele vai voltar pra casa com as vista doendo, isto sim meu marido. Imagina a hora que ele se deparar com metade de Cristalina e cem por cento do Arabizá se acotovelando pra tentar ver uma simples disputa de futebol na beira do campo? Sem contar que a partida se resume em adolescentes e marmanjos correndo juntos dentro de um campo, atrás de uma bola, sem técnica nenhuma, formando um verdadeiro show de horror repleto de pernas de pau. E o coitado do juiz? Ele fica no meio do furacão tomando xingamento de todos os lados. --- Mãe! Este é o futebol raça, o futebol puro, o futebol arte. --- Só se for Arte moderna Alexandre. Arte do tipo joelhos estourados. Seu pai surta e pensa que voltou a juventude, enfia os fins de semanas neste Arabizá, e depois domingo de tardezinha tenho de acumular função. De professora passo pra enfermeira cuidando dos hematomas, torcicolos, dores no corpo e feridas dele. --- Mas a senhora mesma admitiu Mamãe que as finais do Arabizá atraem a metade de Cristalina pra beira do nosso campo de várzea. --- É verdade amor! Nosso filho tem razão. Eu vi você falando. Por tanto este é o melhor de todos os motivos que uma pessoa comum e sem vínculo tem para vir pro Arabizá no inverno. --- A Senhora pode não gostar Mamãe, mas a cidade inteira gosta e vem pra cá ver o jogo.
  • 17. 17 --- E não é só o jogo filhote! Tem também os valores culturais agregados ao evento. --- Valores culturais agregados? Sabia que meu filho e meu marido eram fanáticos pelo Arabizá, mas agora estou ficando com medo de vocês dois. --- Valores sim querida! Sempre que ganhamos uma partida. E digo sempre porque é sempre mesmo! O time e as famílias dos jogadores vão se reunir no Sítio da Cascata. Muita prosa, muita gente reunida, muita comemoração. Senhor Flávio, dono do sítio é gaucho, assa o melhor churrasco do mundo, serve vinho bom e também distribui doses de pinga para adultos beberem e esquentarem o peito. E também a sua esposa serve um almoço pro time e todas as famílias dos jogadores. Tem arroz temperado, maionese completa, frango frito, toucinho, torresmo, angu, feijão tropeiro, carne de vaca assada e a famosa lasanha que ela faz. E de sobremesa goiabada com queijo. O manjar dos Deuses! E depois que todos enchem bem a barriga cada um vai pra sua casa descansar e digerir a vitória. --- Não Pai! Isto é para os homens feito o Senhor, que tem de voltar pra casa se não apanha da esposa! A maioria da turma vai até a vendinha do vilarejo arrematar a tarde jogando truco, sinuca, contando causos, rindo e bebericando, cerveja, vinho ou pinga. --- Nem eu, e nem a sua mãe queremos ouvir falar de você mentido nesta venda Alexandre. Você está proibido de ir lá pra fazer qualquer coisa. Eu que sou seu pai não freqüento e não quero que você fique lá. Se a gente souber que você anda freqüentando a venda cancelamos suas férias no Arabizá para sempre! --- Eu só vou lá pra comprar pão quando a vovó me pede. E isto eu faço durante a semana de dia. Esta hora não tem movimento pai. E eu vou a um pé e volto no outro! --- Está certo filho, nossa venda também é nosso armazém! Pode ir e voltar lá, mas só pra fazer favor a sua avó. Mas freqüentar apenas quando fizer dezoito. E mesmo assim ao nosso contragosto!
  • 18. 18 --- Pai o Senhor esqueceu o melhor. Não falou das quermesses que o Padre Ernani e as Senhoras da Igreja realizam todos os sábados a noite durante o mês de Julho! --- Nossa meu querido filho bem lembrado! Dá água na boca só de pensar, quentão, canjica, pé-de-moleque, doce de leite, goiabada, milho cozido com manteiga derretendo encima, pipoca, queijo quente. --- E têm os leilões de galinha caipira, ovo da roça, queijo fresco, verduras da horta, quitutes, salgados, garrotes, leitões, cavalos e toda variedade de coisa boa. --- Meu Deus do céu! Meu marido e meu filho são dois matutos. --- E não para por ai pai, tem a queima da fogueira de São Pedro, As missas de sábado à noite, a novena de São Pedro nas sextas, os bingos no final da missa, os sorteios das rifas da paróquia, as festas de peão na fazenda dos Quincas as quinta, as rodas de violas na casa do Senhor Nono nas quartas, a boa prosa e os comes e bebes servido depois do terço de São Gonçalo na fazenda da Pedrinha, e as pescarias diurnas e noturnas, as caçadas... --- Então estes são os valores culturais agregados? Empolgantes meninos! --- Pai não adianta explicar a mãe nunca vai entender nosso jeito de ser Arabizá. --- Muito pelo contrário meu filho! Foi graças ao Arabizá que eu conheci seu pai. Minha única razão para freqüentar esta terra. --- E sabe filhote! O único, e exclusivo motivo que me faz morar em Cristalina, estão aqui, bem na minha frente dirigindo um fusca, nas estradas empoeiradas, sinuosas, de pista única, cheias de lombadas, pedregulhos, mata-burros de madeira, porteiras de tábua velha, em fim. Sua mãe enfia no meio do sertão do Arabizá só pra agradar a mim e a você. --- Olha filho é pelo seu pai e por você que eu suporto vir, e às vezes até dormir no Arabizá. Respeito, e amo aqui por causa de vocês.
  • 19. 19 --- Veja bem filho são por você e pela sua mãe que eu vivo feliz todos os dias de minha vida em Cristalina. Respeito e amo aquela cidade por isto. --- Ai que nojo vocês dois, pare de fazer isto, pelo amor de Deus! Se vocês se beijarem novamente dentro deste carro eu vou descer pra casa da vovó sozinho e a pé! --- Deixa de ser criança filho! Papai e mamãe se amam! Respeitamos e admiramos as nossas diferenças e procuramos crescer com elas. --- É verdade filho! Unimo-nos pra somar! Para partilhar experiências distintas e promover o crescimento através da comunhão das diversidades de nossa cultura e personalidade que possuímos. --- Mãe, pai, é claro que eu sei disto tudo! Não sou bobo! Entendo a maturidade construtiva de nossos debates amistosos! No fim não é pra ver quem são os vencedores e sim para conhecer melhor o outro e a nos mesmo dentro do contexto familiar. --- Este é o meu garoto! Eu acho que este menino é super dotado! Olha as palavras que ele usa? Será quem ele puxou? --- Não sei. Sendo eu a Professora da família sou meia suspeita pra falar! --- Escuta aqui vocês dois! Eu só sei de uma coisa! Já estamos entrando no Arabizá. --- Nossa meu filho é verdade. A gente nem viu a paisagem passar direito! Mas eu pude reparar que a grama do campo está muito verdinha apesar deste frio de doer que está fazendo! --- É por isto que as finais de Julho são sempre disputadas aqui meu pai. Nosso campo está construído encima de uma antiga várzea. No tempo das águas, dependendo do volume de chuvas ele até chega a alagar, mas no inverno seca e conserva a terra úmida e fresquinha e a grama é sempre verde por este motivo.
  • 20. 20 --- Verdade filho! Só no Arabizá que tem este tipo de geografia. E por falar em geografia, nada de andar sozinho nas trilhas da estrada velha. Nem de bicicleta e tão pouco a pé! Aquela estrada é muito antiga, está há décadas sem passar carros. Só restou a trilha estreita no meio do caminho. Eu tenho medo daqueles barrancos enormes desabarem e fechar a trilha. E quando você e seu primo forem lá olhem bem para o chão. Prestem atenção. Cuidado, pois pode haver cobras nas moitas de capim. --- Seu pai está certo meu filho! Eu morro de medo daquela estrada! É uma trilha muito estreita, cercada de arbustos altos, e vai adentrando a uma mata muito fechada, escura e fria. Prefiro que você e seu primo brinquem em torno da igreja e nas ruas do vilarejo. --- Isto mesmo que sua mãe falou! E têm mais dois avisos Senhor Alexandre Lemos! O primeiro é: --- Quando for ao campo, passe pela estrada nova. Ela é empoeirada, estreita, mas é muito mais segura que a velha trilha da estrada abandonada. Suba o Morro do Curió pela estrada e não tome atalhos! O segundo aviso é: --- Você, seu primo e seus amigos podem ir juntos na estrada velha! Mas quando chegar à altura da curva da divisa não entre na trilha que dá acesso a represa abandonada do Senhor Tati. --- Mais pai, a represa se rompeu a mais de 50 anos sei lá! Só ficaram uns brejos cheios de taboas, minas, pequenas poças de água e trilhas de animais! Não tem perigo. Lá só tem uma represazinha de nada no meio disto tudo onde a gente pesca uns lambaris, e o Poço do Bambu lá perto, mas a gente nunca vai nele. --- Não quero saber de você indo sozinho na represa do Sr. Tati! Aquilo é um labirinto muito perigoso. Podem esconder voçorocas, galerias de água subterrâneas. Eu nasci e me criei aqui. Cansei de ver a terra ceder e nascer poços da noite pro dia lá.
  • 21. 21 --- Nunca vá ao Poço do Bambu. Ninguém até hoje achou o fundo daquilo. Nem com adulto você pode entrar lá. Tem muita árvore ao redor, quem nada lá corre o risco do pé se prender nas raízes se afogar e o corpo sumir. E jamais nadem na represinha do senhor Tati também, não vá lá com seu primo ou amiguinho. Se por acaso resolver pescar na represinha, vá acompanhado do meu irmão. Ele é adulto e responsável. Conhece bem a região. Nasceu e mora aqui todos estes anos. Por tanto ele entende do que eu estou falando a respeito desta represa abandonada. --- Acabou papai? Mãe? A Senhora também tem algum sermão pra me dizer? --- São recomendações necessárias para o seu bem meu filho. E eu concordo com seu pai. Não dê trabalho a sua avó. Enquanto o protocolo de recomendações seguia a todo vapor o carro corria serpenteando pelas estreitas estradas do Arabizá levantando uma nuvem de poeira por baixo de suas rodas. Minutos depois avistaram o pequeno vilarejo do Arabizá. Havia ao todo umas cinqüenta casas distribuídas ao longo de três ruas. O restante da população, que eram a maioria, estava esparramado pelas pequenas fazendas vizinhas ao vilarejo. As maiorias das casas do Vilarejo eram de telha curva, parede de adobe e tinham quase as mesmas distribuições de cômodos. Geralmente eram compostos por pequena sala de visita, dois ou no máximo três quartos e uma cozinha modesta. Em todas as casas havia fogão a lenha! Mesmo quando se fazia adaptações, reformas, ou nas poucas construções novas, a regra era que a casa deveria ter um fogão à lenha. A avó de Alexandre era mãe de seu pai. Ela tinha dois filhos homens, um o pai de Alexandre e outro era o caçula que morava em uma casa vizinha a dela no Arabizá. O tio de Alexandre era casado e tinha três filhos, Uma filha na idade de 12 anos, que morava com eles, outra com 21 que se casou e foi morar em São Paulo com o marido, e o filho do meio Herbert de 15 anos. Herbert não só era primo de Alexandre como também seu melhor amigo.
  • 22. 22 Outra curiosidade das casas do Arabizá era que em suas velhas construções não havia banheiro interno. Os banheiros vieram depois. Provavelmente começaram a partir da década de 70. As maiorias dos banheiros ficavam anexados a casa, com a porta virada para o lado de fora. Isto era quase uma regra. Abria-se a porta da cozinha para sair no terreiro e lá estava a porta do banheiro. A casa da avó de Alexandre e de seu primo Herbert não era diferente. Mas a casa da Avó de Alexandre e a de seu primo ficavam no centro do Arabizá. Chamavam de centro porque bem no meio havia uma grande floresta. Quem visse esta mata bem fechada e com as copas das árvores enormes, poderia imaginar que ali, algum dia, houve uma praça. Porém, aquele lugar não tratava de uma antiga praça, e sim das ruínas abandonadas de um imenso e misterioso casarão. Bastava observar mais de perto. O formato da mata era redondo, por este motivo a última Rua do Arabizá era uma rua oval que acompanhava o formato desta pequena floresta. Do lado interno não havia casas, as casas estavam do outro lado da rua. Eram as mais antigas, com grandes alicerces de pedras e quintais imensos separados por cercas de bambu. Do velho casarão o tempo só deixou sobreviver às partes pequenas de o alicerce circular do jardim. Ninguém se atrevia tomar posse daquelas terras, cortarem suas árvores ou se quer entrar lá. Embora fosse cheio de natureza e vida, o local vivia cercado de mistério, lendas, verdades e superstições. Quando um ou outro morador atrevia-se a entrar lá, nada de extremo ou grandioso acontecia. Mas muitas pessoas evitavam por causa das sensações e sentimentos estranhos que tinham ao adentrar esta mata. Uns sentiam dor de cabeça, outros eram tomados por calafrios, alguns por melancolia ou simplesmente tinham fortes intuições e cismas. E no mais a comunidade aceitou aquela mata no meio da rua como quem recebe uma praça coletiva. Era propriedade comum. Assim determinou os moradores. Dentro da mata havia sucos, e morros nas terras, e muitas pedras grandes esparramadas. Isto dificultava que alguém cortasse caminho pela mata. Por isto não houve quem se atrevesse abrir uma trilha por lá também.
  • 23. 23 Devidamente instalados no Arabizá a família Lemos deixou seu único filho aos cuidados de sua avó e retornou a cidade. No pouco tempo que teve do entardecer até a noite Alexandre percorreu quase todas as imediações na companhia de seu primo. Foram na única escola da comunidade, visitaram o Poço do Fubá, e terminaram a noite atrás da Capela, com um pequeno grupo de amigos, contando causos e se aquecendo em torno da fogueira. Alexandre tinha a vida de um adolescente normal até aquele momento. Claro que tanto ele quando seus pais não conseguiam entender o apego que o garoto tinha pelo Arabizá. Deixar o conforto de uma casa grande e imponente na cidade, para se abrigar na limpa, modesta e pequena casa da avó. E não era apenas isto. Os atrativos da cidade eram muito mais empolgantes para um jovem do que os da pequena comunidade do Arabizá. Por muitos anos o próprio Alexandre se perdia em pensamentos inconclusivos a respeito deste apego tão arraigando que ele sentia pelo Arabizá. *************** 2 - Pesadelo. Em silêncio olhando para o teto, Alexandre tentava pegar no sono. O cansaço físico e mental era muito e isto o impedia de desacelerar, repousar e dormir. Sempre que vinha para o Arabizá era assim. Alexandre se via arrebatado por um misto de vários sentimentos. Então ele se lembrou do entardecer daquele dia e remergulhou na melancolia nostálgica que imediatamente transportou seus sentimentos aquela tarde morna. Contemplou em pensamento o sol se por atrás da montanha vendo a penumbra se aproximar aos poucos, enquanto pássaros, voando aos bandos, procuravam abrigo nos horizontes daquele vilarejo pouco iluminado. Uma saudade monótona e ao mesmo tempo aconchegante, sempre tentava se aproximar de Alexandre quando ele se via sozinho nas tardes ou nas noites do Arabizá. Estas sensações vinham feito um fantasma. Mistérios de algo que um garoto de 16 anos não conseguia sondar. Tão pouco dimensionar este apego arraigado, quase uma obrigação da alma que o levava ao Arabizá.
  • 24. 24 Durante o dia Alexandre preenchia a vida com atividades juvenis. Andava e vivia cercado de amigos, em companhia do primo, ou as voltas ajudando e aproveitando a amizade atemporal que tinha com sua querida avó. Porém ao cair da noite, quando o silencio é táctil e a meia luz da lua era sua única fonte morna de claridade a vazar pelas frestas do telhado antigo e nos vão das portas e janelas. Quando este clima de isolamento invadia o pequeno quarto de Alexandre era que ele se sentia um estranho no ninho. Vinha o deslocamento. Uma sensação de que estar ali com a freqüência e apego que ele estava não fazia sentido. Mas se não é razão sua estadia, pois todas as coisas na cidade lhe eram muito mais atraentes e abundantes que no Arabizá, o que lhe atraia aquele lugar? Pensava, questionava, e tudo lhe parecia vago. Menos a estranha sensação de deslocamento e a sede de resposta que angustiava e fazia divagar em pensamentos agora cada vez mais inconclusivos e acelerados. Nada de sono. Alexandre queria uma resposta. A imaturidade tem pressa, e o tempo tem as suas razões. O atrito disto gerava uma busca agonizante. Alexandre tentou distrair as idéias. Procurou pelo mugido das vacas, pios de coruja, um uivo do que quer fosse, mas nem os grilos cantavam naquela noite. Tudo era silêncio. Não havia se quer os estalos da madeira se delatando no assoalho. Antes, quando tinha estas sensações, as banalizavam e logo dava um jeito de se distrair. Dizia a si mesmo que isto passa, toda noite é assim mesmo aqui no Arabizá, ou simplesmente se consolava dizendo: --- Relaxa Alexandre! Você só está estranhando a casa e o ambiente. Sozinho a gente sempre pensa besteira. Em seguida começava a bombardear a cabeça de idéias agradáveis, e fazia planos de atividades de férias e logo em seguida conseguia pegar no sono. Mas hoje era diferente. Os placebos psicológicos não estavam surtindo efeito. Alexandre se sentia atraído por aquela correnteza de pensamentos. Tentou de início livrar-se deles, mas isto só trouxe mais pensamentos e questões.
  • 25. 25 Talvez fossem sintomas da maturidade, vontade de enfrentar os dilemas da vida e partir em busca de respostas mais satisfatórias a respeito de si mesmo e das razões que compõe seu mundo. Também havia o encantamento por aquelas questões. Ele mesmo ficou deslumbrado de ver que sua mente era capaz de compor raciocínios tão profundos, coerentes, e se relacionar com perguntas existenciais tão maduras e complexas. Alexandre viu-se diante do adulto que havia dentro dele e não conseguiu entende por onde ele entrou. Como ele estava pronto? E por que só se manifestou naquele momento? Se fosse expor em palavras Alexandre não conseguiria expressar. Estava embasbacado, como ele com aquela pouca idade tinha este dom tão peculiar? E foi no meio desta empolgação que Alexandre não se conteve. Quebrou o silêncio da noite, perguntando a si mesmo: --- Por que eu gosto tanto daqui? Sentiu envergonhado com a pergunta, pois temeu que sua avó, que dormia no quarto ao lado pudesse ter ouvido. Depois ele voltou à torrente de pensamentos. Agora parecia que sua cabeça era um lugar de todos. Um lugar aonde se vinha fragmentos de respostas de todas as direções. Cada fragmento tinha um som específico tal qual a voz de estranhos. Cada fragmento de voz entrava e saia com uma resposta em sua cabeça, e às vezes se quer conluia um raciocínio dando espaço à outra voz com outra resposta ou outra pergunta. Estes sons de pensamentos pincelavam coisas do tipo: --- Olha Alexandre isto é um vício! --- Não Alexandre é genético. Seu pai também ama o Arabizá. --- Você é roceiro, e daí? --- Pensa bem garoto você gosta daqui porque está de férias! Duvido que você fosse gostar daqui se de estudasse ou trabalhasse no Arabizá!
  • 26. 26 --- Admite mocinho você está apaixonado pela Naiara dos olhos verdes... --- No fundo você acredita que vai transformar em um grande jogador de futebol e acha que vai ser descoberto aqui no Arabizá. --- Não, isto se deve ao fato da sua família ser pequena, seus primos e sua avó estão aqui, por isto... --- Quando você casar nem vai lembrar que existe Arabizá... --- Você tem aqui uma dívida de outros tempos. --- Amanhã deve acordar cedo pra pescar... --- Seu primo também pensa coisas deste tipo... Deve ser da idade... --- Você precisa rezar... --- Para de pensar, se não vai ficar doido, deixa essas questões pra lá, isto não chega a nada... --- Trata-se de questões antigas, pendências oriundas de vidas passadas. --- Você tem é de se benzer... Procurar um padre... Alexandre mergulhava cada vez mais na busca de uma resposta satisfatória. Na verdade já havia encontrado, porém relutava em não aceitar a resposta que lhe parecia mais coerente. E foi ai que ele sem querer quebrou o silencio outra vez dizendo: ----- Dividas de outras vidas, não! Negar era preciso. Ele não entendia, acreditava, ou se quer aceitava esta resposta. Em seu íntimo Alexandre estranhamente pressentia que aquela era a mais coerente das respostas. Porém na superfície, sua formação religiosa, seu medo de enlouquecer mergulhando em questões complexas e a desconfiança implantada em torno da Doutrina o fazia temer a simples hipótese de considerar este pensamento.
  • 27. 27 Mas não teve jeito. Sua cabeça ferveu e o sono fugiu para outro País. Alexandre estava convicto de que a loucura o havia arrebatado de vez. Ele, que apesar de freqüentar a Igreja católica, não entendia de experiências e vivencia religiosa. Para Alexandre Religião era como uma matéria escolar. Algo que se estudava, praticava e seguia sem muito se preocupar. Ele era assim. Dogmático. Aceitava e não questionava muito, buscava sempre a zona de conforto evitando aprofundar-se. Este fato se deve em parte a sociedade que nivela por baixo o potencial intelectual dos Adolescentes. Os coloca na categoria de espectadores, julgando-os incapazes de transcender questões que vão além das grades curriculares. Alexandre tinha isto arraigado em seu comportamento. Achava que ser religioso estava simplesmente associado a ser bom e também era simplesmente ser obediente aos pais e professores. E ser religioso era uma questão mecânica que se resumia em freqüentar e participar no que lhe fosse solicitado. Ele imaginava que um garoto da idade dele tinha de seguir o bando e se preocupar com a marca do Tênis, com a roupa nova, o perfume, as provas e em aproveitar mecanicamente a juventude, pois todos diziam que ela ia passar rápido. Alexandre acreditava no caminho prático, trabalhar, estudar, divertir. Achava que este tripé era o segredo da vida feliz. Mas de onde vinha aquele Alexandre? Este adulto? Este que acredita em coisas que o garoto achava ser perigosa? Por que ele quer quebrar tabus internos? Aonde ele quer chegar? Pra quê? De nada adiantou. Alexandre estava preso em um remanso de pensamento. E por mais que ele tentava fugir com outras idéias e assuntos a palavra “vidas passadas” latejava em sua mente. Mas forte e intensa era a sua negação sobre o tema, tão forte que seu organismo manifestou. Começou latejando bem de leve, e aos pouco foi aumentando, até que quase sem perceber Alexandre se deparou com uma intensa dor de cabeça.
  • 28. 28 Pronto, estava salvo. Agora toda a atenção do garoto esta voltada para dor. A dor o fizera esquecer tudo. Ele agora está concentrado em apenas livrar-se dela neste instante. Assim Alexandre saltou da cama, seguiu em direção a mochila, abriu-a e retirou uma cartela de comprimidos em um de seus muitos compartimentos de zíper. Abriu a porta do quarto, caminhou até a cozinha, pegou um copo de alumínio, encheu de água do filtro, engoliu o comprimido e tomou em seguida a água do copo. Voltou para o quarto, ajoelhou-se próximo a cama e puxou um penico de plástico de cor branca. Fez xixi no penico, guardou penico em baixo da cama novamente, e deitou na cama. A avó de Alexandre sempre trancava a porta da sala e da cozinha deixando o banheiro da casa fechado do lado de fora. Se fosse preciso ele a acordava, mas para fazer xixi, não tinha precisão. Alexandre usava o penico. Ou “Suíte de pobre”, como ele costumava brincar com avó. Acomodado novamente na cama Alexandre só tinha um desejo. Aguardar a dor ir embora. E aos poucos a dor foi se afastando da cabeça do garoto. E à medida que ela se afastava lentamente o sono se aproximava. E foi assim que Alexandre finalmente conseguiu dormir. O medicamento abaixou um pouco sua pressão, e o sono também ajudou neste processo. Relaxado, o corpo se entregou ao merecido descanso reparador. Em alguns minutos, após a dor passar Alexandre estava mergulhado em um sono profundo e pesado. E foi então que veio o pesadelo. ----------------------------------- Em seus sonhos Alexandre sentia cheiros. Por milésimos de segundo teve a sensação de saber estar sonhando. Isto lhe ocorreu mais rápido que um flash. Inspirou bem fundo e sentiu novamente o cheiro entrar em suas narinas. Era cheiro de comida e bebida. Der repente se viu no meio de uma grande festa.
  • 29. 29 Começou a ouvir som de instrumentos, uma profusão de vozes a cantar, falar, gritar e sorrir. Os sons se misturavam tornando-se indecifráveis os diálogos, tal qual acontece em grandes bailes. Deu para perceber que as luzes vinham de velas. Eram luzes amareladas, trepidantes que pareciam dançar ao sabor dos ventos e vultos que circulavam na casa. Sabia-se que era uma casa, pois via de relance, paredes amareladas, telhas curvas, cumeeiras, assoalhos e grandes portais vermelhos e grossos. Outro pressentimento invadiu Alexandre. De relance entendeu que estava no Arabizá. Percebeu se tratar de coisas antigas. De tempos e pessoas de outra época. Mas lhe intrigava o fato de não reconhecer aquela casa onde estava em questão. Pois todas as casas do Arabizá eram antigas e algumas até centenárias. Mesmo em um sonho Alexandre saberia reconhecer qual delas ele estava. Mas aquela casa não era familiar. Estava no Arabizá. Tinha uma forte intuição. Tão forte que lhe passava a mais convicta das certezas. Mas não reconhecia aquela casa grande e estranha. O som foi aumentando. Alexandre tentava reter as informações. Tudo em vão. Via pessoas, mas não via rostos, só vultos. Ouvia sons, mas não entendia as palavras. Tudo aparecia e desaparecia feito fumaça. Cenas se construíam e desconstruíam dando lugar a outras em um passe de mágica. As únicas coisas que se mantinham fixas eram as certezas que Alexandre tinha. Ali era o Arabizá, estava ele em uma festa, e as pessoas não se vestiam,comiam, ouviam música ou dançavam como as pessoas de 1997. Tratava-se de outro tempo bem remoto. Alexandre viu vultos de saias rodadas compridas e encardidas, viu blusas de manga longa, viu homens de botas pesadas, calças de pano, e camisas cheias de bordados e arremates, viu cabelos compridos, dentes, alguns tortos, outros careados e quase todos amarelados. Via tudo isto se dissolver e se construir na sua frente e estranhava-lhe o fato de ter certezas. Uma delas era que estas pessoas tinham algumas posses e certo prestigio social. Der repente todos os vultos e vozes entraram em desespero e começaram a gritar e correr por todas as direções.
  • 30. 30 Começou a chover cacos de telha, ripas, rebocos, tijolos e um grande clarão de fogo cresceram feito um raio. Quando deu por si Alexandre se viu sentado no chão assistindo todo aquele caos. Não conseguia se mexer e o pavor tomavam conta de seu corpo. Com muito esforço olhou para cima e viu um enorme caibo vir em sua direção. Já em outra cena de seu sonho Alexandre estava completamente em pânico e não conseguia se mexer. Escutava uns gemidos, e pedidos de socorro, mas aos poucos as vozes iam cessando. Sentia água subindo pelo seu corpo lentamente. Isto lhe causava muito pavor. Não sabia onde estava. Estava tudo escuro, frio, e os restos de construção pareciam envolver o seu corpo feito um cobertor. Der repente à água subiu de uma só vez cobrindo toda a sua cabeça. Em um surto de fobia e desespero Alexandre puxava o ar e ele não vinha. Esforçava, debatia, tentava em vão respirar, gritar por ajuda... Com grande susto Alexandre acordou deste pesadelo. ----------------------------------- E foi assim que o garoto acordou do sonho. Agora com a consciência retomada Alexandre percebeu que tudo não passou de um grande e nítido pesadelo. Ele se assustou tanto que quando acordou estava sentando na cama. Pensou em gritar pela avó pra saber se ela o escutara sonhando. Mas não o fez. Imaginou que se ela tivesse ouvido teria vindo em seu quarto lhe perguntar pelo ocorrido. E foi então que Alexandre começou a sussurrar para si mesmo: --- Calma Xandi, tudo não passou de um sonho moleque. Ninguém te escutou sonhando medroso. Viu! A dor de cabeça já passou e meu sono ainda continua. Volta a dormir porque amanhã você tem história pra contar para o primo Herbert e pra vovó. Quando estava sozinho Alexandre gostava de conversar baixinho. Chamava este habito de loucura do bem. Dizia ser do bem, pois já flagrara seu primo, avó, pai, mãe e amigos agindo assim também. Por isto chama de loucura do bem. Algo estranho, mas bom e que não causava mal alguma e muita gente que ele conhecia praticava.
  • 31. 31 Alexandre se levantou da cama. Foi até a cozinha bebeu um copo de água. Olhou pelo basculante da cozinha o terreiro da casa. Era a única janela de vidro desta residência. Um basculante pequeno, mas por ele Alexandre viu a luz doce da lua dar contorno às formas do terreiro. Sentiu um calafrio correr pela sua coluna. Aquele terreiro iluminado e silencioso parecia cenário perfeito para mistérios e causos antigos. Estava tudo muito quieto e um ar de cisma sinistra sondou os sentimentos de Alexandre. Em seguida Alexandre deu de ombros para este medo que sentira e voltou para o quarto. Deitou na cama enfiando-se debaixo dos cobertores e procurando um lado aconchegante no colchão e no travesseiro. Logo, logo ele voltou a dormir. E outro sonho lhe pegou de relance. ---------------------------------- Em seu novo sonho Alexandre percebeu que a escuridão era intensa. Também reconheceu estar no Arabizá. Sim, ele sabia até o local onde se encontrava. No Morro do Curió. Estava subindo o Morro do Curió à noite. Era uma noite muito escura, sem lua, sem estrelas, e não havia lanterna ou luz iluminando o caminho. Alexandre não via seu corpo, apenas via as siluetas pouco definidas de si mesmo e de uma pequena trilha de terra. Também tinha a sensação de estar caminhando, pois sentia a cadência do corpo feito quem caminha morro abaixo. Tentou incessantemente ver o próprio corpo, mas não conseguiu. Em um dado momento de seu sonho Alexandre viu os braços, suas mãos e elas seguravam um objeto que parecia ser um chicote. Em sua frente surgiu um vulto ainda mais negro que a escuridão. Este vulto tinha contornos de um menino. Parecia esquelético curvado e frágil. Alexandre começou a chicotear este vulto. O vulto caia pelo chão. Dava para ouvir o barulho de seu corpo caindo sobre o cascalho da trilha. Quanto mais o vulto se defendia com as mãos, se agachava ou tentava se esquivar mais Alexandre o chicoteava.
  • 32. 32 Alexandre sentia um prazer mórbido em chicotear este vulto. Sentia muito ódio por aquela criatura. Tanto que a raiva lhe despertava grande euforia e prazer. Causar dor no vulto lhe dava razão de estar ali. E ele chicoteava para evitar pensar e para dar vazão aos sentimentos. Pressentia que o vulto merecia o sofrimento e ele tinha motivos para se vingar do vulto. Só não entendia as bases destes motivos. De rápido relance o cenário do sonho mudou novamente. ----------------------------------- O que mais ele estranhou nesta cena foi à nitidez intensa e clara com que via e enxergava as coisas ao seu redor. Imediatamente Alexandre trocou de sonho. Agora estava em um barco no meio de um lago gigantesco. Uma incrível sensação de conhecer aquele lugar lhe tomou por inteiro. Era um lago maravilhoso! Imenso e a paisagem ao redor deste lhe parecia muito familiar. Outra vez Alexandre reconheceu, em seus sonhos, estar no Arabizá. Aquela era sem sombra de dúvidas a região onde estavam à estrada velha e a represa abandona do Senhor Tati. Só que em seus sonhos a represa não era abandonada. Muito pelo contrário. Era um grande lago, com suas margens límpidas e águas bem transparentes. A distância viu uma bela e bem cuidada estrada de terra. A estrada acompanhava a margem esquerda do lago formando um grande “S”. Avistou de longe, quase se misturando no horizonte, o que lhe parecia ser um imenso muro de pedra. Deduziu que aquela estrutura gigantesca seria a comporta daquele imenso lago. Ele também entendeu que por baixo das águas deste lago estavam o Poço do Bambu e seu sumidouro, as dezenas de minas e açudes e na parte mais funda a represinha. Tudo isto devia estar dormindo abaixo daquele monumental espelho d água. Alexandre ficou espantado quando olhou o próprio corpo. Ele parecia ser outra pessoa. Era muito branco. Sua pele tinha tonalidade pálida. Acariciou o próprio braço e viu que era tão pálido que conseguia ver os contornos de suas veias sob sua pele. Depois estranhou suas roupas. Eram limpas, engomadas, elegantemente discretas.
  • 33. 33 Percebeu que estava de sapato preto de cano longo e couro groso. Logo pressentiu se tratar de alguém importante e rico. Notou também que as roupas eram de outros tempos. Sabia que estava em outro corpo, mas pressentia que este estranho ao mesmo tempo era ele. Tinha a mesma idade, mas a cor, os movimentos, a personalidade e maneira de pressentir as coisas eram distintas. Foram alguns segundos de espanto e admiração. Quase um estado de êxtase. Mas tão breves eram as imagens, mais fugazes eram as sensações. E em tudo Alexandre punha atenção e tentava reter a intensidade de toda aquela informação. Inspirou novamente e sentiu um cheiro forte e agradável vindo de seu corpo. Era o odor de seu perfume. Um odor amadeirado com toque adocicado de uma flor que ao mesmo lhe era familiar, no entanto o nome se fazia desconhecer. Conhecia o cheio. Novamente estranhou o fato de entender estar dentro de um sonho. Ficou maravilhado e confuso por estar sentindo cheiro novamente. Então tudo se desfez outra vez. E como sonhos não têm nexo e nem tão pouco regras o garoto mudou de cenário novamente. Agora Alexandre estava dentro de um barco maior no meio do próprio lago. Parecia uma noite muito clara e as imagens eram nítidas. Der repente Alexandre ergue um imenso enrolado de pano branco e corda. Debaixo destes panos parece haver um rapaz com a mesma estatura que ele. Este moço reluta, e tenta em vão se mexer. A boca desta criatura não emite som, apenas um grunhido abafado, agonizante e fundo. Sem dó nem piedade Alexandre joga este corpo amarrado na água e fica assistindo atônito o corpo afundar. O corpo afunda lentamente e à medida que vai afundando nas águas os lençóis e cordas vão se desenrolando. De súbito Alexandre vê o seu próprio rosto refletido no espelho d água. É o mesmo rosto pálido, e esbranquiçado da cena anterior. Alexandre toma um baita susto. O corpo que afundava retorna a superfície com grande fúria e velocidade. Ele salta para cima de Alexandre tentando puxá-lo para o fundo das águas com ele. Mas o que mais intrigou e deixou Alexandre em pânico foi o fato de o corpo estar livre dos lençóis e o rosto desta criatura era o mesmo que ele viu refletido no espelho d água.
  • 34. 34 Ou seja, Alexandre e o corpo eram a mesma pessoa, ou seriam seres diferentes? Um forte estado de agonia e pavor tomou conta de Alexandre. Foi que de relance ele ouviu um grito forte, seco e muito sinistro. Um grito tão agudo e carregado de dor, mas tão estranho e monstruoso que parecia vir de dentro da sua alma. Aquele som se misturou com tudo e dominou por completo todo o ser de Alexandre. O susto e a confusão ganharam espaço. Tudo era tão real que Alexandre acordou assustado novamente. ----------------------------------- Alexandre ergueu o corpo na cama em uma velocidade admirável vindo a ficar sentando na nela outra vez. Por vários segundos ficou ali estático, com o olhar voltado para o nada, tentando distinguir o real do imaginário. O grito fora tão claro e visceral que Alexandre não conseguia entender se veio do fundo de seus sonhos nítidos, ou fora alguém real que berrara desta forma agonizante, naquela madrugada fria do Arabizá de 1997. Aos poucos Alexandre fora digerindo a situação. Assim a consciência foi se retomando lentamente até fazê-lo compreender que tudo não passara de um pesadelo outra vez. E foi então que ele disse: --- Meu Deus do céu! Que pesadelo! Deve ser por causa do remédio. Será que já são cinco horas da manhã? Que foi isto meu pai? Agora pesadelos têm segundo tempo igual a jogo de futebol? Alexandre olhou as horas no celular que estava na cabeceira da cama. Eram três e quarenta e cinco. Logo em seguida Alexandre deitou novamente na cama, puxou as cobertas e levou a mão sobre o calção do pijama tomando um baita susto: --- Nossa não acredito que isto está acontecendo comino! E agora? Era só o que me faltava! Não bastasse toda esta sonharia acabei urinando na cama!
  • 35. 35 Alexandre verificou novamente com cuidado seu corpo. Sentiu certo Alívio em constatar que não havia molhado a cama e sim apenas parte da cueca e do calção: --- Ainda bem! Ufa! Foi só um jato que escapuliu. Ninguém nem vai ficar sabendo disto. Alexandre começou a bolar um plano para não deixar ninguém saber que ele havia feito xixi nas calças. Igual ao que aconteceu com a dor de cabeça este fato lhe tirou a atenção dos sonhos. Antes Alexandre estava cabreiro com a nitidez e com a capacidade de sentir cheiro durante os sonhos. Agora ele só se preocupava em resolver o problema do xixi. Como todo Adolescente ele era muito vaidoso e não queria virar motivo de piada em todo Arabizá. Isto ele não ia permitir. E sendo ele um dos jogadores do time dos sonhos do Arabizá havia sua legião de meia dúzia de meninas. Suas fãs e futuros namoricos. Este era sem dúvida a sua principal fonte de vaidade e pudor e a principal razão para ele se livrar das evidencias do ocorrido tal qual um criminoso se livra das pistas de um crime. O plano fora traçado. Alexandre teria de fazer grandes sacrifícios. Primeiro ele saltou da cama e tirou toda a roupa do corpo. Ficou completamente nu no meio do quarto sem acender a luz para não acordar avó. Depois ele pegou uma sacola plástica na mochila e colocou a roupa nela. Deu um nó na sacola. Em seguida escondeu a sacola no fundo da mala. A idéia era levar para Cristalina a sacola com a roupa e quando a empregada se distraísse colocaria a roupa na máquina junto com as outras. Sua avó não poderia lavar aquelas peças, porque ela separava as roupas uma a uma. Como ele nunca lavava roupas também estranharia se ele lavasse aquela. Tinha de ser do jeito que ele planejou. E esta fora a parte mais fácil do plano. Alexandre começou a tremer de frio. Tentava controlar para não bater o queixo e não fazer barulho com toda a tremedeira. A segunda parte do plano era mais ariscada. Ele precisava se lavar sem usar o banheiro. Não poderia pedir a chave para a avó.
  • 36. 36 Ela tinha boa memória e certamente estranharia o fato dele trocar de roupa sem esperar a noite terminar. O cheiro de xixi poderia levantar suspeitas, pensou Alexandre. Ele precisava se livrar daquelas evidências sem a ajuda de ninguém. Caso contrário seus planos de não ser descoberto iriam por água abaixo. O jeito era se lavar no terreiro. E foi o que Alexandre fez. Abriu a janela de madeira do quarto com muito cuidado para evitar rangido, e saltou para o terreiro. Seria rápido e simples. Já que era jovem, estava de noite, e sua avó não criava cachorro por causa do gato de estimação na casa. Por este motivo Alexandre poderia entrar e sair pela janela de seu quarto sem levantar suspeita. E ele já fizera isto várias vezes nas noites quentes de verão quando perdia o sono e caminhava no terreiro aproveitando a brisa da noite. A única diferença era que aquela noite estava muito fria e ele estava nu. Apesar de não estar ventando o ar estava frio feito a gaveta de verduras de uma geladeira. Era noite de lua cheia e o terreiro se encontrava claro e dava pra ver com nitidez a direção das coisas. Alexandre correu despido para o tanque de cimento próximo a casa. Não quis se enrolar na toalha temendo transferir o cheiro para ela. Foi até o tanque e cobrindo as partes com as mãos. Tremia feito uma vara verde e seus lábios estavam ficando roxos de frio. Ia retirar um farto balde de água para limpar abaixo da cintura quando se lembrou de um detalhe: --- Se eu retirar à água da caixa a bóia vai ligar para repor outra. Não posso fazer isto. Esta velha bóia faz mais barulho que um avião! Até avó que tem o sono pesado pode acordar com o escândalo que esta maldita bóia faz. E agora o que eu faço? Não posso voltar e deitar sem me lavar, meu cheiro no dia seguinte vai me denunciar. Alexandre era todo rompante e confusão. Estava tão preocupado com o fato de se limpar e se livrar daquele ocorrido sem deixar suspeita. Tão preocupado que começou agir sem muito pensar. Cometeu vários erros grotescos e primários. Coisa que se tivesse parado para pensar melhor não necessitaria nem ter saído do quarto. Mas naquele momento Alexandre não agia movido pela razão. Agia movido pela vontade. E sendo assim acatava a primeira idéia que aparecia em sua mente.
  • 37. 37 De súbito teve uma idéia. Correu em direção ao paiol de milho da casa de sua avó. Atrás do paiol havia a entrada de uma mata. E pouco antes de adentrar esta mata tinha um pequeno riacho. Alexandre agradeceu o fato de sua avó não possuir cachorro. Se tivesse faria um grande escândalo. O cão mais próximo era o da casa de seu primo Herbert. Mas este animal era tão velho que jamais se atreveria sair de sua casinha para percorrer o terreiro naquela friagem toda. Nem o cão e nem o resto do Arabizá sairia de casa naquela madrugada fria. No mais os animais do Arabizá estavam familiarizados com o cheiro de Alexandre. Enquanto pensava estas coisas Alexandre tentava se lavar o mais rápido possível. Sentia muito frio, a água estava mais gelada ainda e pra piorar ele teria de ficar um tempo atrás do paiol aguardando a água secar. Era um tempo que não passava nunca. E quanto mais tremia mais Alexandre sonhava como o travesseiro macio, o colchão quentinho e o conforto de suas três cobertas aconchegantes. Alexandre tremia encolhido atrás do paiol. O tempo parecia remar contra a maré. A sensação era que isto não ia acabar jamais. Em um rompante Alexandre olhou na lateral do paiol e planejou sua volta para o quarto. Parte do seu corpo estava úmida, porém nada de mais. Isto terminava de secar na cama. E como era apenas água não traria nenhum transtorno. Então Alexandre começou a conversar consigo mesmo pra passar o tempo e planejar sua estratégia de retorno ao quarto: --- Pronto Xandi, seco, seco, não vai ficar não! To meio úmido, mas não vai molhar o lençol. Isto seca sozinho sem deixar rastro. Ainda bem que o terreiro da vovó é muito bem varrido. Se não fosse eu poderia sujar o pé. Tanto faz também, se eu sujar falo que saí pra ver alguma coisa suspeita. O importante é ninguém ficar sabendo que fiz xixi na cama. Terminado o diálogo consigo mesmo Alexandre deu o primeiro passo em direção a casa. Este foi o primeiro e último passo que ele conseguiu dar.
  • 38. 38 Ao virar repentinamente para voltar á casa Alexandre viu de relance a mata. O que ele viu lá o deixou completamente petrificado. O que era Aquilo? Um medo intenso percorreu todo o corpo de Alexandre. Este pânico desceu pela sua coluna provocando mais tremedeira, frio e arrepiando todos os seus pelos. Seus olhos se arregalaram, as pupilas se dilataram o máximo que puderam. Ele perdeu o domínio sobre o corpo. Não conseguia correr, e se esforçava para que a tremedeira não o jogasse no chão de vez. Permaneceu de pé, paralisado, e agonizando de medo. O estomago revirava, o coração parecia que saltava pela boca, a cabeça fervia de pensamentos acelerados. Alexandre permanecia ali. Parado, tentando involuntariamente ficar imóvel. Tinha a impressão que seu corpo queria ficar ali e passar despercebido aos olhos daquela criatura, ou seja lá o que aquilo fosse. O que se plantou diante dos olhos de Alexandre naquele momento foi um fenômeno. Um evento de natureza desconhecida por muitos e por ele. Não há nada mais nocivo para o homem do que a sua própria ignorância. Por este motivo o assombro de Alexandre diante deste ocorrido por pouco não extrapolou a linha tênue da razão e da loucura. Não fosse a sua juventude, sua saúde de ferro e coração forte há esta hora ele poderia até ter desfalecido de tanto susto. Alexandre, naquele momento sofria os prejuízos da falta de conhecimento científico e colhia os frutos de uma busca espiritual superficial. Ao depara-se com aquele fenômeno sua mente buscou compreensão para definir o ocorrido. Porém tudo o que sua cabeça conhecia estava relacionado a assombrações, demônios, almas perdidas, lobisomens, criaturas sinistras de filme de terror, extraterrestres que seqüestravam pessoas e as matavam, e todo tipo de coisa ruim. Estes preconceitos agravaram seu medo e acentuaram profundamente o assombro diante o que ele viu. Na verdade o que Alexandre viu, e que quase o matou de medo, foi uma grande bola de fogo azulada. Tinha uma luz pouco luminosa, a coloração de suas chamas era a mesma coloração que tem o fogo dos fogões a gás.
  • 39. 39 Era mais ou menos do tamanho de uma bola grande de fisioterapia. Seu formato oscilava entre cilíndrico, oval e outras formas arredondadas. Parecia consumir a si mesma pela própria luz. Uma luz fraca como já foi dito. E o mais assombroso era que esta bola flutuava livremente no espaço sem nenhuma base de sustentação ou ponto de origem de suas chamas. Esta luz surgiu no repente vindo do fundo da mata. Flutuou em linha reta na direção da mina, dando a entender estar indo de encontro a Alexandre. Chegando à mina a luz acompanhou o curso d água por alguns metros, em seguida fez uma curva em torno de si mesma e terminou sua aparição embrenhando-se na mata novamente até que Alexandre não enxergasse mais sua luz. Quando a luz misteriosa se foi de vez Alexandre recobrou o domínio de seu corpo, conseguiu, entre o pânico profundo que sentia um pouco de controle e forças nas pernas. Rapidamente sem pensar em nada retornou para o seu quarto na velocidade de um vulto, saltou a janela feito um puma, fechou a janela, enfiou-se debaixo das cobertas e lá ficou. Debaixo das cobertas Alexandre era uma tremedeira só. Tremia de frio, tremia de medo, achava que ia morrer pois seu coração batia cada vez mais acelerado, e sua cabeça não distinguia o que era sonho, realidade, o que viu o que não viu. Tudo estava muito confuso. Para solucionar o problema do medo Alexandre começou a rezar como nunca havia rezado na vida. Tentou bloquear qualquer pensamento, fobia ou sensação. Engatava uma Ave Maria atrás da outra, recitava um Pai nosso Atrás do outro. Franzia a testa, e apertava a pele da face rezando cada vez mais rápido. Não poderia deixar brechas para pensar em outra coisa. Precisava sentir que algo ou alguém superior o protegeria de tudo aquilo. Tinha de fugir do desconhecido, tinha de ter de volta a vida normal e corriqueira. Precisava fazer daquele evento um fato isolado e que nunca mais aconteceria outra vez. Deu certo rezar. Alexandre começou a ficar mais calmo depois de alguns minutos. Ficou tão calmo que aos poucos foi parando de rezar e retomando o curso normal de seus pensamentos. Às vezes sentia a fobia querer dominá-lo novamente, mas bastasse o medo vir que ele começava a rezar de novo e tudo se atenuava.
  • 40. 40 Depois de muito rezar, e pensar, Alexandre começou a organizar suas idéias corretamente e a se sentir mais calmo e equilibrado. Evitava pensar no que viu. Ainda estava recente e poderia desencadear todo o medo novamente. Por isto ele procurava se distrair, já que o sono não lhe seria mais possível aquele resto de noite. O jeito era procurar coisas que lhe causassem bem e lhe trouxesse de volta a velha vida. Sendo assim Alexandre arriscou a falar sozinho novamente: --- Que bobagem a minha! Se eu tivesse ido até a cozinha, pegado um copo com água, um punhado de papel toalha, eu poderia ter limpado aqui mesmo no quarto. Jogava tudo no penico e de manhã levava o penico pro banheiro e dava a descarga. Não precisava ter saído lá fora. Alexandre mergulhava no mundo do si, tentando resolver problemas de fatos já ocorridos. Na verdade ele só queria pensar em coisas que o livrasse daquela noite e fizesse o tempo passar de pressa. Sendo assim ele voltou ao vício de conversar consigo mesmo: ---- Nunca mais eu durmo sozinho aqui de novo! Só não vou embora hoje mesmo pra Cristalina porque ninguém vai compreender e a vovó vai ficar muito triste. Está de noite não tem jeito de partir. Mas uma coisa eu tenho certeza. Amanhã eu não durmo aqui na casa da vovó! *************** 3 - A procura de respostas. Finalmente a noite turbulenta terminou. Logo no primeiro cantar do galo Alexandre se pós de pé. Saiu do quarto onde havia esperado o dia chegar e foi até a cozinha da casa. Ao chegar à cozinha subiu na beira do fogão a lenha e lá ficou aguardando sua avó acordar. O gato da casa procurou abrigo em seu colo e Alexandre o abrigou. Os dois esperaram por mais ou menos meia hora até que avó de Alexandre levantasse e fosse fazer café. --- Bom dia meu netinho querido! Dormiu bem? Puxa o pezinho para traz pra eu acender o fogo! Vou fazer aqueles biscoitos de polvilho que você tanto adora!
  • 41. 41 A avó de Alexandre tinha o sono de pedra. Não percebera toda a movimentação de Alexandre no quarto. A única coisa que notou foi que o menino estava com olheiras e meio macambúzio. --- Estou notando que você não dormiu direito! Está com olheira e meio abatido o que aconteceu? Ta precisando de mais cobertor? --- Não vovó, esta tudo bem! Eu não preciso de cobertor não! É que tive dor de cabeça, e depois que a dor passou dormi e tive um pesadelo daí não consegui dormir mais. Por isto estou com esta cara. --- Que isto Alexandre! Por que você não me chamou? --- Não foi nada vovó. Pra falar a verdade eu nem lembro mais o que sonhei. Só sei que fiquei sem sono a noite toda! Daí eu levantei e vim pra cá ver o dia amanhecer. Por dentro Alexandre era uma confusão só. Sua cabeça parecia ferver. Os pensamentos todos embaralhados. Ele não conseguira digerir tudo o que aconteceu. Tentava manter as aparências para ganhar tempo. Mas sentia que ia enlouquecer ou ter uma crise. Precisava de imediato resolver dois problemas. --- Vovó? Posso lhe pedir uma coisa? --- Claro meu querido se tiver ao meu alcance. --- É que esta semana eu gostaria de dormir na casa do tio, no quarto do meu primo Herbert. Faz tempo que a gente não faz isto. A tia tem reclamado que eu não durmo mais lá. E também o Herbert comprou um novo cartucho de vídeo game. --- Por mim tudo bem! Você deixa as coisas aqui e de noite leva só o que for precisar. Mas você vai jantar aqui ou lá? --- Eu vou dividir vovó! O dia que jantar aqui eu almoço lá, e o dia que almoçar eu janto aqui! O primo Herbert pode vir comer aqui também? --- Mas é claro que pode Alexandre! Vou gostar de cozinhar para meus dois netinhos queridos.
  • 42. 42 --- Vovó na outra semana eu posso trazer o Herbert pra dormir aqui na sua casa? A senhora Poe o colchão no chão pra ele no meu quarto... --- Olha Alexandre! Você até pode trazer o Herbert pra dormir aqui. Eu vou achar bom. Mas tem de ver com a mãe dele e principalmente com ele. Será que ele vai gostar de deixar o quarto arrumadinho dele logo aqui do lado para dormir em um colchão no chão aqui em casa? --- Ele vai sim eu tenho certeza e se precisar eu durmo no chão e deixo a cama para ele. --- Tudo bem meu querido faça como bem entender! Só estou achando tudo muito estranho e repentino. Posso saber o porquê de tudo isto? --- Nada não, vovó. É que estão chegando às finais dos jogos do Arabizá e a gente precisa ficar na concentração. De noite a gente pode discutir uns passes de bola, criar umas jogadas e também contar uns causos, pois de dia tem tanta coisa pra fazer que nem dá tempo de conversar com o primo. À medida que Alexandre ia tentando se explicar, menos avó dele acreditava. Ela sabia que alguma coisa não estava em ordem. Não conseguia entender qual era esta coisa. E por outro lado Alexandre também tinha certeza que suas desculpas não estavam convencendo em nada sua avó. Mas continuava a contá-las. No fundo o que ele estava tentando era pedir para sua avó que acatasse seus pedidos como súplicas e não lhe questionasse muito sobre a razão de seu comportamento estranho. Pois nem ele sabia lidar com isto no momento. Por tanto discuti- los ou expor antes de entendê-los seria em vão. Alexandre queria era voltar a ter os momentos de paz que tinha antes de todos estes ocorridos. Precisava descansar primeiro e só depois tocar o dedo nestas feridas. Anos de experiência prática tornou a avó de Alexandre uma grande observadora e sagaz ouvinte. Dona destes dois adjetivos aliados a sua grande sabedoria a fez perceber que seu neto estava com problemas e pedia indiretamente para resolver-los sozinho. Sem a intromissão dos mais velhos.
  • 43. 43 Ela supunha que o menino tivera algum pesadelo e estava com medo de dormir no quarto desacompanhado. Como ele não era mais criança ficou com vergonha de pedir ajuda a ela e inventou esta desculpa de dormir na casa do primo para não admitir o medo. A avó de Alexandre já fora uma adolescente um dia e entende bem que nesta idade qualquer coisa é extremamente importante e séria. Ela sabia da instabilidade e do excesso de importância que os garotos daquela fase davam a respeito das pequenas atribulações da vida. E mesmo sendo semi-analfabeta avó de Alexandre compreendia muito da vida e das pessoas. Às vezes até mais que muita gente estudada que tem por ai. Por este motivo avó de Alexandre reconheceu qual seria seu papel na vida de Alexandre. Ela ficaria de fora do evento. Acompanharia de longe o garoto. Observaria se ele estava perdendo o medo e como ele lidava com a situação. Jamais ela iria intervir, pois ele deveria crescer tentando resolver o problema sozinho. Só haveria intervenção se este medo evoluísse ou estagnasse a vida do garoto. Sendo assim ela o acompanhava de longe, porém atenta e sem perder de vista o desenlace deste drama juvenil. O que a avó de Alexandre nem suspeitava era que o medo e os problemas de seu querido neto iam muito mais além de um simples pesadelo ou um simples medo de escuro. ------------------------------------ Um dia inteiro se passou na vida e nas férias de Alexandre no Arabizá. E depois deste dia, veio outro, e mais outro, e entre, treinos, campeonatos, pescarias, passeios a pé e a cavalo a vida seguiu seu curso quase que normal. Todos notavam que Alexandre havia mudado. Ele tentava agir e seguir com a vida o mais natural possível, mas por dentro era só inquietação e dúvidas. Sobraram resquícios do ocorrido. Devida a ocasião Alexandre não ingeria nenhum tipo de líquido depois que anoitecia temendo repetir a situação daquela noite fatídica. Também evitava dormir e ficar desacompanhado dentro de casa a noite. Às vezes tinha pesadelos e quando não tinha dormia um sono inquieto e acordava cansado como se não tivesse repousado.
  • 44. 44 Alexandre percebera que quanto mais ele caminhava no sentido de tentar esquecer o ocorrido mais ele era atormentado pelos pensamentos e sentimentos. Cansado de ficar pensando e sentindo estas coisas decidiu seguir na contra mão. Alexandre decidirá que já era hora de enfrentar a situação e buscar respostas. Não sabia onde, não sabia quando e nem como. Mas já concluirá que tudo ficaria melhor se pelo menos dividisse o problema com alguém. Havia uma semana, depois do acontecido e Alexandre dormia na casa de seu primo. Os pais do primo de Alexandre improvisaram um colchão no chão próximo a cama de Herbert. Neste exato momento era uma noite de sexta feira qualquer e os meninos tiveram um dia de pescaria. Eles não treinaram no campo, pois domingo haveria jogo e sexta era dia de descanso. Por este motivo os garotos pescaram durante o dia, e depois de noite foram na quermesse local e chegaram tarde e animados. O dia seguinte seria sábado e ninguém teria de acordar cedo. Sono nem pensar. Em razão disto os dois primos e amigos ficaram conversando até tarde no quarto. E neste clima de descontração e amizade Alexandre aproveitou para engatar o seu tão temido assunto: --- Herbert eu tenho de lhe contar um segredo! --- Não precisa contar Xandi, todo mundo já sabe! Não é mais segredo. Até o doido da Casa Verde já percebeu que você está apaixonado pela Bia. --- Não to apaixonado não! O palhaço da família é você Herbert. Você que ficou uma semana levando fora da Naiara dos olhos verdes. Mandou cartinhas apaixonadas, gastou com tele mensagens, comprou violetas, e quando chegou na hora “H” levou um fora na quermesse atrás da Igreja! E pra piorar ela ainda ficou com o João Pedro cantor de moda caipira. Agora você quer continuar falando de mim? --- Não to nem ai Xandi! A Naiara se quiser que vá morar com o Jeca Tatu do João Pedro. Ela e Ele podem até aproveitar e formar uma dupla caipira. Mas pelo menos eu criei coragem e declarei o que sinto. Agora você fica enrolando com a Bia.
  • 45. 45 --- Não estou enrolando. Estou conversando com ela pra estudar o terreno. Se ela der um sinal eu avanço. Não sou doido desesperado igual a você. Não quero torrar minha mesada em vão. --- Desde quando mulher virou semáforo pra esperar sinal Xandi? Chega nela, fala o que pensa e do chão você não passa, ou é sim ou é não. Agora você parece que quer viver no talvez! Amanhã de tarde ela vai ao amistoso lá no campo. A Regina sua prima e a Paula me falaram. Elas também vão... --- Por isto Hebinho que eu trouxe quatro uniformes. Vou estar sempre limpinho e arrumadinho nos jogos e nos treinos. --- Limpinho arrumadinho e bobinho puxado pela mão Xandi. Mulher não é ponto turístico pra gente arrumar e ficar vendo de longe não. --- Falou a voz da experiência! O Doutor Herbert! O Don Ruan das... Quantas mesmo? Há esqueci! Nenhuma! O cara que de cada dez mulheres que ele faz a corte, onze lhe dizem não. --- Fazer a corte? De onde você tirou isto Alexandre? É assim que você vai conquistar a Bia? --- Pra falar a verdade Hebinho eu nem sei se eu vou neste jogo! É só um amistoso e a gente ta na reserva mesmo. --- Vai amarelar Xandi? --- Não Hebinho, Elas também vão à quermesse amanhã à noite seu besta! E a Naiara e o João Pedro também vão! Porque você não leva uma espada pra duelar com ele? Quem sabe assim você reconquista sua princesa? --- Quem gosta de duelos é você. O senhor é que solta estas palavras antigas que fica falando de vez em quando por ai. E você ainda esqueceu que a noite vamos à casa da Dona Aparecida no terço? A vovó vai também e depois do terço terá quitutes. --- Acho que é você que está amarelando.
  • 46. 46 --- Pelo contrário Xandi, eu acho que é você que gosta da Naiara. Porque você vira e mexe vive falando dela. Porque eu já to em outra há muito tempo. --- Posso saber o nome desta vítima Hebinho? --- Claro que sim! E se você voltar para os anos 90 até você pode conseguir ficar com uma também. Porque elas são duas e são idênticas. --- Não to entendendo nada Hebinho? Da pra falar as coisas com mais clareza? --- Dá sim é só você voltar pro mundo real. Estes dias parece que o seu corpo está aqui no Arabizá, mas Sua cabeça esta em outro planeta Xandi. Mas deixa-me lhe explicar. Amanhã no terço lá na casa da Dona Aparecida vão estar presente as netas gêmeas dela a Tico e a Roberta. Entendeu? A gente chega junto. Eu fico com uma e você com outra! Já pensou nisto Alexandre? --- Amanhã eu não posso ir ao treino amistoso Hebinho. Preciso ir à estrada velha, entrar na mina, e chegar perto do Poço do Bambu! --- Que conversa sem rumo é esta Xandi? O pai vai estar na roça e ninguém pode nos acompanhar até lá! E eu estou falando do teço a noite e não do treino! Xandi você está bebendo? Usando drogas? Está mais doido que de costume, isto está me preocupando meu primo! --- Tudo bem se você não quiser ir comigo eu vou sozinho mesmo. --- Olha se você não quer ficar com uma das Gêmeas, com a Bia ou se você está apaixonado pela Naiara ok. A gente discute assim, mas você sabe que é só de brincadeira, não sabe? --- Sei, mas o que eu preciso fazer não é brincadeira. Agora é sério! Não dá mais pra esperar! Quanto mais eu adio mais eu sofro e mais a minha consciência me tortura. Eu preciso seguir! Não sei por onde. Por isto vou começar visitando os lugares! Algum sinal vai surgir de algum lugar pode ter certeza que sim.
  • 47. 47 --- Pelo Amor de Deus Alexandre que prosa sem rumo é esta? To ficando com medo! Vou bater na porta do quarto do Pai com a Mãe se você não parar com isto ou me explicar o que está acontecendo. --- Eu vou parar quando você parar de tagarelar feito doido. Eu comecei esta prosa pra ver se você desconfia. Hebinho eu tenho algo muito sério pra lhe contar e não pode ficar pra manhã. E nem pode demorar se não eu posso não conseguir falar. É coisa importante caso de vida ou morte. --- O que pode ser mais importante que mulher? --- Ta vendo, Hebinho, eu preciso que você me leve a sério. Não é hora de brincar. E pelo amor de Deus o que eu vou lhe falar é segredo de vida ou morte. --- Sangue de Jesus tem poder Xandi! Será que você vai me falar o que eu estou pensando? Nossa Senhora da Cruz que me proteja! --- Não existe Santa com este nome Hebinho! E para de teatro. É claro que eu não vou falar o que você está pensado porque da sua cabeça não sai pensamento só sai besteira. --- Pelo menos eu expresso o que sinto, não fico rodando igual remanso de rio feito você. --- Eu vou falar quando você me deixar falar Hebinho! --- Deixemos a palhaçada de lado Xandi. Pronto! Acabou a criancice. Eu sei ser sério quando precisa. Pode começar, não vou lhe interromper Alexandre. Fala que eu te escuto! --- Eu vi uma coisa do outro mundo? --- Pelo amor de Deus Alexandre. Me ajuda vai! Manda coerência nesta prosa sua, por favor!
  • 48. 48 --- É serio! Eu juro por Deus Hebinho! Porque você acha que eu inventei de dormir no seu quarto, e de pedi a vovó pra você ir dormir comigo na casa dela? Porque eu fiquei três dias sem sair de casa a noite e parei de ir à quermesse ou ficar de bobeira nas ruas do Arabizá à noite com a turma? --- Sei lá! Eu pareço maluquinho e meio desgovernado, mas bobo eu não sou Alexandre. Somo-nos Adolescentes, às vezes temos recaídas e voltamos a ser criança de novo. Normal. Achei que fosse medo de escuro por causa de algum pesadelo ou coisa assim. --- Eu tive um pesadelo sim! E acordei assustado e como o sono não me vinha pulei a janela e sai no terreiro. E foi ai que eu vi esta aparição. Alexandre omitiu a parte de ter urinado na roupa e de ter sido este o motivo que o levou para fora do quarto. Achou que isto era irrelevante, e não contaria para o primo, pois com certeza o primo usaria isto contra ele em momentos de conflito entre os dois. --- Meu Deus do céu é sério isto que você está falando? --- Claro que sim Hebinho, olha meu braço! Basta apenas lembrar- se do ocorrido que os pelos do braço se arrepiam. --- Mas a quaresma já passou! Por tanto mula sem cabeça e lobisomem não é. O que foi que você viu Alexandre? --- Já disse que estou lhe falando sério. É coisa de outro mundo de verdade. Não é lenda não! --- Mas Alexandre eu acredito em mula sem cabeça e lobisomem, aqui no Arabizá tem cada história. É de arrepiar os cabelos. Pergunta pra vovó pra você ver! Tem gente aqui que já viu até disco voador. --- Quem viu disco voador foi o doido da Casa Verde, pelo menos fala que viu. E também quem diz ter visto Lobisomem e Mula Sem Cabeça é o mentiroso do João Paulino. Hebinho o que eu vi é coisa séria e antiga. Não é deste tempo e não é deste mundo.
  • 49. 49 --- Você está me assustando Xandi. De inicio achei que você queria pregar uma peça em mim. Mas estou vendo que a coisa é séria. Aqui no Arabizá tem cinco lendas que os mais antigos e sérios do vilarejo contam. Sabia que aqui já foi assombrado de verdade? --- Não! A vovó nunca tocou neste assunto. Nem a vovó, nem o tio a tia, e também meus pais nunca me falara nada sobre as cinco lendas do Arabizá. Agora até eu fiquei curioso. Porque será que ninguém me falou sobre as cinco lendas do Arabizá? --- Porque quando você era criança poderia ficar com medo e depois que começo ou a ficar grandinho você nunca se interessou por estas histórias. --- Deve ser por isto mesmo Hebinho. E também eu sempre debochei de quem queria me contar alguma coisa deste tipo. Toda minha vida fui muito desconfiado. E estando eu de férias tinha tanta coisa pra fazer durante o dia que quando chegava à noite só tinha tempo de dormir. --- Não é isto não Alexandre. Quer saber a verdade? Deixa eu lhe contar primeiro um segredo sobre sua vida! Dos seis anos de idade até os treze sua mãe o levava no pediatra, Lembra? --- Lembro sim Hebinho era aquele velhinho turco de fala engraçada. O Doutro Faridh. A gente até chegou a consultar juntos uma vez Bibinho. Lembro que na saída você levou todos os pirulitos do pote. Eu fiquei morrendo de vergonha. --- Pois é eu já era esperto naquela época e você não. Mas este médico suspeitava que você tivesse algum tipo de problema cardíaco. Não sei direito o nome técnico das coisas, mas era uma doença conhecida pelo povo como sopro no coração! --- Não me lembro de nada disto! Ninguém me falou nada sobre isto! A única coisa que eu me lembro de achar estranho foi que durante um tempo eu fiz muitos exames cardíacos e tirei sangue. Mas nunca suspeitei de nada.
  • 50. 50 --- Mas Alexandre é por isto mesmo. Ninguém poderia lhe contar. Você não podia tomar muito susto, ficar impressionado, ou seja, quanto menos preocupação melhor. Assim estas histórias fortes e coisas deste tipo lhe foram evitadas. --- Mas eu vi filme de terror, joguei bola, corro e brinco, pulo e nada me acontecem. --- Sim e nem vai acontecer. Porque depois que você cresceu um pouco mais, sua mãe o levou em outro médico. --- Eu me lembro deste Hebinho. Era o tal de Doutor Wellington. Eu até me lembro de não gostar do consultório dele porque não tinha aquele papel de parede irado dos super heróis que outro consultório tinha. Claro que eu era criança na época. --- E ainda é Xandi. Mas isto não vem ao caso. E por falar nisto Bibinho é a sua outra Avó. Aquela que não é a minha avó viu? Não gosto que me chame deste apelido. Soa muito estranho. --- Não enrola Hebinho me conta logo o que aconteceu. --- Este médico descobriu que você não tinha sopro no coração. O outro suspeitava, mas também não tinha certeza. Porém o Doutor Wellington lhe curou. Seu problema eram gazes. --- Agora me lembro! Eu vivia-me queixando de fincadas no peito e ninguém resolvia o problema. Só o Doutor Wellington me curou disto. --- Sim. Elementar meu caro Alexandre! E até provar que focinho de porco não era tomada ninguém lhe contava nada! Porque você acha que só entrou para o time de futebol do Arabizá aos treze? Todo mundo sabia do problema assim também como todo mundo depois ficou sabendo que seu problema eram gazes. --- Cambada de gente fofoqueira! Nunca mais eu volto aqui! Eu não tenho problema com gazes eu tive e daí? --- Esquece isto todo mundo já esqueceu! Bicho de pé, lombriga, piolho, pulga, carrapato percevejo todo mundo já pagou mico com doença algum dia.
  • 51. 51 --- É verdade agora que você falou estou me lembrando daquela dor de barriga que você teve na missa do galo... --- Palhaçada Xandi. Eu tentando lhe consolar e você esculhambando comigo! --- Desculpa Herbert foi mau. --- Mas mudando de assunto. O que foi que você viu de tão assombroso no terreiro da vovó Alexandre? --- Algo que não sei explicar direito. Mas de uma coisa eu tenho certeza. Eu vi! Era uma bola de fogo gigante. Do tamanho da circunferência dos braços. Um fogo meio azulado, não era intensa igual fogueira não. Parecia um fogo meio parado. Não sei explicar direito. Só sei que esta bola de fogo azulada andava de um lado para o outro. Primeiro ela veio do fundo da mata, depois parecia que ela ia me pegar. Nesta hora quase borrei nas calças, sorte que eu não estava usando calças na hora. --- Você estava sem calça Alexandre? Como assim? Você saiu pelado no terreiro? --- Não sua besta é modo de falar. Eu estava com o calção do pijama. Alexandre mentiu novamente sobre estar vestido para o primo. Ele percebeu que teria de ficar esperto se não poderia deixar vazar informações desnecessárias e vexatórias do ocorrido. --- Entendi. Então termina de contar o resto da história Alexandre. --- Está certo, mas desta vez vê se não me interrompe. Então a bola de fogo veio em minha direção, mas depois ela virou e seguiu o curso do riacho. Em seguida ela deu uma virada rápida e foi entrando na mata até desaparecer. Foi o pior dia da minha vida. Nunca mais eu quero passar por isto.
  • 52. 52 --- Que História em Alexandre! Agora sou eu que estou arrepiado! Eu sei o que você viu! É mais comum que você imagina. O que você viu foi à Mãe de Ouro. --- Mãe de quê? Que lorota é esta Hebinho? --- Seu tonto não é lorota. Se você não tivesse problemas com gazes a esta altura você devia saber deste assunto. --- Eu não tenho problema com gazes Bibinho. --- Eu não sou Bibinho! Você é que não assume que quer ser o Xandão da Naiara! --- Mas que História é esta de Mãe de Ouro? --- Foi isto que você viu Alexandre, o meu Pai também viu. A avó do pai também viu, e outras pessoas do Arabizá também viram. Esta é a maior de todas as Lendas do Arabizá. O Arabizá é conhecido por isto. Muitos pescadores, caçadores e estradeiros já viram esta luz estranha. --- Você usou a palavra certa Hebinho! Luz estranha! É exatamente o que ela é! Mas pra que ela aparece pras pessoas? --- Isto eu não sei Alexandre! Tem um monte de causos sobre estes assuntos. Mas todos dizem que não é coisa boa. Se você ver esta luz tem de fugir dela. Se ela te pega você some. --- Some? Por quê? Como assim? --- Já lhe disse o povo antigo é que conta. Dizem que é coisa ruim que anda pela terra à noite. Mas também dizem que onde ela aparece geralmente tem ouro. --- Então é uma coisa boa Herbert! É um sinal. Vamos cavar no terreiro da avó. Estamos ricos. --- Não é bem assim não Xandi. Ela leva a pessoa para onde está o ouro.
  • 53. 53 --- Não estou entendendo. Primeiro ela mata e some com a gente se a gente não fugir dela. Depois se a gente seguir ela encontra ouro. Que coisa confusa! --- Olha Alexandre isto são coisas que os antigos contam. São lendas e lendas não tem filtro cada um conta de um jeito e ai a cada dia tudo fica mais diferente. --- Mas eu vi. Eu sei o que eu vi! Eu tenho certeza que vi! Se eu vi, meu Tio viu, e as pessoas do Arabizá viram! Então, ou todos estão ficando doidos ou isto realmente é verdade. --- Alexandre bota uma coisa na sua cabeça de uma vez por todas. As aparições são verdadeiras. Estas pessoas que viram são sérias. Elas também viram de verdade. Nenhuma delas tinha motivos para mentir. Você acha que estas pessoas iam correr o risco de virar chacota a toa? Elas não receberam pra contar isto, e tem até quem duvidou da palavra delas. Então porque elas contariam uma coisa desta? Só pra se comprometerem? --- Verdade esta parte eu entendo e literalmente eu entendi na prática igual a São Tomé. O que eu não entendo é o motivo desta tal Mãe de Ouro aparecer para as pessoas? --- Mas é daí que surgem as lendas a respeito deste assunto. Ninguém sabe de verdade qual o motivo destas aparições. E também ninguém sabe por que ela aparece. Só existem especulações e tudo aponta para o lado do mal. Da ambição, do apego do homem pela matéria. A maioria das pessoas acha que a Mãe de Ouro é coisa do Diabo. --- Credo Hebinho você está me dizendo que eu vi um Demônio? --- Tudo indica que sim! Pois não é o Demônio que gosta de fazer pacto com as pessoas? Então! Deixa eu lhe contar a História toda.
  • 54. 54 --- Reza a lenda que uma pessoa honesta, de bem, trabalhadora, ou seja, qualquer pessoa comum pode ver a Mãe de Ouro. Ela aparece à noite, e sempre quando a pessoa está à só em lugar ermo. O correto é sair correndo desta aparição. Não se deve falar com ela, e nem tocar nela. Foge! Porém, existem cabras muito machos e corajosos. Estes sujeitos quando vêem a Mãe de Ouro não tem medo. Pelo contrário. Eles até procuram pela Mãe de Ouro. --- Procuram? Pra quê? Estes sujeitos não são machos coisa nenhuma. Eles são idiotas. --- Bom isto eu não sei. Só sei que existe gente corajosa ou doida se preferir que entra na mata com um punhal virgem e uma folha contendo uma oração antiga --- Deixa-me ver se entendi? Eles são os caçadores de Mãe de Ouro? --- Xandi, você viu mesmo a Mãe de Ouro? Porque não parece. Quem vê estas coisas não fica debochando do que viu e nem desrespeitando histórias antigas. --- Desculpa Herbert. Eu estou brincando assim é porque estou aliviado. Há dias que eu queria contar pra alguém o ocorrido. Parece que quando fiz isto senti um alívio tão grande que o medo e o receio que estava em mim foram embora. Tudo ficou mais leve. Contar o problema parece que me fez enxergar as coisas com mais clareza e otimismo. Por isto estou brincando com isto é que parte do medo e receio desapareceu. --- Eu compreendo Xandi. A vovó fala que quando a gente quer saber se está seguindo o caminho certo basta olhar para os sentimentos. Se os sentimentos forem bons, então você está no caminho certo. --- Olha só! Meu primo está filosofando! Parece até o pai falando! Tem certeza que você é meu primo? Vai ver você é meu irmão Hebinho. --- Eu bem que gostaria de morar naquele casarão em Cristalina. Não sei por que você gosta tanto de passar as férias aqui Alexandre. Eu é que devia ir pra lá nas férias pra gente se jogar nas noites da cidade.
  • 55. 55 --- Olha Herbert isto é uma coisa que eu cansei de tentar entender. Já decidi. Gosto do Arabizá e ponto final. Mas continua a contar o causo. --- Não é causo Alexandre é fato. Tem pessoas que entram mesmo na mata com um punhal virgem e uma oração antiga a procura da tal Mãe de Ouro. --- Pra que? O que elas fazem quando a encontram? --- Dizem que primeiro elas vão à noite para o fundo da mata. De preferência na quaresma que é a época mais perigosa. Nesta época tudo de ruim está à solta. Então elas vão pro meio da mata, no lugar onde outras pessoas dizem ter visto a Mãe de Ouro e ficam por lá aguardando. --- Só isto? Elas ficam lá aguardando o que? --- Elas aguardam o coelhinho da páscoa! É claro que é a Mãe de Ouro seu bocó. Então! Quando a Mãe de Ouro aparece, elas fazem a tal oração antiga. Esta oração mantém a Mãe de Ouro parada. Sendo assim logo em seguida elas pegam o punhal virgem e cortam um pedaço do dedo com ele. Depois a pessoa joga o punhal sujo do próprio sangue no meio da bola azul de fogo. Reza a lenda que a Mãe de Ouro carrega o punhal e sai com ele pro meio da mata. A pessoa deve ir atrás dela. Depois de andar por certo tempo a Mãe de Ouro simplesmente desaparece deixando o punhal fincado sobre a terra. --- Só isto? Os caras fazem este circo todo pra ver isto? --- Não Xandi. Deixa-me terminar de contar. Quando o punhal estiver sobre a terra à pessoa deve rezar o credo de traz para frente e oferecer a alma dela pro Diabo e falar que o sangue que escorre no punhal é a garantia. Depois é só arrancar o punhal da terra, marcar o lugar onde ele estava fincado e no dia seguinte voltar e cavar. --- Pra quê tudo isto? --- Porque você acha que ela chama Mãe de Ouro? Porque quem cavar onde ela fincar o punhal vai encontrar um veio de ouro e ficar rico. Entendeu?
  • 56. 56 --- Entender, eu entendi! Mas não acredito em nada disto. A parte que isto seja coisa ruim, ligado a ambição humana faz sentido. Mas esta história de quaresma, Diabo, pactos de sangue não me desce. --- O Xandi? Você viu, ou não viu a Mãe de Ouro? --- Juro por Deus Hebinho eu vi sim. Juro pela minha mãe que é a coisa mais sagrada pra mim nesta vida. Eu vi. O que eu não acredito é no resto. --- Olha Xandi se você me disse eu acredito. Acredito porque o pai também viu. E o pai é sistemático, é das antigas, não gosta de mentiras. Se ele diz uma coisa é porque ele tem certeza. E você também está muito convicto. --- Então Hebinho a certeza que eu tenho é esta. Eu vi algo que por enquanto não sei explicar o que é. Mas só por enquanto porque em breve eu vou desvendar este mistério. --- Já eu Xandi aprendi que existe coisas ruins e Diabos sim. E eles andam nesta terra desde os tempos de Cristo a procura de almas pra levar pro inferno. Inclusive quem faz este tipo de pacto com a Mãe de Ouro não vive mais que sete anos. E a vida que vive vira uma desgraça. A pessoa tem todo tipo de prazer e luxuria no começo, mas depois termina por ficar doida e doente e a maioria se mata ou morre de forma dolorida e estranha. --- Pois eu acho Herbert, que as pessoas antigas e algumas pessoas de hoje em dia tem é medo de sondar as coisas que elas não conhecem. Por este motivo mistificam muito o desconhecido pelo simples fato dele ser desconhecido. Assim elas evitam questionar os fenômenos e buscar respostas mais precisas sobre assuntos temidos. --- Você não acredita em nada Alexandre? Mas você vai à missa todo domingo! Como assim?
  • 57. 57 --- É complicado Herbert, por isto que eu tenho de desvendar. Eu preciso descobrir a mim mesmo! Eu acredito em Deus, acredito no amor de Cristo, mas tenho dificuldades de acreditar no mal eterno. Pensa comigo! Por pior que seja matar uma pessoa. Se um homem mata uma única vez ele vai pro inferno pagar eternamente por este único erro? --- Não Xandi, é pra isto que tem o perdão. --- Mas ele pede perdão e fica por isto mesmo? Pronto? Ele vai pro céu assim de graça? --- Não sei Xandi, na próxima Missa a gente pergunta o Padre. Eu acredito que ele deve se confessar, pagar pelo erro e só depois ser perdoado. Mas isto em vida. Se ele morrer sem pedir perdão aí é inferno na certa. --- E o céu? Não gosto do céu! Tenho medo! O que a pessoal fala sobre o céu é muito estranho. O céu parece mais um asilo. A gente sobe e fica lá eternamente à toa? Só rezando, rezando, cantando louvor, dando glórias a Deus, andando de um lado para o outro eternamente? --- Xandi eu não sei estas coisas não. O que eu sei é que na casa de Deus há várias moradas e que nos somos apenas dois garotos. Temos de brincar, namorar, estudar e viver. Se a gente ficar focado nestas coisas podemos até enlouquecer. Lembra daquele menino filho da dona Lílian que vivia rezando e que... --- Herbert, a gente não pode deixar o mistério e as coisas nos meter medo. Esta é a única verdade que eu aprendi com este aperto que passei. O povo antigo também dizia que estudar de mais enlouquece. Nossa geração arrebenta de tanto estudar e nem por isto deixa de viver ou fica doida. Pelo contraio quanto mais à gente estuda mais a gente fica antenado. A gente vai continuar treinando pro campeonato, vamos continuar indo nas quermesses, e eu vou ficar com a Bia antes de você ficar com, a Tico ou a Roberta. Mas paralelo a isto nos podemos buscar respostas para estas questões.
  • 58. 58 --- Nossa mãe! Já começou a ficar doido. --- Ta vendo? É disto que eu estou falando. --- Alexandre você está me deixando confuso. Do que você está falando afinal? --- Estou falando disto. De a gente procurar respostas para o ocorrido sem precisar viver na gastura. Sem ter de ficar sofrendo ou querendo resolver tudo de uma só vez. Você me ajuda Herbert? --- Ajudar no que? Vamos virar caçadores de Mãe de Ouro? Tipo caça fantasmas? --- Não! Agora é você que está debochando do desconhecido seu maluco! --- Xandi com estas coisas não se brincam! Quem procura acha! Eu não vou sair por ai de noite com punhal na mão procurando estas coisas não. --- E quem falou em procurar Mãe de Ouro? Se Deus quiser não quero ver aquilo tão cedo ou nunca mais. O que eu quero lhe dizer é que eu tive uns sonhos estranhos também, e tive pensamentos que estavam em minha cabeça, mas parecia a voz de outras pessoas e umas intuições fortes... --- Alexandre você está confuso, e cheio de minhoca na cabeça. Mas isto é normal. Faz parte! Você teve este ocorrido que lhe deixou nervoso, mais a nossa idade que é uma explosão de hormônios e conflitos e mais a sua loucura natural. Tudo lhe parece estranho, mas não é. Deixa estar vamos nadar, pescar, esquecer isto. Logo passa! --- Não adianta lhe explicar Herbert! Pra falar a verdade nem eu sei explicar o que estou sentindo direito. É muito mais que conflito juvenil. E pra lhe ser sincero eu só tenho certeza de uma coisa. Eu preciso e quero seguir minha intuição. --- Xandi quem tem intuição é mulher. Vai ver você está de T.P.M então.