A emenda ao CPC quer revogar uma lei da natureza: a de que toda imprevisão é previsível.
Sabemos que ao longo das relações a inadimplência é um fenômeno que pode acontecer. Por isso a imprevisão é previsível. Por isso a inadimplência é prevista legalmente e contratualmente.
A inadimplência não é, necessariamente, um ato de vontade. É também fenômeno econômico com repercussões jurídicas. Dai, pouco importa se o sistema quer reprimir a inadimplência: quando esta se manifesta como decorrência de situação econômica, ela o faz soberanamente.
Mas se é impossível evitar a inadimplência, quando decorrente da situação econômica, porque não transformar o devedor em judas no poste? É isso que a inovação ao CPC pretende fazer: proibir o devedor de discutir a dívida, se por decorrência de fenômeno econômico se ver obrigado a não pagar a parte incontroversa da dívida.
Conferência SC 24 | A força da geolocalização impulsionada em ADS e Fullcomme...
Contra Bancos: Emenda ilegal no CPC
1. CONTRA
OS
BANCOS
O
Presente
da
República
aos
Bancos
Uma
manobra
incluiu
no
CPC
dispositivo
que
confere
benefícios
processuais
aos
Bancos.
Para
litigar
contra
os
maiores
doadores
de
campanhas
eleitorais
(logo,
os
mais
influentes
eleitores),
o
autor
da
ação
deverá:
-‐ quantificar
a
parte
incontroversa
do
saldo
devedor
já
na
propositura
da
ação;
-‐ continuar
pagando
a
parte
incontroversa;
A
emenda,
introduzida
inconstitucionalmente
no
Código
de
Processo
Civil
-‐
por
Medida
Provisória
-‐
foi
esculpida
como
uma
barreira
para
limitar
um
direito
que
é
constitucional:
o
direito
de
discutir.
Ao
estabelecer
a
dupla
condição
estabeleceu
um
muro
de
parede
dupla
entre
a
sociedade
e
o
fórum:
limitou
o
acesso
ao
judiciário.
Quem
ler
a
Constituição
e
acreditar
na
Constituição,
saberá
que
a
exigência
é
inexigível.
Quando
o
texto
constitucional
estabeleceu
o
direito
de
amplo
acesso
ao
judiciário,
como
um
corolário
do
Estado
de
Direito,
não
exigiu
que
a
sociedade
–
para
entrar
nos
salões
dos
fóruns
e
tribunais,
vestisse
camisa
azul
e
sapatos
pretos.
Não,
a
Constituição
nunca
pretendeu
o
que
a
emenda
inserida
na
Medida
Provisória
pudesse
emendar
o
Código
de
Processo
Civil.
A
Constituição
nunca
pretendeu
que
aos
Bancos
fosse
entregue
um
filtro
seletivo,
para
separar
o
que
pode
e
o
que
não
pode
ser
conhecido
pelos
juízes
deste
país.
A
Medida
Provisória
585/20121
liberou
1,95
bilhão
para
compensar
estados
e
municípios
exportadores
de
perdas
decorrentes
da
Lei
Kandir.
Tratava
pois
de
alhos,
até
que
a
emenda
do
senador
Romero
Jucá
inseriu
bugalhos,
injetando
um
vírus
oculto,
não
percebido
pelo
radar
da
sociedade:
sorte
dos
Bancos,
só
dos
Bancos.
1
Convertida
na
Lei
12.810/2013
2. Após
a
Lei
12.810,
sancionada
em
15
de
maio
de
2013,
tornou-‐se
necessário
retirar
do
sistema
legal
a
norma
inconstitucional
que
a
este
sistema
não
pertence.
O
processo
legislativo
realizou
truque
de
dissimulação
incluindo
uma
emenda
em
uma
Medida
Provisória,
que
ao
ser
transformada
em
lei
emendou
o
Código
de
Processo
Civil:
para
dissimular
o
radar
da
sociedade
adotou-‐se
uma
engenharia
legislativa
complexa.
Esta
e
a
história
de
como
uma
regra
de
direito
processual
civil,
de
grande
impacto
no
contencioso
forense,
foi
encapsulada
dentro
de
um
diploma
legal
que
tratava
das
contas
públicas,
nada
relacionada
com
a
relação
privada
entre
os
bancos
e
seus
clientes.
Ao
sancionar
a
lei,
Presidência
da
República
exigiu
condições
para
o
exercício
de
um
direito
que
a
Constituição
não
estabeleceu
na
forma
condicionada.
República
desregrada:
regra
viola
regra
O
art
62,
inciso
I,
alínea
“b”
da
Constituição
Federal
proíbe
que
a
mudança
no
CPC
seja
produto
de
Medida
Provisória:
Art. 62. Em caso de relevância e urgência, o Presidente da
República poderá adotar medidas provisórias, com força de lei, devendo
submetê-las de imediato ao Congresso Nacional.
§ 1º É vedada a edição de medidas provisórias sobre matéria:
I – relativa a:
a) nacionalidade, cidadania, direitos políticos, partidos políticos e
direito eleitoral;
b) direito penal, processual penal e processual civil;
Quem
quiser
discutir
em
juízo
a
inocência
dos
Bancos,
deverá
antes
discutir
o
seu
direito
de
discutir.
A
Emenda
Resultou
em
um
Frankenstein
Jurídico.
Ao
exigir
que
um
cliente
de
banco,
no
Brasil,
modele
a
sua
ação
judicial
com
um
quantitativo
que
especifique
a
parte
incontroversa
do
saldo
devedor,
é
necessário
que
antes
os
Bancos
cumpram
outra
exigência:
a
da
transparência,
permitindo
o
acesso
aos
dados
que
formam
o
histórico
da
dívida.
3.
Como
a
demanda
por
crédito
é
o
móvel
que
leva
a
sociedade
às
bancas,
a
entrega
de
informação
–
quando
existe
–
é
precária.
Ao
procurar
crédito,
ninguém
quer
informação,
quer
crédito.
Não
é
incomum
que
na
oferta
de
crédito
e
na
relação
subjacente
haja
ausência
de
informação.
O
extrato
bancário
não
é
informação.
O
extrato
bancário
é
uma
peça
esotérica.
Como
cumprir
a
obrigação
de
especificar
a
parte
incontroversa
da
dívida
(primeira
exigência
do
Novo
CPC),
se
antes
os
Bancos
não
entregaram
a
informação
sobre
o
regime
de
formação
desta
mesma
dívida?
Há
um
déficit
de
informação
no
antecedente
que
provoca
uma
incapacidade
de
cumprir
a
novel
obrigação
no
consequente.
Outra
exigência
inexigível
é
a
de
continuar
pagando
a
parte
incontroversa,
como
condição
para
discutir
a
parte
controvertida
da
dívida.
Um
exercício
retórico
expõe
o
ridículo;
se
vertermos
a
mesma
regra
sobre
outra
relação:
“Doravante,
para
discutir
o
valor
da
mensalidade
do
plano
de
saúde,
o
usuário
deverá
continuar
pagando
em
dia
o
valor
incontroverso
do
plano,
caso
contrário
está
proibido
de
postular
em
juízo.”
Imaginem
uma
regra
que
diga
que
“O
mutuário
está
proibido
de
dicutir
o
valor
do
financiamento
do
crédito
imobiliário,
em
se
tornando
inadimplente
quanto
a
parte
incontroversa.”
Ou
é
“proibido
litigar
contra
Consórcio,
se
o
consorciado
não
pagar
em
dia
a
parte
incontroversa”.
Porque
não
exigiram
o
mesmo
em
favor
dos
donos
de
escolas?
Porque
uma
regra
exclusiva,
só
para
os
Bancos?
A
Imprevisão
é
Previsível
Eis
o
novo
dispositivo
do
CPC:
Art. 285-B. Nos litígios que tenham por objeto obrigações
decorrentes de empréstimo, financiamento ou arrendamento mercantil, o
autor deverá discriminar na petição inicial, dentre as obrigações
contratuais, aquelas que pretende controverter, quantificando o valor
incontroverso.
Parágrafo único. O valor incontroverso deverá continuar sendo
pago no tempo e modo contratados.
4.
A
emenda
ao
CPC
quer
revogar
uma
lei
da
natureza:
a
de
que
toda
imprevisão
é
previsível.
Sabemos
que
ao
longo
das
relações
a
inadimplência
é
um
fenômeno
que
pode
acontecer.
Por
isso
a
imprevisão
é
previsível.
Por
isso
a
inadimplência
é
prevista
legalmente
e
contratualmente.
A
inadimplência
não
é,
necessariamente,
um
ato
de
vontade.
É
também
fenômeno
econômico
com
repercussões
jurídicas.
Dai,
pouco
importa
se
o
sistema
quer
reprimir
a
inadimplência:
quando
esta
se
manifesta
como
decorrência
de
situação
econômica,
ela
o
faz
soberanamente.
Mas
se
é
impossível
evitar
a
inadimplência,
quando
decorrente
da
situação
econômica,
porque
não
transformar
o
devedor
em
judas
no
poste?
É
isso
que
a
inovação
ao
CPC
pretende
fazer:
proibir
o
devedor
de
discutir
a
dívida,
se
por
decorrência
de
fenômeno
econômico
se
ver
obrigado
a
não
pagar
a
parte
incontroversa
da
dívida.
Supondo
um
delírio
criativo,
que
os
saldos
devedores
bancários
fossem
usurários,
maldosamente
calculados
para
promover
o
enriquecimento
ilícito
dos
Bancos
ao
custo
do
sucateamento
da
sociedade.
Se
fosse
fato
que
Bancos
são
bandidos:
a
nova
regra,
ao
proibir
discutir
um
saldo
devedor
produzido
por
regras
usurárias
criminosas,
estaria
justamente
patrocinando
o
enriquecimento
sem
causa
das
instituições
financeiras
e
o
empobrecimento
da
sociedade
que
se
fez
refém
deste
golpe
legal
(sim,
porém
inconstitucional).
Fosse
verdade
que
os
Bancos
roubam,
estaria
o
inadimplente
proibido
de
procurar
um
Juiz,
quando
roubado:
só
pelo
fato
de
não
poder
ser
adimplente
na
parte
não
roubada
da
dívida.
É
possível
que
legisladores
e
Presidentes
sirvam
àqueles
que
pagam
as
contas
das
suas
campanhas,
tornando
legal
o
que
é
imoral.
É
possível
que
legisladores
e
Presidentes
protejam
Bancos,
que
doam
recursos
para
as
suas
campanhas.
Mas
é
possível
que
o
Poder
Judiciário
não
queira
ser
o
guardião
desta
maldade.
Construíram
um
muro
de
parede
dupla
para
afastar
a
sociedade
do
acesso
ao
Poder
Judiciário.
Mas
podemos
nós
desconstruir
este
muro.
Nós
batemos
do
lado
de
cá,
e
os
Juízes
betem
seus
martelos
do
lado
de
lá.
Assim
desconstruímos
a
obra
do
consórcio
Governo/Bancos
e
reconstruímos
a
ordem
constitucional,
temporariamente
violada.
Nacir
Sales
é
advogado
em
São
Paulo.
Escritor
com
27
livros
publicados,
especialista
em
Direito
Societário
pela
Fundação
Getúlio
Vargas/FGV
–
Escola
de
Direito
de
São
Paulo.
Mais
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o
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