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MANDASSAIA
naquela época, quando Furnas era o crime do século.
Ildeu Manso Vieira.
(a SER PREENCHIDO)
Capa:
Arte:
Composição, Leiaute e Paginação:
Impressão e acabamento:
Ficha Catalográfica
Vieira, Ildeu Manso.
Mandassaia / Ildeu Manso Vieira.
Alfenas - MG
S U M Á R I O
PREFÁCIO (à primeira edição) Edson Velano
REFLEXÕES Isnard Manso Vieira
INTRODUÇÃO e HOMENAGENS Ildeu Manso Vieira
INTIMIDADES E MINEIRICES Celio de Alencar
PRIMEIRA PARTE
1 - Barranco Alto dos Velhos Tempos
2 - O Farmacêutico & os Caipiras
3 - A Fazenda da Mandassaia
4 - Os Caçadores de Paturis
5 - A Pescaria na Mandassaia
6 - O Jantar na Fazenda dos Alves
7 - O Leite Batizado
8 - O Dilúvio na Mandassaia
9 - Olympio Cardoso - o Vereador
10 - A Noite de Insônia
SEGUNDA PARTE
11 - JK - o Sonhador
12 - A Revolta dos Pirangueiros
13 - Manoel Taveira - o Patativa de Alfenas
14 - Guapé em pé de Guerra
15 - Guapé de Antigamente
16 - A Ponte Melo Viana
17 - São José da Barra - a Cidade Submersa
18 - O Inferno na Garganta do Diabo
19 - Passos - Terra de Zebuzeiros
20 - São João Batista do Glória - a Cidade Perdida
21 - Chico Pantaneiro & a Represa
22 - Retorno a Mandassaia
TERCEIRA PARTE:
23 - São Joaquim da Serra Negra
24 - A Compra da Fazenda do Muzambo
25 - A Escritura
26 - Conversa de Família
27 - A Vacada de Leite
28 - Carmo - a Terra da Tormenta
29 - O Hotel São José & os Furneiros
30 - Os Belicosos Trumbucas
31 - Os Vaqueiros da Mandassaia
32 - A Parteira de Barranco Alto
33 - As Ciganas
QUARTA PARTE
34 - A Igreja de Barranco Alto
35 - A Carpintaria do Fulgêncio
36 - O Baile de São João
37 - A Tragédia no Sapucaí
38 - O Encontro de Maria Rita
39 - As Aves Agourentas
40 - O Futebol da Roça
41 - A Bebedeira
42 - Gaspar Lopes & a Maria Fumaça
QUINTA PARTE
43 - Campo Redondo - um Marco na Historia de Alfenas
44 - A Telefonia nos tempos de Romeu Vieira
45 - A Conversa dos Vieiras
46 - O Pernoite no Campo Redondo
47 - A Rebeldia no Muzambo
48 - O Campinho & a Represa de Furnas
49 - A Hospitalidade Mineira
50 - Alfredo Thiers Vieira - o Profeta do Campinho
51 - Fazenda do Porto - um Marco Histórico no Cabo Verde
52 - André Vieira - o Prefeito de Peso
53 - O Triunfo dos Itálicos
SEXTA PARTE
54 - A Fazenda das Pedras
55 - O Jeca Tatu de Perdões
56 - O Tarefeiro da Fazenda das Pedras
57 - A Cata do Marolo
58 - A Boiada dos Roceiros
59 - Totó - o Cão Sarnento
60 - O Infante de Tunico Pereira
61 - Emerenciana Alves - a Pistoleira
62 - Candeias - a Terra da Esperança
63 - O Justiceiro de Candeias
64 - Cristais - a Terra do Garimpo
65 - As Confissões de um Garimpeiro
SÉTIMA PARTE
66 - O Decreto Presidencial
67 - Campo do Meio - a Terra dos Marrecos
68 - A Ação Cominatória
69 - A Obra da Santa Milagreira
70 - Ventania – a Terra dos Ventos Uivantes
71 - A Descida da Serra
72 - Porto Pena & Chico do Brejo
73 - A Briga de Foice
74 - A Nossa Senhora do Carmo
75 - O Encontro com a Namorada
OITAVA PARTE
76 - A Colheita do Arroz
77 - A Flor da Mandassaia
78 - Namoro Proibido
79 - Eva & a Maria Fumaça
80 - Carlito Quesada - o Anarquista
81 - As Primeiras Aquisições de Terra
82 - As Controvérsias no Charco
83 - Pereira de Castro - o Comprador de Terras
NONA PARTE
84 - Nova Esperança - a Cidade dos Contrastes
85 - O Fim da Chapada
86 - A Terra dos Coqueiros
87 - Totonho - o Fazendeiro de Coqueiral
88 - Missa, Futebol e Bordel
89 - A Partida de Futebol
90 - O Baile Dorense
91 - O Meretrício de Boa Esperança
92 - Totonho - o Coronel
93 - Briga de Bordel
94 - O Fuxico das Comadres
95 - A Pensão da Chapada
96 - Agitação contra Furnas
97 - Nepomuceno e a Resistência
DÉCIMA PARTE
98 - Águas Verdes
99 - O Ninho da Conspiração
100 - Orações do Padre Chico
101 - Os Leprosos de Campo do Meio
102 - O Orfanato do Padre
103 - Os Ipês Floridos de Campo do Meio
104 - A Usina dos Marrecos
103 - Em Defesa de Furnas
104 - A Primavera em Campo do Meio
DÉCIMA PRIMEIRA PARTE
105 - Campos Gerais – Terra de Josino de Brito
106 - A Cachaçada do Galo
107 - A Dor de Dente
108 - Os Vereadores do PSD
109 - A Caravana de Campos Gerais
110 - A Exposição Agropecuária
111- Os Expedicionários da Pedra Branca
DÉCIMA SEGUNDA PARTE
112 - As Aventuras de um Picareta
113 - A Briga de Boate
114 - Tereza - a Mulher do Rio
115 - Uma Noite de Amor
116 - Brasília & a Copa de 58
117 - Cadê o Dinheiro?
118 - A Prisão de Zé Pretinho
119 - Taturana - o Machão
120 - O Casamento de Eva
DÉCIMA TERCEIRA PARTE
121 - O Amor à Terra
122 - A Proposta de Compra
123 - Borjão - o Zebuzeiro
124 - Areado - a Terra dos Biscoiteiros
125 - A Rapadura das Anhumas
126 - As Expropriações nas Anhumas
127 - Pacheco - o Areadense Valentão
128 - Paraguaçu - Terra do Marolo
129 - Fama - Terra dos Peixeiros
130 - As Novas Decepções de Tião Borges
131 - Serrania - Terra da Água Limpa
DÉCIMA QUARTA PARTE
132 - A Charqueada de Campo Belo
133 - A Florada do Capim Gordura
134 - O Cafezal dos Alves
135 - O Desfecho da Neurose
136 - O Pega pra Capar
137 - Divisa Nova - A Velha Conceição da Bela Vista
138 - Machado - A Terra dos Morros
139 - A Descida pelo Rio Machado
140 - A visita Inesperada
141 - A Velhacaria do Bertolucci
DÉCIMA QUINTA PARTE
142 - O Comício da Vassoura
143 - O Comício de Poços de Caldas
144 - A Fala do Candidato
145 - Sanico - a Nova Liderança de Alfenas
146 - A Posse de Jânio Quadros
147 - Os Gabirus do Baguari
148 - Lavras - a Capital das Flores
149 - Figuras Ilustres de uma Cidade Histórica
150 - A Serra da Bocaina
151 - O Preto Velho da Serra
152 - O Almoço de Nhá Maricota
153 - A Renúncia de Jânio
DÉCIMA SEXTA PARTE
154 - A Fazenda da Grama
155 - As Tertúlias da Grama
156 - A Gruta de Itapecerica
157 - O Lobo Guará
158 - As Aventuras dos Ferreiras
159 - Quem Vai Convencer a Mulher do Bertolino?
160 - Tempestade na Tromba
161 - A Cachoeira das Cruzes
162 - O Sitio Arqueológico do Carmo
163 - Capanema – a Bandeira da Tormenta
DECIMA SÉTIMA PARTE
164 - Formiga - a Capital do Piano
165 - E o Sambão das Periferias
166 - Marília - a Odalisca de Formiga
167 - Maria Dutra - a Flor de Guapé
168 - As Fruteiras do Falecido
169 - O Criador de Porcos de Santo Hilário
170 - A Fazenda da Correnteza
171 - A Desapropriação de Chico do Brejo
DÉCIMA OITAVA PARTE
172 - Os Mineiros no Ocoi
173 - A Cadeia do Batalhão de Fronteira
174 - O Rancho Queimado
175 - Benevides - o Vingador
176 - Mandassaia em Polvorosa
177 - João Manoel - o Curador
178 - As Obrigações Religiosas dos Alves
179 - A Visita de Pereira de Castro
180 - Napoleão Sales - o Empreendedor
181 - A Retifica do Bindo Luppi
DÉCIMA NONA PARTE
182 - Varginha - a Terra do Café
183 - O Thomé do Rio Verde
184 - A Copa de 62
185 - Três Pontas - a Princesa das Gerais
186 - Córrego do Ouro & a Bagunça do Galo
187 - A Limpeza de Área
188 - O Represamento das Águas
189 - A Chegada das Águas em Barranco Alto
190 - Sexta Feira - Dia 13.
VIGÉSIMA PARTE
191 - Quincas Pantaneiro - o Sem Esperança
192 - Em Busca de Socorro
193 - Capitólio - a Terra dos Lagos Azuis
194 - Pium-I - a Terra dos Borrachudos
195 - A Pimenta - a Terra Ardida
196 - Falta D’água no Meio de Tanta Água
197 - A Tragédia na Zona
198 - E o Depósito de Lixo Humano
199 - São João Batista do Glória - o Paraíso Perdido
200 - A Inauguração da Obra já Inaugurada.
DEPOIMENTOS Ida Vieira Luppi
Iná Vieira Casseb
Ilma Manso Vieira
PREFÁCIO
O diálogo entre o executivo de Furnas e o fazendeiro de Alfenas, que mal tinha
as primeiras letras, constitui ponto alto do livro do Ildeu. A argumentação lógica e os
contornos psicológicos que tornaram tão conhecido e famoso aquele diálogo entre o
homem da roça que ia ter as terras inundadas e o pretensioso funcionário chefe da
hidroelétrica, agora transcrito no livro “Mandassaia”, revelam a intenção com que o
livro foi escrito e as palavras que soam jovens e atualizadas, quase 50 anos depois.
- Eu não aceito provocações de caipiras, de pessoas mal-educadas que não
entendem nada de desapropriações de terras! - foi a investida de Carlos Mário
Faveret, respondida assim pelo velho Borjão:
- Eu não estou aqui para ouvir desaforos de gaúcho safado!
Vários acontecimentos marcantes podem ser conhecidos ou revividos na
história da construção da hidroelétrica de Furnas, no sul de Minas.
O autor foi funcionário da empresa por vários anos. As pessoas transformadas,
às vezes em personagens, soam com nomes familiares pelo menos para a geração que
testemunhou Furnas nascer: Romeu Vieira, Nelson Lopes, Manoel Taveira, Olympio
Cardoso, José Matilde (dono de hotel em Carmo do Rio Claro), Joaquim Astolpho
Vilela, Serafim Aguirre, Alfredo Thiers Vieira, Adolpho Engel, Noé Azevedo, Geraldo
Freire, Emílio da Silveira, Leonardo Lomonte, enfim, painel de gente e paisagem
envolvidas de um modo ou de outro no que era chamado de “crime do século”.
O livro do falecido Ildeu Manso Vieira descreve as cidades e a região e nos leva
à década de 50 com grande facilidade e, o que é melhor, com grande encanto.
O lado rural da região fica desde logo evidenciado, inclusive pela lembrança
das denominações: São Joaquim da Serra Negra é Alterosa, Carmo das Tormentas é
Carmo do Rio Claro, Ventania é Alpinópolis. Mais do que agora, fica patente que as
pessoas e as terras têm possante e talvez exclusiva vida agrícola e que as cidades e
vilas têm relativa importância nesse cenário.
No episódio da construção e desapropriação, Ildeu deixa claro no seu livro que
a alta cúpula de Furnas não tinha nenhuma preocupação com o desenvolvimento
ambiental, com a ecologia. Essa área era reservada aos funcionários que tinham
menos poder. Eles tinham mais sensibilidade: os outros agiam como o “gaúcho” na
discussão com o Borjão. Por outro lado, os desapropriados de modo geral estavam
envolvidos com suas terras e o valor da desapropriação.
Quanto aos políticos - bem - alguns pensavam na boa oportunidade de
desgastar o PSD e atrair os fazendeiros historicamente partidários de Juscelino
Kubitschek.
Quando, no Clube XV, compareceu o engenheiro Jonh Reginald Cotrim, então
Presidente de Furnas, essa visita deveria ser tão importante para Alfenas como se fosse
a do Presidente dos Estados Unidos. Mas nada, totalmente nada, foi inteligentemente
solicitado ou pedido a ele. Procurava-se ofender Cotrim e os discursos dos políticos e
prefeitos eram enfadonhos e cansativos.
O livro “Mandassaia” revela, por último, que Alfenas não usufruiu do grande
“contador de casos” que foi Ildeu Manso Vieira. Nós deveríamos ter tirado dele os
talentos que tinha como escritor. Nós deveríamos estar bem perto dele. Como, no
caso de Furnas, nós deixamos que ele fosse expropriado. Os que sabiam se calaram. E
nós, que não sabíamos de seu vigor artístico e humano, sinceramente, lamentamos
hoje, não tê-lo visto e ouvido mais.
Edson Antônio Velano.
REFLEXÕES SOBRE O LIVRO, O AUTOR, A VIDA E OUTRAS COISAS
É uma tarefa difícil comentar livros. Mais difícil ainda é falar de um autor que já
passou para o andar de cima, particularmente, tendo sido o único irmão homem. E o
mais velho dos cinco.
É mais fácil falar sobre coisas, vida, sonhos. Livro é obra cuja proposta é
pessoal. Cada um escreve o que quer e o que pensa. E os leitores concordam, ou não,
se identificam com o pensamento do autor integralmente ou em parte e vai por ai
afora, com várias combinações. Autor é pessoa, é gente, é mistério, é mundo
complexo, cheio de fantasias e realidades, de sonhos, venturas e desventuras e dono
das palavras que vão causar emoções de todos os tipos.
Quando então o autor do livro é irmão com quem a gente teve a oportunidade
de conhecê-lo quase por inteiro, com minúcias em alguns aspectos, a emoção tem um
caráter especial. É maior, mais angustiante, quase sufocante mesmo. Fico imaginando
em tudo aquilo que ele escreveu em Mandassaia e que lhe corroeu entranhas, comeu
tempo, absorveu energia e, muitas das vezes, não foi explicitado como ele queria,
imaginava, desejava passar para o leitor.
Sim, porque o drama da criação, particularmente o do texto, envolve o conflito
da ideia que como disse Augusto dos Anjos:
Vem do encéfalo absconso que a constringe,
chega em seguida às cordas da laringe,
tísica, tênue, mínima, raquítica...
quebra a força centrípeta que a amarra,
mas, de repente, e quase morta, esbarra
no mulambo da língua paralítica”.
Este conflito entre o pensar e o falar; o ter a ideia e coloca-la para fora - e
pretender que os outros entendam o que se quer dizer - é um desafio permanente para
o homem principalmente nos dias de hoje quando vivemos a era da Comunicação
Total. Nunca se avançou tanto no processo da comunicação e nunca se comunicou
tão mal como nos dias de hoje.
E esta angústia de falar sobre o livro do Ildeu é enorme porque tenho absoluta
consciência de que, em Mandassaia, há uma riqueza de informações, de questões
sociológicas, políticas, culturais, antropológicas que foram colocadas através de um
enorme trabalho de pesquisa, mas que não vão ser captadas, percebidas, assimiladas,
por gente que precisava, devia, tinha de ter conhecimento disto. Por pessoas que até
nem vão ter acesso ao livro, porque certamente ela vai rodar em geografia restrita,
regional, neste nosso sul de Minas onde o assunto é conhecido, exaustivamente.
Entretanto, a experiência vivida pelo Ildeu, enriquecida com sua arte “de
contar causos”, registra uma imensa riqueza existencial que privilegia a criatividade do
nosso povo, da nossa gente que, mesmo inculta, sem letras, é capaz de criar. Até
porque, na verdade, ser criativo, não tem nada a ver com erudição, conhecimento,
cultura. Privilegia, também, a esperteza, a rapidez das ideias, a capacidade de se safar
de situações difíceis, complicadas, amargas muitas vezes. Privilegia a revelação das
armações, dos jogos de interesse, as frustrações, os desapontos, os atos de coragem,
de bravura e de pusilanimidade, sonhos, decepções, esperanças. Enfim, tudo aquilo
que está dentro, que é intrínseco na criatura humana, está em Mandassaia - um
simples, modesto, rústico e apagado ponto de Barranco Alto que veio a ser, um dia,
um distrito de Alfenas.
Se pensarmos com um pouco mais de audácia, sem muito exagero, podemos
imaginar algo assim: nossa galáxia com bilhões de planetas, astros, estrelas, asteroides,
corpos celestes e todas as leis que regem o seu funcionamento, aquele imenso e
maravilhoso caos organizado. Num ponto desta galáxia tem a via Láctea. E, nela, um
determinado sistema solar. Nele, estão o nosso sol (que é de 5ª grandeza), os planetas
vizinhos com e sem satélites e aquela imensidão de estrelas e espaços vazios, imensos.
Neste sistema, tem um planeta, a terra, dividida em continentes e oceanos. Um dos
continentes, o Americano, dividido em três partes sendo que, em uma delas, tem um
enorme país, o Brasil. No Brasil dividido em vários estados, temos um deles, um dos
maiores, Minas Gerais. Dentre os mais de 500 municípios de Minas, tem um, Alfenas,
que está agrupado com centenas de outros das mesmas proporções. Num canto de
Alfenas, um distrito, um dos seus pedaços, Barranco Alto. E, em Barranco Alto, uma
ponta, um pedaço dele, Mandassaia.
Foi lá, naquele pontinho do Cosmos infinito que Ildeu resolveu fundamentar a
sua história e traçar elementos que têm a dimensão do universo.
Não vamos falar aqui do livro, fazer análise literária, contar histórias que estão
contidas nas páginas de Mandassaia. Nem vamos falar do escritor, do irmão, do
amigo, da figura política do autor porque não nos cabe fazer proselitismo disto.
Qualquer coisa que dissermos a respeito vai soar falso. Falar mal, não falaria. Falar
bem, não pega bem. Não convence. Não agrega.
Dizer sobre o que o Ildeu poderia ter sido, não tem sentido porque coisa
nenhuma poderia ter sido aquilo que não foi. A história é uma Ciência que não
admite o se: se Hitler tivesse dominado o mundo, nós estaríamos na situação X ou Y;
se Jango não tivesse sido deposto o Brasil estaria hoje melhor; se não fosse o golpe de
1964, nós estaríamos hoje pior. Nada disto interessa do ponto de vista histórico,
porque não foi, não aconteceu, não realizou.
O Ildeu viveu uma vida, a dele, da melhor forma possível, dentro do seu ponto
de vista. Foi um ativista político desde garoto. Foi um sonhador. Viveu nas asas de um
sonho. Que ele não esperava, não imaginava que pudesse encontrar nesta vida.
Imensamente incrédulo, em algumas coisas e de uma credulidade quase ingênua em
outras. Corajoso, fraterno, solidário, sempre. Carente, frágil, mas com uma vergonha -
inconsciente - de revelar-se frágil. Queria se mostrar forte, em todas as circunstâncias.
Pensando na felicidade do mundo, na libertação do homem, no fim da injustiça,
numa sociedade onde o primado do sublime fosse o real, ele viveu apaixonado por
uma ideia que seria boa para todos. E se esqueceu dele. Acabou negligenciando a
saúde. Não se cuidou. Num certo momento, não pode. Em outro, quando podia um
pouco, achou que era melhor esconder os problemas debaixo do tapete para que
ninguém percebesse o quanto estava frágil. Ele não podia passar a imagem, a ideia,
de fragilidade. Ele era um forte.
Escreveu seus livros, registrou suas experiências, contou suas histórias e
conseguiu, merecidamente, colher alguns frutos, algumas glórias, embora um pouco
efêmeras. Mas elas lhe deram ânimo para continuar um pouco mais.
Além de Memórias Torturadas (e alegres) de um Preso Político, nas quais
conta, em detalhes, a sua prisão em Curitiba e as torturas que sofreu para delatar (não
delatando) companheiros e as atrocidades cometidas pelo ex-glorioso Exército do
Brasil e pelas forças policiais a serviço da selvageria, ele escreveu uma história da
colonização do Norte do Paraná. E, no rastro destes escritos, foi convidado para fazer
palestras, contar “causos”, revelar curiosidades para variadas plateias o que lhe enchia
de alegria, de satisfação, de orgulho.
Não teve tempo de ver Mandassaia. Nem sequer me pediu que fizesse o
copidesque embora tivesse me alertado que ia enviar os originais, pois queria um
crivo meu. Crivo e revisão que já tinha feito com Memórias Torturadas e com a
História do Norte do Paraná.
Agora com Mandassaia, sua obra literária está completa. Uma trilogia que
retrata as venturas e desventuras de um Dom Quixote do interior de Minas. Que um
dia, jovem ainda, no antigo prédio da ex-faculdade de direito de Alfenas, ganhou um
concurso, num júri simulado, conseguindo absolver Calabar da pecha histórica de
traidor da pátria. Como traidor da pátria, se não existia pátria? O que existia era uma
colônia portuguesa. E que se fosse colonizada pelos Espanhóis, teria um futuro
melhor. Portanto, se Calabar traiu, traiu Portugal. Nunca o Brasil. Esta foi a tese que
ele defendeu e que lhe deu o reconhecimento como “promissor causídico”.
Ele acreditou, ali, que poderia ser um grande tributo. Foi para o Rio, fez
vestibular para Direito, passou e frequentou até o 2º ano. Envolvido em política
estudantil, em campanhas políticas pelo nacionalismo e, depois, por atividade sindical,
dedicou sua vida ao PCB, entregando-se de alma, corpo, pensamentos e todo o seu
tempo, a uma causa que sempre soube difícil mas que acreditava praticamente ganha.
No meio dos seus textos de Mandassaia, dá para perceber os recados que ele
tenta passar para aqueles que têm olhos de ver e ouvidos de ouvir. Para os que não
têm, o livro vale pelas histórias curiosas, interessantes, relatos e causos que são
comuns às vidas das pessoas. E tudo que envolve a vida das pessoas, seus
comportamentos, hábitos, jeito de ser e de falar, tem seus encantamentos.
Que o Ildeu, agora encantado, agradeça lá do andar de cima ao Edson Velano,
o patrocínio por esta edição enquanto nós, o irmão, as irmãs e os filhos dele (Ildeu,
Henrique, Julio Cesar e Leonel), aqui de baixo, formalizam este agradecimento,
oferecendo ao Edson, os nossos corações.
Isnard Manso Vieira.
I N T R O D U Ç Ã O e H O M E N A G E N S
COMO FORMA DE APRESENTAR A HISTÓRIA
No inicio do governo de JK, o gigante que estava adormecido em berço
esplêndido levantou-se rapidamente. Em campanha eleitoral Juscelino prometera –
“cinquenta anos em cinco”. O que ele queria dizer é que daria um progresso de 50
anos em apenas 5 de governo. E, apesar de tudo e de muita gente contra, cumpriu o
prometido. Para colocar em prática a sua meta desenvolvimentista, tecnocratas
competentes elaboraram cuidadosamente o Plano Nacional de Desenvolvimento.
A base para o progresso, na concepção do Juscelino, estava na expansão da
produção industrial. JK, ex-prefeito de Belo Horizonte e ex-governador de Minas
Gerais, que já tinha empolgado os mineiros com o binômio Energia e Transporte
sabia que era impossível industrializar o Brasil sem equacionar o problema da energia
elétrica. Na época, monopólio dos trustes: Light e Bond and Share.
Estribado na estratégia nacional-desenvolvimentista JK projetou a construção
da hidroelétrica de Três Marias, no rio São Francisco, e na de Furnas, no rio Grande.
Ambas em Minas Gerais.
A Central Elétrica de Furnas S.A. - empresa de capital misto - registrada no 15º
Tabelião do Rio de Janeiro, em fevereiro de 1957, colocou em alerta os proprietários
de terras do sul de Minas, localizados na bacia do rio Grande e do rio Sapucaí, o seu
principal afluente.
No mesmo ano o Presidente da República assinou o decreto outorgando a
Furnas a concessão de aproveitamento da energia das Corredeiras de Furnas, no rio
Grande. Os mineiros, assustados, entraram em polvorosa. O problema foi seriamente
agravado quando JK assinou o decreto 43.187, no dia 10 de fevereiro de 1958, um
ano depois da constituição da Central Elétrica de Furnas S.A, declarando de utilidade
pública os imóveis e benfeitorias situados nas áreas de terras necessárias à construção
da barragem e do reservatório.
Naquela ocasião os mineiros da bacia do rio Grande e do Sapucaí tornaram-se
coesos e mobilizaram as mais variadas e expressivas correntes políticas e lideranças
regionais para desafiar as investidas da poderosa companhia mista que tinha, como o
seu principal acionista, o governo federal.
Comentava-se que o gigantesco empreendimento atingiria 250 km pelo braço
do rio Grande e 150 pelo braço do Sapucaí, inundando algo em torno de 70 mil
alqueires de terras no sul de Minas Gerais. O reservatório seria dez vezes maior do que
a baía de Guanabara, cobrindo terras de 30 municípios. Mais de 35 mil pessoas
deveriam ser removidas e as melhores glebas condenadas pela represa, restando para
a lavoura apenas os campos ácidos cobertos de barba-de-bode, as fraldas dos morros
pedregosos e os chapadões erosados. Os 120 quilômetros da estrada de ferro da RMV
- Rede Mineira de Viação - também estavam condenados por Furnas, que se
transformava no terror dos mineiros que teimavam em viver nas terras daquela região.
Naquela ocasião eu morava no Rio de Janeiro, já casado, com dois filhos, era
funcionário do Bradesco, diretor do Sindicato dos Bancários e acadêmico de direito.
Apologista de Furnas, desde o primeiro momento, fui contratado1
pela empresa para
trabalhar no DSR – Departamento de Serviços do Reservatório – com a função
especifica de fazer as expropriações amigáveis das terras e benfeitorias inundáveis e
ajudar a pacificar os mineiros belicosos que estavam em pé de guerra. Em contato
direto com os expropriados, com as lideranças regionais e prefeitos dos municípios
afetados e também com os diretores da empresa mista, presidida por Jonh Reginald
Cotrim, comecei a escrever este livro, ainda no Rio de Janeiro, nos idos de 1956.
Mandassaia é, portanto, um trabalho baseado em fatos reais e verídicos. Fatos
que vivi intensamente e que fui coletando no dia-a-dia dos meus trabalhos naquela
região do sul de Minas, bem como nos escritórios da Central Elétrica de Furnas, em
Alfenas e na central, na Rua São José, 90, no Rio de Janeiro, naquela época Capital
da República.
Pensando como Stendhal de que o escritor deve ser o intérprete do seu tempo.
eu não poderia deixar passar uma oportunidade destas e não registrar ou documentar
acontecências tão significativas. Assim é que escrevi a primeira parte deste livro no
período de 1956 a 1964, no exato momento em que a história estava acontecendo.
Naquele momento Furnas era considerada, pelos expropriados e políticos (que não
pensavam no futuro da pátria e sim nas próximas eleições), o crime do século.
Os casos narrados na obra realmente aconteceram. Os personagens são reais,
gente viva de carne e osso. Houve, é claro, por questões óbvias, pessoas que foram
retratadas por codinomes para evitar constrangimento aos familiares, conhecidos,
amigos e sucessores.
O livro ficou durante alguns anos, jogado no fundo do baú, em Alfenas. Só
depois de 43 anos, estimulado por jornalistas, amigos e historiadores a quem eu
contava ou narrava capítulos da história ou mostrava pedaços dela, resolvi publicar
Mandassaia, objetivando resgatar a história pitoresca da região e das belas tradições
dela que teve a sua fisionomia totalmente mudada por Furnas. As preocupações ao
divulgar este trabalho foram basicamente quatro. A primeira foi a de apresentar um
livro sucinto, síntese dos principais acontecimentos daquela época, quando Furnas era
considerada como o crime do século. Não obstante, ao concluir a obra, percebi que o
1
Uma das razões da minha contratação, que pesou muito na balança, foi o fato de ser de Alfenas, ter vivido lá toda a minha
juventude e conhecer toda a região, famílias, pessoas e ter um relacionamento estreito e profundo conhecimento com a vida
daquela região.
livro ficou muito volumoso em virtude da rica história das cidades e dos municípios
lindeiros da bacia de Furnas. Isto me levou a desmembrar a história em três volumes,
a compreender:
1. MANDASSAIA – naquela época, quando Furnas. (o presente livro)
2. A HISTÓRIA DE FURNAS & A ENERGIA NUCLEAR.
3. IGREJAS & CIDADES SUBMERSAS.
A segunda preocupação foi a de não escamotear a verdade. A de ser fiel aos
acontecimentos de uma época, mesmo contrariando os interesses dos coronéis, dos
políticos e dos próprios diretores da Central Elétrica de Furnas.
E a terceira preocupação não ferir pessoas, não magoar, não maltratar, não
apresenta-las com uma avaliação negativa, crítica, notadamente os expropriados, as
grandes vítimas do represamento das águas do rio Grande e do rio Sapucaí.
A quarta e última preocupação foi a de resgatar os costumes e a linguagem dos
pirangueiros da beira-rio e também dos caboclos montanheses que viviam e vivem
nos píncaros da Mantiqueira, cultuando suas crenças e mantendo seus costumes e
tradições.
Procedendo desta maneira eu entendo que cumpri com o meu dever de
escritor e coloco assim o meu trabalho à apreciação dos leitores.
Ildeu Manso Vieira.
HOMENAGENS NECESSÁRIAS, JUSTAS E MERECIDAS
Aos candangos que trabalharam na barragem de Furnas, enfrentando todos os
tipos de adversidades, inclusive a discriminação racial colocada em prática pelos
ingleses; aos peões do DSR - Departamento de Serviço do Reservatório, que rompiam
a lama estagnada dos charcos, enfrentando epidemias, víboras e cães; aos topógrafos
comandados pelo Engenheiro Normando Trindade e motoristas que prestaram um
serviço relevante ao empreendimento idealizado por JK, as minhas homenagens.
Não posso também deixar de homenagear os engenheiros agrônomos Albert
Frase, Plínio Fleury e Paulo Ernesto Coelho, os 3 mosqueteiros de Furnas, bem como
os advogados que cuidaram da desapropriação por convenção amigável, destacando-
se Gil Rodrigues, Geraldo Ernesto Coelho, Geraldo Andrade, Vicente Vignolle, Gilson
Barbosa, José Faria de Carvalho, João Barbosa Capanema, Atila Brandão e Aldo
Motta, além do Luiz Miranda - o gigante do Departamento Jurídico - que preparava
com eficiência a documentação para a lavratura das escrituras.
As homenagens são extensivas a todos os funcionários lotados nos escritórios
de Alfenas, cabendo mencionar o Normando Trindade, João Salgado Lemos, Cláudio
Enéas, Elias Gomes da Conceição, Benedicto de Mattos, Geraldo Macedo, Hilário,
Jesus, Sócrates e tantos outros.
Finalmente pretendo homenagear os compradores de terras, os funcionários do
DSR que graças à verve do asfalto, à habilidade impecável na condução dos negócios
expropriatórios e à coragem desassombrada enfrentando dificuldades de diversos tipos
e até ameaças de morte, conseguiram fazer os ajustes com os proprietários das áreas
inundáveis, colaborando de maneira eficiente para o êxito do empreendimento.
Portanto, ao Sebastião Borges, Pimenta, Vavá, Lemos e Castro - heróis anônimos da
história de Furnas - o tributo do autor.
Ildeu Manso Vieira.
INTIMIDADES E MINEIRICES
No falar do povo norte paranaense, quitanda é o estabelecimento onde se
negocia hortaliças e cereais; barraquinha é o abrigo de lona apropriado ao
acampamento rural, ou à venda de verdura nas feiras.
Já no linguajar da gente mineira, barraquinha é o lugar onde se vende verduras
e cereais, e quitanda é uma série de guloseimas caseiras.
Em nossa casa mineira, nos idos tempos de nossa infância, a quitanda era farta
e gostosíssima. Broas, broinhas de fubá, biscoitos, sequilhos, bolinhos fritos de
polvilho, rosquinhas de farinha de trigo, ôta lembrança que dá água na boca! Dna.
Bertilha e Benedita, o cheiro do alecrim, da vassoura, as cinzas do borralho
fumegante, o forno varrido, o claro do seu “suspiro”, as latas assadeiras. E as roscas
trançadas, de casca amarronzada e miolo amarelinho? Delícias que eram para a
semana inteira. Quando a parte da gente grande ia chegando ao fim, a porção da
criançada era separada. E às vezes ainda ”havia roubo”, pestinhas!
É pena que a mineira que vira norte paranaense se esqueça das doçuras
nutritivas lá da sua terra. Quitandas, mas quitandas mesmo é só as lá em Minas.
Mamãe Bertília, de vez em quando, brindava-nos com uma preciosidade sem igual,
um tal de pé-de-moleque. Há muita diferença entre satisfazer um paladar delicado e
encher certas vísceras da barriga. Cedo aprendemos isto. Pela apreciação das
guloseimas, nada lhe devemos mãe amada! Mãe branca e mãe preta.
Com gosto da quitanda e do pé de moleque, aprendemos mais uma clara
verdade - um quê a mais. Comer quitanda “tomando café” é dar-lhe o gosto do café,
mas saboreá-la “bebendo leite” é perceber melhor o seu delicado gosto - o seu quê
importante, especial.
Informados por um anúncio de revista, compramos um livro que ensina a ler.
Livro grosso, leitura que dá o que fazer ao paciente leitor. Depois da sua leitura,
passamos a ler de maneira diferente. Perdemos o costume de ir - direto, em princípio -
do prólogo ao epílogo.
Antes do ataque maciço lemos aqui e ali, agora e depois. Uma frase e um
trecho, um verso e um poema. A leitura duma página, o prosseguimento. Livro
fechado, damos asas à imaginação. Com o comer da quitanda, pausadamente, com a
leitura nunca afoita, aproveitamos melhor as duas coisas. A sensibilidade eleita
aprende a não correr para evitar o comum tropeço. Aquele que aprende a bem
aproveitar as coisas da vida, com elas mais e melhor vive.
Deu-se-nos história, o amigo! Não confundir estória - invencionice, com história
- vivida de concreta presença. Ildeu, o moço que, é história ao historiar, estudou em
colégio do sul de Minas, onde também estudei, é história ao historiar terra e povo.
Tomamos o livro em preparo e fomos aos princípios. Um trecho aqui, outro
acolá, uma demora, um avanço, um adiantamento. Ao nos achar em condições de ler
o relato “do princípio ao fim” nossa vida tinha um desejo: galopar Ildeu “povo e terra”
afora, adentro. O Ildeu, em “MANDASSAIA... naquela época... quando Furnas era o
Crime do Século” é o Ildeu História, a história que ele viveu. Ildeu-afora-adentro.
Coisa de “loco!” é o “mineirismo” nosso quando “topa” o mineirismo do telúrico.
Quando o olhar quer disparar - em busca do mais, quando a emoção deseja poupar -
para não acabar o que vive... é quando o ser humano que somos, acha o que lhe
convém. Lendo o relato do Ildeu, temos a mesma satisfação que sentimos quando na
mineira mesa tomamos leite e comemos quitanda “estalando a boca”.
Em “MANDASSAIA” o narrador amplia-se em homem e natureza. Guimarães
Rosa, nas páginas de Grande Sertão: Veredas dá notícia desse crescimento, dessa
natureza. Sertão sabe o senhor: sertão é onde o pensamento da gente se torna mais
forte do que o lugar.
Ô! mineirinho, sô! Historiador e pataqueiro! Narrar, ser história, é enrolar no
bom jeito; é contar história sentado na soleira da porta, sentindo os ires da tarde. Você
nos lembra do João Gustinho, nosso amado pai preto. Que nos contava patacoadas!
Começava - não no começo, terminava - não no fim. Quando ele falava, contava seus
“causos” sem pé nem cabeça. Quem o ouvia prestava atenção viajava... ficava
encantado...
Você pataqueiro da pena maravilha e deslumbra; na simplicidade bem enrola o
velho pataqueiro. Sabemos os seus rumos, andamos suas veredas. Vamos, meu leitor,
sentir um pouco das patacoadas do Ildeu.
- Cê tá loco... quisperança, siô! A união de que esperança é “telurismo puro”
coisa refinada! Também o é a transformação de senhor em “siô”. Palavreado não
carece de levantar voo - “véve bem no chão”.
- O Senhor fez um ótimo negócio! - É... mó que furei o zóio dele. Que
dicionário registra furei o “zóio?” Ildeu fez-nos rir, gostosamente, às 4 horas da
manhã. Que frase mais engraçada. É só comparar “mó que furei o zóio dele” parece
que furei o olho dele (passei-lhe para trás). Rindo e vibrando, aplaudimos a nossa
lembrança.
Ele demorou porque “foi chegá a égua véia no cupim.” E o livro do Ildeu ainda
não se contentou com isso.
Mas, mesmo apesar da postura do Antoniel, da sua firmeza, Ismael deu uma
olhada indiscreta para a égua pedrez, que era mal falada em toda a Mandassaia. Tem
um quê, um raio de trem - de mais - nessa égua, nesse cupim, que avivam as
lembranças de muito “macho da roça”.
O interessante que se nota é certo respeito, certo pudor nos personagens. Hoje
em dia, a “abertura” leva o jovem a um natural despudor. La no alto da pedreira,
alguém, “pode ser u'a mocinha” escreveu Sujismunda puta. Sujismunda puta, verso
bonito! Redondilha menor, com acentuação na terceira e na quinta sílabas, seu
encanto embalador, rouba o feio da sua alma suja.
- “Ai dá na mesma pataca, uai...” Mineiro, que é mineiro da gema conhece por
pataca u’a moeda antiga. Mas usa tal palavra em substituição a coisa.
- Ai dá da mesma coisa, uai...
Lendo os romances de José Lins do Rego, encontramos frases admiráveis -
joias preciosas do ilustre paraibano. Referindo-se às cigarras e às arvores, escreveu o
historiador do ciclo da cana de açúcar do Brasil: “Em tudo o que é pé de pau, canta
uma cigarra”. Deu-se muito bem o ilustre escritor. Para quem tem a coragem de sair,
tal maneira de existir, é algo maravilhoso. Nosso Ildeu foi assim arrojado ao por na
boca de um dos seus personagens: - Tunié, tá mais mió de bão. É preciso comentar
esse mais mió de bão?” Caipirice dessa nenhum escritor-historiador carece de ter
vergonha de pagar o pecado da transmissão”. Quantas vezes sentamos na soleira
duma porta e ouvimos frases “beira chão” do Bastiãozinho da Maria Bernarda! Elas
adoçavam a narração da história da vida infante do personagem que somos, uai!
Epílogo
Ildeu, vamos às lembranças do “terno de brim caqui ao mais mió de bão”.
Permaneça nas veredas do sertão do sul de Minas. Também nelas estamos em forma
de saudoso aplauso. Há na sua narrativa o gosto do pé-de-moleque, da quitanda da
Dna. Bertília, um pedacinho do céu da boca, muitos pedacinhos nos céus da
memória.
Célio de Alencar.
M A N D A S S A I A
...naquela época, quando Furnas era o crime do século.
PRIMEIRA PARTE
É bom não esquecer que o inventor do alfabeto foi um analfabeto. (Millor Fernandes).
BARRANCO ALTO DOS VELHOS TEMPOS
No apagar das luzes do séc. XVIII o lusitano Domingos Vieira e Silva veio para o
Brasil. Morou em São João Del Rei, foi para Três Pontas onde teve a fazenda do
Morro Cavado para, em seguida, assumir uma sesmaria que lhe foi concedida pelo
Visconde de Barbacena, nas terras incultas da bacia do rio Cabo Verde.
O português, de origem judaica, sonhador e corajoso, fundou em 1797 o Arraial
de São José das Dores da Pedra Branca, que mais tarde recebeu o nome de Alfenas,
em homenagem aos pioneiros da família Martins Alfenas, que muito contribuíram para
a prosperidade do lugarejo.
Anos depois os mineiros de Alfenas fundaram nas barrancas do rio Sapucaí, a 43
quilômetros da cidade dos Vieiras, o Retiro de São João Batista, que nos idos de 1888
passou a ser denominado de Barranco Alto. O local, agradável, de ótimo clima e de
boa água, passou a ser distrito de Alfenas. Na década de 1940 desenvolveu-se tanto
que chegou a ter Agências dos Correios e do Banco Financial da Produção, vários
estabelecimentos comerciais, além de uma fábrica de lacticínios. Orgulho do prefeito
Romeu Vieira, um dos descendentes mais politizados do fundador de Alfenas.
O transporte de mercadorias para Barranco Alto, que fervilhava de gente, era
feito por terra, usando carros de boi e por via fluvial, através de vapores que cortavam
o Rio Sapucaí majestoso e sereno.
O transporte de gente usava a velha jardineira do Batista que fazia a linha de
Alfenas a Carmo do Rio Claro, passando pelo povoado de Barranco Alto, onde o
Padre Clodomiro de Mesquita Reis inovava os costumes da Igreja, usando alto-falante,
no templo cristão, para divulgar as notícias, as músicas cantadas por Chico Viola,
Carlos Galhardo, Vicente Celestino e também os hinos patrióticos.
Barranco Alto, na época de Romeu Vieira, tinha políticos de destaque. Olympio
Cardoso Machado tinha uma cadeira cativa na Câmara de Vereadores de Alfenas e
era o homem público mais ilustre e de mais notoriedade do lugarejo. Matinha
fidelidade absoluta ao partido de Benedito Valadares e de Bias Fortes, o PSD,2
que
estava sempre no poder, graças à habilidade mineira dos seus quadros.
Antônio Borges de Oliveira, o Borjão, vereador perpétuo pela UDN,3
discípulo
do Brigadeiro Eduardo Gomes, mantinha o seu curral eleitoral na beira rio e fazia
oposição sistemática ao governo do PSD, partido criado por Vargas para agasalhar os
ruralistas e os empresários. Não obstante, apesar das divergências existentes entre os
dois vereadores, de Barranco Alto, ambos tinham algo em comum. Borjão e Olympio
Cardoso eram grandes fazendeiros e criadores de gado zebu.
Mas mesmo apesar da militância dos vereadores de Barranco Alto o povoado foi
decaindo com a passagem da monocultura do café para a criação de gado. Onde
entrava o pé do boi saia o pé do homem. Com a expulsão do ruralista do campo o
povoado sofreu as consequências. Os comerciantes encerraram suas atividades por
falta de consumidores e o Banco Financial fechou a sua agência. O mesmo aconteceu
com os Correios e Barranco Alto foi rapidamente se transformando em uma cidade
fantasma. À medida que o povoado esvaziava, crescia os bolsões de miséria.
Quando JK assumiu o poder, em 1956, os mineiros da beira córrego suspiraram
aliviados. O Plano de Metas do novo presidente arrancaria, na certa, Barranco Alto do
marasmo. O redirecionamento capitalista juscelinista animou os alfenenses que viviam
naquele distrito que estava pedindo socorro. Falava-se na implantação de indústria de
base e na produção de bens duráveis de consumo. Na viagem aos EUA, JK soube
responder às provocações do Tio San, declarando: "Os capitais estrangeiros são bem-
vindos ao Brasil, e a melhor maneira de combater o comunismo é enfrentando a
miséria com prosperidade e não com repressão”.
Olympio Cardoso, empolgado com a fala do menino pobre de Diamantina, do
ex-médico da Polícia Militar que se tornou conhecido na Revolução Constitucionalista,
do ex-prefeito de Belo Horizonte e ex-governador de Minas Gerais, virou em Barranco
Alto o mensageiro do otimismo. Montado em sua mula marchadeira, percorria as
fazendas, os sítios e toda periferia do povoado pregando o desenvolvimentismo
nacionalista de JK, a grande esperança.
2
Partido Social Democrático. Fundado em 1945 e extinto pela ditadura militar em 1965. Liberal-
conservador, agregando as principais lideranças ruralistas da época, teve expressões como Benedito
Valadares, em MG; Ernani do Amaral Peixoto, no RJ - então DF; Agamenon Magalhães, em PE. Junto com o
antigo PTB, de Vargas, formou o bloco pró getulista, em oposição à UDN – União Democrática Nacional.
Foram expoentes do PSD mineiro Bias Fortes, Tancredo Neves, Juscelino Kubistcheck.
3
União Democrática Nacional União Democerática Nacional – fundado em 1945, como opositor às políticas e à figura Vargas,
de orientação conservadora. Tentou chegar ao poder com o brigadeiro Eduardo Gomes,(45 e 50) e com Juarez Távora 55,
perdendo em todas elas. Conseguiu em 60 apoiando Jânio Quadros – que não era filiado à UDN. Foi extinto em 1964 pela
ditadura militar. Uma das suas maiores expressões foi Carlos Lacerda.
O FARMACÊUTICO & OS CAIPIRAS
Em Barranco Alto não eram só os dois vereadores que politicavam. Nelson
Lopes, historiador e dentista, filho do senador Gaspar Lopes, trazia em suas veias o
sangue do político mineiro; calado, astuto e maneiroso. Vereador dos mais brilhantes,
por várias vezes prestou serviços relevantes à comunidade. Sua sobrinha Dora Lopes,
a professora prendada da beira rio, também tinha pendores para a política, bem como
o seu esposo, Serafim Aguirre, que explorava a única farmácia da região e
manipulava, com mestria, fórmulas das mais complicadas que aprendeu na Faculdade
de Farmácia e Odontologia de Alfenas, quando universitário.
Serafim Aguirre, homem de inteligência aguçada, elegante, testa larga e queixo
fino, ligeiramente calvo, nariz greco-romano um tanto avantajado, fazia lembrar a
figura do Príncipe Submarino herói nos gibis da década 30 e 40. Ele atendia os
fazendeiros e os pobres da mesma maneira, fazendo da sua profissão um verdadeiro
sacerdócio. Além desses predicados, era artista plástico dos mais talentosos. Utilizava
raízes retorcidas de vegetais, dando vida ao material colhido nos campos ácidos da
região. Desenvolvia o trabalho artesanal respeitando a forma das raízes e encantando
os forasteiros com a sua criatividade. Percorria os campos em busca de raízes exóticas
para transformá-las em peças de rara beleza. Mas os fazendeiros da Mandassaia, um
bairro do Distrito de Barranco Alto, não lhe davam tréguas. José Alves, proprietário de
várzeas das melhores, plantador de arroz era de todos, o mais crítico. Com o seu
linguajar brejeiro, comentava com os vizinhos:
- Serafim tá trapaiado das ideia. Vevi pros campo catano furquia de pau e raiz de
arvi pra módi fazê uns troço isguelepado.
Todavia, o artista plástico não dava importância às zombarias de José Alves e
continuava transformando coisas imprestáveis em verdadeiras obras de arte.
A FAZENDA DA MANDASSAIA
A fazenda de José Alves não tinha a mesma imponência das fazendas dos
Vieiras, Vilelas, Leites, Paulinos e Souzas. Mas a sua sede, mesmo velha e muito mal
conservada, falava de uma época de prosperidade. O terreirão de café e a enorme
tulha eram as melhores provas de produtividade da fazenda que pertenceu a Manoel
Rodrigues, avô de Isabel e descendente do português Manoel Rodrigues Moreira. O
curral velho, caindo aos pedaços, o paiol com várias tábuas soltas e o muro de taipa,
construído por mãos escravas no século XIX, davam provas nítidas de desmazelo. O
fazendeiro caipira e convencido costumava elogiar suas terras para os vizinhos,
dizendo no linguajar brejeiro de Barranco Alto:
- Varjedo mais mió que us meu num ixesti pressas banda, uai.
Mas a enchente de janeiro de 1956 chegou a assustar o fazendeiro e seus filhos.
Impressionado com o volume d’água no ribeirão da Mandassaia e nas várzeas do
Cabo Verde, comentou com a mulher:
- A inchente tá braba. Mó que o aguacero do Mandassaia tá inté correno pra riba!
As águas subiam rapidamente, aproximando-se da tulha e do paiol, inundando
todo o mangueiro. Isabel explicava ao marido, sorrindo, mostrando as gengivas roxas,
desprovidas de dentes:
- A inchente de 45 foi muito pió, Izé.
O fazendeiro de olhos esverdeados, cabelos castanhos, ondulados e fartos, mãos
grandes e calosas, queimado do sol, alisou o rosto de barba serrada, suspirou fundo e
comentou:
- Esse ano vai sê de muita chuva e nóis vai tê que coê o arroiz de canoa...
A mulher colocou as mãos gordas na cintura roliça, sorriu mais uma vez e falou,
com dengo:
- Vai não meu véio. Nossa Sinhora da Paricida vai oiá po nóis.
- As capivara vai pastá o arrozá e dá um prijuizo danado.
Lastimou o fazendeiro observando a enchente e a chuva fina que não parava de
cair na Mandassaia.
OS CAÇADORES DE PATURÍS
Isabel, preocupada com os filhos caçulas, Antoniel e Eva, que não voltavam da
escola de Barranco Alto, continuou conversando com o marido de pouca prosa, na
varanda do casarão que cheirava mofo e também um pouco de história. Ela falou do
sonho em fazer de Antoniel, um adolescente bonito e inteligente, padre e Eva, a
adolescente mais formosa de Barranco Alto, freira. Mas o marido turrão preferia
continuar falando sobre a enchente, contabilizando os prejuízos.
O pirangueiro da Mandassaia, com o semblante fechado, irritado com a voz
estridente da mulher que não parava de falar sobre a carreira eclesiástica dos filhos,
levantou-se do banco tosco, deu uns passos à frente, segurou no parapeito do alpendre
e ficou observando, atentamente, a alegria dos anatídios que cortavam as águas em
vários sentidos.
Isabel, de tez morena, boca pequena, lábios finos, cabelos negros e nádegas bem
desenvolvidas, apesar da idade um tanto avançada, era o tipo da cabocla brasileira,
trazendo nas veias um pouco do sangue lusitano, dos índios mandibóias e do negro.
Mas apesar do sangue africano que corria em suas artérias, tinha preconceito racial e
vivia implicando com o marido por acolher na fazenda Zé Pretinho, um negrinho
esperto, descendente dos escravos da Fazenda do Campo Redondo, que dormia e
comia dentro de casa, ao lado dos seus filhos. Isabel tentava, naquele dia chuvoso,
fazer a cabeça do marido para livrar-se de Zé Pretinho. O fazendeiro, entretanto,
preferia o silêncio e observava o efeito da chuva, a formação da enxurrada que lavava
a terra, arrastava com força o esterco do curral e o húmus das vertentes para o lago
piramidal formado pelas águas daquele temporal.
Isabel que não parava de falar sobre o agregado inconveniente repentinamente
silenciou ao ouvir os tiros dos caçadores de paturis, na várzea do Cabo Verde. E ela
então, admirando a revoada dos pássaros que fizeram desenhos bizarros no espaço
azulado, em direção a Ponte da Harmonia, indagou do marido sorumbático:
- Cê num tem coragi de matá as avi de pena, né memo, Izé?
- Tenho não, mué. Isso é uma marvadeza.
Disse José Alves, observando a revoado dos paturis que fugia dos caçadores.
Isabel se aproximou do marido, colocou o braço pesado em seu ombro e melosamente
perguntou:
- Cê mata é só gavião pegadô de pinto, né?
Sem dar importância a pergunta da mulher, tentando avistar os caçadores do
outro lado da estrada, que dava acesso a Barranco Alto, falou vagamente:
- Num é quarqué gavião que mato. O pinhé, o caracará cata os carrapato das vaca
e limpa os pasto. Intão este eu perdoo.
- É memo Izé. As avi de pena é tudo bençuada por Deus, completou Isabel, tirando
o braço gordo do ombro do marido e aproximando-se mais da quina do alpendre que
formava um ângulo de fronte a casa. Assim ela podia melhor observar, com o esposo,
a descida espetacular dos paturis, cortando as águas da enchente, no meio das garças,
dos socós e dos anatídios de várias espécies que fugiam dos caçadores, procurando a
proteção do fazendeiro da Mandassaia, que apesar de suas limitações tinha uma
consciência ecológica.
A PESCARIA NA MANDASSAIA
Outras chuvas caíram, com abundância, no Vale do Cabo Verde. Mas a que
mais aborreceu José Alves foi a chuva de 1956, na época da colheita do arroz. Os
peixes comiam os grãos maduros do valioso cereal e a colheita na canoa dava muito
trabalho. Entretanto, para os filhos do fazendeiro da Mandassaia a colheita do arroz, na
época chuvosa, era uma verdadeira festa. Eles remavam as canoas no meio da
enchente e observavam, alegres, os peixes bem nutridos, pulando na água represada e
aquecida pelo sol. Garças de várias espécies disputavam os peixes menores com
marrecos selvagens, socós e outros pássaros que povoavam aquele paraíso ecológico.
Os Alves manejavam com mestria as canoas, usando os varejões, transportando o
arroz colhido para as margens enxutas, onde ele seria batido. Quando terminavam o
trabalho estafante, já no final da tarde, percorriam as redes armadas nas vazantes e
tiravam de dentro d’água enormes curimbatás, traíras pretas e piracanjubas, além de
dourados e piabas.
Antoniel, o caçula, ainda na puberdade, com pouca experiência em pescaria de
rede, gritou para os irmãos, afoitamente, de sua canoa:
- Corre ligero aqui Maé e Danié... mó que pesquei um bitelo dum jaú.
Ismael e Daniel remaram rapidamente em direção ao irmão e o ajudaram tirar da
rede um enorme pintado. A pescaria foi farta e a noite chegou rapidamente à
Mandassaia. Os batráquios formaram suas orquestras e os vaga-lumes, com suas
lanternas acessas, bailavam sobre as águas esparramadas nas várzeas coloridas do
Cabo Verde.
Quando os pescadores entraram no casarão transportando nas costas os sacos de
estopa cheios de peixes Da. Isabel, junto das filhas Marias, do Carmo e das Graças,
exclamou, sorridente:
- Que belezura de peixe, gente! Como Deus é misericordioso!
Eva preparou um banho para o pai, em uma enorme bacia. Os rapazes foram
banhar-se na bica d’água, aproveitando a claridade da lua que preguiçosamente
prateava a Mandassaia. Dispostos, sorridentes, tomaram o banho na água fria da bica
enquanto as mulheres passaram a limpar os peixes, na cozinha espaçosa da fazenda.
Isabel, transbordando de felicidade, foi arrumar a mesa para servir o jantar, já meio
fora de hora.
José Alves, mesmo com as pernas doídas da lida, depois do banho morno, andou
até a varanda para apreciar as várzeas envoltas no manto escuro da noite. Observou
uma vez mais o bailado dos vaga-lumes, ouviu o sussurro das corujas e a cantiga triste
dos curiangos. Olhou o céu estrelado, a lua prateada que refletia nas águas do enorme
lago e sentiu-se realizado. Aquele era o seu mundo e sobre aquele pedaço de terra ele
tinha um domínio total. O fogo poderia lamber as suas invernadas, queimar as
benfeitorias, porém não queimaria a terra, o chão sagrado que produzia tanto arroz. As
águas das cheias cobriam as partes baixas da fazenda, inundavam as várzeas, mas não
destruíam a terra. Pelo contrario. As enchentes beneficiavam a sua fazenda, deixando
nas várzeas quilométricas o húmus, o fertilizante tão necessário para vicejar os arrozais.
Pensativo, sem tirar os olhos daquele mundo encantado, lembrou-se da sua gorda
conta bancária na Cooperativa de Crédito de Alfenas, administrada pelo competente
advogado Samuel Valadão e na poupança que tinha no Banco da Lavoura além de
outros investimentos que lhe proporcionavam bons financeiros.
Distraído, recordando o passado, lembrou-se da infância e da juventude em Guapé,
sua terra natal, onde andava na garupa do tropeiro Chico Alves, seu avô paterno e que
colocou no mundo mais de vinte filhos. Sentiu saudades de Guapé, dos irmãos
esparramados pelas cidades do sul de Minas, das irmãs que residiam em Perdões, Boa
Esperança, São Sebastião do Paraíso, Divinópolis e em outras localidades que nem
sabia. Recordou o último diálogo mantido com a mãe, já falecida:
- Quanto fio ocê tem Izé?
- Já tô com oito, mãe.
- Credo Izé! Cê tem poca famia. Tem que falá com a Izabé pra arranjá mais fio,
homi do céu.
Sorumbático, admirando a natureza, lembrou também dos seus conterrâneos que
se projetavam em Alfenas, nos mais diversos setores, desde a medicina até aos
esportes. Enumerou nos dedos as famílias Amaral, Passos, Pereira, Oliveira, Laudares e
outras.
Calado, deixou de contar os guapenses que residiam em Alfenas. Foi até a cozinha
onde seus familiares, alegres cuidavam de diversos afazeres. Isabel, sorrindo, puxou a
cadeira da cabeceira da enorme mesa e disse ao marido:
- Senta aí Izé pra modi cumê com a graça de Deus. José Alves acomodou-se na
cabeceira da mesa tosca e todos da família tomaram seus assentos, inclusive Zé
Pretinho, que era observado por Isabel, de maneira curiosa.
Enquanto os Alves jantavam as várzeas da Mandassaia foram envolvidas pela
negritude da noite, em virtude de uma nuvem escura que cobriu a lua. Mas mesmo no
meio da escuridão os sapos continuavam coaxando lá fora e os vaga-lumes fazendo
desenhos dos mais bizarros com um bailado que não tinha fim.
O JANTAR NA FAZENDA DOS ALVES
Manoel Rodrigues era carpinteiro de grande habilidade. Já tinha ensinado o ofício
pra muita gente da redondeza. O último aprendiz foi o Benedito Pancrácio, conhecido
pela alcunha de Dito Carapina, de São Joaquim da Serra. No banco de jacarandá feito
por Manoel Rodrigues, em um lado da mesa, estavam sentados os três filhos de José
Alves que, famintos, saboreavam a comida mineira. Em um lado da mesa, sentado em
uma cadeira furada, Zé Pretinho almoçava também. As três filhas do casal José Alves e
Isabel, tinham jantado mais cedo e agora davam continuidade aos afazeres domésticos,
escamando, retalhando e salgando os peixes.
O cheiro do toucinho defumado, pendurado num arame esticado na cozinha, em
cima do fogão de lenha, aumentava ainda mais o apetite dos pirangueiros que haviam
trabalhado o dia todo dentro d’água. O toucinho enfumaçado, junto com pedaços de
beiço de porco, orelhas, cambito e rabada, linguiça caipira e chouriço, davam um
toque todo especial à cozinha típica da Mandassaia. O fazendeiro, imponente, na
cabeceira da mesa, com o estômago no fundo, sentia o cheiro da comida feita no fogão
de lenha e cobiçava o enorme caldeirão de feijão “bico de ouro”, novo e temperado
com esmero por Isabel, que olhava de esguelha para o agregado Zé Pretinho. Para
quebrar o gelo olhou para Antoniel e disse:
- Cumê bão quinem esse da Da. Izabé num ixesti nem no Cavaco e nem lá pras
banda do Campo Redondo.
Da panela de arroz, da travessa de morango com molho de carne, do prato com
ovos fritos na banha de porco e de uma vasilha com abóbora madura e outra com
peixe frito, exalava um cheiro que aguçava ainda mais o apetite dos roceiros. Ismael
depois de saborear um pedaço do curimbatá seco, comentou com os familiares:
- É pessoá... o tali de bacaiau dos bôbo da cidade num pega bera com o curimba
secado no soli.
Isabel aproximou-se do marido, dando volta em torno da mesa e falou:
- É verdadi. Cê alembra meu véio aquele bacaiau qui nóis cumimo na casa du
cumpadi Pedro Arcanjo? Era puro sali. Nem tinha gosto de pexe.
Antoniel que comia afoitamente, acabou engasgando com uma espinha. Daniel
deu-lhe uns tapas nas costas, na tentativa de ajudá-lo e Da. Isabel, preocupada com a
ocorrência, ordenou prontamente, valendo-se da sua longa experiência:
- Ingole ligero uma pelota de arroiz.
Com os olhos vermelhos, engasgado, Antoniel atendeu ao pedido da mãe e
sentiu-se aliviado. Ismael, zombeteiramente, falou:
- Cê inté parece que tá cumeno tubarana, sô!
Zé Pretinho gargalhou, espalhando farinha de milho pelos cantos da boca. Ismael
tirou o prato do alvo e o repreendeu, com azedume:
- Toma jeito nego porco. Vai sorta farinha lá nos inferno.
Envergonhado e com humildade Zé Pretinho abaixou a cabeça, pediu desculpas
ao jovem branco, de olhos esverdeados. Eva, com pena do irmão de cor, tentou
amainar o constrangimento:
- Num liga não Zé. Maé é ansim memo. É meio ispirnutiado.
- Ispirnutiada é ocê barata branca descascada que tá de fuleragi com Zé Gabiroba,
respondeu agressivamente o irmão espadaúdo, fulminando-a com o olhar de felino.
Eva, imponente, na frente da mesa, ruborizada, retrucou, corajosamente:
- Zé Gabiroba é fio de fazendero e é gente boa. Num é da laia daquela pioienta,
da fia do Chico Sabiá que é o teu xodó.
Jose Alves, contrariado, olhou para ambos e advertiu, com energia:
- Bamo acabá com esse proseio, na mesa. Bamo cumê em paiz!
Ambos ficaram quietos e Isabel, para desanuviar o ambiente, perguntou:
- Cê num qué mais um mucado de quibebe, meu véio?
José Alves recusou com a mão a abóbora madura e Daniel disse a mãe:
- Eu quero. Esse quibebe tá cutuba.
- Quibebe é prato de nego veio, adiantou Zé Pretinho que sorriu mostrando os
dentes brancos e fortes, alinhados na gengiva roxa com perfeição, ornada pelos lábios
carnudos de africano. Zé Pretinho era neto de Firmino José Francisco, filho e genro de
escravo. Seu sogro, Silvério, viveu na senzala do Campo Redondo e depois foi morar
com genro, filha e família na Fazenda do Pinhal, de Álvaro Vieira. Este Zé Pretinho,
embora com pouca idade sabia das coisas e gostava muito de contar casos de cativeiro.
Encostou o prato esmaltado de um lado e falou aos Alves, compassadamente:
- No tempo do cativeiro os branco jogava as abobra madura pros porco cumê. Aí
as preta véia catava as mió e fazia o tali de quibebe.
O agregado fez uma pausa, olhou para os lados e para Eva que prestava atenção
à sua narrativa. Coçou a cabeça de africano coberta com o cabelo pixaim, e continuou,
medindo bem as palavras.
“Os branco jogava fora tudo que é bão do porco: as zoreia, o rabo, os cambito e
o fucinho”. As nega véia catava tudo e fazia a feijoada com feijão preto que branco
não cumia. Eva, encantada com a história que Zé Pretinho contava, sorriu, mostrando
os dentes brancos como pérolas, bem alinhados em uma boca de lábios sensuais. O
agregado, deslumbrado com o sorriso da sua “Branca de Neve” indagou dos presentes:
- E tem cumê mais mió de bão do que uma feijoada?
Zé Pretinho, entusiasmado, falou sobre a comida africana introduzida na cozinha
brasileira, notadamente na Bahia e em Minas Gerais. Informou ainda que mesmo
depois da abolição da escravatura os negros libertos dos Vieiras, no Campo Redondo,
continuaram nas fazendas da beira do Cabo Verde, ensinando as “sinhás” fazer pratos
apetitosos do continente africano. Falava, com satisfação, mostrando que sentia
orgulho do seu povo, dos negros que vieram para o sul de Minas e não serviam apenas
para o trabalho braçal, como animais de carga, como míseros enxadeiros nos canaviais
e cafezais. Ele tinha plena convicção de que os negros que povoaram o Vale do Cabo
Verde, que viveram na beira do Muzambo, tiveram uma função civilizadora que
enriqueceu a culinária daquela região.
Discorreu também sobre os seus antepassados, que trabalharam nos grotões de
café e nos canaviais que alimentavam as moendas famintas dos engenhos dos Vieiras,
com a preciosa gramínea, a fim de produzir açúcar, rapadura e pinga. Órfão de pai e
mãe, vivendo há anos sob a proteção de José Alves pensava um dia voltar para a beira
do Muzambo ou mudar para o Pinhal e se juntar aos netos do negro Firmino, seus
parentes próximos, espalhados pelas fazendas de Alfenas, Areado, Divisa Nova e outras
cidades da região. Sua saída da Mandassaia seria questão de tempo. Completando a
maioridade bateria asas, deixando na beira rio o protetor, os irmãos brancos e também
Eva, a fada que povoava os seus sonhos nas noites mornas de verão ou na frias noites
do inverno serrano.
O LEITE BATIZADO
Apesar da noite bonita de luar, o dia amanheceu ameaçador na Mandassaia. As
seriemas gritavam sem parar no alto do pasto e o gavião, em cima da copa de uma
massaranduba, anunciava mais chuva.
No curral velho que caia aos pedaços, fazendeiro e filhos ordenhavam as vacas.
Zé Pretinho, do lado de fora, cangava os bois carreiros para mais um dia de trabalho
dos mais penosos. Isabel, sempre alegre, dava milho pras galinhas enquanto as filhas,
cantarolando, arrumavam a casa. José Alves, agachado com o balde entre as pernas,
tirava o leite da Donzela, uma vaca preta com pintas brancas na barbela e na virilha,
de úbere bem feito, tetas de bom tamanho e de tirada firme. O retireiro olhou para o
tempo, ouviu mais uma vez o grito da seriema, franziu a testa e determinou ao filho
Antoniel:
- Tunié para de tirá leite e munta na égua véia pra modi campiá a Maiada e a
Istrela que num veio pro currá.
José Alves terminou a ordenha, ouviu melhor a cantiga da seriema, olhou para
o tempo e voltou a falar com o filho:
- Vai ligero e vorta antes da chuva, Tunié.
O rapaz empertigado, lépido, pulou no lombo em pelo da égua pedrês e chegou
rapidamente ao espigão do pasto erosado, que exibia uma vegetação rasteira e rala,
com touceiras espacejadas de capim lanceta, salpicado com moitas de barba de bode e
capim catingoso. Dava para ver no alto do pasto manchas de terras completamente
nuas, castigadas pela erosão. Árvores retorcidas eram vistas nas encostas da invernada
e depois dava para ver pés de barbatimão, de marolo e de fruta de lobo.4
Antoniel cavalgava com dificuldade, procurando suportar o trote áspero da égua
velha, montado bem em cima do osso duro e pisado do lombo magro. Observava
atentamente toda a invernada, na expectativa de encontrar as vacas retardatárias. Foi
até o bebedouro, margeou a cerca da divisa e não encontrou nada. Voltou preocupado
e meio decepcionado com o seu serviço de campeiro. Tangenciando o pasto dos
Nogueiras, de repente avistou, longe, dentro da propriedade vizinha, as vacas
varadeiras pastando um capim gordura bonito e generoso. Enraivecido, gritou:
- Ocês tava campiano gabiroba? Vambora pro currar.
Antoniel chegou com as vacas, olhou para o pai, sentindo o ardume das nádegas,
molhadas com o suor da égua trotona e respondeu mal humorado:
- As vaca tava no pasto dos Noguera, pai.
José Alves, implicante, em pé, com o balde cheio de leite em uma das mãos,
afastou o chapéu de palha da cabeça e chamou a atenção do filho:
- Cê carece botá mais sintido nas coisa. Cê já tinha que sabe lidá com vaca parida
e discunfiá que as danada tava no pasto dos Noguera. O capim do vizinho tá sobrando
e no nosso pasto tá um rapadô dos brabo, uai.
Antoniel, aborrecido, abaixou a cabeça, mordeu os lábios e ficou em silêncio.
José Alves, ralhador contumás continuou reprimindo o rapaz:
4
Vegetações típicas do cerrado. O barbatimão tem propriedades adstringentes em função da quantidade de tanino. É muito
usado para curtir couro. O marolo é da família das anonáceas ( pinha, fruta do conde, araticum, graviola, nona). A fruta é
muito apreciada e dela faz-se doce, geleia, licor. Paraguaçu é a capital do marolo. A fruta de lobo tem propriedades contra o
diabetes e tem este nome por ser consumida por lobos. Graças à uma substância que ataca vermes destes animais.
- Demorá um tempão desses pra modi achá duas vaca parida, sô!
Ismael, o mais implicante da família e malicioso, olhou para Daniel, marotamente
piscou o olho e disse em voz baixa:
- Demorô esse tempão no pasto porque foi chegá a égua véia no cupim, uai.
Antoniel, ofendido pelo irmão, sentiu o sangue subir no rosto e respondeu à
provocação:
- Num sô barranquero iguar ocê não, Maé
Mas mesmo apesar da postura de Antoniel, o irmão maldoso foi dar uma olhada
indiscreta na anca da égua pedrês, mal-falada na Mandassaia. Antoniel sentiu-se
encabulado, apeou do animal com destreza, tirou do focinho o cabresto, pegou um
balde e um par de cordas, abriu a porteira do bezerreiro e gritou revoltado:
- Istrela...Istrela...
O bezerro já grande, de oito meses, moiro de roxo, entrou no curral corcoviando
e foi direto à mãe, que cheirou o filho, lambeu-lhe carinhosamente o lombo, urinou
fartamente, soltando o leite. Antoniel amarrou as pernas da vaca com a corda, botou a
focinheira no bezerro e o prendeu na mão direita da Estrela. Com as tiradas firmes o
liquido branco e espumante foi enchendo o balde e o barulho servia de calmante para
o jovem impetuoso que evitava os olhares provocadores dos irmãos e do pai ranzinza.
José Alves olhou para os lados, desconfiado, e segredou ao ouvido de Ismael:
- Pega dois bardão d’água e reparte nos latão de leite.
Antoniel, que nunca concordou com aquele procedimento desonesto, ponderou:
- Óia pai... esse negócio de botá água no leite num vai dá certo não. Os laticínio já
tão usano um apareio pra sabê se o leite tá batizado.
José Alves, que não perdia o habito de batizar o leite, sempre arranjando uma
desculpa de quebra na produção, de ser roubado pelos fabricantes de manteiga e de
queijo, manteve a ordem e Ismael, subserviente a cumpriu à risca.
O DILÚVIO NA MANDASSAIA
O domingo era de sol. A tarde morria lentamente na Mandassaia, oferecendo aos
Alves um espetáculo de beleza incomparável. As várzeas do Cabo Verde, com uma boa
parte dos arrozais ainda para colher, perdiam-se de vista da imensidão dourada e na
lhanura dos vargedos que contrastavam com as colinas de Alfenas, as serras do Carmo
do Rio Claro e de Campos Gerais.
Da varanda da casa descortinava a paisagem deslumbrante e José Alves, com
banho tomado, roupa domingueira, embevecido ao lado da esposa, admirava a
natureza em festa. Namorava seu mundo, contemplando orgulhoso as terras o que
dava enorme segurança. Tinha a escritura definitiva da fazenda, registrada no Cartório
de Registro de Imóveis, de Jaime Santos, e não devia nada a ninguém. Pagava
impostos em dia para Antônio Tibúrcio, na Agência de Rendas de Alfenas, onde
desfrutava de ótimo conceito. Antes de morrer, pensava em fazer um testamento para
os filhos e descansar tranquilamente, não levando preocupações para o túmulo.
Naquele domingo de sol conversava com a mulher sobre os problemas da vida
familiar, aproveitando a brisa deleitante das várzeas douradas do majestoso Cabo
Verde. Descartava proceder igual a Chico Tropeiro que deixou muitas dívidas para os
herdeiros e, como patrimônio, apenas o casarão velho em Guapé caindo aos pedaços.
Ouvindo o bater da porteira do corredor que dava acesso a Barranco Alto, interrompeu
a conversa ao avistar um cavaleiro vindo em direção à fazenda.
Isabel observou atenta, entortou o pescoço procurando visualizar melhor quem
vinha e perguntou curiosa:
- Quem será Izé?
- Sei não, mué, respondeu o fazendeiro franzindo a testa. Ambos não tiravam a
vista da estrada e Isabel arriscou um palpite:
- Mó que é cumpadi Ambrósio.
- Num é não. Ambrósio só anda em cavalo trotão e aquele cavalero tá muntado
numa mula boa de marcha, falou José Alves com a mão sobre os olhos, protegendo-se
do sol e tentando descobrir quem era a pessoa que vinha em direção da fazenda. Isabel
impaciente, arriscou outro palpite:
- É cumpadi Olimpo Cardoso.
José Alves deixou escapar um sorriso e falou, pausadamente:
- Agora ucê acertô, mué. É ele memo.
O animal marchava firme na estrada apertada e plana da fazenda, e rapidamente
chegou à porteira do curral.
OLYMPIO CARDOSO - O VEREADOR
Olympio Cardoso, fazendeiro de Barranco Alto e vereador pelo PSD, partido do
governo, era uma pessoa das mais conceituadas na Mandassaia e no Cavaco, bairros
de grande concentração demográfica do distrito, onde ele obtinha boa votação.
O vereador apeou da mula com elegância, dentro do curral lamacento e subiu a
escada do alpendre do casarão da fazenda Mandassaia, solenemente, contando os
passos, sem pressa. Ao adentrar na varanda tirou, educadamente, o chapéu de aba
larga da cabeça prateada, deixou escapar um sorriso simpático e cumprimentou com
amabilidade o casal de fazendeiros:
- Bom tarde compadre, boa tarde comadre.
- Tardi cumpadi, voismecê tá bão? respondeu o pirangueiro da Mandassaia,
vestido com uma camisa de roceiro, de manga comprida, calça arremendada, segura
por uma correia de couro cru, de fivela enorme, enferrujada e botina suja de estrume.
Isabel, irradiando felicidade, roliça e risonha, apertada em um vestido velho e
manchado, com um lenço desbotado amarrado na cabeça e de chinelo, perguntou pela
família e falou da enchente no baixo Cabo Verde que incomodava toda a vizinhança.
A visita imponente com um terno de brim caqui, botas bem engraxadas e espora
de roseta grande, tomou assento no banco de madeira, e observou, com os olhos
azulados e um sorriso nos lábios bem desenhados, as várzeas quilométricas do Cabo
Verde cobertas de água.
O fazendeiro de Barranco Alto, dentro do alpendre, falou aos Alves sobre os
preços do arroz e do boi gordo, no mercado. Depois reclamou dos fabricantes de
queijo que continuavam pagando muito pouco pelo leite em toda a região. Depois da
quebra do gelo o zebuzeiro raspou a garganta seca, fez uma pausa estratégica e disse:
- Eu não estou aqui para reclamar dos queijeiros. Infelizmente vim trazer para
vocês péssimas notícias.
Olympio Cardoso fez outra pausa, olhou para os pirangueiros da Mandassaia e
José Alves abriu os olhos, a boca larga, mostrando os dentes estragados e escurecidos
de nicotina, mirou o fazendeiro calmo e de cabelos prateados, deu uma olhada de
soslaio para Isabel e determinou:
- Sorta logo as cobra cumpadi. É arguém da famia que bateu as bota?
O zebuzeiro de Barranco Alto com a voz rouca, compassadamente, passou a
historiar:
- Foi realizada em Belo Horizonte uma reunião para debater o assunto de
Furnas. O deputado Manoel Taveira, José César, filho do coronel César de Almeida,
Napoleão Salles, Dr. Janjote e Adolfo Engel estiveram presentes. Olympio Cardoso fez
uma pausa, olhou para os fazendeiros da Mandassaia e deu continuidade a narrativa:
- A reunião foi das mais importantes e compareceram também o Cônego
Pacheco, Teodósio Bandeira, Gil Vilela e outras lideranças regionais. O Dr. Janjote
informou para nós que a tal represa de Furnas vai mesmo sair, apesar do protesto feito
pela Sociedade Mineira de Agricultura e dos vinte prefeitos que compareceram ao
encontro de Belo Horizonte, sem contra ela.
José Alves tirou detrás da orelha um toco de cigarro de palha e falou:
- Nóis num tem nada com isso cumpadi. Juscelino pode fazê as trapaiada dele a
vontade que eu num tô nem ai, uai.
O vereador de Barranco Alto sem perder a serenidade voltou a historiar o fato
que preocupava os plantadores de arroz do Vale do Sapucaí:
- Acontece compadre, que Furnas, para produzir energia elétrica, tem que fazer
uma enorme represa. E o experiente zebuzeiro, cautelosamente, explicou:
- No ano que vem Juscelino vai assinar um decreto desapropriando todas as
nossas várzeas para fazer o reservatório de Furnas.
Olympio Cardoso fez uma pausa, observou a reação do casal e continuou:
- Não adianta se opor. Lei é lei. Lei não é feita para ser desrespeitada e nem
para ser discutida. Lei é para ser cumprida à risca.
- Eu esbirro, cumpadi. Quem manda nas minha terra num é guverno, uai, sô eu
memo, retrucou José Alves, já colérico e Da. Isabel, devota de Nossa Senhora da
Aparecida, voltou a apelar para a santa milagreira.
Olympio Cardoso, com sua paciência mineira, usando a didática, explicou que
o país tinha fome de energia elétrica e que JK necessitava eletrificar o gigante que
continuava dormindo em berço esplêndido. Indignado José Alves levantou-se
bruscamente do banco tosco e ordenou, com estupidez:
- Bamo dexa de pataquada, cumpadi. Cê tá com esse proseio besta pra modi
me assustá e comprá as minha terra na bacia das arma.
Olympio, homem de princípios rígidos, solidário, sentiu-se ofendido. E ai então,
um tanto constrangido, levantou-se, segurou o chapéu e disse ao tabaréu:
- Acredite no que lhe falei se quiser. Eu cumpri com o meu dever. E passe bem,
seu José Alves.
O criador de gado zebu desceu a escada, atravessou o curral, abriu a porteira
barulhenta e montou na mula bem tosada, de pelugem brilhante, impecavelmente
arreada e partiu rumo a Barranco Alto.
A NOITE DE INSÔNIA
A notícia sobre Furnas explodiu como uma bomba na Mandassaia. A família
Alves entrou em polvorosa. Seu José não conseguia dormir e importunava a mulher, os
filhos e andava pela casa, pisando firme no assoalho barulhento de tábuas largas.
Isabel se ajoelhou com as filhas beatas no oratório, fixou a imagem da santa negra e
rezou com fé. Depois de algumas Aves Marias, alguns Padres-Nossos e de uma Salve
Rainha, com os cabelos soltos cobrindo as costas gordas e o rosário numa das mãos,
suplicou em voz alta:
- Nossa Sinhora da Paricida, santa milagrera, arreda dessas banda o flagelo das
Furnas, as água do satanais.
Isabel, depois que fez os seus pedidos à santa de sua devoção, aproximou-se do
marido colocando uma das mãos no ombro dele e falou com ternura:
- Vem drumi, meu véio. Acarma o teu coração proque Nossa Sinhora da
Paricida vai oiá por nóis.
- Vai não mué. Nóis tá nu mato sem cachorro e sem santa.
- Cumpadi Olimpo tá de pataquada.
- Tá não muié. Ele sabe das coisa.
Isabel, estribada na fé que remove montanhas, voltou a falar no poder de Nossa
Senhora Aparecida e fez promessa de ir à Aparecida do Norte, com a família, para
agradecer a santa negra que haveria de livra-los do flagelo da Represa de Furnas. José
Alves, que não acreditava no poder da santa, irritou-se com o falatório da mulher e foi
dormir com a cabeça fervendo. Deitado, olhando pelas frestas da janela, ouvindo o
coaxar dos batráquios, o piar das aves noturnas, o farfalhar do vento nas folhas das
bananeiras, não conseguia dormir.
Lembrava todos os instantes de cada uma das palavras de Olympio Cardoso e
tinha pesadelos, mesmo acordado, com o dilúvio que deveria colocar Mandassaia em
polvorosa. Já ouvia naquela noite de insônia o marulhar das águas de Furnas cobrindo
a sede de sua fazenda e alagando as suas terras. O dilúvio povoou-lhe os pesadelos e
apesar do frescor da madrugada estava banhado de suor.
O dilúvio tornava-se cada vez mais amedrontador e no mar de Furnas não
aparecia a arca de Noé para salvar o seu povo e os animais que morriam afogados.
Pegou no sono depois de muito tempo de insônia, porém acordou com o clarear do
dia, com o mugir das vacas que chamavam pelas suas crias, na beira do curral.
Levantou com péssimo humor naquela segunda feira brava, olhos vermelhos,
gosto amargo na boca e dores por todo o corpo. Foi lavar o rosto na água gelada da
bica e juntou-se aos filhos para ordenhar as vacas que continuavam mugindo dentro
do velho curral.
SEGUNDA PARTE
O otimista proclama que vivemos no melhor dos mundos; o pessimista teme que seja verdade.
JK - O SONHADOR
Juscelino Kubistchek, o otimista que transformava os sonhos em realidade, sabia
que a utilização da energia elétrica no país, na virada do século, até o fim da Segunda
Guerra Mundial, era explorada por um monopólio privado. Quase todos os setores
elétricos estavam nas mãos de concessionárias como a Light e a Bond and Share.
Essa situação subsistiu normalmente na velha República. Todavia, quando o
Brasil deixou de ser país essencialmente agrícola, enveredando rumo à industrialização
na era Vargas, a fome por energia elétrica tornou-se uma realidade. A iniciativa
privada, nem mesmo com a poderosa Light, foi capaz de equacionar o grave problema.
A Light, a Bond and Share e as outras empresas menos expressivas, aumentavam a
produção de energia elétrica em uma progressão aritmética enquanto a demanda
acontecia em progressão geométrica. A defasagem obrigava muitas indústrias a colocar
geradores próprios e o problema, à medida que o país se industrializava, tornava-se
preocupante.
JK, conhecedor profundo dos problemas brasileiros, idealizou a criação da usina
hidroelétrica de Três Marias, no rio São Francisco e a de Furnas, no rio Grande. Ambas
em Minas Gerais. O que desagradou o governador do Estado, Bias Fortes, sensível ao
clamor dos fazendeiros e dos políticos do sul de Minas. Que declarou com eloquência:
- Querem fazer de Minas a caixa d’água do Brasil.
Bias Fortes, apesar de ser do PSD, partido de JK, tentou adiar a criação da
Central Elétrica de Furnas. Ele temia que o Governo Federal não conseguisse respaldo
financeiro para a construção da barragem e não teria como pagar aos expropriados as
indenizações devidas.
Mas Juscelino, hábil e inteligente negociador, de tino administrativo invejável,
delegou poderes ao engenheiro Lucas Lopes, presidente do BNDE – Banco Nacional
do Desenvolvimento Econômico – e, também, Secretário Executivo do Conselho do
Desenvolvimento, para organizar uma empresa de economia mista, a fim de realizar a
gigantesca tarefa na corredeira das Furnas, bem como a construção da hidroelétrica de
Três Marias, ao mesmo tempo. Isto causou espanto até mesmo nos blocos governistas.
De conformidade com o projeto arrojado de Lucas Lopes, Três Marias seria
construída com recursos da Comissão do Vale do São Francisco e produziria energia
elétrica para o consumo de Minas Gerais. Esta energia seria distribuída pela CEMIG,
empresa estatal mineira, fundada pelo próprio JK, quando governador de Minas, e que
se transformou em modelo de eficiência, exportando tecnologia para outros Estados.
A Central Elétrica de Furnas iria construir uma barragem com represamento na
cota 750 e uma usina com capacidade para 900.000 KW com possibilidade de elevar
sua potência para 1.100.000 KW, sem aumento de máquinas. A Central Elétrica de
Furnas contaria com o capital subscrito pela União (51%), Estado de Minas Gerais,
representado pela CEMIG (25%), Estado de São Paulo, representado pelo DAEE
(24%) e empresas privadas, inclusive a Light e CPFL com o restante.
O Banco Mundial fez um vultoso empréstimo, depois de examinar o projeto,
detalhadamente. Lucas Lopes, o arquiteto do grande empreendimento, após cumprir,
brilhantemente a sua tarefa, passou o bastão para John Reginald Cotrin, presidente da
empresa, que contou com a colaboração dos eficientes diretores Benedito Dutra e
Flavio Lyra. Ambos de formação eclética em engenharia e que formaram, juntamente
com Cotrin, o trio de ouro da CEMIG.
Furnas teria a tarefa de produzir energia elétrica para outros Estados, inclusive
São Paulo, a locomotiva do país que, mesmo resfolegando, puxava os demais vagões
quase parando na subida da serra, por falta de KW.
A REVOLTA DOS PIRANGUEIROS
Alfenas, cidade localizada nas proximidades do rio Sapucaí, no extremo sul da
cauda do reservatório que seria construído pela Central Elétrica de Furnas, decretou
guerra contra o empreendimento comandado por John Reginald Cotrin, um inglês de
Manchester, filho de pai brasileiro e mãe britânica.
As notícias tornaram-se alarmantes e Bias Fortes botava mais lenha na fogueira,
alegando que agia em defesa dos fazendeiros e dos prefeitos de uma enorme região
que seria sacrificada com a gigantesca represa, uma verdadeira “caixa d’água”. O
engenheiro Flavio Lyra, homem de cultura invejável, educado, ao lado do presidente
de Furnas, sentia-se agredido com as vaias constantes as provocações descabidas que
recebia por todos os lugares por onde passava. Em determinado momento o coronel
César de Almeida, chefe político do PR,5
líder republicano do estopim curto, apartou o
orador e exclamou, apontando para o Cotrin:
- Este homem é um monstro. Ele não tem alma; tem coração de ferro!
Um dos curiosos presentes acrescentou lá do fundo do recinto, repleto de gente:
5
Partido Republicano foi fundado por Artur Bernardes em 1945, substituindo o antigo Partido Republicano Mineiro. Foi
extinto pela ditadura militar através do AI-2 em 1965.
- De ferro elétrico.
O ambiente carregado desanuviou-se com o palpite do pirangueiro e as
discussões voltaram à normalidade.
O advogado Geraldo Freire, de Boa Esperança, orador brilhante da UDN, culto
e astuto, soube tirar proveito do encontro e preparar a sua carreira política, defendendo
os proprietários de terras.
O deputado federal Oscar Corrêa, presente ao encontro de Alfenas, fez um
discurso inflamado, atacando o governo de JK e a direção de Furnas, bem como o
deputado estadual alfenense, Manoel Taveira de Souza, que se transformou na grande
estrela do movimento contra Furnas.
MANOEL TAVEIRA - A PATATIVA DE ALFENAS
A chuva caia na Mandassaia, tornando intransitável a estrada lamacenta e
esburacada que ligava Alfenas a Carmo do Rio Claro, passando por Barranco Alto. A
fazenda dos Alves ficou ilhada. As goteiras fustigaram os familiares de José Alves no
casarão de paredes mofadas. As vorazes lagartixas corriam no forro de esteira atrás das
moscas e nenhum passarinho voava pelo céu cinzento, carregado e fúnebre. Homens
calados e pensativos teciam redes na varanda, enquanto as mulheres cozinhavam e
coziam, trabalhando no tear que fora de Nhá Benedita. Lá fora, a enxurrada levava a
terra e arrastava as flores murchas, o esterco do gado - a seiva do solo. Isabel que tinha
ojeriza pelas chuvas torrenciais, aflita, comentou com as filhas beatas que rezavam
pedindo à Nossa Senhora da Aparecida um dia de sol:
- A chuva tá braba. Hoje num tem jeito nem de dá mio pras galinha.
Eva, que pregava remendo na calça do pai, concordou com a observação da
mãe e completou:
- Com esse toró as coitada das galinha num é capais nem de ciscá pra modi
arrancá minhoca.
José Alves, que não acreditava na reza das mulheres e não prestava atenção ao
falatório que vinha da sala e muito menos no mugir das vacas, continuou tecendo a
sua rede e com o pensamento fixo na história contada por Olympio Cardoso, sobre
Furnas. Não quis ir a Alfenas ouvir as explicações de Cotrin e nem os discursos do
deputado Manoel Taveira. Mas estava preocupado com os rumores que circulavam em
Barranco Alto sobre a represa que iria alagar suas terras. Pediu ao Antoniel para ler
novamente os recortes dos jornais que trouxera de Alfenas abordando o preocupante
tema. O trecho referente ao pronunciamento do deputado Manoel Taveira, martelava-
lhe a cabeça. Pensativo, parecia ver o advogado criminalista eleito pela UDN, bem-
apessoado, de terno e gravata, bigode preto e cabelos ondulados de poeta, fazendo
discurso na Assembleia Legislativa de Minas Gerais:
- As terras destinadas à feitura do reservatório de Furnas são as mais férteis e
produtivas do sul de Minas. Restarão para a lavoura as fraldas dos morros pedregosos,
os espigões secos e erosados, as terras ácidas dos campos improdutivos.
O pirangueiro da Mandassaia continuava tecendo sua rede, calado, procurando
gravar na memória o discurso do deputado udenista que repercutia nas barrancas do
Rio Sapucaí:
- Furnas afetará também o sistema de comunicação de toda a região. Cerca de
120 quilômetros de estrada de ferro da RMV serão alagados pela gigantesca represa.
Do exposto se infere que efeitos catastróficos este empreendimento de proporções tão
grandes vão ser produzidos. Isto fere a soberania do Estado de Minas Gerais e dos
municípios que serão afetados.
José Alves, depois da visita de Olympio Cardoso, mudou o seu comportamento.
Furnas mudou-lhe a vida. Ele se tornou amargo e faminto por notícias. Sintonizava a
Rádio Cultura de Alfenas diariamente, às vezes a de Poços de Caldas, e mandava os
filhos ouvirem as opiniões dos fazendeiros de Barranco Alto e queria saber o Serafim
Aguirre e Nelson Lopes, que entendiam de tudo, falavam a respeito. Acabou indo até
Alfenas, trocar ideias com o prefeito Janjote, com o empresário Adolfo Engel e com
outros empresários esclarecidos. Adolfo, homem bem informado, atacadista bem
sucedido e político da UDN, com sua voz sonora e bem colocada, falou para o
assustado proprietário de terras:
- Furnas não é nenhuma promessa de governo. É fato consumado. A represa
vai ser feita e rapidamente.
Ainda em dúvida, resolveu visitar o deputado Manoel Taveira que usando a voz
bem empostada, de criminalista, lhe disse:
- Furnas é o absurdo dos absurdos. É uma obra apocalíptica que deve ser
impedida, a qualquer custo. É o crime do século.
Mas o matuto da Mandassaia, mesmo depois de ouvir todos e, particularmente,
o deputado Manoel Taveira, continuou duvidando da obra que seria construída pelo
governo de JK, infernizando a vida dos fazendeiros da beira do Rio Sapucaí e do Rio
Grande. Chegou em casa sorumbático e disse para a mulher:
- O falatório nas Arfena é de lascá, mué. Mas eu sô quinem São Tomé. Tenho
que vê pra crê. Mirou a esposa, deu alguns passos em frente, observou a folhinha
enorme na parede, onde sobressaia a imagem da Nossa Senhora da Aparecida, e
falou, compassadamente:
- Na sumana que vem vô inté no Guapé, visitá a minha famia, e chego lá nas
Furna pra vê com os meu zóio que a terra há de cumê, essa girigonça qui tá na boca
do povo.
E realmente José Alves, na semana seguinte, cumpriu o prometido. Tomou o
ônibus e partiu em direção à Guapé, sua terra natal e que se encontrava em polvorosa.
GUAPÉ EM PÉ DE GUERRA
O município que serviu de berço a José Alves, localizado na confluência do Rio
Grande com o Rio Sapucaí, que deveria ter o nome de Aguapé6
uma vez que a sua
nomenclatura foi inspirada no vegetal aquático de raízes flutuantes, foi condenado à
morte, por Furnas. Guapé serviu também de berço ao padre João Gualberto do
Amaral, celebridade do século XIX que viveu muitos anos em Alfenas, onde o seu
irmão, Dr. Augusto Amaral, destacava-se na medicina. A cidade do padre que semeava
a cultura na região estava, há muito tempo, esquecida pelos poderes públicos. Mas em
1957 voltou a ocupar as manchetes dos jornais, não por causa do padre João
Gualberto do Amaral - o orador que comovia até as pedras; nem pelo Senador Passos
Maia - o político de cultura invejável que marcou uma época; nem por Melo Viana ou
outro filho ilustre, e sim por dois fatores importantes:
O primeiro porque a planta Eichhornia crassipes – vulgo aguapé – praga dos
açudes e córregos do Brasil, foi introduzida no EUA como planta ornamental ganhando
status no mundo, para espanto geral dos guapenses.
O segundo porque a cidade de Guapé seria submersa por Furnas. Seu povo,
belicoso, ofendido em seu brio, preparava-se para decretar uma guerra renhida contra
Furnas, a impostora que tirava o sono dos pirangueiros.
O engenheiro presidente da Central Elétrica de Furnas, John Reginald Cotrin,
para serenar os ânimos, determinou a elaboração de uma planta para construir uma
cidade nova, moderna, na parte mais elevada de Guapé. Mas a providência do astuto
engenheiro não foi o suficiente para acalmar os conterrâneos de Mata Machado, que se
lembraram das histórias fantásticas do Capitão José Bernardes Ferreira, fundador da
cidade, nos idos de 1856 e que cercou sua fazenda com muralhas de pedras e ferrava
seus cavalos com ferraduras de prata, dando uma prova de poder econômico.
6
A Eichhornia crassipes - conhecida entre nós como aguapé, mururé, orelha-de-veado, pavoá, rainha-do-
lago, gigoga, uape e uapê. Em Portugal e Angola é conhecida por jacinto-de-água. Trata-se de planta
aquática, rizomatosa e flutuante, graças aos seus bulbos que são ocos. Originária do Amazonas já foi para
vários lugares do mundo. Na China vem sendo muito usada no combate à poluição de rios e lagos. Prefere
rios de fluxo lento, lagoas e açudes de água doce.
A história de Angélica da Pureza, mulher do fazendeiro abastado, que mandou
construir uma igreja na sua fazenda em homenagem a São Francisco de Assis e que
salvou Guapé de um tremor de terra, também era lembrado pelos devotos do santo,
transformado mais tarde no padroeiro da ecologia. E lembrando seus vultos históricos
os conterrâneos de Passos Maia tornavam-se coesos, liderados pelo vigário da cidade,
João Coining, um padre prussiano das serras catarinenses, que desafiava, de dentro da
igreja e nas praças públicas de Guapé, as investidas de Furnas. José Alves vibrou
quando leu uma faixa na porta da Igreja de sua cidade natal.
“Nossa Senhora livrai-nos do flagelo de Furnas!”
A revolta do cura, de mãos possantes e cabeludas, vermelho e de veias salientes
no pescoço grosso e que dizia abertamente na Igreja que quem matasse um empregado
de Furnas, em defesa de suas terras, não estava cometendo nenhum pecado, agradava
o caipira de Barranco Alto que pretendia participar da resistência guapense.
Empolgado com seus conterrâneos resolveu ouvir o prefeito Vicente Azevedo de
Araújo, falar no comício de Guapé, armado na Praça da Matriz. Sem radicalizar e sem
ser subserviente, falando como um condutor de povos, disse o alcaide:
- Pelos cálculos dos próprios engenheiros de Furnas o município de Guapé vai
perder nada menos do que 206 quilômetros quadrados de suas melhores terras.
As quinze mil almas que moravam no município não se conformavam com o
alagamento da área descomunal de casas históricas, de templos religiosos, das fábricas
de laticínios, das olarias e das vias de acesso a Carmo do Rio Claro, Passos, Formiga e
outras importantes cidades da região. O prefeito sabia que a represa reduziria a
população pela metade, desativando a pecuária leiteira, produzindo terrível impacto.
José Alves, mesmo em suas limitações, percebeu logo de inicio que, Furnas,
decretara o fim da sua cidade. Mas para Vicente Azevedo de Araújo, as águas não
afogariam a alma dos guapenses. As várzeas do Rio Grande e do Rio Sapucaí, a
histórica Ponte Melo Viana, as fazendas que cheiravam a história, os inúmeros sítios
arqueológicos ficariam submersos no mar artificial. Mas a represa não inundaria a
Cascata do Paredão, as piscinas de águas cristalinas do Paredão, a Cachoeira do
Macuco e a Cachoeira do Inferno e nem acabaria com a beleza panorâmica daquele
paraíso plantado bem no coração do Sul de Minas.
GUAPÉ DE ANTIGAMENTE
José Alves, em suas andanças pela cidade, foi rever o casarão onde nasceu e
viveu a sua infância e adolescência, ao lado dos pais, dos oito irmãos e seis irmãs.
Sentiu uma emoção profunda. O coração batia mais rápido. Em cada canto, em cada
parede do velho solar dos Alves onde residiu o seu avô, o Chico Tropeiro, existia uma
história. Purcina, a viúva do seu irmão Sebastião Alves, proprietária do imóvel, recebeu
o pirangueiro da Mandassaia desconfiada. Gorda, com o vestido apertado e antiquado,
olhos oblíquos de cabocla, perguntou fazendo uso da voz metálica e irritante:
- Cê tá aqui pra visitá nois ou pru caso da herança?
O fazendeiro de Barranco Alto, sentado em uma cadeira desconfortável,
segurando educadamente o chapéu, respondeu à cunhada espalhafatosa:
- Tô aquí pra matá a sodade. Pra ispiá a casa véia, uai.
- Ispiá pra que? Cê tem arguma coisa perdida aqui, sô?
A viúva robusta, sem cintura, de pescoço curto e sempre desconfiada deu
continuidade ao seu interrogatório e José Alves, com habilidade, convenceu-a da
justeza de seus propósitos. Purcina, agora mais confiante, sorriu pela primeira vez e
com uma das mãos roliças, dedos curtos, tampou a boca desprovida de dentes, passou
a comentar com o cunhado detalhes do inventário do casarão, da partilha dos bens da
família, e falou dos filhos que se encontravam esparramados pelas cercanias de Passos,
Formiga e Boa Esperança.
A mulher simplória falou sem parar enquanto José Alves admirava os quadros
pendurados nas paredes enormes da sala, encardidas e já um pouco descascadas.
Fixou a vista no quadro amarelado, pendurado próximo à porta de entrada, que exibia
a foto da família Alves, onde apareciam o marido de Purcina, ainda jovem e elegante,
e os outros irmãos. Em outra foto aparecia Purcina, vestida de noiva, ao lado de
Sebastião, exibindo um sorriso encantador de donzela. Recordando silencioso o
passado tão distante lembrou-se da formosura da cunhada que marcou época nas
festas da igreja, nos bailes de roça e nos encontros de família em Guapé. Chamou
também a sua atenção a foto histórica de Chico Tropeiro, barbudo, esguio, no meio
dos muares que cortavam as estradas das Gerais transportando cargas, vencendo
distâncias e ligando Guapé dos velhos tempos com Campo Belo, Formiga, Passos,
Franca e com o mundo.
A PONTE MELO VIANA
José Alves pernoitou na casa dos parentes em Guapé e perdeu o sono. Apesar
da noite mal dormida, como bom mineiro, levantou bem cedo e ficou ouvindo a voz
carregada e irritante do padre João, o prussiano de Brusque, que atormentava os
guapenses mesmo antes do dia clarear:
- Alô pessoar, alô minha gente di Guapé, já som cinco hora do manhã e daqui
a poco é hora do missa, do santa missa do nosso igreja.
Logo ao amanhecer o vigário, abusando do alto-falante da Igreja, acordou toda
a população da cidade com as pregações contra Furnas:
- Alô pessoar, já está no hora do santa missa e eu vos falo meus caríssimos
irmãos – Matar é picado mortal, mas matar gente de Furnas num é picado.
José Alves, impressionado com as pregações do padre acabou indo a missa e
deixou uns trocados na sacolinha da Igreja.
Acompanhado do sobrinho Zeca dos Quiabos saiu num jipe velho, para
conhecer os canteiros de obras da barragem de Furnas. O caipira da Mandassaia
percorreu a estrada de terra em direção ao Rio Sapucaí. Olhando as árvores retorcidas
dos campos ácidos de Guapé, onde na infância cavalgava com o avô Chico Tropeiro,
recordou dos galopes pelas capoeiras sujas de unha de gato e de lobeiras, pelos
chapadões de cascalho fino e de capim barba-de-bode. Perdido em suas recordações
parecia ver o seu avô cortando as distâncias na mula preta, marchadeira, firme,
resistente e elegante, nos campos da sua querência.
Zeca dos Quiabos guiava o jipe em silêncio, atento não à paisagem guapense e
sim aos buracos da estrada. Depois que desceu a serra e ganhou a baixada deu uma
parada brusca e disse ao tio:
- Bamo tirá a água do jueio, tio Izé?
Ambos saltaram do jipe e urinaram fartamente na Ponte Melo Viana sobre o Rio
Sapucaí, que ligava o município de Guapé ao de Alpinópolis.
José Alves observou o leito do rio, as pilastras que sustentavam a obra
construída pelo imigrante Calixto Luppi, quando morava ainda no Carmo do Rio Claro
e exclamou:
- Eta da ponte abençoada, sô!
Observou melhor as pilastras da ponte, a sua estrutura de concreto e explicou ao
sobrinho que havia trabalhado com Calixto Luppi, o italiano anarquista e irreverente,
naquela obra tão importante para a região. Zeca dos Quiabos, que acreditava piamente
na Represa de Furnas explicou ao tio:
- É uma pena que as Furna vai tampá esse mundão d’água e cobri a ponte.
José Alves contou ao sobrinho as dificuldades que eles encontraram para a
construção daquela obra; falou dos meses de sofrimento enfrentando as intempéries, os
mosquitos venenosos, o bicho barbeiro e a maleita. Zeca, olhando mais uma vez a
massa liquida que passava célere sob a ponte, exclamou:
- Tanto trabaio, tanta serventia pra sê ingulida pela Represa das Furna!
Um ônibus lotado de passageiros, com placa de Passos, cruzou a ponte atrás de
um caminhão da Engel & Irmãos, que fazia entrega de mercadorias naquela região.
Zeca dos Quiabos, nascido e criado em Guapé, não sabia que o nome da ponte
fora dado para homenagear o seu conterrâneo, ex-senador e ex-presidente da
Assembleia Constituinte de 1946 e que chegou a ocupar a Presidência da República.
Não obstante, sabia que a Ponte Melo Viana ia fazer muita falta ao seu povo.
SÃO JOSÉ DA BARRA - A CIDADE SUBMERSA
O jipe velho com placa de Guapé, dirigido por Zeca dos Quiabos, triunfalmente
entrou em São José da Barra e José Alves foi recebido festivamente por companheiros
da juventude, lá residentes. Wilfredo Guilhermino, que cortara relações com o trabalho,
vivia filosofando na beira do rio e cuidando das suas pescarias homéricas, famosas nas
cercanias de Ventania. Os dois, emocionados, abraçaram-se e recordaram o passado.
Falaram de Calixto Luppi, de Rômulo Guilhermino, de Tetelo e de suas andanças pelas
serras de Guapé. Aníbal Peres, proprietário do restaurante e da bomba de gasolina
abraçou emocionado o neto do Chico Tropeiro que casou com filha de fazendeiro em
Mandassaia e não voltou à terra sagrada que lhe viu nascer. Aníbal, comovido, limpou
com a manga da camisa as lágrimas que escorriam do seu único olho e exclamou:
- Como foi bom você dá as cara Zé Alves. Isso aqui vai acabá homem de Deus!
O pequeno empresário de São José da Barra, de cabelos prateados cobrindo as
orelhas, rosto sulcado pelas rugas profundas, barba por fazer, suspirou fundo olhando
para a cidade baixa, para o templo religioso e disse, com pesar:
- Vai ser o fim do mundo. As Furnas vai jogar água na nossa cidade. Até a torre
da Igreja vai ser coberta pela maldita represa!
Wilfredo o pescador, rosto queimado de sol, cabelos ligeiramente grisalhos e
fartos tirou os óculos, fez uma pose de artista italiano e falou compassadamente:
- Vai acabar a pescaria de rodada e São José da Barra será submersa. Vamos
ter que mudar daqui. Vão transformar o nosso paraíso terrestre em um inferno!
Fez mais uma pausa o filósofo da beira rio, suspirou fundo contemplando as
várzeas quilométricas da barra, na confluência do Rio Grande com o Rio Sapucaí e
voltou a falar, de maneira descritiva:
- Os fazendeiros do Carmo do Rio Claro pensam em resistir. Eles vão organizar
passeatas, fazer protestos e tentar impedir a construção da barragem. Mas sei que tudo
isso vai dar em nada, pois contra a força não há resistência.
A argumentação lógica entre o fazendeiro e o executivo de Furnas
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  • 2. 17 - São José da Barra - a Cidade Submersa 18 - O Inferno na Garganta do Diabo 19 - Passos - Terra de Zebuzeiros 20 - São João Batista do Glória - a Cidade Perdida 21 - Chico Pantaneiro & a Represa 22 - Retorno a Mandassaia TERCEIRA PARTE: 23 - São Joaquim da Serra Negra 24 - A Compra da Fazenda do Muzambo 25 - A Escritura 26 - Conversa de Família 27 - A Vacada de Leite 28 - Carmo - a Terra da Tormenta 29 - O Hotel São José & os Furneiros 30 - Os Belicosos Trumbucas 31 - Os Vaqueiros da Mandassaia 32 - A Parteira de Barranco Alto 33 - As Ciganas QUARTA PARTE 34 - A Igreja de Barranco Alto 35 - A Carpintaria do Fulgêncio 36 - O Baile de São João 37 - A Tragédia no Sapucaí 38 - O Encontro de Maria Rita 39 - As Aves Agourentas 40 - O Futebol da Roça 41 - A Bebedeira 42 - Gaspar Lopes & a Maria Fumaça QUINTA PARTE 43 - Campo Redondo - um Marco na Historia de Alfenas 44 - A Telefonia nos tempos de Romeu Vieira 45 - A Conversa dos Vieiras 46 - O Pernoite no Campo Redondo 47 - A Rebeldia no Muzambo 48 - O Campinho & a Represa de Furnas 49 - A Hospitalidade Mineira 50 - Alfredo Thiers Vieira - o Profeta do Campinho 51 - Fazenda do Porto - um Marco Histórico no Cabo Verde 52 - André Vieira - o Prefeito de Peso 53 - O Triunfo dos Itálicos
  • 3. SEXTA PARTE 54 - A Fazenda das Pedras 55 - O Jeca Tatu de Perdões 56 - O Tarefeiro da Fazenda das Pedras 57 - A Cata do Marolo 58 - A Boiada dos Roceiros 59 - Totó - o Cão Sarnento 60 - O Infante de Tunico Pereira 61 - Emerenciana Alves - a Pistoleira 62 - Candeias - a Terra da Esperança 63 - O Justiceiro de Candeias 64 - Cristais - a Terra do Garimpo 65 - As Confissões de um Garimpeiro SÉTIMA PARTE 66 - O Decreto Presidencial 67 - Campo do Meio - a Terra dos Marrecos 68 - A Ação Cominatória 69 - A Obra da Santa Milagreira 70 - Ventania – a Terra dos Ventos Uivantes 71 - A Descida da Serra 72 - Porto Pena & Chico do Brejo 73 - A Briga de Foice 74 - A Nossa Senhora do Carmo 75 - O Encontro com a Namorada OITAVA PARTE 76 - A Colheita do Arroz 77 - A Flor da Mandassaia 78 - Namoro Proibido 79 - Eva & a Maria Fumaça 80 - Carlito Quesada - o Anarquista 81 - As Primeiras Aquisições de Terra 82 - As Controvérsias no Charco 83 - Pereira de Castro - o Comprador de Terras NONA PARTE 84 - Nova Esperança - a Cidade dos Contrastes 85 - O Fim da Chapada 86 - A Terra dos Coqueiros 87 - Totonho - o Fazendeiro de Coqueiral 88 - Missa, Futebol e Bordel 89 - A Partida de Futebol 90 - O Baile Dorense
  • 4. 91 - O Meretrício de Boa Esperança 92 - Totonho - o Coronel 93 - Briga de Bordel 94 - O Fuxico das Comadres 95 - A Pensão da Chapada 96 - Agitação contra Furnas 97 - Nepomuceno e a Resistência DÉCIMA PARTE 98 - Águas Verdes 99 - O Ninho da Conspiração 100 - Orações do Padre Chico 101 - Os Leprosos de Campo do Meio 102 - O Orfanato do Padre 103 - Os Ipês Floridos de Campo do Meio 104 - A Usina dos Marrecos 103 - Em Defesa de Furnas 104 - A Primavera em Campo do Meio DÉCIMA PRIMEIRA PARTE 105 - Campos Gerais – Terra de Josino de Brito 106 - A Cachaçada do Galo 107 - A Dor de Dente 108 - Os Vereadores do PSD 109 - A Caravana de Campos Gerais 110 - A Exposição Agropecuária 111- Os Expedicionários da Pedra Branca DÉCIMA SEGUNDA PARTE 112 - As Aventuras de um Picareta 113 - A Briga de Boate 114 - Tereza - a Mulher do Rio 115 - Uma Noite de Amor 116 - Brasília & a Copa de 58 117 - Cadê o Dinheiro? 118 - A Prisão de Zé Pretinho 119 - Taturana - o Machão 120 - O Casamento de Eva DÉCIMA TERCEIRA PARTE 121 - O Amor à Terra 122 - A Proposta de Compra 123 - Borjão - o Zebuzeiro 124 - Areado - a Terra dos Biscoiteiros
  • 5. 125 - A Rapadura das Anhumas 126 - As Expropriações nas Anhumas 127 - Pacheco - o Areadense Valentão 128 - Paraguaçu - Terra do Marolo 129 - Fama - Terra dos Peixeiros 130 - As Novas Decepções de Tião Borges 131 - Serrania - Terra da Água Limpa DÉCIMA QUARTA PARTE 132 - A Charqueada de Campo Belo 133 - A Florada do Capim Gordura 134 - O Cafezal dos Alves 135 - O Desfecho da Neurose 136 - O Pega pra Capar 137 - Divisa Nova - A Velha Conceição da Bela Vista 138 - Machado - A Terra dos Morros 139 - A Descida pelo Rio Machado 140 - A visita Inesperada 141 - A Velhacaria do Bertolucci DÉCIMA QUINTA PARTE 142 - O Comício da Vassoura 143 - O Comício de Poços de Caldas 144 - A Fala do Candidato 145 - Sanico - a Nova Liderança de Alfenas 146 - A Posse de Jânio Quadros 147 - Os Gabirus do Baguari 148 - Lavras - a Capital das Flores 149 - Figuras Ilustres de uma Cidade Histórica 150 - A Serra da Bocaina 151 - O Preto Velho da Serra 152 - O Almoço de Nhá Maricota 153 - A Renúncia de Jânio DÉCIMA SEXTA PARTE 154 - A Fazenda da Grama 155 - As Tertúlias da Grama 156 - A Gruta de Itapecerica 157 - O Lobo Guará 158 - As Aventuras dos Ferreiras 159 - Quem Vai Convencer a Mulher do Bertolino? 160 - Tempestade na Tromba 161 - A Cachoeira das Cruzes 162 - O Sitio Arqueológico do Carmo
  • 6. 163 - Capanema – a Bandeira da Tormenta DECIMA SÉTIMA PARTE 164 - Formiga - a Capital do Piano 165 - E o Sambão das Periferias 166 - Marília - a Odalisca de Formiga 167 - Maria Dutra - a Flor de Guapé 168 - As Fruteiras do Falecido 169 - O Criador de Porcos de Santo Hilário 170 - A Fazenda da Correnteza 171 - A Desapropriação de Chico do Brejo DÉCIMA OITAVA PARTE 172 - Os Mineiros no Ocoi 173 - A Cadeia do Batalhão de Fronteira 174 - O Rancho Queimado 175 - Benevides - o Vingador 176 - Mandassaia em Polvorosa 177 - João Manoel - o Curador 178 - As Obrigações Religiosas dos Alves 179 - A Visita de Pereira de Castro 180 - Napoleão Sales - o Empreendedor 181 - A Retifica do Bindo Luppi DÉCIMA NONA PARTE 182 - Varginha - a Terra do Café 183 - O Thomé do Rio Verde 184 - A Copa de 62 185 - Três Pontas - a Princesa das Gerais 186 - Córrego do Ouro & a Bagunça do Galo 187 - A Limpeza de Área 188 - O Represamento das Águas 189 - A Chegada das Águas em Barranco Alto 190 - Sexta Feira - Dia 13. VIGÉSIMA PARTE 191 - Quincas Pantaneiro - o Sem Esperança 192 - Em Busca de Socorro 193 - Capitólio - a Terra dos Lagos Azuis 194 - Pium-I - a Terra dos Borrachudos 195 - A Pimenta - a Terra Ardida 196 - Falta D’água no Meio de Tanta Água 197 - A Tragédia na Zona 198 - E o Depósito de Lixo Humano
  • 7. 199 - São João Batista do Glória - o Paraíso Perdido 200 - A Inauguração da Obra já Inaugurada. DEPOIMENTOS Ida Vieira Luppi Iná Vieira Casseb Ilma Manso Vieira
  • 8. PREFÁCIO O diálogo entre o executivo de Furnas e o fazendeiro de Alfenas, que mal tinha as primeiras letras, constitui ponto alto do livro do Ildeu. A argumentação lógica e os contornos psicológicos que tornaram tão conhecido e famoso aquele diálogo entre o homem da roça que ia ter as terras inundadas e o pretensioso funcionário chefe da hidroelétrica, agora transcrito no livro “Mandassaia”, revelam a intenção com que o livro foi escrito e as palavras que soam jovens e atualizadas, quase 50 anos depois. - Eu não aceito provocações de caipiras, de pessoas mal-educadas que não entendem nada de desapropriações de terras! - foi a investida de Carlos Mário Faveret, respondida assim pelo velho Borjão: - Eu não estou aqui para ouvir desaforos de gaúcho safado! Vários acontecimentos marcantes podem ser conhecidos ou revividos na história da construção da hidroelétrica de Furnas, no sul de Minas. O autor foi funcionário da empresa por vários anos. As pessoas transformadas, às vezes em personagens, soam com nomes familiares pelo menos para a geração que testemunhou Furnas nascer: Romeu Vieira, Nelson Lopes, Manoel Taveira, Olympio Cardoso, José Matilde (dono de hotel em Carmo do Rio Claro), Joaquim Astolpho Vilela, Serafim Aguirre, Alfredo Thiers Vieira, Adolpho Engel, Noé Azevedo, Geraldo Freire, Emílio da Silveira, Leonardo Lomonte, enfim, painel de gente e paisagem envolvidas de um modo ou de outro no que era chamado de “crime do século”. O livro do falecido Ildeu Manso Vieira descreve as cidades e a região e nos leva à década de 50 com grande facilidade e, o que é melhor, com grande encanto. O lado rural da região fica desde logo evidenciado, inclusive pela lembrança das denominações: São Joaquim da Serra Negra é Alterosa, Carmo das Tormentas é Carmo do Rio Claro, Ventania é Alpinópolis. Mais do que agora, fica patente que as pessoas e as terras têm possante e talvez exclusiva vida agrícola e que as cidades e vilas têm relativa importância nesse cenário. No episódio da construção e desapropriação, Ildeu deixa claro no seu livro que a alta cúpula de Furnas não tinha nenhuma preocupação com o desenvolvimento ambiental, com a ecologia. Essa área era reservada aos funcionários que tinham menos poder. Eles tinham mais sensibilidade: os outros agiam como o “gaúcho” na discussão com o Borjão. Por outro lado, os desapropriados de modo geral estavam envolvidos com suas terras e o valor da desapropriação. Quanto aos políticos - bem - alguns pensavam na boa oportunidade de desgastar o PSD e atrair os fazendeiros historicamente partidários de Juscelino Kubitschek. Quando, no Clube XV, compareceu o engenheiro Jonh Reginald Cotrim, então Presidente de Furnas, essa visita deveria ser tão importante para Alfenas como se fosse
  • 9. a do Presidente dos Estados Unidos. Mas nada, totalmente nada, foi inteligentemente solicitado ou pedido a ele. Procurava-se ofender Cotrim e os discursos dos políticos e prefeitos eram enfadonhos e cansativos. O livro “Mandassaia” revela, por último, que Alfenas não usufruiu do grande “contador de casos” que foi Ildeu Manso Vieira. Nós deveríamos ter tirado dele os talentos que tinha como escritor. Nós deveríamos estar bem perto dele. Como, no caso de Furnas, nós deixamos que ele fosse expropriado. Os que sabiam se calaram. E nós, que não sabíamos de seu vigor artístico e humano, sinceramente, lamentamos hoje, não tê-lo visto e ouvido mais. Edson Antônio Velano.
  • 10. REFLEXÕES SOBRE O LIVRO, O AUTOR, A VIDA E OUTRAS COISAS É uma tarefa difícil comentar livros. Mais difícil ainda é falar de um autor que já passou para o andar de cima, particularmente, tendo sido o único irmão homem. E o mais velho dos cinco. É mais fácil falar sobre coisas, vida, sonhos. Livro é obra cuja proposta é pessoal. Cada um escreve o que quer e o que pensa. E os leitores concordam, ou não, se identificam com o pensamento do autor integralmente ou em parte e vai por ai afora, com várias combinações. Autor é pessoa, é gente, é mistério, é mundo complexo, cheio de fantasias e realidades, de sonhos, venturas e desventuras e dono das palavras que vão causar emoções de todos os tipos. Quando então o autor do livro é irmão com quem a gente teve a oportunidade de conhecê-lo quase por inteiro, com minúcias em alguns aspectos, a emoção tem um caráter especial. É maior, mais angustiante, quase sufocante mesmo. Fico imaginando em tudo aquilo que ele escreveu em Mandassaia e que lhe corroeu entranhas, comeu tempo, absorveu energia e, muitas das vezes, não foi explicitado como ele queria, imaginava, desejava passar para o leitor. Sim, porque o drama da criação, particularmente o do texto, envolve o conflito da ideia que como disse Augusto dos Anjos: Vem do encéfalo absconso que a constringe, chega em seguida às cordas da laringe, tísica, tênue, mínima, raquítica... quebra a força centrípeta que a amarra, mas, de repente, e quase morta, esbarra no mulambo da língua paralítica”. Este conflito entre o pensar e o falar; o ter a ideia e coloca-la para fora - e pretender que os outros entendam o que se quer dizer - é um desafio permanente para o homem principalmente nos dias de hoje quando vivemos a era da Comunicação Total. Nunca se avançou tanto no processo da comunicação e nunca se comunicou tão mal como nos dias de hoje. E esta angústia de falar sobre o livro do Ildeu é enorme porque tenho absoluta consciência de que, em Mandassaia, há uma riqueza de informações, de questões sociológicas, políticas, culturais, antropológicas que foram colocadas através de um enorme trabalho de pesquisa, mas que não vão ser captadas, percebidas, assimiladas, por gente que precisava, devia, tinha de ter conhecimento disto. Por pessoas que até
  • 11. nem vão ter acesso ao livro, porque certamente ela vai rodar em geografia restrita, regional, neste nosso sul de Minas onde o assunto é conhecido, exaustivamente. Entretanto, a experiência vivida pelo Ildeu, enriquecida com sua arte “de contar causos”, registra uma imensa riqueza existencial que privilegia a criatividade do nosso povo, da nossa gente que, mesmo inculta, sem letras, é capaz de criar. Até porque, na verdade, ser criativo, não tem nada a ver com erudição, conhecimento, cultura. Privilegia, também, a esperteza, a rapidez das ideias, a capacidade de se safar de situações difíceis, complicadas, amargas muitas vezes. Privilegia a revelação das armações, dos jogos de interesse, as frustrações, os desapontos, os atos de coragem, de bravura e de pusilanimidade, sonhos, decepções, esperanças. Enfim, tudo aquilo que está dentro, que é intrínseco na criatura humana, está em Mandassaia - um simples, modesto, rústico e apagado ponto de Barranco Alto que veio a ser, um dia, um distrito de Alfenas. Se pensarmos com um pouco mais de audácia, sem muito exagero, podemos imaginar algo assim: nossa galáxia com bilhões de planetas, astros, estrelas, asteroides, corpos celestes e todas as leis que regem o seu funcionamento, aquele imenso e maravilhoso caos organizado. Num ponto desta galáxia tem a via Láctea. E, nela, um determinado sistema solar. Nele, estão o nosso sol (que é de 5ª grandeza), os planetas vizinhos com e sem satélites e aquela imensidão de estrelas e espaços vazios, imensos. Neste sistema, tem um planeta, a terra, dividida em continentes e oceanos. Um dos continentes, o Americano, dividido em três partes sendo que, em uma delas, tem um enorme país, o Brasil. No Brasil dividido em vários estados, temos um deles, um dos maiores, Minas Gerais. Dentre os mais de 500 municípios de Minas, tem um, Alfenas, que está agrupado com centenas de outros das mesmas proporções. Num canto de Alfenas, um distrito, um dos seus pedaços, Barranco Alto. E, em Barranco Alto, uma ponta, um pedaço dele, Mandassaia. Foi lá, naquele pontinho do Cosmos infinito que Ildeu resolveu fundamentar a sua história e traçar elementos que têm a dimensão do universo. Não vamos falar aqui do livro, fazer análise literária, contar histórias que estão contidas nas páginas de Mandassaia. Nem vamos falar do escritor, do irmão, do amigo, da figura política do autor porque não nos cabe fazer proselitismo disto. Qualquer coisa que dissermos a respeito vai soar falso. Falar mal, não falaria. Falar bem, não pega bem. Não convence. Não agrega. Dizer sobre o que o Ildeu poderia ter sido, não tem sentido porque coisa nenhuma poderia ter sido aquilo que não foi. A história é uma Ciência que não admite o se: se Hitler tivesse dominado o mundo, nós estaríamos na situação X ou Y; se Jango não tivesse sido deposto o Brasil estaria hoje melhor; se não fosse o golpe de 1964, nós estaríamos hoje pior. Nada disto interessa do ponto de vista histórico, porque não foi, não aconteceu, não realizou.
  • 12. O Ildeu viveu uma vida, a dele, da melhor forma possível, dentro do seu ponto de vista. Foi um ativista político desde garoto. Foi um sonhador. Viveu nas asas de um sonho. Que ele não esperava, não imaginava que pudesse encontrar nesta vida. Imensamente incrédulo, em algumas coisas e de uma credulidade quase ingênua em outras. Corajoso, fraterno, solidário, sempre. Carente, frágil, mas com uma vergonha - inconsciente - de revelar-se frágil. Queria se mostrar forte, em todas as circunstâncias. Pensando na felicidade do mundo, na libertação do homem, no fim da injustiça, numa sociedade onde o primado do sublime fosse o real, ele viveu apaixonado por uma ideia que seria boa para todos. E se esqueceu dele. Acabou negligenciando a saúde. Não se cuidou. Num certo momento, não pode. Em outro, quando podia um pouco, achou que era melhor esconder os problemas debaixo do tapete para que ninguém percebesse o quanto estava frágil. Ele não podia passar a imagem, a ideia, de fragilidade. Ele era um forte. Escreveu seus livros, registrou suas experiências, contou suas histórias e conseguiu, merecidamente, colher alguns frutos, algumas glórias, embora um pouco efêmeras. Mas elas lhe deram ânimo para continuar um pouco mais. Além de Memórias Torturadas (e alegres) de um Preso Político, nas quais conta, em detalhes, a sua prisão em Curitiba e as torturas que sofreu para delatar (não delatando) companheiros e as atrocidades cometidas pelo ex-glorioso Exército do Brasil e pelas forças policiais a serviço da selvageria, ele escreveu uma história da colonização do Norte do Paraná. E, no rastro destes escritos, foi convidado para fazer palestras, contar “causos”, revelar curiosidades para variadas plateias o que lhe enchia de alegria, de satisfação, de orgulho. Não teve tempo de ver Mandassaia. Nem sequer me pediu que fizesse o copidesque embora tivesse me alertado que ia enviar os originais, pois queria um crivo meu. Crivo e revisão que já tinha feito com Memórias Torturadas e com a História do Norte do Paraná. Agora com Mandassaia, sua obra literária está completa. Uma trilogia que retrata as venturas e desventuras de um Dom Quixote do interior de Minas. Que um dia, jovem ainda, no antigo prédio da ex-faculdade de direito de Alfenas, ganhou um concurso, num júri simulado, conseguindo absolver Calabar da pecha histórica de traidor da pátria. Como traidor da pátria, se não existia pátria? O que existia era uma colônia portuguesa. E que se fosse colonizada pelos Espanhóis, teria um futuro melhor. Portanto, se Calabar traiu, traiu Portugal. Nunca o Brasil. Esta foi a tese que ele defendeu e que lhe deu o reconhecimento como “promissor causídico”. Ele acreditou, ali, que poderia ser um grande tributo. Foi para o Rio, fez vestibular para Direito, passou e frequentou até o 2º ano. Envolvido em política estudantil, em campanhas políticas pelo nacionalismo e, depois, por atividade sindical,
  • 13. dedicou sua vida ao PCB, entregando-se de alma, corpo, pensamentos e todo o seu tempo, a uma causa que sempre soube difícil mas que acreditava praticamente ganha. No meio dos seus textos de Mandassaia, dá para perceber os recados que ele tenta passar para aqueles que têm olhos de ver e ouvidos de ouvir. Para os que não têm, o livro vale pelas histórias curiosas, interessantes, relatos e causos que são comuns às vidas das pessoas. E tudo que envolve a vida das pessoas, seus comportamentos, hábitos, jeito de ser e de falar, tem seus encantamentos. Que o Ildeu, agora encantado, agradeça lá do andar de cima ao Edson Velano, o patrocínio por esta edição enquanto nós, o irmão, as irmãs e os filhos dele (Ildeu, Henrique, Julio Cesar e Leonel), aqui de baixo, formalizam este agradecimento, oferecendo ao Edson, os nossos corações. Isnard Manso Vieira.
  • 14. I N T R O D U Ç Ã O e H O M E N A G E N S COMO FORMA DE APRESENTAR A HISTÓRIA No inicio do governo de JK, o gigante que estava adormecido em berço esplêndido levantou-se rapidamente. Em campanha eleitoral Juscelino prometera – “cinquenta anos em cinco”. O que ele queria dizer é que daria um progresso de 50 anos em apenas 5 de governo. E, apesar de tudo e de muita gente contra, cumpriu o prometido. Para colocar em prática a sua meta desenvolvimentista, tecnocratas competentes elaboraram cuidadosamente o Plano Nacional de Desenvolvimento. A base para o progresso, na concepção do Juscelino, estava na expansão da produção industrial. JK, ex-prefeito de Belo Horizonte e ex-governador de Minas Gerais, que já tinha empolgado os mineiros com o binômio Energia e Transporte sabia que era impossível industrializar o Brasil sem equacionar o problema da energia elétrica. Na época, monopólio dos trustes: Light e Bond and Share. Estribado na estratégia nacional-desenvolvimentista JK projetou a construção da hidroelétrica de Três Marias, no rio São Francisco, e na de Furnas, no rio Grande. Ambas em Minas Gerais. A Central Elétrica de Furnas S.A. - empresa de capital misto - registrada no 15º Tabelião do Rio de Janeiro, em fevereiro de 1957, colocou em alerta os proprietários de terras do sul de Minas, localizados na bacia do rio Grande e do rio Sapucaí, o seu principal afluente. No mesmo ano o Presidente da República assinou o decreto outorgando a Furnas a concessão de aproveitamento da energia das Corredeiras de Furnas, no rio Grande. Os mineiros, assustados, entraram em polvorosa. O problema foi seriamente agravado quando JK assinou o decreto 43.187, no dia 10 de fevereiro de 1958, um ano depois da constituição da Central Elétrica de Furnas S.A, declarando de utilidade pública os imóveis e benfeitorias situados nas áreas de terras necessárias à construção da barragem e do reservatório. Naquela ocasião os mineiros da bacia do rio Grande e do Sapucaí tornaram-se coesos e mobilizaram as mais variadas e expressivas correntes políticas e lideranças regionais para desafiar as investidas da poderosa companhia mista que tinha, como o seu principal acionista, o governo federal. Comentava-se que o gigantesco empreendimento atingiria 250 km pelo braço do rio Grande e 150 pelo braço do Sapucaí, inundando algo em torno de 70 mil alqueires de terras no sul de Minas Gerais. O reservatório seria dez vezes maior do que a baía de Guanabara, cobrindo terras de 30 municípios. Mais de 35 mil pessoas deveriam ser removidas e as melhores glebas condenadas pela represa, restando para a lavoura apenas os campos ácidos cobertos de barba-de-bode, as fraldas dos morros
  • 15. pedregosos e os chapadões erosados. Os 120 quilômetros da estrada de ferro da RMV - Rede Mineira de Viação - também estavam condenados por Furnas, que se transformava no terror dos mineiros que teimavam em viver nas terras daquela região. Naquela ocasião eu morava no Rio de Janeiro, já casado, com dois filhos, era funcionário do Bradesco, diretor do Sindicato dos Bancários e acadêmico de direito. Apologista de Furnas, desde o primeiro momento, fui contratado1 pela empresa para trabalhar no DSR – Departamento de Serviços do Reservatório – com a função especifica de fazer as expropriações amigáveis das terras e benfeitorias inundáveis e ajudar a pacificar os mineiros belicosos que estavam em pé de guerra. Em contato direto com os expropriados, com as lideranças regionais e prefeitos dos municípios afetados e também com os diretores da empresa mista, presidida por Jonh Reginald Cotrim, comecei a escrever este livro, ainda no Rio de Janeiro, nos idos de 1956. Mandassaia é, portanto, um trabalho baseado em fatos reais e verídicos. Fatos que vivi intensamente e que fui coletando no dia-a-dia dos meus trabalhos naquela região do sul de Minas, bem como nos escritórios da Central Elétrica de Furnas, em Alfenas e na central, na Rua São José, 90, no Rio de Janeiro, naquela época Capital da República. Pensando como Stendhal de que o escritor deve ser o intérprete do seu tempo. eu não poderia deixar passar uma oportunidade destas e não registrar ou documentar acontecências tão significativas. Assim é que escrevi a primeira parte deste livro no período de 1956 a 1964, no exato momento em que a história estava acontecendo. Naquele momento Furnas era considerada, pelos expropriados e políticos (que não pensavam no futuro da pátria e sim nas próximas eleições), o crime do século. Os casos narrados na obra realmente aconteceram. Os personagens são reais, gente viva de carne e osso. Houve, é claro, por questões óbvias, pessoas que foram retratadas por codinomes para evitar constrangimento aos familiares, conhecidos, amigos e sucessores. O livro ficou durante alguns anos, jogado no fundo do baú, em Alfenas. Só depois de 43 anos, estimulado por jornalistas, amigos e historiadores a quem eu contava ou narrava capítulos da história ou mostrava pedaços dela, resolvi publicar Mandassaia, objetivando resgatar a história pitoresca da região e das belas tradições dela que teve a sua fisionomia totalmente mudada por Furnas. As preocupações ao divulgar este trabalho foram basicamente quatro. A primeira foi a de apresentar um livro sucinto, síntese dos principais acontecimentos daquela época, quando Furnas era considerada como o crime do século. Não obstante, ao concluir a obra, percebi que o 1 Uma das razões da minha contratação, que pesou muito na balança, foi o fato de ser de Alfenas, ter vivido lá toda a minha juventude e conhecer toda a região, famílias, pessoas e ter um relacionamento estreito e profundo conhecimento com a vida daquela região.
  • 16. livro ficou muito volumoso em virtude da rica história das cidades e dos municípios lindeiros da bacia de Furnas. Isto me levou a desmembrar a história em três volumes, a compreender: 1. MANDASSAIA – naquela época, quando Furnas. (o presente livro) 2. A HISTÓRIA DE FURNAS & A ENERGIA NUCLEAR. 3. IGREJAS & CIDADES SUBMERSAS. A segunda preocupação foi a de não escamotear a verdade. A de ser fiel aos acontecimentos de uma época, mesmo contrariando os interesses dos coronéis, dos políticos e dos próprios diretores da Central Elétrica de Furnas. E a terceira preocupação não ferir pessoas, não magoar, não maltratar, não apresenta-las com uma avaliação negativa, crítica, notadamente os expropriados, as grandes vítimas do represamento das águas do rio Grande e do rio Sapucaí. A quarta e última preocupação foi a de resgatar os costumes e a linguagem dos pirangueiros da beira-rio e também dos caboclos montanheses que viviam e vivem nos píncaros da Mantiqueira, cultuando suas crenças e mantendo seus costumes e tradições. Procedendo desta maneira eu entendo que cumpri com o meu dever de escritor e coloco assim o meu trabalho à apreciação dos leitores. Ildeu Manso Vieira.
  • 17. HOMENAGENS NECESSÁRIAS, JUSTAS E MERECIDAS Aos candangos que trabalharam na barragem de Furnas, enfrentando todos os tipos de adversidades, inclusive a discriminação racial colocada em prática pelos ingleses; aos peões do DSR - Departamento de Serviço do Reservatório, que rompiam a lama estagnada dos charcos, enfrentando epidemias, víboras e cães; aos topógrafos comandados pelo Engenheiro Normando Trindade e motoristas que prestaram um serviço relevante ao empreendimento idealizado por JK, as minhas homenagens. Não posso também deixar de homenagear os engenheiros agrônomos Albert Frase, Plínio Fleury e Paulo Ernesto Coelho, os 3 mosqueteiros de Furnas, bem como os advogados que cuidaram da desapropriação por convenção amigável, destacando- se Gil Rodrigues, Geraldo Ernesto Coelho, Geraldo Andrade, Vicente Vignolle, Gilson Barbosa, José Faria de Carvalho, João Barbosa Capanema, Atila Brandão e Aldo Motta, além do Luiz Miranda - o gigante do Departamento Jurídico - que preparava com eficiência a documentação para a lavratura das escrituras. As homenagens são extensivas a todos os funcionários lotados nos escritórios de Alfenas, cabendo mencionar o Normando Trindade, João Salgado Lemos, Cláudio Enéas, Elias Gomes da Conceição, Benedicto de Mattos, Geraldo Macedo, Hilário, Jesus, Sócrates e tantos outros. Finalmente pretendo homenagear os compradores de terras, os funcionários do DSR que graças à verve do asfalto, à habilidade impecável na condução dos negócios expropriatórios e à coragem desassombrada enfrentando dificuldades de diversos tipos e até ameaças de morte, conseguiram fazer os ajustes com os proprietários das áreas inundáveis, colaborando de maneira eficiente para o êxito do empreendimento. Portanto, ao Sebastião Borges, Pimenta, Vavá, Lemos e Castro - heróis anônimos da história de Furnas - o tributo do autor. Ildeu Manso Vieira.
  • 18. INTIMIDADES E MINEIRICES No falar do povo norte paranaense, quitanda é o estabelecimento onde se negocia hortaliças e cereais; barraquinha é o abrigo de lona apropriado ao acampamento rural, ou à venda de verdura nas feiras. Já no linguajar da gente mineira, barraquinha é o lugar onde se vende verduras e cereais, e quitanda é uma série de guloseimas caseiras. Em nossa casa mineira, nos idos tempos de nossa infância, a quitanda era farta e gostosíssima. Broas, broinhas de fubá, biscoitos, sequilhos, bolinhos fritos de polvilho, rosquinhas de farinha de trigo, ôta lembrança que dá água na boca! Dna. Bertilha e Benedita, o cheiro do alecrim, da vassoura, as cinzas do borralho fumegante, o forno varrido, o claro do seu “suspiro”, as latas assadeiras. E as roscas trançadas, de casca amarronzada e miolo amarelinho? Delícias que eram para a semana inteira. Quando a parte da gente grande ia chegando ao fim, a porção da criançada era separada. E às vezes ainda ”havia roubo”, pestinhas! É pena que a mineira que vira norte paranaense se esqueça das doçuras nutritivas lá da sua terra. Quitandas, mas quitandas mesmo é só as lá em Minas. Mamãe Bertília, de vez em quando, brindava-nos com uma preciosidade sem igual, um tal de pé-de-moleque. Há muita diferença entre satisfazer um paladar delicado e encher certas vísceras da barriga. Cedo aprendemos isto. Pela apreciação das guloseimas, nada lhe devemos mãe amada! Mãe branca e mãe preta. Com gosto da quitanda e do pé de moleque, aprendemos mais uma clara verdade - um quê a mais. Comer quitanda “tomando café” é dar-lhe o gosto do café, mas saboreá-la “bebendo leite” é perceber melhor o seu delicado gosto - o seu quê importante, especial. Informados por um anúncio de revista, compramos um livro que ensina a ler. Livro grosso, leitura que dá o que fazer ao paciente leitor. Depois da sua leitura, passamos a ler de maneira diferente. Perdemos o costume de ir - direto, em princípio - do prólogo ao epílogo. Antes do ataque maciço lemos aqui e ali, agora e depois. Uma frase e um trecho, um verso e um poema. A leitura duma página, o prosseguimento. Livro fechado, damos asas à imaginação. Com o comer da quitanda, pausadamente, com a leitura nunca afoita, aproveitamos melhor as duas coisas. A sensibilidade eleita aprende a não correr para evitar o comum tropeço. Aquele que aprende a bem aproveitar as coisas da vida, com elas mais e melhor vive. Deu-se-nos história, o amigo! Não confundir estória - invencionice, com história - vivida de concreta presença. Ildeu, o moço que, é história ao historiar, estudou em colégio do sul de Minas, onde também estudei, é história ao historiar terra e povo.
  • 19. Tomamos o livro em preparo e fomos aos princípios. Um trecho aqui, outro acolá, uma demora, um avanço, um adiantamento. Ao nos achar em condições de ler o relato “do princípio ao fim” nossa vida tinha um desejo: galopar Ildeu “povo e terra” afora, adentro. O Ildeu, em “MANDASSAIA... naquela época... quando Furnas era o Crime do Século” é o Ildeu História, a história que ele viveu. Ildeu-afora-adentro. Coisa de “loco!” é o “mineirismo” nosso quando “topa” o mineirismo do telúrico. Quando o olhar quer disparar - em busca do mais, quando a emoção deseja poupar - para não acabar o que vive... é quando o ser humano que somos, acha o que lhe convém. Lendo o relato do Ildeu, temos a mesma satisfação que sentimos quando na mineira mesa tomamos leite e comemos quitanda “estalando a boca”. Em “MANDASSAIA” o narrador amplia-se em homem e natureza. Guimarães Rosa, nas páginas de Grande Sertão: Veredas dá notícia desse crescimento, dessa natureza. Sertão sabe o senhor: sertão é onde o pensamento da gente se torna mais forte do que o lugar. Ô! mineirinho, sô! Historiador e pataqueiro! Narrar, ser história, é enrolar no bom jeito; é contar história sentado na soleira da porta, sentindo os ires da tarde. Você nos lembra do João Gustinho, nosso amado pai preto. Que nos contava patacoadas! Começava - não no começo, terminava - não no fim. Quando ele falava, contava seus “causos” sem pé nem cabeça. Quem o ouvia prestava atenção viajava... ficava encantado... Você pataqueiro da pena maravilha e deslumbra; na simplicidade bem enrola o velho pataqueiro. Sabemos os seus rumos, andamos suas veredas. Vamos, meu leitor, sentir um pouco das patacoadas do Ildeu. - Cê tá loco... quisperança, siô! A união de que esperança é “telurismo puro” coisa refinada! Também o é a transformação de senhor em “siô”. Palavreado não carece de levantar voo - “véve bem no chão”. - O Senhor fez um ótimo negócio! - É... mó que furei o zóio dele. Que dicionário registra furei o “zóio?” Ildeu fez-nos rir, gostosamente, às 4 horas da manhã. Que frase mais engraçada. É só comparar “mó que furei o zóio dele” parece que furei o olho dele (passei-lhe para trás). Rindo e vibrando, aplaudimos a nossa lembrança. Ele demorou porque “foi chegá a égua véia no cupim.” E o livro do Ildeu ainda não se contentou com isso. Mas, mesmo apesar da postura do Antoniel, da sua firmeza, Ismael deu uma olhada indiscreta para a égua pedrez, que era mal falada em toda a Mandassaia. Tem um quê, um raio de trem - de mais - nessa égua, nesse cupim, que avivam as lembranças de muito “macho da roça”.
  • 20. O interessante que se nota é certo respeito, certo pudor nos personagens. Hoje em dia, a “abertura” leva o jovem a um natural despudor. La no alto da pedreira, alguém, “pode ser u'a mocinha” escreveu Sujismunda puta. Sujismunda puta, verso bonito! Redondilha menor, com acentuação na terceira e na quinta sílabas, seu encanto embalador, rouba o feio da sua alma suja. - “Ai dá na mesma pataca, uai...” Mineiro, que é mineiro da gema conhece por pataca u’a moeda antiga. Mas usa tal palavra em substituição a coisa. - Ai dá da mesma coisa, uai... Lendo os romances de José Lins do Rego, encontramos frases admiráveis - joias preciosas do ilustre paraibano. Referindo-se às cigarras e às arvores, escreveu o historiador do ciclo da cana de açúcar do Brasil: “Em tudo o que é pé de pau, canta uma cigarra”. Deu-se muito bem o ilustre escritor. Para quem tem a coragem de sair, tal maneira de existir, é algo maravilhoso. Nosso Ildeu foi assim arrojado ao por na boca de um dos seus personagens: - Tunié, tá mais mió de bão. É preciso comentar esse mais mió de bão?” Caipirice dessa nenhum escritor-historiador carece de ter vergonha de pagar o pecado da transmissão”. Quantas vezes sentamos na soleira duma porta e ouvimos frases “beira chão” do Bastiãozinho da Maria Bernarda! Elas adoçavam a narração da história da vida infante do personagem que somos, uai! Epílogo Ildeu, vamos às lembranças do “terno de brim caqui ao mais mió de bão”. Permaneça nas veredas do sertão do sul de Minas. Também nelas estamos em forma de saudoso aplauso. Há na sua narrativa o gosto do pé-de-moleque, da quitanda da Dna. Bertília, um pedacinho do céu da boca, muitos pedacinhos nos céus da memória. Célio de Alencar.
  • 21. M A N D A S S A I A ...naquela época, quando Furnas era o crime do século. PRIMEIRA PARTE É bom não esquecer que o inventor do alfabeto foi um analfabeto. (Millor Fernandes). BARRANCO ALTO DOS VELHOS TEMPOS No apagar das luzes do séc. XVIII o lusitano Domingos Vieira e Silva veio para o Brasil. Morou em São João Del Rei, foi para Três Pontas onde teve a fazenda do Morro Cavado para, em seguida, assumir uma sesmaria que lhe foi concedida pelo Visconde de Barbacena, nas terras incultas da bacia do rio Cabo Verde. O português, de origem judaica, sonhador e corajoso, fundou em 1797 o Arraial de São José das Dores da Pedra Branca, que mais tarde recebeu o nome de Alfenas, em homenagem aos pioneiros da família Martins Alfenas, que muito contribuíram para a prosperidade do lugarejo. Anos depois os mineiros de Alfenas fundaram nas barrancas do rio Sapucaí, a 43 quilômetros da cidade dos Vieiras, o Retiro de São João Batista, que nos idos de 1888 passou a ser denominado de Barranco Alto. O local, agradável, de ótimo clima e de boa água, passou a ser distrito de Alfenas. Na década de 1940 desenvolveu-se tanto que chegou a ter Agências dos Correios e do Banco Financial da Produção, vários estabelecimentos comerciais, além de uma fábrica de lacticínios. Orgulho do prefeito Romeu Vieira, um dos descendentes mais politizados do fundador de Alfenas. O transporte de mercadorias para Barranco Alto, que fervilhava de gente, era feito por terra, usando carros de boi e por via fluvial, através de vapores que cortavam o Rio Sapucaí majestoso e sereno. O transporte de gente usava a velha jardineira do Batista que fazia a linha de Alfenas a Carmo do Rio Claro, passando pelo povoado de Barranco Alto, onde o Padre Clodomiro de Mesquita Reis inovava os costumes da Igreja, usando alto-falante, no templo cristão, para divulgar as notícias, as músicas cantadas por Chico Viola, Carlos Galhardo, Vicente Celestino e também os hinos patrióticos. Barranco Alto, na época de Romeu Vieira, tinha políticos de destaque. Olympio Cardoso Machado tinha uma cadeira cativa na Câmara de Vereadores de Alfenas e era o homem público mais ilustre e de mais notoriedade do lugarejo. Matinha
  • 22. fidelidade absoluta ao partido de Benedito Valadares e de Bias Fortes, o PSD,2 que estava sempre no poder, graças à habilidade mineira dos seus quadros. Antônio Borges de Oliveira, o Borjão, vereador perpétuo pela UDN,3 discípulo do Brigadeiro Eduardo Gomes, mantinha o seu curral eleitoral na beira rio e fazia oposição sistemática ao governo do PSD, partido criado por Vargas para agasalhar os ruralistas e os empresários. Não obstante, apesar das divergências existentes entre os dois vereadores, de Barranco Alto, ambos tinham algo em comum. Borjão e Olympio Cardoso eram grandes fazendeiros e criadores de gado zebu. Mas mesmo apesar da militância dos vereadores de Barranco Alto o povoado foi decaindo com a passagem da monocultura do café para a criação de gado. Onde entrava o pé do boi saia o pé do homem. Com a expulsão do ruralista do campo o povoado sofreu as consequências. Os comerciantes encerraram suas atividades por falta de consumidores e o Banco Financial fechou a sua agência. O mesmo aconteceu com os Correios e Barranco Alto foi rapidamente se transformando em uma cidade fantasma. À medida que o povoado esvaziava, crescia os bolsões de miséria. Quando JK assumiu o poder, em 1956, os mineiros da beira córrego suspiraram aliviados. O Plano de Metas do novo presidente arrancaria, na certa, Barranco Alto do marasmo. O redirecionamento capitalista juscelinista animou os alfenenses que viviam naquele distrito que estava pedindo socorro. Falava-se na implantação de indústria de base e na produção de bens duráveis de consumo. Na viagem aos EUA, JK soube responder às provocações do Tio San, declarando: "Os capitais estrangeiros são bem- vindos ao Brasil, e a melhor maneira de combater o comunismo é enfrentando a miséria com prosperidade e não com repressão”. Olympio Cardoso, empolgado com a fala do menino pobre de Diamantina, do ex-médico da Polícia Militar que se tornou conhecido na Revolução Constitucionalista, do ex-prefeito de Belo Horizonte e ex-governador de Minas Gerais, virou em Barranco Alto o mensageiro do otimismo. Montado em sua mula marchadeira, percorria as fazendas, os sítios e toda periferia do povoado pregando o desenvolvimentismo nacionalista de JK, a grande esperança. 2 Partido Social Democrático. Fundado em 1945 e extinto pela ditadura militar em 1965. Liberal- conservador, agregando as principais lideranças ruralistas da época, teve expressões como Benedito Valadares, em MG; Ernani do Amaral Peixoto, no RJ - então DF; Agamenon Magalhães, em PE. Junto com o antigo PTB, de Vargas, formou o bloco pró getulista, em oposição à UDN – União Democrática Nacional. Foram expoentes do PSD mineiro Bias Fortes, Tancredo Neves, Juscelino Kubistcheck. 3 União Democrática Nacional União Democerática Nacional – fundado em 1945, como opositor às políticas e à figura Vargas, de orientação conservadora. Tentou chegar ao poder com o brigadeiro Eduardo Gomes,(45 e 50) e com Juarez Távora 55, perdendo em todas elas. Conseguiu em 60 apoiando Jânio Quadros – que não era filiado à UDN. Foi extinto em 1964 pela ditadura militar. Uma das suas maiores expressões foi Carlos Lacerda.
  • 23. O FARMACÊUTICO & OS CAIPIRAS Em Barranco Alto não eram só os dois vereadores que politicavam. Nelson Lopes, historiador e dentista, filho do senador Gaspar Lopes, trazia em suas veias o sangue do político mineiro; calado, astuto e maneiroso. Vereador dos mais brilhantes, por várias vezes prestou serviços relevantes à comunidade. Sua sobrinha Dora Lopes, a professora prendada da beira rio, também tinha pendores para a política, bem como o seu esposo, Serafim Aguirre, que explorava a única farmácia da região e manipulava, com mestria, fórmulas das mais complicadas que aprendeu na Faculdade de Farmácia e Odontologia de Alfenas, quando universitário. Serafim Aguirre, homem de inteligência aguçada, elegante, testa larga e queixo fino, ligeiramente calvo, nariz greco-romano um tanto avantajado, fazia lembrar a figura do Príncipe Submarino herói nos gibis da década 30 e 40. Ele atendia os fazendeiros e os pobres da mesma maneira, fazendo da sua profissão um verdadeiro sacerdócio. Além desses predicados, era artista plástico dos mais talentosos. Utilizava raízes retorcidas de vegetais, dando vida ao material colhido nos campos ácidos da região. Desenvolvia o trabalho artesanal respeitando a forma das raízes e encantando os forasteiros com a sua criatividade. Percorria os campos em busca de raízes exóticas para transformá-las em peças de rara beleza. Mas os fazendeiros da Mandassaia, um bairro do Distrito de Barranco Alto, não lhe davam tréguas. José Alves, proprietário de várzeas das melhores, plantador de arroz era de todos, o mais crítico. Com o seu linguajar brejeiro, comentava com os vizinhos: - Serafim tá trapaiado das ideia. Vevi pros campo catano furquia de pau e raiz de arvi pra módi fazê uns troço isguelepado. Todavia, o artista plástico não dava importância às zombarias de José Alves e continuava transformando coisas imprestáveis em verdadeiras obras de arte. A FAZENDA DA MANDASSAIA A fazenda de José Alves não tinha a mesma imponência das fazendas dos Vieiras, Vilelas, Leites, Paulinos e Souzas. Mas a sua sede, mesmo velha e muito mal conservada, falava de uma época de prosperidade. O terreirão de café e a enorme tulha eram as melhores provas de produtividade da fazenda que pertenceu a Manoel Rodrigues, avô de Isabel e descendente do português Manoel Rodrigues Moreira. O curral velho, caindo aos pedaços, o paiol com várias tábuas soltas e o muro de taipa, construído por mãos escravas no século XIX, davam provas nítidas de desmazelo. O fazendeiro caipira e convencido costumava elogiar suas terras para os vizinhos, dizendo no linguajar brejeiro de Barranco Alto: - Varjedo mais mió que us meu num ixesti pressas banda, uai.
  • 24. Mas a enchente de janeiro de 1956 chegou a assustar o fazendeiro e seus filhos. Impressionado com o volume d’água no ribeirão da Mandassaia e nas várzeas do Cabo Verde, comentou com a mulher: - A inchente tá braba. Mó que o aguacero do Mandassaia tá inté correno pra riba! As águas subiam rapidamente, aproximando-se da tulha e do paiol, inundando todo o mangueiro. Isabel explicava ao marido, sorrindo, mostrando as gengivas roxas, desprovidas de dentes: - A inchente de 45 foi muito pió, Izé. O fazendeiro de olhos esverdeados, cabelos castanhos, ondulados e fartos, mãos grandes e calosas, queimado do sol, alisou o rosto de barba serrada, suspirou fundo e comentou: - Esse ano vai sê de muita chuva e nóis vai tê que coê o arroiz de canoa... A mulher colocou as mãos gordas na cintura roliça, sorriu mais uma vez e falou, com dengo: - Vai não meu véio. Nossa Sinhora da Paricida vai oiá po nóis. - As capivara vai pastá o arrozá e dá um prijuizo danado. Lastimou o fazendeiro observando a enchente e a chuva fina que não parava de cair na Mandassaia. OS CAÇADORES DE PATURÍS Isabel, preocupada com os filhos caçulas, Antoniel e Eva, que não voltavam da escola de Barranco Alto, continuou conversando com o marido de pouca prosa, na varanda do casarão que cheirava mofo e também um pouco de história. Ela falou do sonho em fazer de Antoniel, um adolescente bonito e inteligente, padre e Eva, a adolescente mais formosa de Barranco Alto, freira. Mas o marido turrão preferia continuar falando sobre a enchente, contabilizando os prejuízos. O pirangueiro da Mandassaia, com o semblante fechado, irritado com a voz estridente da mulher que não parava de falar sobre a carreira eclesiástica dos filhos, levantou-se do banco tosco, deu uns passos à frente, segurou no parapeito do alpendre e ficou observando, atentamente, a alegria dos anatídios que cortavam as águas em vários sentidos. Isabel, de tez morena, boca pequena, lábios finos, cabelos negros e nádegas bem desenvolvidas, apesar da idade um tanto avançada, era o tipo da cabocla brasileira,
  • 25. trazendo nas veias um pouco do sangue lusitano, dos índios mandibóias e do negro. Mas apesar do sangue africano que corria em suas artérias, tinha preconceito racial e vivia implicando com o marido por acolher na fazenda Zé Pretinho, um negrinho esperto, descendente dos escravos da Fazenda do Campo Redondo, que dormia e comia dentro de casa, ao lado dos seus filhos. Isabel tentava, naquele dia chuvoso, fazer a cabeça do marido para livrar-se de Zé Pretinho. O fazendeiro, entretanto, preferia o silêncio e observava o efeito da chuva, a formação da enxurrada que lavava a terra, arrastava com força o esterco do curral e o húmus das vertentes para o lago piramidal formado pelas águas daquele temporal. Isabel que não parava de falar sobre o agregado inconveniente repentinamente silenciou ao ouvir os tiros dos caçadores de paturis, na várzea do Cabo Verde. E ela então, admirando a revoada dos pássaros que fizeram desenhos bizarros no espaço azulado, em direção a Ponte da Harmonia, indagou do marido sorumbático: - Cê num tem coragi de matá as avi de pena, né memo, Izé? - Tenho não, mué. Isso é uma marvadeza. Disse José Alves, observando a revoado dos paturis que fugia dos caçadores. Isabel se aproximou do marido, colocou o braço pesado em seu ombro e melosamente perguntou: - Cê mata é só gavião pegadô de pinto, né? Sem dar importância a pergunta da mulher, tentando avistar os caçadores do outro lado da estrada, que dava acesso a Barranco Alto, falou vagamente: - Num é quarqué gavião que mato. O pinhé, o caracará cata os carrapato das vaca e limpa os pasto. Intão este eu perdoo. - É memo Izé. As avi de pena é tudo bençuada por Deus, completou Isabel, tirando o braço gordo do ombro do marido e aproximando-se mais da quina do alpendre que formava um ângulo de fronte a casa. Assim ela podia melhor observar, com o esposo, a descida espetacular dos paturis, cortando as águas da enchente, no meio das garças, dos socós e dos anatídios de várias espécies que fugiam dos caçadores, procurando a proteção do fazendeiro da Mandassaia, que apesar de suas limitações tinha uma consciência ecológica. A PESCARIA NA MANDASSAIA Outras chuvas caíram, com abundância, no Vale do Cabo Verde. Mas a que mais aborreceu José Alves foi a chuva de 1956, na época da colheita do arroz. Os peixes comiam os grãos maduros do valioso cereal e a colheita na canoa dava muito
  • 26. trabalho. Entretanto, para os filhos do fazendeiro da Mandassaia a colheita do arroz, na época chuvosa, era uma verdadeira festa. Eles remavam as canoas no meio da enchente e observavam, alegres, os peixes bem nutridos, pulando na água represada e aquecida pelo sol. Garças de várias espécies disputavam os peixes menores com marrecos selvagens, socós e outros pássaros que povoavam aquele paraíso ecológico. Os Alves manejavam com mestria as canoas, usando os varejões, transportando o arroz colhido para as margens enxutas, onde ele seria batido. Quando terminavam o trabalho estafante, já no final da tarde, percorriam as redes armadas nas vazantes e tiravam de dentro d’água enormes curimbatás, traíras pretas e piracanjubas, além de dourados e piabas. Antoniel, o caçula, ainda na puberdade, com pouca experiência em pescaria de rede, gritou para os irmãos, afoitamente, de sua canoa: - Corre ligero aqui Maé e Danié... mó que pesquei um bitelo dum jaú. Ismael e Daniel remaram rapidamente em direção ao irmão e o ajudaram tirar da rede um enorme pintado. A pescaria foi farta e a noite chegou rapidamente à Mandassaia. Os batráquios formaram suas orquestras e os vaga-lumes, com suas lanternas acessas, bailavam sobre as águas esparramadas nas várzeas coloridas do Cabo Verde. Quando os pescadores entraram no casarão transportando nas costas os sacos de estopa cheios de peixes Da. Isabel, junto das filhas Marias, do Carmo e das Graças, exclamou, sorridente: - Que belezura de peixe, gente! Como Deus é misericordioso! Eva preparou um banho para o pai, em uma enorme bacia. Os rapazes foram banhar-se na bica d’água, aproveitando a claridade da lua que preguiçosamente prateava a Mandassaia. Dispostos, sorridentes, tomaram o banho na água fria da bica enquanto as mulheres passaram a limpar os peixes, na cozinha espaçosa da fazenda. Isabel, transbordando de felicidade, foi arrumar a mesa para servir o jantar, já meio fora de hora. José Alves, mesmo com as pernas doídas da lida, depois do banho morno, andou até a varanda para apreciar as várzeas envoltas no manto escuro da noite. Observou uma vez mais o bailado dos vaga-lumes, ouviu o sussurro das corujas e a cantiga triste dos curiangos. Olhou o céu estrelado, a lua prateada que refletia nas águas do enorme lago e sentiu-se realizado. Aquele era o seu mundo e sobre aquele pedaço de terra ele tinha um domínio total. O fogo poderia lamber as suas invernadas, queimar as benfeitorias, porém não queimaria a terra, o chão sagrado que produzia tanto arroz. As águas das cheias cobriam as partes baixas da fazenda, inundavam as várzeas, mas não
  • 27. destruíam a terra. Pelo contrario. As enchentes beneficiavam a sua fazenda, deixando nas várzeas quilométricas o húmus, o fertilizante tão necessário para vicejar os arrozais. Pensativo, sem tirar os olhos daquele mundo encantado, lembrou-se da sua gorda conta bancária na Cooperativa de Crédito de Alfenas, administrada pelo competente advogado Samuel Valadão e na poupança que tinha no Banco da Lavoura além de outros investimentos que lhe proporcionavam bons financeiros. Distraído, recordando o passado, lembrou-se da infância e da juventude em Guapé, sua terra natal, onde andava na garupa do tropeiro Chico Alves, seu avô paterno e que colocou no mundo mais de vinte filhos. Sentiu saudades de Guapé, dos irmãos esparramados pelas cidades do sul de Minas, das irmãs que residiam em Perdões, Boa Esperança, São Sebastião do Paraíso, Divinópolis e em outras localidades que nem sabia. Recordou o último diálogo mantido com a mãe, já falecida: - Quanto fio ocê tem Izé? - Já tô com oito, mãe. - Credo Izé! Cê tem poca famia. Tem que falá com a Izabé pra arranjá mais fio, homi do céu. Sorumbático, admirando a natureza, lembrou também dos seus conterrâneos que se projetavam em Alfenas, nos mais diversos setores, desde a medicina até aos esportes. Enumerou nos dedos as famílias Amaral, Passos, Pereira, Oliveira, Laudares e outras. Calado, deixou de contar os guapenses que residiam em Alfenas. Foi até a cozinha onde seus familiares, alegres cuidavam de diversos afazeres. Isabel, sorrindo, puxou a cadeira da cabeceira da enorme mesa e disse ao marido: - Senta aí Izé pra modi cumê com a graça de Deus. José Alves acomodou-se na cabeceira da mesa tosca e todos da família tomaram seus assentos, inclusive Zé Pretinho, que era observado por Isabel, de maneira curiosa. Enquanto os Alves jantavam as várzeas da Mandassaia foram envolvidas pela negritude da noite, em virtude de uma nuvem escura que cobriu a lua. Mas mesmo no meio da escuridão os sapos continuavam coaxando lá fora e os vaga-lumes fazendo desenhos dos mais bizarros com um bailado que não tinha fim. O JANTAR NA FAZENDA DOS ALVES Manoel Rodrigues era carpinteiro de grande habilidade. Já tinha ensinado o ofício pra muita gente da redondeza. O último aprendiz foi o Benedito Pancrácio, conhecido
  • 28. pela alcunha de Dito Carapina, de São Joaquim da Serra. No banco de jacarandá feito por Manoel Rodrigues, em um lado da mesa, estavam sentados os três filhos de José Alves que, famintos, saboreavam a comida mineira. Em um lado da mesa, sentado em uma cadeira furada, Zé Pretinho almoçava também. As três filhas do casal José Alves e Isabel, tinham jantado mais cedo e agora davam continuidade aos afazeres domésticos, escamando, retalhando e salgando os peixes. O cheiro do toucinho defumado, pendurado num arame esticado na cozinha, em cima do fogão de lenha, aumentava ainda mais o apetite dos pirangueiros que haviam trabalhado o dia todo dentro d’água. O toucinho enfumaçado, junto com pedaços de beiço de porco, orelhas, cambito e rabada, linguiça caipira e chouriço, davam um toque todo especial à cozinha típica da Mandassaia. O fazendeiro, imponente, na cabeceira da mesa, com o estômago no fundo, sentia o cheiro da comida feita no fogão de lenha e cobiçava o enorme caldeirão de feijão “bico de ouro”, novo e temperado com esmero por Isabel, que olhava de esguelha para o agregado Zé Pretinho. Para quebrar o gelo olhou para Antoniel e disse: - Cumê bão quinem esse da Da. Izabé num ixesti nem no Cavaco e nem lá pras banda do Campo Redondo. Da panela de arroz, da travessa de morango com molho de carne, do prato com ovos fritos na banha de porco e de uma vasilha com abóbora madura e outra com peixe frito, exalava um cheiro que aguçava ainda mais o apetite dos roceiros. Ismael depois de saborear um pedaço do curimbatá seco, comentou com os familiares: - É pessoá... o tali de bacaiau dos bôbo da cidade num pega bera com o curimba secado no soli. Isabel aproximou-se do marido, dando volta em torno da mesa e falou: - É verdadi. Cê alembra meu véio aquele bacaiau qui nóis cumimo na casa du cumpadi Pedro Arcanjo? Era puro sali. Nem tinha gosto de pexe. Antoniel que comia afoitamente, acabou engasgando com uma espinha. Daniel deu-lhe uns tapas nas costas, na tentativa de ajudá-lo e Da. Isabel, preocupada com a ocorrência, ordenou prontamente, valendo-se da sua longa experiência: - Ingole ligero uma pelota de arroiz. Com os olhos vermelhos, engasgado, Antoniel atendeu ao pedido da mãe e sentiu-se aliviado. Ismael, zombeteiramente, falou: - Cê inté parece que tá cumeno tubarana, sô!
  • 29. Zé Pretinho gargalhou, espalhando farinha de milho pelos cantos da boca. Ismael tirou o prato do alvo e o repreendeu, com azedume: - Toma jeito nego porco. Vai sorta farinha lá nos inferno. Envergonhado e com humildade Zé Pretinho abaixou a cabeça, pediu desculpas ao jovem branco, de olhos esverdeados. Eva, com pena do irmão de cor, tentou amainar o constrangimento: - Num liga não Zé. Maé é ansim memo. É meio ispirnutiado. - Ispirnutiada é ocê barata branca descascada que tá de fuleragi com Zé Gabiroba, respondeu agressivamente o irmão espadaúdo, fulminando-a com o olhar de felino. Eva, imponente, na frente da mesa, ruborizada, retrucou, corajosamente: - Zé Gabiroba é fio de fazendero e é gente boa. Num é da laia daquela pioienta, da fia do Chico Sabiá que é o teu xodó. Jose Alves, contrariado, olhou para ambos e advertiu, com energia: - Bamo acabá com esse proseio, na mesa. Bamo cumê em paiz! Ambos ficaram quietos e Isabel, para desanuviar o ambiente, perguntou: - Cê num qué mais um mucado de quibebe, meu véio? José Alves recusou com a mão a abóbora madura e Daniel disse a mãe: - Eu quero. Esse quibebe tá cutuba. - Quibebe é prato de nego veio, adiantou Zé Pretinho que sorriu mostrando os dentes brancos e fortes, alinhados na gengiva roxa com perfeição, ornada pelos lábios carnudos de africano. Zé Pretinho era neto de Firmino José Francisco, filho e genro de escravo. Seu sogro, Silvério, viveu na senzala do Campo Redondo e depois foi morar com genro, filha e família na Fazenda do Pinhal, de Álvaro Vieira. Este Zé Pretinho, embora com pouca idade sabia das coisas e gostava muito de contar casos de cativeiro. Encostou o prato esmaltado de um lado e falou aos Alves, compassadamente: - No tempo do cativeiro os branco jogava as abobra madura pros porco cumê. Aí as preta véia catava as mió e fazia o tali de quibebe. O agregado fez uma pausa, olhou para os lados e para Eva que prestava atenção à sua narrativa. Coçou a cabeça de africano coberta com o cabelo pixaim, e continuou, medindo bem as palavras.
  • 30. “Os branco jogava fora tudo que é bão do porco: as zoreia, o rabo, os cambito e o fucinho”. As nega véia catava tudo e fazia a feijoada com feijão preto que branco não cumia. Eva, encantada com a história que Zé Pretinho contava, sorriu, mostrando os dentes brancos como pérolas, bem alinhados em uma boca de lábios sensuais. O agregado, deslumbrado com o sorriso da sua “Branca de Neve” indagou dos presentes: - E tem cumê mais mió de bão do que uma feijoada? Zé Pretinho, entusiasmado, falou sobre a comida africana introduzida na cozinha brasileira, notadamente na Bahia e em Minas Gerais. Informou ainda que mesmo depois da abolição da escravatura os negros libertos dos Vieiras, no Campo Redondo, continuaram nas fazendas da beira do Cabo Verde, ensinando as “sinhás” fazer pratos apetitosos do continente africano. Falava, com satisfação, mostrando que sentia orgulho do seu povo, dos negros que vieram para o sul de Minas e não serviam apenas para o trabalho braçal, como animais de carga, como míseros enxadeiros nos canaviais e cafezais. Ele tinha plena convicção de que os negros que povoaram o Vale do Cabo Verde, que viveram na beira do Muzambo, tiveram uma função civilizadora que enriqueceu a culinária daquela região. Discorreu também sobre os seus antepassados, que trabalharam nos grotões de café e nos canaviais que alimentavam as moendas famintas dos engenhos dos Vieiras, com a preciosa gramínea, a fim de produzir açúcar, rapadura e pinga. Órfão de pai e mãe, vivendo há anos sob a proteção de José Alves pensava um dia voltar para a beira do Muzambo ou mudar para o Pinhal e se juntar aos netos do negro Firmino, seus parentes próximos, espalhados pelas fazendas de Alfenas, Areado, Divisa Nova e outras cidades da região. Sua saída da Mandassaia seria questão de tempo. Completando a maioridade bateria asas, deixando na beira rio o protetor, os irmãos brancos e também Eva, a fada que povoava os seus sonhos nas noites mornas de verão ou na frias noites do inverno serrano. O LEITE BATIZADO Apesar da noite bonita de luar, o dia amanheceu ameaçador na Mandassaia. As seriemas gritavam sem parar no alto do pasto e o gavião, em cima da copa de uma massaranduba, anunciava mais chuva. No curral velho que caia aos pedaços, fazendeiro e filhos ordenhavam as vacas. Zé Pretinho, do lado de fora, cangava os bois carreiros para mais um dia de trabalho dos mais penosos. Isabel, sempre alegre, dava milho pras galinhas enquanto as filhas, cantarolando, arrumavam a casa. José Alves, agachado com o balde entre as pernas, tirava o leite da Donzela, uma vaca preta com pintas brancas na barbela e na virilha, de úbere bem feito, tetas de bom tamanho e de tirada firme. O retireiro olhou para o tempo, ouviu mais uma vez o grito da seriema, franziu a testa e determinou ao filho Antoniel:
  • 31. - Tunié para de tirá leite e munta na égua véia pra modi campiá a Maiada e a Istrela que num veio pro currá. José Alves terminou a ordenha, ouviu melhor a cantiga da seriema, olhou para o tempo e voltou a falar com o filho: - Vai ligero e vorta antes da chuva, Tunié. O rapaz empertigado, lépido, pulou no lombo em pelo da égua pedrês e chegou rapidamente ao espigão do pasto erosado, que exibia uma vegetação rasteira e rala, com touceiras espacejadas de capim lanceta, salpicado com moitas de barba de bode e capim catingoso. Dava para ver no alto do pasto manchas de terras completamente nuas, castigadas pela erosão. Árvores retorcidas eram vistas nas encostas da invernada e depois dava para ver pés de barbatimão, de marolo e de fruta de lobo.4 Antoniel cavalgava com dificuldade, procurando suportar o trote áspero da égua velha, montado bem em cima do osso duro e pisado do lombo magro. Observava atentamente toda a invernada, na expectativa de encontrar as vacas retardatárias. Foi até o bebedouro, margeou a cerca da divisa e não encontrou nada. Voltou preocupado e meio decepcionado com o seu serviço de campeiro. Tangenciando o pasto dos Nogueiras, de repente avistou, longe, dentro da propriedade vizinha, as vacas varadeiras pastando um capim gordura bonito e generoso. Enraivecido, gritou: - Ocês tava campiano gabiroba? Vambora pro currar. Antoniel chegou com as vacas, olhou para o pai, sentindo o ardume das nádegas, molhadas com o suor da égua trotona e respondeu mal humorado: - As vaca tava no pasto dos Noguera, pai. José Alves, implicante, em pé, com o balde cheio de leite em uma das mãos, afastou o chapéu de palha da cabeça e chamou a atenção do filho: - Cê carece botá mais sintido nas coisa. Cê já tinha que sabe lidá com vaca parida e discunfiá que as danada tava no pasto dos Noguera. O capim do vizinho tá sobrando e no nosso pasto tá um rapadô dos brabo, uai. Antoniel, aborrecido, abaixou a cabeça, mordeu os lábios e ficou em silêncio. José Alves, ralhador contumás continuou reprimindo o rapaz: 4 Vegetações típicas do cerrado. O barbatimão tem propriedades adstringentes em função da quantidade de tanino. É muito usado para curtir couro. O marolo é da família das anonáceas ( pinha, fruta do conde, araticum, graviola, nona). A fruta é muito apreciada e dela faz-se doce, geleia, licor. Paraguaçu é a capital do marolo. A fruta de lobo tem propriedades contra o diabetes e tem este nome por ser consumida por lobos. Graças à uma substância que ataca vermes destes animais.
  • 32. - Demorá um tempão desses pra modi achá duas vaca parida, sô! Ismael, o mais implicante da família e malicioso, olhou para Daniel, marotamente piscou o olho e disse em voz baixa: - Demorô esse tempão no pasto porque foi chegá a égua véia no cupim, uai. Antoniel, ofendido pelo irmão, sentiu o sangue subir no rosto e respondeu à provocação: - Num sô barranquero iguar ocê não, Maé Mas mesmo apesar da postura de Antoniel, o irmão maldoso foi dar uma olhada indiscreta na anca da égua pedrês, mal-falada na Mandassaia. Antoniel sentiu-se encabulado, apeou do animal com destreza, tirou do focinho o cabresto, pegou um balde e um par de cordas, abriu a porteira do bezerreiro e gritou revoltado: - Istrela...Istrela... O bezerro já grande, de oito meses, moiro de roxo, entrou no curral corcoviando e foi direto à mãe, que cheirou o filho, lambeu-lhe carinhosamente o lombo, urinou fartamente, soltando o leite. Antoniel amarrou as pernas da vaca com a corda, botou a focinheira no bezerro e o prendeu na mão direita da Estrela. Com as tiradas firmes o liquido branco e espumante foi enchendo o balde e o barulho servia de calmante para o jovem impetuoso que evitava os olhares provocadores dos irmãos e do pai ranzinza. José Alves olhou para os lados, desconfiado, e segredou ao ouvido de Ismael: - Pega dois bardão d’água e reparte nos latão de leite. Antoniel, que nunca concordou com aquele procedimento desonesto, ponderou: - Óia pai... esse negócio de botá água no leite num vai dá certo não. Os laticínio já tão usano um apareio pra sabê se o leite tá batizado. José Alves, que não perdia o habito de batizar o leite, sempre arranjando uma desculpa de quebra na produção, de ser roubado pelos fabricantes de manteiga e de queijo, manteve a ordem e Ismael, subserviente a cumpriu à risca. O DILÚVIO NA MANDASSAIA O domingo era de sol. A tarde morria lentamente na Mandassaia, oferecendo aos Alves um espetáculo de beleza incomparável. As várzeas do Cabo Verde, com uma boa parte dos arrozais ainda para colher, perdiam-se de vista da imensidão dourada e na
  • 33. lhanura dos vargedos que contrastavam com as colinas de Alfenas, as serras do Carmo do Rio Claro e de Campos Gerais. Da varanda da casa descortinava a paisagem deslumbrante e José Alves, com banho tomado, roupa domingueira, embevecido ao lado da esposa, admirava a natureza em festa. Namorava seu mundo, contemplando orgulhoso as terras o que dava enorme segurança. Tinha a escritura definitiva da fazenda, registrada no Cartório de Registro de Imóveis, de Jaime Santos, e não devia nada a ninguém. Pagava impostos em dia para Antônio Tibúrcio, na Agência de Rendas de Alfenas, onde desfrutava de ótimo conceito. Antes de morrer, pensava em fazer um testamento para os filhos e descansar tranquilamente, não levando preocupações para o túmulo. Naquele domingo de sol conversava com a mulher sobre os problemas da vida familiar, aproveitando a brisa deleitante das várzeas douradas do majestoso Cabo Verde. Descartava proceder igual a Chico Tropeiro que deixou muitas dívidas para os herdeiros e, como patrimônio, apenas o casarão velho em Guapé caindo aos pedaços. Ouvindo o bater da porteira do corredor que dava acesso a Barranco Alto, interrompeu a conversa ao avistar um cavaleiro vindo em direção à fazenda. Isabel observou atenta, entortou o pescoço procurando visualizar melhor quem vinha e perguntou curiosa: - Quem será Izé? - Sei não, mué, respondeu o fazendeiro franzindo a testa. Ambos não tiravam a vista da estrada e Isabel arriscou um palpite: - Mó que é cumpadi Ambrósio. - Num é não. Ambrósio só anda em cavalo trotão e aquele cavalero tá muntado numa mula boa de marcha, falou José Alves com a mão sobre os olhos, protegendo-se do sol e tentando descobrir quem era a pessoa que vinha em direção da fazenda. Isabel impaciente, arriscou outro palpite: - É cumpadi Olimpo Cardoso. José Alves deixou escapar um sorriso e falou, pausadamente: - Agora ucê acertô, mué. É ele memo. O animal marchava firme na estrada apertada e plana da fazenda, e rapidamente chegou à porteira do curral. OLYMPIO CARDOSO - O VEREADOR
  • 34. Olympio Cardoso, fazendeiro de Barranco Alto e vereador pelo PSD, partido do governo, era uma pessoa das mais conceituadas na Mandassaia e no Cavaco, bairros de grande concentração demográfica do distrito, onde ele obtinha boa votação. O vereador apeou da mula com elegância, dentro do curral lamacento e subiu a escada do alpendre do casarão da fazenda Mandassaia, solenemente, contando os passos, sem pressa. Ao adentrar na varanda tirou, educadamente, o chapéu de aba larga da cabeça prateada, deixou escapar um sorriso simpático e cumprimentou com amabilidade o casal de fazendeiros: - Bom tarde compadre, boa tarde comadre. - Tardi cumpadi, voismecê tá bão? respondeu o pirangueiro da Mandassaia, vestido com uma camisa de roceiro, de manga comprida, calça arremendada, segura por uma correia de couro cru, de fivela enorme, enferrujada e botina suja de estrume. Isabel, irradiando felicidade, roliça e risonha, apertada em um vestido velho e manchado, com um lenço desbotado amarrado na cabeça e de chinelo, perguntou pela família e falou da enchente no baixo Cabo Verde que incomodava toda a vizinhança. A visita imponente com um terno de brim caqui, botas bem engraxadas e espora de roseta grande, tomou assento no banco de madeira, e observou, com os olhos azulados e um sorriso nos lábios bem desenhados, as várzeas quilométricas do Cabo Verde cobertas de água. O fazendeiro de Barranco Alto, dentro do alpendre, falou aos Alves sobre os preços do arroz e do boi gordo, no mercado. Depois reclamou dos fabricantes de queijo que continuavam pagando muito pouco pelo leite em toda a região. Depois da quebra do gelo o zebuzeiro raspou a garganta seca, fez uma pausa estratégica e disse: - Eu não estou aqui para reclamar dos queijeiros. Infelizmente vim trazer para vocês péssimas notícias. Olympio Cardoso fez outra pausa, olhou para os pirangueiros da Mandassaia e José Alves abriu os olhos, a boca larga, mostrando os dentes estragados e escurecidos de nicotina, mirou o fazendeiro calmo e de cabelos prateados, deu uma olhada de soslaio para Isabel e determinou: - Sorta logo as cobra cumpadi. É arguém da famia que bateu as bota? O zebuzeiro de Barranco Alto com a voz rouca, compassadamente, passou a historiar:
  • 35. - Foi realizada em Belo Horizonte uma reunião para debater o assunto de Furnas. O deputado Manoel Taveira, José César, filho do coronel César de Almeida, Napoleão Salles, Dr. Janjote e Adolfo Engel estiveram presentes. Olympio Cardoso fez uma pausa, olhou para os fazendeiros da Mandassaia e deu continuidade a narrativa: - A reunião foi das mais importantes e compareceram também o Cônego Pacheco, Teodósio Bandeira, Gil Vilela e outras lideranças regionais. O Dr. Janjote informou para nós que a tal represa de Furnas vai mesmo sair, apesar do protesto feito pela Sociedade Mineira de Agricultura e dos vinte prefeitos que compareceram ao encontro de Belo Horizonte, sem contra ela. José Alves tirou detrás da orelha um toco de cigarro de palha e falou: - Nóis num tem nada com isso cumpadi. Juscelino pode fazê as trapaiada dele a vontade que eu num tô nem ai, uai. O vereador de Barranco Alto sem perder a serenidade voltou a historiar o fato que preocupava os plantadores de arroz do Vale do Sapucaí: - Acontece compadre, que Furnas, para produzir energia elétrica, tem que fazer uma enorme represa. E o experiente zebuzeiro, cautelosamente, explicou: - No ano que vem Juscelino vai assinar um decreto desapropriando todas as nossas várzeas para fazer o reservatório de Furnas. Olympio Cardoso fez uma pausa, observou a reação do casal e continuou: - Não adianta se opor. Lei é lei. Lei não é feita para ser desrespeitada e nem para ser discutida. Lei é para ser cumprida à risca. - Eu esbirro, cumpadi. Quem manda nas minha terra num é guverno, uai, sô eu memo, retrucou José Alves, já colérico e Da. Isabel, devota de Nossa Senhora da Aparecida, voltou a apelar para a santa milagreira. Olympio Cardoso, com sua paciência mineira, usando a didática, explicou que o país tinha fome de energia elétrica e que JK necessitava eletrificar o gigante que continuava dormindo em berço esplêndido. Indignado José Alves levantou-se bruscamente do banco tosco e ordenou, com estupidez: - Bamo dexa de pataquada, cumpadi. Cê tá com esse proseio besta pra modi me assustá e comprá as minha terra na bacia das arma. Olympio, homem de princípios rígidos, solidário, sentiu-se ofendido. E ai então, um tanto constrangido, levantou-se, segurou o chapéu e disse ao tabaréu:
  • 36. - Acredite no que lhe falei se quiser. Eu cumpri com o meu dever. E passe bem, seu José Alves. O criador de gado zebu desceu a escada, atravessou o curral, abriu a porteira barulhenta e montou na mula bem tosada, de pelugem brilhante, impecavelmente arreada e partiu rumo a Barranco Alto. A NOITE DE INSÔNIA A notícia sobre Furnas explodiu como uma bomba na Mandassaia. A família Alves entrou em polvorosa. Seu José não conseguia dormir e importunava a mulher, os filhos e andava pela casa, pisando firme no assoalho barulhento de tábuas largas. Isabel se ajoelhou com as filhas beatas no oratório, fixou a imagem da santa negra e rezou com fé. Depois de algumas Aves Marias, alguns Padres-Nossos e de uma Salve Rainha, com os cabelos soltos cobrindo as costas gordas e o rosário numa das mãos, suplicou em voz alta: - Nossa Sinhora da Paricida, santa milagrera, arreda dessas banda o flagelo das Furnas, as água do satanais. Isabel, depois que fez os seus pedidos à santa de sua devoção, aproximou-se do marido colocando uma das mãos no ombro dele e falou com ternura: - Vem drumi, meu véio. Acarma o teu coração proque Nossa Sinhora da Paricida vai oiá por nóis. - Vai não mué. Nóis tá nu mato sem cachorro e sem santa. - Cumpadi Olimpo tá de pataquada. - Tá não muié. Ele sabe das coisa. Isabel, estribada na fé que remove montanhas, voltou a falar no poder de Nossa Senhora Aparecida e fez promessa de ir à Aparecida do Norte, com a família, para agradecer a santa negra que haveria de livra-los do flagelo da Represa de Furnas. José Alves, que não acreditava no poder da santa, irritou-se com o falatório da mulher e foi dormir com a cabeça fervendo. Deitado, olhando pelas frestas da janela, ouvindo o coaxar dos batráquios, o piar das aves noturnas, o farfalhar do vento nas folhas das bananeiras, não conseguia dormir. Lembrava todos os instantes de cada uma das palavras de Olympio Cardoso e tinha pesadelos, mesmo acordado, com o dilúvio que deveria colocar Mandassaia em polvorosa. Já ouvia naquela noite de insônia o marulhar das águas de Furnas cobrindo
  • 37. a sede de sua fazenda e alagando as suas terras. O dilúvio povoou-lhe os pesadelos e apesar do frescor da madrugada estava banhado de suor. O dilúvio tornava-se cada vez mais amedrontador e no mar de Furnas não aparecia a arca de Noé para salvar o seu povo e os animais que morriam afogados. Pegou no sono depois de muito tempo de insônia, porém acordou com o clarear do dia, com o mugir das vacas que chamavam pelas suas crias, na beira do curral. Levantou com péssimo humor naquela segunda feira brava, olhos vermelhos, gosto amargo na boca e dores por todo o corpo. Foi lavar o rosto na água gelada da bica e juntou-se aos filhos para ordenhar as vacas que continuavam mugindo dentro do velho curral.
  • 38. SEGUNDA PARTE O otimista proclama que vivemos no melhor dos mundos; o pessimista teme que seja verdade. JK - O SONHADOR Juscelino Kubistchek, o otimista que transformava os sonhos em realidade, sabia que a utilização da energia elétrica no país, na virada do século, até o fim da Segunda Guerra Mundial, era explorada por um monopólio privado. Quase todos os setores elétricos estavam nas mãos de concessionárias como a Light e a Bond and Share. Essa situação subsistiu normalmente na velha República. Todavia, quando o Brasil deixou de ser país essencialmente agrícola, enveredando rumo à industrialização na era Vargas, a fome por energia elétrica tornou-se uma realidade. A iniciativa privada, nem mesmo com a poderosa Light, foi capaz de equacionar o grave problema. A Light, a Bond and Share e as outras empresas menos expressivas, aumentavam a produção de energia elétrica em uma progressão aritmética enquanto a demanda acontecia em progressão geométrica. A defasagem obrigava muitas indústrias a colocar geradores próprios e o problema, à medida que o país se industrializava, tornava-se preocupante. JK, conhecedor profundo dos problemas brasileiros, idealizou a criação da usina hidroelétrica de Três Marias, no rio São Francisco e a de Furnas, no rio Grande. Ambas em Minas Gerais. O que desagradou o governador do Estado, Bias Fortes, sensível ao clamor dos fazendeiros e dos políticos do sul de Minas. Que declarou com eloquência: - Querem fazer de Minas a caixa d’água do Brasil. Bias Fortes, apesar de ser do PSD, partido de JK, tentou adiar a criação da Central Elétrica de Furnas. Ele temia que o Governo Federal não conseguisse respaldo financeiro para a construção da barragem e não teria como pagar aos expropriados as indenizações devidas. Mas Juscelino, hábil e inteligente negociador, de tino administrativo invejável, delegou poderes ao engenheiro Lucas Lopes, presidente do BNDE – Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico – e, também, Secretário Executivo do Conselho do Desenvolvimento, para organizar uma empresa de economia mista, a fim de realizar a gigantesca tarefa na corredeira das Furnas, bem como a construção da hidroelétrica de Três Marias, ao mesmo tempo. Isto causou espanto até mesmo nos blocos governistas. De conformidade com o projeto arrojado de Lucas Lopes, Três Marias seria construída com recursos da Comissão do Vale do São Francisco e produziria energia elétrica para o consumo de Minas Gerais. Esta energia seria distribuída pela CEMIG,
  • 39. empresa estatal mineira, fundada pelo próprio JK, quando governador de Minas, e que se transformou em modelo de eficiência, exportando tecnologia para outros Estados. A Central Elétrica de Furnas iria construir uma barragem com represamento na cota 750 e uma usina com capacidade para 900.000 KW com possibilidade de elevar sua potência para 1.100.000 KW, sem aumento de máquinas. A Central Elétrica de Furnas contaria com o capital subscrito pela União (51%), Estado de Minas Gerais, representado pela CEMIG (25%), Estado de São Paulo, representado pelo DAEE (24%) e empresas privadas, inclusive a Light e CPFL com o restante. O Banco Mundial fez um vultoso empréstimo, depois de examinar o projeto, detalhadamente. Lucas Lopes, o arquiteto do grande empreendimento, após cumprir, brilhantemente a sua tarefa, passou o bastão para John Reginald Cotrin, presidente da empresa, que contou com a colaboração dos eficientes diretores Benedito Dutra e Flavio Lyra. Ambos de formação eclética em engenharia e que formaram, juntamente com Cotrin, o trio de ouro da CEMIG. Furnas teria a tarefa de produzir energia elétrica para outros Estados, inclusive São Paulo, a locomotiva do país que, mesmo resfolegando, puxava os demais vagões quase parando na subida da serra, por falta de KW. A REVOLTA DOS PIRANGUEIROS Alfenas, cidade localizada nas proximidades do rio Sapucaí, no extremo sul da cauda do reservatório que seria construído pela Central Elétrica de Furnas, decretou guerra contra o empreendimento comandado por John Reginald Cotrin, um inglês de Manchester, filho de pai brasileiro e mãe britânica. As notícias tornaram-se alarmantes e Bias Fortes botava mais lenha na fogueira, alegando que agia em defesa dos fazendeiros e dos prefeitos de uma enorme região que seria sacrificada com a gigantesca represa, uma verdadeira “caixa d’água”. O engenheiro Flavio Lyra, homem de cultura invejável, educado, ao lado do presidente de Furnas, sentia-se agredido com as vaias constantes as provocações descabidas que recebia por todos os lugares por onde passava. Em determinado momento o coronel César de Almeida, chefe político do PR,5 líder republicano do estopim curto, apartou o orador e exclamou, apontando para o Cotrin: - Este homem é um monstro. Ele não tem alma; tem coração de ferro! Um dos curiosos presentes acrescentou lá do fundo do recinto, repleto de gente: 5 Partido Republicano foi fundado por Artur Bernardes em 1945, substituindo o antigo Partido Republicano Mineiro. Foi extinto pela ditadura militar através do AI-2 em 1965.
  • 40. - De ferro elétrico. O ambiente carregado desanuviou-se com o palpite do pirangueiro e as discussões voltaram à normalidade. O advogado Geraldo Freire, de Boa Esperança, orador brilhante da UDN, culto e astuto, soube tirar proveito do encontro e preparar a sua carreira política, defendendo os proprietários de terras. O deputado federal Oscar Corrêa, presente ao encontro de Alfenas, fez um discurso inflamado, atacando o governo de JK e a direção de Furnas, bem como o deputado estadual alfenense, Manoel Taveira de Souza, que se transformou na grande estrela do movimento contra Furnas. MANOEL TAVEIRA - A PATATIVA DE ALFENAS A chuva caia na Mandassaia, tornando intransitável a estrada lamacenta e esburacada que ligava Alfenas a Carmo do Rio Claro, passando por Barranco Alto. A fazenda dos Alves ficou ilhada. As goteiras fustigaram os familiares de José Alves no casarão de paredes mofadas. As vorazes lagartixas corriam no forro de esteira atrás das moscas e nenhum passarinho voava pelo céu cinzento, carregado e fúnebre. Homens calados e pensativos teciam redes na varanda, enquanto as mulheres cozinhavam e coziam, trabalhando no tear que fora de Nhá Benedita. Lá fora, a enxurrada levava a terra e arrastava as flores murchas, o esterco do gado - a seiva do solo. Isabel que tinha ojeriza pelas chuvas torrenciais, aflita, comentou com as filhas beatas que rezavam pedindo à Nossa Senhora da Aparecida um dia de sol: - A chuva tá braba. Hoje num tem jeito nem de dá mio pras galinha. Eva, que pregava remendo na calça do pai, concordou com a observação da mãe e completou: - Com esse toró as coitada das galinha num é capais nem de ciscá pra modi arrancá minhoca. José Alves, que não acreditava na reza das mulheres e não prestava atenção ao falatório que vinha da sala e muito menos no mugir das vacas, continuou tecendo a sua rede e com o pensamento fixo na história contada por Olympio Cardoso, sobre Furnas. Não quis ir a Alfenas ouvir as explicações de Cotrin e nem os discursos do deputado Manoel Taveira. Mas estava preocupado com os rumores que circulavam em Barranco Alto sobre a represa que iria alagar suas terras. Pediu ao Antoniel para ler novamente os recortes dos jornais que trouxera de Alfenas abordando o preocupante tema. O trecho referente ao pronunciamento do deputado Manoel Taveira, martelava- lhe a cabeça. Pensativo, parecia ver o advogado criminalista eleito pela UDN, bem-
  • 41. apessoado, de terno e gravata, bigode preto e cabelos ondulados de poeta, fazendo discurso na Assembleia Legislativa de Minas Gerais: - As terras destinadas à feitura do reservatório de Furnas são as mais férteis e produtivas do sul de Minas. Restarão para a lavoura as fraldas dos morros pedregosos, os espigões secos e erosados, as terras ácidas dos campos improdutivos. O pirangueiro da Mandassaia continuava tecendo sua rede, calado, procurando gravar na memória o discurso do deputado udenista que repercutia nas barrancas do Rio Sapucaí: - Furnas afetará também o sistema de comunicação de toda a região. Cerca de 120 quilômetros de estrada de ferro da RMV serão alagados pela gigantesca represa. Do exposto se infere que efeitos catastróficos este empreendimento de proporções tão grandes vão ser produzidos. Isto fere a soberania do Estado de Minas Gerais e dos municípios que serão afetados. José Alves, depois da visita de Olympio Cardoso, mudou o seu comportamento. Furnas mudou-lhe a vida. Ele se tornou amargo e faminto por notícias. Sintonizava a Rádio Cultura de Alfenas diariamente, às vezes a de Poços de Caldas, e mandava os filhos ouvirem as opiniões dos fazendeiros de Barranco Alto e queria saber o Serafim Aguirre e Nelson Lopes, que entendiam de tudo, falavam a respeito. Acabou indo até Alfenas, trocar ideias com o prefeito Janjote, com o empresário Adolfo Engel e com outros empresários esclarecidos. Adolfo, homem bem informado, atacadista bem sucedido e político da UDN, com sua voz sonora e bem colocada, falou para o assustado proprietário de terras: - Furnas não é nenhuma promessa de governo. É fato consumado. A represa vai ser feita e rapidamente. Ainda em dúvida, resolveu visitar o deputado Manoel Taveira que usando a voz bem empostada, de criminalista, lhe disse: - Furnas é o absurdo dos absurdos. É uma obra apocalíptica que deve ser impedida, a qualquer custo. É o crime do século. Mas o matuto da Mandassaia, mesmo depois de ouvir todos e, particularmente, o deputado Manoel Taveira, continuou duvidando da obra que seria construída pelo governo de JK, infernizando a vida dos fazendeiros da beira do Rio Sapucaí e do Rio Grande. Chegou em casa sorumbático e disse para a mulher: - O falatório nas Arfena é de lascá, mué. Mas eu sô quinem São Tomé. Tenho que vê pra crê. Mirou a esposa, deu alguns passos em frente, observou a folhinha enorme na parede, onde sobressaia a imagem da Nossa Senhora da Aparecida, e falou, compassadamente:
  • 42. - Na sumana que vem vô inté no Guapé, visitá a minha famia, e chego lá nas Furna pra vê com os meu zóio que a terra há de cumê, essa girigonça qui tá na boca do povo. E realmente José Alves, na semana seguinte, cumpriu o prometido. Tomou o ônibus e partiu em direção à Guapé, sua terra natal e que se encontrava em polvorosa. GUAPÉ EM PÉ DE GUERRA O município que serviu de berço a José Alves, localizado na confluência do Rio Grande com o Rio Sapucaí, que deveria ter o nome de Aguapé6 uma vez que a sua nomenclatura foi inspirada no vegetal aquático de raízes flutuantes, foi condenado à morte, por Furnas. Guapé serviu também de berço ao padre João Gualberto do Amaral, celebridade do século XIX que viveu muitos anos em Alfenas, onde o seu irmão, Dr. Augusto Amaral, destacava-se na medicina. A cidade do padre que semeava a cultura na região estava, há muito tempo, esquecida pelos poderes públicos. Mas em 1957 voltou a ocupar as manchetes dos jornais, não por causa do padre João Gualberto do Amaral - o orador que comovia até as pedras; nem pelo Senador Passos Maia - o político de cultura invejável que marcou uma época; nem por Melo Viana ou outro filho ilustre, e sim por dois fatores importantes: O primeiro porque a planta Eichhornia crassipes – vulgo aguapé – praga dos açudes e córregos do Brasil, foi introduzida no EUA como planta ornamental ganhando status no mundo, para espanto geral dos guapenses. O segundo porque a cidade de Guapé seria submersa por Furnas. Seu povo, belicoso, ofendido em seu brio, preparava-se para decretar uma guerra renhida contra Furnas, a impostora que tirava o sono dos pirangueiros. O engenheiro presidente da Central Elétrica de Furnas, John Reginald Cotrin, para serenar os ânimos, determinou a elaboração de uma planta para construir uma cidade nova, moderna, na parte mais elevada de Guapé. Mas a providência do astuto engenheiro não foi o suficiente para acalmar os conterrâneos de Mata Machado, que se lembraram das histórias fantásticas do Capitão José Bernardes Ferreira, fundador da cidade, nos idos de 1856 e que cercou sua fazenda com muralhas de pedras e ferrava seus cavalos com ferraduras de prata, dando uma prova de poder econômico. 6 A Eichhornia crassipes - conhecida entre nós como aguapé, mururé, orelha-de-veado, pavoá, rainha-do- lago, gigoga, uape e uapê. Em Portugal e Angola é conhecida por jacinto-de-água. Trata-se de planta aquática, rizomatosa e flutuante, graças aos seus bulbos que são ocos. Originária do Amazonas já foi para vários lugares do mundo. Na China vem sendo muito usada no combate à poluição de rios e lagos. Prefere rios de fluxo lento, lagoas e açudes de água doce.
  • 43. A história de Angélica da Pureza, mulher do fazendeiro abastado, que mandou construir uma igreja na sua fazenda em homenagem a São Francisco de Assis e que salvou Guapé de um tremor de terra, também era lembrado pelos devotos do santo, transformado mais tarde no padroeiro da ecologia. E lembrando seus vultos históricos os conterrâneos de Passos Maia tornavam-se coesos, liderados pelo vigário da cidade, João Coining, um padre prussiano das serras catarinenses, que desafiava, de dentro da igreja e nas praças públicas de Guapé, as investidas de Furnas. José Alves vibrou quando leu uma faixa na porta da Igreja de sua cidade natal. “Nossa Senhora livrai-nos do flagelo de Furnas!” A revolta do cura, de mãos possantes e cabeludas, vermelho e de veias salientes no pescoço grosso e que dizia abertamente na Igreja que quem matasse um empregado de Furnas, em defesa de suas terras, não estava cometendo nenhum pecado, agradava o caipira de Barranco Alto que pretendia participar da resistência guapense. Empolgado com seus conterrâneos resolveu ouvir o prefeito Vicente Azevedo de Araújo, falar no comício de Guapé, armado na Praça da Matriz. Sem radicalizar e sem ser subserviente, falando como um condutor de povos, disse o alcaide: - Pelos cálculos dos próprios engenheiros de Furnas o município de Guapé vai perder nada menos do que 206 quilômetros quadrados de suas melhores terras. As quinze mil almas que moravam no município não se conformavam com o alagamento da área descomunal de casas históricas, de templos religiosos, das fábricas de laticínios, das olarias e das vias de acesso a Carmo do Rio Claro, Passos, Formiga e outras importantes cidades da região. O prefeito sabia que a represa reduziria a população pela metade, desativando a pecuária leiteira, produzindo terrível impacto. José Alves, mesmo em suas limitações, percebeu logo de inicio que, Furnas, decretara o fim da sua cidade. Mas para Vicente Azevedo de Araújo, as águas não afogariam a alma dos guapenses. As várzeas do Rio Grande e do Rio Sapucaí, a histórica Ponte Melo Viana, as fazendas que cheiravam a história, os inúmeros sítios arqueológicos ficariam submersos no mar artificial. Mas a represa não inundaria a Cascata do Paredão, as piscinas de águas cristalinas do Paredão, a Cachoeira do Macuco e a Cachoeira do Inferno e nem acabaria com a beleza panorâmica daquele paraíso plantado bem no coração do Sul de Minas. GUAPÉ DE ANTIGAMENTE José Alves, em suas andanças pela cidade, foi rever o casarão onde nasceu e viveu a sua infância e adolescência, ao lado dos pais, dos oito irmãos e seis irmãs. Sentiu uma emoção profunda. O coração batia mais rápido. Em cada canto, em cada parede do velho solar dos Alves onde residiu o seu avô, o Chico Tropeiro, existia uma
  • 44. história. Purcina, a viúva do seu irmão Sebastião Alves, proprietária do imóvel, recebeu o pirangueiro da Mandassaia desconfiada. Gorda, com o vestido apertado e antiquado, olhos oblíquos de cabocla, perguntou fazendo uso da voz metálica e irritante: - Cê tá aqui pra visitá nois ou pru caso da herança? O fazendeiro de Barranco Alto, sentado em uma cadeira desconfortável, segurando educadamente o chapéu, respondeu à cunhada espalhafatosa: - Tô aquí pra matá a sodade. Pra ispiá a casa véia, uai. - Ispiá pra que? Cê tem arguma coisa perdida aqui, sô? A viúva robusta, sem cintura, de pescoço curto e sempre desconfiada deu continuidade ao seu interrogatório e José Alves, com habilidade, convenceu-a da justeza de seus propósitos. Purcina, agora mais confiante, sorriu pela primeira vez e com uma das mãos roliças, dedos curtos, tampou a boca desprovida de dentes, passou a comentar com o cunhado detalhes do inventário do casarão, da partilha dos bens da família, e falou dos filhos que se encontravam esparramados pelas cercanias de Passos, Formiga e Boa Esperança. A mulher simplória falou sem parar enquanto José Alves admirava os quadros pendurados nas paredes enormes da sala, encardidas e já um pouco descascadas. Fixou a vista no quadro amarelado, pendurado próximo à porta de entrada, que exibia a foto da família Alves, onde apareciam o marido de Purcina, ainda jovem e elegante, e os outros irmãos. Em outra foto aparecia Purcina, vestida de noiva, ao lado de Sebastião, exibindo um sorriso encantador de donzela. Recordando silencioso o passado tão distante lembrou-se da formosura da cunhada que marcou época nas festas da igreja, nos bailes de roça e nos encontros de família em Guapé. Chamou também a sua atenção a foto histórica de Chico Tropeiro, barbudo, esguio, no meio dos muares que cortavam as estradas das Gerais transportando cargas, vencendo distâncias e ligando Guapé dos velhos tempos com Campo Belo, Formiga, Passos, Franca e com o mundo. A PONTE MELO VIANA José Alves pernoitou na casa dos parentes em Guapé e perdeu o sono. Apesar da noite mal dormida, como bom mineiro, levantou bem cedo e ficou ouvindo a voz carregada e irritante do padre João, o prussiano de Brusque, que atormentava os guapenses mesmo antes do dia clarear: - Alô pessoar, alô minha gente di Guapé, já som cinco hora do manhã e daqui a poco é hora do missa, do santa missa do nosso igreja.
  • 45. Logo ao amanhecer o vigário, abusando do alto-falante da Igreja, acordou toda a população da cidade com as pregações contra Furnas: - Alô pessoar, já está no hora do santa missa e eu vos falo meus caríssimos irmãos – Matar é picado mortal, mas matar gente de Furnas num é picado. José Alves, impressionado com as pregações do padre acabou indo a missa e deixou uns trocados na sacolinha da Igreja. Acompanhado do sobrinho Zeca dos Quiabos saiu num jipe velho, para conhecer os canteiros de obras da barragem de Furnas. O caipira da Mandassaia percorreu a estrada de terra em direção ao Rio Sapucaí. Olhando as árvores retorcidas dos campos ácidos de Guapé, onde na infância cavalgava com o avô Chico Tropeiro, recordou dos galopes pelas capoeiras sujas de unha de gato e de lobeiras, pelos chapadões de cascalho fino e de capim barba-de-bode. Perdido em suas recordações parecia ver o seu avô cortando as distâncias na mula preta, marchadeira, firme, resistente e elegante, nos campos da sua querência. Zeca dos Quiabos guiava o jipe em silêncio, atento não à paisagem guapense e sim aos buracos da estrada. Depois que desceu a serra e ganhou a baixada deu uma parada brusca e disse ao tio: - Bamo tirá a água do jueio, tio Izé? Ambos saltaram do jipe e urinaram fartamente na Ponte Melo Viana sobre o Rio Sapucaí, que ligava o município de Guapé ao de Alpinópolis. José Alves observou o leito do rio, as pilastras que sustentavam a obra construída pelo imigrante Calixto Luppi, quando morava ainda no Carmo do Rio Claro e exclamou: - Eta da ponte abençoada, sô! Observou melhor as pilastras da ponte, a sua estrutura de concreto e explicou ao sobrinho que havia trabalhado com Calixto Luppi, o italiano anarquista e irreverente, naquela obra tão importante para a região. Zeca dos Quiabos, que acreditava piamente na Represa de Furnas explicou ao tio: - É uma pena que as Furna vai tampá esse mundão d’água e cobri a ponte. José Alves contou ao sobrinho as dificuldades que eles encontraram para a construção daquela obra; falou dos meses de sofrimento enfrentando as intempéries, os mosquitos venenosos, o bicho barbeiro e a maleita. Zeca, olhando mais uma vez a massa liquida que passava célere sob a ponte, exclamou: - Tanto trabaio, tanta serventia pra sê ingulida pela Represa das Furna!
  • 46. Um ônibus lotado de passageiros, com placa de Passos, cruzou a ponte atrás de um caminhão da Engel & Irmãos, que fazia entrega de mercadorias naquela região. Zeca dos Quiabos, nascido e criado em Guapé, não sabia que o nome da ponte fora dado para homenagear o seu conterrâneo, ex-senador e ex-presidente da Assembleia Constituinte de 1946 e que chegou a ocupar a Presidência da República. Não obstante, sabia que a Ponte Melo Viana ia fazer muita falta ao seu povo. SÃO JOSÉ DA BARRA - A CIDADE SUBMERSA O jipe velho com placa de Guapé, dirigido por Zeca dos Quiabos, triunfalmente entrou em São José da Barra e José Alves foi recebido festivamente por companheiros da juventude, lá residentes. Wilfredo Guilhermino, que cortara relações com o trabalho, vivia filosofando na beira do rio e cuidando das suas pescarias homéricas, famosas nas cercanias de Ventania. Os dois, emocionados, abraçaram-se e recordaram o passado. Falaram de Calixto Luppi, de Rômulo Guilhermino, de Tetelo e de suas andanças pelas serras de Guapé. Aníbal Peres, proprietário do restaurante e da bomba de gasolina abraçou emocionado o neto do Chico Tropeiro que casou com filha de fazendeiro em Mandassaia e não voltou à terra sagrada que lhe viu nascer. Aníbal, comovido, limpou com a manga da camisa as lágrimas que escorriam do seu único olho e exclamou: - Como foi bom você dá as cara Zé Alves. Isso aqui vai acabá homem de Deus! O pequeno empresário de São José da Barra, de cabelos prateados cobrindo as orelhas, rosto sulcado pelas rugas profundas, barba por fazer, suspirou fundo olhando para a cidade baixa, para o templo religioso e disse, com pesar: - Vai ser o fim do mundo. As Furnas vai jogar água na nossa cidade. Até a torre da Igreja vai ser coberta pela maldita represa! Wilfredo o pescador, rosto queimado de sol, cabelos ligeiramente grisalhos e fartos tirou os óculos, fez uma pose de artista italiano e falou compassadamente: - Vai acabar a pescaria de rodada e São José da Barra será submersa. Vamos ter que mudar daqui. Vão transformar o nosso paraíso terrestre em um inferno! Fez mais uma pausa o filósofo da beira rio, suspirou fundo contemplando as várzeas quilométricas da barra, na confluência do Rio Grande com o Rio Sapucaí e voltou a falar, de maneira descritiva: - Os fazendeiros do Carmo do Rio Claro pensam em resistir. Eles vão organizar passeatas, fazer protestos e tentar impedir a construção da barragem. Mas sei que tudo isso vai dar em nada, pois contra a força não há resistência.