Este documento discute quatro dimensões dos estudos em democracia digital: 1) os diferentes agentes políticos, 2) os princípios democráticos enfatizados, 3) as ferramentas tecnológicas usadas e 4) o contexto político. Ao analisar iniciativas de democracia digital, pesquisadores devem considerar qual(is) dessas dimensões pretendem abordar.
Sobre os estudos em democracia digital e suas ênfases
1. SOBRE OS ESTUDOS EM DEMOCRACIA DIGITAL E SUAS ÊNFASES
Publicado no dia 30 de agosto de 2017 em:
http://www.ponte.ufpr.br/blog/2017/08/30/ensaio-sobre-os-estudos-em-democracia-digital-e-
suas-enfases/
Jamil Marques
Professor da UFPR. Doutor em Comunicação e Cultura Contemporâneas (UFBA). Bolsista de
Produtividade em Pesquisa do CNPq. Integrante do Comitê Gestor do Instituto Nacional em
Ciência e Tecnologia em Democracia Digital (INCT.DD).
Andressa Kniess
Pesquisadora de Mestrado vinculada ao Programa de Pós-Graduação em Ciência Política da
UFPR. Bolsista CAPES. Integrante do Instituto Nacional em Ciência e Tecnologia em
Democracia Digital (INCT.DD).
Este breve ensaio procura mapear os diferentes ângulos de investigação que marcam os estudos
ligados à área de Democracia Digital.
Sabe-se que não é de hoje que as investigações relacionadas à comunicação online têm ocupado
um espaço privilegiado na agenda da especialidade que envolve Mídia e Política. Prova disso é
que a literatura nacional e internacional se mostra cada vez mais atenta às diferentes “fases”
pelas quais costumam passar os processos de apropriação política dos recursos e ferramentas
online.
Nesse sentido, assim como ocorreu no caso de plataformas midiáticas “tradicionais” (a exemplo
da televisão e do rádio), a abordagem concernente às manifestações políticas nas redes digitais
compreende, de maneira geral, os seguintes momentos: de início, verificam-se interpretações
especulativas, nas quais é percebido um embate teórico-ensaístico acerca das potencialidades e
limites de novas ferramentas ou plataformas; em seguida, encontram espaço os testes descritivos,
aqueles em que os pesquisadores se dedicam a inventariar as ferramentas utilizadas, cotejando o
quanto daquilo que foi prometido tem sido efetivamente aplicado; e, por último, ganham lugar as
investigações que se debruçam sobre os efeitos, isto é, que enfatizam os meios e modos pelos
2. quais a comunicação digital consegue influenciar, por exemplo, o processo de produção das
decisões políticas. A pergunta clássica dos trabalhos nesse terceiro estágio é: “noves fora as
disputas entre pessimistas e otimistas, ou o checklist das ferramentas com as quais cada iniciativa
conta, o que, de fato, podemos afirmar como transformação oriunda das práticas de comunicação
digital?”.
A esta altura, quando os trabalhos na área de e-Democracia já completam mais de duas décadas
de existência, é curioso notar que tal lógica de desenvolvimento das pesquisas se repete a cada
novo advento técnico. Pode-se ilustrar tal afirmação ao constatarmos que as investigações sobre
redes sociais digitais (como Twitter ou Facebook) permitem testemunhar o mesmo raciocínio
que vai da especulação à querela acerca dos efeitos.
Acreditamos, contudo, que essa forma de enxergar os estudos em Democracia Digital consiste
em apenas uma das clivagens possíveis ao tratarmos dos temas associados a tal especialidade.
Assim, se podemos apontar fases e posturas dos pesquisadores quanto ao desenvolvimento dos
recursos de comunicação digital, considera-se fundamental, a fim de reconhecer a maturidade do
campo de estudos em tela, reconhecer a existência de, pelo menos, quatro dimensões distintas
relativas às práticas políticas online. Cada uma delas enceta uma frente singular de livros, artigos
e trabalhos de conclusão de curso (de graduação, mestrado ou doutorado). As variantes temáticas
dos projetos mais recentes se dedicam a examinar: (1) o perfil dos agentes político-sociais; (2) os
valores e princípios democráticos enfatizados em cada iniciativa; (3) a natureza das ferramentas
tecnológicas empregadas nos projetos de e-Democracia; (4) o cenário e a conjuntura política nos
quais os recursos mencionados têm sido utilizados. Exploremos cada item.
Quanto à primeira dimensão, registre-se a multiplicidade de agentes políticos que já há algum
tempo integraram os recursos de comunicação digital a seu leque de instrumentos de construção
de imagem pública: partidos políticos, detentores de cargos eletivos, candidatos, personalidades
e cidadãos comuns, bem como instituições estatais e, naturalmente, organizações da sociedade
civil (a exemplo de sindicatos e movimentos ambientalistas). Cada um desses atores utiliza os
media digitais de formas distintas, uma vez que os interesses e as estratégias de comunicação por
eles planejadas demandam uma postura peculiar junto a seus pares e ao público. Assim, uma
fanpage no Facebook de órgão estatal, por exemplo, provavelmente contará com uma
administração profissionalizada e tenderá a divulgar prioritariamente conteúdos relevantes ao
debate ou ao interesse público. Já o perfil de um candidato ou de uma personalidade do mundo
3. político, por sua vez, pode tratar de questões políticas e também de questões pessoais, sendo
gerenciada pela própria pessoa a quem pertence o perfil.
Um segundo modo de classificar tais estudos consiste em examinar em qual princípio
democrático o pesquisador ou pesquisadora baseia seu esforço analítico: a preocupação central
do trabalho se vincula à participação, à transparência ou à luta por direitos, liberdades e
reconhecimento? A depender da escolha, o arsenal teórico e metodológico mobilizado para
abordar iniciativas que visam incrementar a participação requer uma configuração distinta
daquela que marca as pesquisas sobre transparência.
A terceira dimensão aponta que a comunicação política digital engloba ferramentas tecnológicas
diversas (estruturas midiáticas com formatos peculiares), demandando, assim, arquiteturas
analíticas singulares para cada plataforma, sejam elas sites, blogs ou redes sociais – Facebook,
Twitter, Whatsapp, Instagram, dentre outras. Dito de outra forma, ao estabelecer um recorte de
pesquisa, é necessário compreender que não há como comparar a atuação e o engajamento
proposto por meio de sites, por exemplo, com a atuação e o engajamento verificados em uma
rede como o Twitter. As ferramentas digitais oferecem recursos distintos e proporcionam efeitos
e experiências também distintas, o que não pode ser ignorado pelo investigador.
Por fim, as formas de entender os acontecimentos que envolvem a comunicação política digital
implicam considerar a conjuntura ou o cenário político no qual o objeto pretendido se manifesta.
Em um período de eleições, então, as estratégias de comunicação são diferentes daquelas
utilizadas em períodos de mandato ou de crise política. Isto é, as formas de interagir com a
audiência resultam em tipologias distintas no que se refere, por exemplo, à grade analítica que o
trabalho pretende utilizar.
O mapeamento acima delineado nos permite enxergar a pluralidade de “portas” existentes
quando tratamos da agenda de estudos em democracia online, servindo de orientação ao
estudioso que pretende se aprofundar no tema. Argumenta-se que, ao fazer um recorte de
pesquisa em comunicação política digital, o pesquisador deve levar em conta quais aspectos
pertinentes a cada uma destas dimensões pretende contemplar. Isso facilitará providências a
exemplo da busca pela literatura adequada, do mapeamento dos métodos e técnicas mais
apropriados e, finalmente, ampliará as chances de que a investigação desenvolvida adote uma
postura madura (afastando-se de conclusões generalizantes, por exemplo).