O documento discute as ideias de Muhammad Yunus sobre empresas sociais e como elas podem ajudar a resolver problemas como a pobreza. Yunus criou o Banco Grameen para fornecer microcréditos a pessoas pobres na Bangladesh e mostrou que isso pode tirar pessoas da pobreza. Ele também criou outras empresas com fins sociais e lucrativos para combater a pobreza. O documento fornece exemplos de empresas sociais no Brasil e defende que qualquer pessoa pode criar uma empresa social.
Artigo: As empresas sociais e a mudança que queremos ver
1. meio ambiente
Pensar Global, Agir Local
As empresas sociais e a
mudança que queremos ver
É possível aproveitar o poder do mercado livre para resolver
os problemas da pobreza, da fome e da desigualdade
no planeta? Para muitos, isso não passa de utopia, mas
Muhammad Yunus (o "banqueiro dos pobres") usa a teoria
e a prática para provar o contrário
ETexto: Marianne Costa
m maio, aconteceu no Rio de Ja-neiro
154 | Aventura & Ação
o III Fórum Internacional
de Comunicação e Sustentabili-dade,
que contou com Muham-mad
Yunus como palestrante. Se você
não o conhece, com certeza já ouviu
falar de algum dos seus projetos, da
expressão “banqueiro dos pobres” ou
do microcrédito, criado e difundido
por ele.
Resolvi compartilhar um pouco da
proposta do Fórum e das ideias do
Sr. Yunus, pois elas têm muito a ver
com o objetivo dessa coluna: mostrar
que muito do que vem sendo pensa-do
globalmente por aí pode ser apli-cado
no nosso dia a dia.
Entre as temáticas que motivaram
a realização do encontro está a in-fluência
que a grande mídia tem no
que somos e consumimos. Divulga-se
que o Brasil só perde para o México
como o país mais influenciado pela
mídia contemporânea. Isso só prova
o quanto a comunicação pode ser ini-miga
ou aliada na “mudança que que-remos
ver no mundo”, parafraseando
Mahatma Gandhi.
Nunca se falou tanto em aqueci-mento
global, poluição, destinação
de resíduos, desequilíbrio ambiental,
mudanças climáticas e, claro, susten-tabilidade.
Mas a distância que existe
entre o discurso, todo esse barulho,
e a prática é fácil de explicar: somos
o que consumimos. Por isso é tão
importante sabermos responder algu-mas
questões que dizem sobre nossa
própria identidade e o impacto que
geramos no mundo. Como consu-mimos?
De quais empresas compra-mos?
O que consumimos? Estamos
conseguindo transpor o “mundo das
ideias” e praticar tudo que ouvimos e
falamos? Não precisa ser nenhum es-pecialista
para responder, eu mesma
faço isso: Não, não estamos.
Por isso, a educação e a comunica-ção
têm uma influência fundamental
nas nossas mudanças de hábito de
consumo, que começam por você,
por mim, por nossos vizinhos, ami-gos,
família, colegas de trabalho.
Muhammad Yunus conseguiu fa-zer
essa transposição da teoria, literal-mente,
pois era professor doutor de
Economia em uma universidade em
seu país, Bangladesh, quando se inco-
Agricultura orgânica
A Cooperativa Sementes da
Paz comercializa alimentos
orgânicos, produzidos
a partir do princípio da
economia solidária
Fotos divulgação
2. Aventura & Ação | 155
modou com a incoerência em ensinar
aos alunos os modelos econômicos
tradicionais, enquanto milhares de
pessoas no entorno da Universidade
não se incluíam em nenhum daqueles
modelos e viviam abaixo da linha da
pobreza. Desde então, seu objetivo
de vida passou a ser “colocar a pobre-za
nos museus”, pois no mundo em
que vivemos não há mais espaço para
ela. Desde seu primeiro “incômodo”
já se passaram mais de 30 anos e, em
2006, Muhammad Yunus e o Banco
Grameen, o primeiro dos seus em-preendimentos
sociais, ganharam o
Prêmio Nobel da Paz como reconhe-cimento
pela coragem, excelência e
expressivos resultados alcançados.
O pontapé inicial: Banco
Grameen
A primeira iniciativa de Yunus foi a
fundação do Banco Grameen, cujo
negócio é emprestar dinheiro para
pessoas carentes que, através dos
meios convencionais, nunca teriam
acesso a nenhum tipo de crédito. Es-tava
criado o “microcrédito”. O Ban-co
Grameen tem hoje mais de 7,5
milhões de usuários, dos quais 65%,
ou seja, 4,87 milhões de pessoas con-seguiram
vencer a pobreza extrema.
Visto dessa maneira, temos a im-pressão
de que se trata de um traba-lho
de grandes dimensões, com im-portantes
apoiadores. Hoje até pode
ser assim, mas sabe como Yunus
começou seu trabalho? Observando
Moda
sustentável
Integrantes da
Ecotece, que
comercializa roupas
“sustentáveis”e
trabalha integrada
ao projeto Retece,
composto por
mulheres de
uma comunidade
carente de Santo
André, atuando com
customização e
bordado das peças
a aldeia vizinha à Universidade onde
trabalhava. Lá, ele percebeu que di-versas
famílias não conseguiam evo-luir
economicamente, pois encontra-vam-
se dependentes de agiotas, única
alternativa de crédito a que tinham
acesso. Como deve se imaginar, eram
cobradas taxas de juros tão elevadas
que, concluiu o professor, elas traba-lhavam
para pagar juros e, às vezes,
para sobreviver. Estas pessoas esta-vam
escravizadas em um círculo vi-cioso
da pobreza.
Com a ajuda de dois alunos, Yunus
levantou informações de todos os que
tomavam empréstimos na região (um
grupo de 42 pessoas) e descobriu que
a soma dos valores emprestados não
ultrapassava 27 dólares. Assim, ele
mesmo se disponibilizou a emprestar
o dinheiro a estas pessoas, com juros
bem mais baixos e observou a gran-de
diferença que fez. Assim, nasceu
o Banco Grameen, que, 30 anos de-pois,
já teve sua experiência replicada
em mais de 40 países.
A Empresa Social
Mas Yunus não parou aí. Com sua ex-periência
no Banco, o professor deu
início a uma série de outras empre-sas
cujo foco é combater a pobreza.
Tratam-se de negócios em diferentes
setores como alimentação, agricultu-ra,
telefonia móvel, internet, geração
de energia, saúde, educação e indús-tria
têxtil. Em todas elas, as pessoas
são, além de usuárias, protagonistas
Fotos divulgação
3. do processo de criação e implementa-ção.
E você entendeu certo, ele criou
empresas.
São as chamadas empresas sociais,
definidas por ele como empresas que
têm como objetivos igualmente impor-tantes:
a geração de lucro e a resolução
de problemas sociais e ambientais.
Estas organizações são movidas por
uma causa social e não apenas pelo
lucro. Geram receita de vendas de
produtos ou serviços, enquanto bene-ficiam
pessoas mais necessitadas e a
sociedade como um todo.
Apesar disso, não se tratam de insti-tuições
de caridade, pois precisam re-cuperar
suas despesas e alcançar seus
objetivos sociais. Os investidores, po-rém,
geralmente recuperam apenas
o valor investido e não lucros sobre
esse valor. O excesso é reinvestido na
própria empresa, para maximizar o
benefício social.
Segundo Yunus, o modelo de em-presa
social surge em resposta à insa-tisfação
cultura
Oficina realizada em conjunto
com a comunidade pela
operadora de turismo Aoka no
Vale do Ribeira. A proposta é
valorizar as culturas tradicionais
com a forma como o capita-lismo,
enquanto modelo econômico,
vem prosperando financeiramente,
ampliando a desigualdade social e
agravando o problema da distribuição
de renda no mundo.
Esse tipo de proposta nos instiga a
repensarmos a forma como empre-endemos
e trabalhamos, e também
como, de quem e com quem gasta-mos
nossos recursos. É uma boa re-flexão
para avaliarmos os critérios de
seleção que usamos para escolher as
empresas que nos servem, se elas es-tabelecem
e cumprem seus objetivos
sociais, se é que eles existem.
O Evento
Durante sua participação no Fórum,
Yunus reforçou a importância de esti-mularmos
as empresas sociais e prin-cipalmente,
a ideia de que qualquer
um de nós pode criar uma. Segundo
ele, “estamos sempre apontando o
dedo e cobrando do governo ou da
iniciativa privada, mas precisamos
fazer nós mesmos. Não precisamos
resolver o problema do País inteiro,
mas podemos começar pequeno,
plantando uma pequena semente e
estimulando as pessoas a replicá-las”.
Todos nós temos nossa responsabili-dade
em fazer um “mundo melhor” e
para Sr. Yunus criar empresas sociais
é um caminho muito eficiente e “di-vertido”.
Sobre a sustentabilidade das entida-des
sem fins lucrativos, o Sr. Yunus
destacou que o dinheiro gasto em cap-tação
de recursos externos para sua
sobrevivência poderia ser investido na
criação de empresas sociais, tornando
as entidades menos dependentes dos
recursos externos e estimulando a
criatividade e comprometimento dos
próprios beneficiários, rompendo
com o ciclo do assistencialismo.
Uma das principais questões levan-tadas
pelos jornalistas ao Sr. Yunus,
desde que chegou ao Brasil, foi sua
opinião sobre o programa do governo
federal, o Bolsa Família. Muito sábio,
o professor não fez críticas, como to-dos
esperavam. Manteve sua postura
otimista e destacou: “o governo fez
sua parte ajudando os que precisam.
Agora é a nossa vez de fazer a nossa
e ajudar todas estas famílias a preci-sarem
cada vez menos destes progra-mas,
através das empresas sociais.”
Para mostrar que já é possível em-preender
socialmente no Brasil, trou-xe
aqui alguns exemplos de empresas
que considero que estão próximas
desse conceito de empresa social e
uma boa fonte de referência no Bra-sil:
a organização não governamental
Artemísia, que apoia negócios sociais
no Brasil e seus parceiros.
Artemísia
www.artemisia.org.br
Organização pioneira em negócios
sociais no Brasil que busca atrair e for-mar
pessoas qualificadas para atuar na
criação e desenvolvimento de um novo
modelo de negócio, que possa contri-buir
para reduzir as desigualdades so-cioeconômicas
no mundo.
The Hub
www.the-hub.com.br
O Hub São Paulo é uma espécie de
“incubadora” de empreendimentos
THE HUB
Escritório compartilhado
propicia um ambiente
que estimula o
empreendorismo social
Fotos divulgação
Fotos daniela contrucci
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A operadora de turismo AOKA trabalha com roteiros
construídos a partir da participação das comunidades
sociais que oferece espaço físico, infra-estrutura
e serviços para que empreen-dedores
com ideias inovadoras possam
acessar recursos, realizar conexões, pro-duzir
e compartilhar conhecimento.
Ecotece
www.ecotece.org.br
Trabalha com produção e co-mercialização
de artigos de moda,
produzidos com matérias-primas
sustentáveis e com o trabalho de
cooperativas, praticando os concei-tos
do comércio justo.
Aoka Operadora de Turismo Sus-tentável
www.aoka.com.br
Uma empresa que busca elevar
o turismo a um novo patamar de
sustentabilidade e interatividade
com os destinos visitados, atuando
junto a comunidades tradicionais e
ONGs locais. Através de sua ativi-dade,
busca promover inclusão so-cial,
geração de renda e incentivo
ao empreendedorismo relacionado
ao turismo responsável, que valori-za
a cultura local e a troca de co-nhecimentos
entre comunidades e
visitantes.
Sementes da Paz
Turismo Comunitário
www.sementesdepaz.org
É uma cooperativa de logística
e distribuição de alimentos e pro-dutos
ecológicos e solidários que
integra uma rede de consumo e co-operação
econômica situada na Re-gião
Metropolitana de São Paulo. O
trabalho é pautado pelos princípios
da Agroecologia, da Economia Soli-dária,
do Comércio Justo e do Con-sumo
Responsável
Amapá Brasil
www.amapabrasil.com.br
Agência de comunicação com foco
em sustentabilidade, a Amapá tem
preocupação com a geração de lu-cro,
em ser social e ambientalmente
sustentável, unindo características do
segundo setor, como planejamento e
objetividade, e do terceiro setor, como
idealismo e foco nas pessoas.
Sobre a autora
Marianne Costa,
empreendedora
social, turismóloga e
gestora de projetos
em associativismo,
terceiro setor, turismo e
desenvolvimento local.
e-mail: marianne@raizes.tur.br
Foto divulgação/aoka