O documento discute o programa Wharton Societal Wealth da Universidade da Pensilvânia, que usa o empreendedorismo social para resolver problemas sociais. Também apresenta o trabalho de Muhammad Yunus e o Grameen Bank, que empresta dinheiro para mulheres pobres sem garantias, ajudando-as a sair da pobreza. Essas experiências mostram que é possível combinar lucro social e lucro empresarial.
1. Há algum tempo conheci o Wharton
Societal Wealth Program (WSWP),
programa de geração de riqueza so-
cial da Wharton School, dos Estados
Unidos. Duas coisas catalisaram mi-
nha atenção:
(1)O objetivo do WSWP, funda-
mentado no empreendedoris-
mo social e cuja hipótese norteadora
estabelece que o empreendedorismo
e a inovação podem servir como fer-
ramentas para o combate de proble-
mas sociais por organizações com-
prometidas com uma declaração de
missão dupla (lucro social e lucro
empresarial), operando um modelo
de negócio com fins lucrativos.
(2)A inovação na educação para a
gestão e os negócios, orientada
pela criação de condições favoráveis
ao aprendizado com experiências a
partir do enfrentamento dos desafios
da pobreza e da miséria humana por
meio da criação de riqueza social.
Em condições de incerteza, os par-
ticipantes do WSWP, liderados pelo
professor Ian MacMillan, utilizam
seis princípios-guia que os impelem
a estabelecer o escopo, mapear as
questões sociopolíticas, “prototipar”
um modelo de negócio social, plane-
jar uma abordagem realista de de-
sengajamento e saída, antecipar con-
sequências indesejadas (negativas e
positivas) e adotar uma abordagem
de aprendizado baseada em desco-
bertas, em detrimento da clássica
orientação ao planejamento.
Entre os projetos ativos do WSWP,
seleciono um, multidisciplinar, na
Zâmbia, que já emprega mais de
cem trabalhadores na produção de
alimentos para aves. Os alimentos
destinam-se a mais de 1,2 mil novas
granjas, que produzem o equivalente
a 2,5 milhões de porções diárias de
proteínas por mês, em uma região
considerada pobre e nutricionalmen-
te deficiente. O projeto gera emprego,
renda, consumo, dignidade, desen-
volvimento social e leva esperança às
pessoas, a partir de uma nova causa
ou propósito de vida.
PARADOXOS ESTRATÉGICOS
O WSWP pode ensinar algo a empre-
sas com fins lucrativos? Destaco um
ponto relevante para reflexão: para-
doxos estratégicos. Você lida com eles
na base do “OU uma coisa OU outra”?
Paradoxos estratégicos envolvem es-
tratégias associadas a tensões contra-
ditórias (ainda que integradas) que
nos desafiam todos os dias em nossas
organizações, por meio de questões
como “learning organizations” (ten-
sões entre aprendizado e performan-
ce, estabilidade e mudança, controle
e flexibilidade), “organizações ambi-
destras” (capazes de “explotar” opor-
tunidades/recursos já existentes e
“explorar” o desconhecido em busca
de oportunidades totalmente novas),
“inovação em custos” (fazer melhor e
mais barato) e “empreendimentos so-
ciais” (combinar lucro social e lucro
empresarial). Em vez de vivermos na
restrição do “OU”, estamos aprenden-
do a abraçar a dialética do “E”.
Um grande desafiador das regras
do jogo estabelecidas nos paradoxos
estratégicos e grande inovador social
é Muhammad Yunus, prêmio Nobel
da Paz em 2006, a quem devemos o
crédito dos conceitos centrais deste
artigo. Yunus é um notório questio-
nador da “sabedoria convencional”,
expressão cunhada pelo economista
LUCRO SOCIAL, LUCRO
EMPRESARIAL E A
SABEDORIA
CONVENCIONAL
BOA PARTE DOS PROJETOS DE SUSTENTABILIDADE AINDA PARECE ESTAR MAIS PREOCUPADA COM
O RESULTADO FINANCEIRO, EMBORA ADVOGUE O RESULTADO TRIPLO, QUE REÚNE AS DIMENSÕES
FINANCEIRA, SOCIAL E AMBIENTAL;CASOS COMPROVAM QUE HÁ SOLUÇÃO POR RIVADÁVIA DRUMMOND
NOVAS
FRONTEIRAS
DA GESTÃO
Ilustração:Shutterstock
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2. Kenneth Galbraith para iluminar a
mistura de meias verdades com con-
veniência. Segundo Yunus, “é possí-
vel criar negócios com uma missão
social, gerenciados em uma lógica
organizacional com fins lucrativos”.
Boa parte dos projetos de susten-
tabilidade aos quais já fui apresen-
tado parecia confirmar a máxima,
apócrifa, de que “sustentabilidade é
igual ao reino dos céus: todo mun-
do quer ir para lá, só que não agora”.
Ou seja, as organizações advogam o
triple bottom line (métricas e resul-
tados nas perspectivas financeira,
social e ambiental), mas na verdade
é apenas o resultado simples (unica-
mente financeiro) que lhes importa.
A experiência de sucesso liderada
por Yunus é uma resposta a isso.
Sim, você já deve estar se pergun-
tando como fazer acontecer na vida
real. Os temas “inovação social”,
“empreendedorismo social” e “mo-
delos de negócio sociais” estão em
construção e não há respostas de-
finitivas, porém, em recente artigo
de Yunus e colegas no prestigiado
periódico acadêmico Long Range
Planning, conseguimos uma com-
preensão maior da temática.
Yunus, pioneiro do microcrédito,
fundou o Grameen Bank em 1976, de-
pois de se indignar com a exploração
de mulheres pobres por agiotas nos
muitos vilarejos de Bangladesh. Os
dados auditados do artigo, de 2010,
causam-me alegria e esperança: hoje
o banco oferece empréstimos para
mais de 7,5 milhões de pessoas po-
bres de Bangladesh, das quais 97%
são mulheres; entre o universo das
famílias que contraíram um emprés-
timo do “Banqueiro dos Pobres”, 68%
já saíram da pobreza; 98,4% dos em-
préstimos são honrados; e o banco
tem sido lucrativo em todos os anos
de sua existência, exceto 1983, 1991 e
1992. Atualmente, o grupo Grameen é
uma rede de quase 30 organizações-
-irmãs ligadas ao Banco Grameen.
Relato três pequenos casos de su-
cesso construídos por Yunus com em-
presas multinacionais estabelecidas:
(1)Grameen Phone (parceria com
a norueguesa Telenor). Possi-
bilita a geração de empregos para as
denominadas “Grameen Telephone
Ladies”. Os clientes demandam ser-
viços de telecomunicações dessas se-
nhoras e pagam por minuto de uso,
evitando o custo de aquisição de apa-
relhos e assinatura.
(2)Grameen Veolia (com a fran-
cesa Veolia Water). Oferece
sistemas de tratamento de água de
superfície para a provisão de água
potável às populações rurais, distri-
buída em garrafas ou bebedouros.
Os usuários adotam o sistema de
cartões pré-pagos.
(3)Grameen Danone (com a es-
panhola Danone). Fornece
um iogurte desenvolvido para aten-
der às necessidades nutricionais de
crianças de Bangladesh a preços
módicos. O iogurte é produzido lo-
calmente e distribuído de porta em
porta pelas Grameen Ladies. Seu
novo desafio é aprender a produzir
um copo comestível para o iogurte,
também nutritivo.
Voltando ao que as empresas po-
dem aprender, vejo que Yunus e
seus parceiros Telenor, Veolia Wa-
ter e Danone nos oferecem cinco
lições importantes com seus ca-
sos –as três primeiras aplicáveis a
quaisquer tipos de inovações em
modelos de negócio; as outras duas,
aos sociais.
(1)Desafiar continuamente a sa-
bedoria convencional: você
emprestaria dinheiro para pessoas
pobres que não podem apresentar
nenhum tipo de garantia?
(2)Buscar parceiros complemen-
tares que possam contribuir
com os recursos faltantes ou cuja
construção demandaria um custo de
oportunidade imponderável.
(3)Abraçar a experimentação con-
tínua e o aprendizado baseado
em descobertas.
(4)Favorecer acionistas orienta-
dos ao lucro social.
(5)Especificar claramente , como
condição sine qua non, os ob-
jetivos do lucro social.
A inovação social e o empreende-
dorismo social ainda são campos em
construção e, por isso, demandam
mais experiências, mais projetos e
mais reflexões, porém existem muitas
boas experiências em andamento com
as quais podemos aprender, em todo o
mundo e também no Brasil. Só é im-
portante que não sejam confundidas
com propostas de inovação voltadas à
base da pirâmide socioeconômica.
Eu, particularmente, cultivo a espe-
rança de fazer um mundo melhor com
organizações melhores, e me interesso
cada vez mais pelas experiências de
inovação social. Não aceito mais pas-
sar a vida em ilhas de prosperidade
cercadas por desigualdades de todos os
lados. Quero um Brasil melhor para as
próximas gerações. E você?
Rivadávia C. Drummond de
Alvarenga Neto, um dos titulares
desta coluna, é reitor da UniBH,
de Minas Gerais, e professor
convidado da HSM Educação e da
University of Hong Kong. Escreveu
o livro Gestão do Conhecimento em
Organizações (ed. Saraiva).
HSM Management
“AINOVAÇÃOEO
EMPREENDEDORISMO
SOCIAISESTÃOAINDA
EMCONSTRUÇÃO,MAS
JÁOFERECEMBONS
APRENDIZADOS”
Foto:lolastudio.com.br
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