O documento discute o papel das parteiras tradicionais no Brasil e sua abordagem ao parto baseada no sincretismo religioso. Ele descreve como as parteiras utilizam orações e remédios de ervas para aliviar as dores do parto e esfriar o ventre materno, vendo o nascimento como uma expressão da vontade divina. O texto também discute a origem das parteiras curiosas e suas práticas para ajudar mulheres grávidas em situação de vulnerabilidade.
3. Uma temática da política psicossocial autoritária com as
vítimas de assédio, do preconceito, da descriminação,
da repressão obstétrica e da omissão estatal.
6. SINCRESTISMO RELIGIOSO
Cultura imposta aos povos originários através dos fundamentos
judaico-grego-cristão-católico
As mulheres mães aterrorizadas foram obrigadas a aceitar o sincretismo religioso, caso
contrário, elas e suas germinações seriam banidas e exterminadas. Criaram no seu cérebro, um
campo religioso, incutindo-se a idéia do divino, objetivando a venda de produtos religiosos.
2ª As mulheres mães criaram múltiplas e variadas estratégias de sobrevivência, porém foram
fortemente dificultadas pela introjeção do temor e da ameaça vital. Vivenciaram perdas
progressivas em relação às formas de vida, ao valor energético e ao valor de direitos adquiridos de
uso próprio no que dizem respeito às possíveis formas de expressão dos seus hábitos e costumes.
3ª Cabe lembrar de que as tradições dos povos originários amazônicos e andinos estão distantes
das formas ocidentais de suas estereotipadas interpretações. A filosofia, a religião, a psicologia, a
medicina poderão ser aplicadas apenas às experiências do mundo ocidental, tendo sua validade e
poder de elucidação dentro dos limites da ocidentalidade.
4ª Esses paradigmas de interpretação e classificação ocidental estão impossibilitados de
compreender e de alcançar plenamente as sementes das tradições milenares, fora dos
fundamentos judaico, grego, cristão e católico, os quais determinam o entendimento do que seja a
filosofia, a espiritualidade religiosa, a psicologia, a medicina e outros.
7. PARTEIRAS TRADICIONAIS E O
SINCRETISMO RELIGIOSO
Visíveis no mundo oculto das aflições
maternais, indispensáveis no
país dos marginalizados,
inviabilizados e oprimidos
O universo oculto das
benzedeiras curiosas;
parteiras benzedeiras;
parteiras comadres;
parteiras curiosas;
parteiras técnicas ...
9. “VIRE PARTEIRA, PARA SER
MÃE D’UMBIGO”
A parteira Martinga e sua filha tinham caminhado a noite inteira dentro da floresta
amazônica através das folhagens verdes, quando o sol começava a radiar, ainda se
sentiam dispostas e com o espírito fortalecido pelo amor ao próximo, esquecendo-se da
fome e da sede. Calmas e tranquilas apressaram o passo para ao fim chagar descalços
à palafita construída de madeira e palmas. Ali se encontrava deitada a mama’e, prestes
a dar á luz. Elas vinham de muito longe, chegavam para aparar e pegar a nova vida e
vem dizer que ela “virou parteira, pra ser mãe de umbigo”. “E junto com ela trazia
palavras de esperança, de amor e encorajamento”. A futura mãe estava semi
adormecida, abrio os olhos e percebeu que a parteira estava junto a ela e sorrio.
Ela lhe ajudaria trazer a sua filha a este mundo distante e perdido. A parteira seguiu
primeiro com os olhos, logo tocou o ventre da mulher pacientemente e fez a sua
previsão. Sussurrando disse: “Com esta mulher abandonada e aflita eu te chamo”.
Assim, saio e pego sua bolsa tira colo para preparar um remédio de plantas e raízes.
Depois de um tempo voltou para iniciar sua assistência fazendo primeiro beber o
remédio a futura mama’e. Seus olhos precisavam estar limpos, suas mãos asseadas e
seu coração em paz para anunciar a nova vida. Assim, começou seu novo dia de pegar
e aparar a recém-chegada.
14. 4. Ao nosso redor germina um ‘trabalho doloroso’, a favor das mamas, uma verdade pura e
inocente, o nascimento de uma criança. Deus ajudará em nosso trabalho: pegar e aparar o
coroinha que vale tanto quanto nosso filho.
5. Quem irá nascer não se importará com a sorte tão escassa e nem com o rigor da pobreza
material. Aquela coroinha que insiste em nascer num meio tão perverso, não exige riqueza e
nem pobreza. “Esta mulher não será maltratada por dentro por minhas mãos”. (D. Ins)
6. A curiosa benzedeira, é quem cuida das águas e do espírito, fica em calma, com sua
consciência tranquila, temendo e sendo fiel a Deus criador, que lhe ordena não deixar de ser
humilde ante suas palavras. Assim, será ouvida como uma “boa filha” nas mais simples e
sublimes preces.
7. Como a rude tormenta que bate nas favelas (palafitas) e o relâmpago que se descarrega
iluminando as sombras, é o nascer de uma criança. “Deus não vê onde você mora, Deus
enxerga o coração”. (D. G.). Todas rezam e fazem preces aos céus para desarmar a
cólera Deus e esfriar o ventre materno.
8. “Não se esqueça, meu Deus, que há muitas crianças abandonadas pelo pai, sem roupa,
sem pão e a mãe prestes a dar à luz mais uma criança. Perdoe-nos, meu Deus”. “Quem não
ama a seu filho é um mentiroso e permanece na morte”. (D. Du.)
15. 9. Só querem uma leito de palha ao invés de um berço!
As mães grávidas se escondem em qualquer palafita. Com voz trêmula e medrosa,
solicitam socorro à ‘curiosa’. A assistência não vem como uma esmola, vem como uma
caridade às que sofrem, para quem chora envolta em farrapos. Ela é uma mãe que implora
pela salvação de seu filho. São filhos de Deus. Só querem uma leito de palha ao invés de
um berço!
10. Deve ser uma comadre caridosa porque as pobres mães imploram por ela. Que valor
tem uma esmola em momentos assim? Nos azares do mundo, qualquer pobreza se esgota
quando as parteiras curiosas, as comadres parteiras e as benzedeiras curiosas consolam-
nas e socorrem-nas neste mundo desolado e triste. Porque, “Nós não amamos com palavras
nem com a língua, mas por atos e em verdade a nossas mamas”. (D. Leo.)
16. ESFRIAMENTO E REZA PARA AS
DORES DE PARTO
Reza para o ‘dono das águas’ e
para todas as dores do parto
“Quem vai ganhar uma criança deve se segurar bem. Quando o coroinha vai saindo, a
benzedeira curiosa deve segurar a cabeça, no ligeiro. Não pode largar e deixar pendurada a
cabeça. Assim, você estará cuidando bem dele e fazendo-o nascer bem. Quando ele nascer, deve
limpá-lo rapidamente para não engolir a sujeira.
2. Tem muitas crianças que ajudei a acordar. Nenhuma dormiu (desfaleceu) em minhas mãos. Eu
fico sentada na frente da mãe, esperando-a pacientemente. Fico passando as mãos nela. Quando
sinto que está de lado (sentado), eu rezo e eu a coloco certo para nascer. Depois, vejo como
ela está e rezo”. (D. Jus)
1ª Reza para antes do nascimento da criança:
Minha santa mãe,
esfria a vida da criança.
Minha santa mãe,
esfria a vida da criança,
colocando a sua santa mão
sobre as carnes da mãe.
17. 2ª Reza para depois do nascimento:
É para esfriar o lugar da criança.
É para esfriar novamente o
lugar da criança.
É para parar de pingar o sangue,
para parar de pingar o lugar
deixado pela criança.
É para esfriar a mãe da criança.
Dizemos ‘não’ ao calor da mãe e da criança.
3ª Reza para acender o cachimbo:
Assim, como começou a sua vida,
assim, minha grande santa avó,
vamos acender o nosso cachimbo.
Como era antigamente, minha grande avó,
vamos fazer brilhar o nosso cachimbo.
Na fumaça de nosso cachimbo,
sem dor, sem dor, resguardando,
minha grande santa avó.
Na fumaça de nosso cachimbo,
sem dor, sem dor no nascimento.
Minha grande santa avó,
na fumaça de nosso cachimbo.
18. 4ª Sem dores da ambajy, ventre:
Eu esfrio o seu lugar,
eu esfrio o seu lugar.
Assim, como começou a sua vida,
sem dor do ventre,
também possa ser sem dor,
sem dor da ambajy.
Minha santa avó,
contamos com sua santidade.
5ª Reza para depois do parto:
Era minha grande avó,
esfriando seu banco (assento).
Esfriando seu principal banco para si mesma.
Era minha mãe, esfriando o assento.
Era minha mãe,
esfriando o seu ventre.
Esfriando, para si mesma, o seu
próprio ventre.
Não vai me acontecer nada de mal,
dizia o Deus-Pai.
O mal não vai acontecer,
dizia o Deus-Pai.
Meu pai do campo,
esfria o seu fogo.
19. 6ª Preparação do santo corpo da mãe:
Como era a grande avó, como era a minha
própria mãe, se preparando para aparar o parto.
Como era no seu santo corpo.
Pelo orvalho do seu próprio corpo,
se preparando para o parto,
como era a minha própria irmã.
Como um monte da santidade do seu corpo,
preparando-se para o parto.
Ainda como uma flor nova na água, no
templo do seu resguardo.
7ª À divina mãe para esfriar o parto:
Divina mãe do parto, benze a nós.
Eu vou à busca da criança e da mãe.
Tu comigo irás ficar para esfriar o parto.
Não morrerá a mãe de parto nem a
criança de abafo, quando o fogo se apagar.
Espero sua misericórdia, minha mãe do parto.
20. 8ª. A virgem do bom parto:
Oh! Virgem do bom parto!
Oh! Virgem do parto dolorido!
Benze aos que vamos receber...
Mãe, ajuda-me a partejar.
Virgem do parto dolorido,
ajuda-me a esfriar a mãe.
Virgem do bom parto...
9ª. Oração: no dia do nascimento:
Benze-me, espírito fecundo.
A dor que vem santificá-lo,
na fé, que me guia na
angústia e na verdade.
Tu que inspiras o fraco,
fortalecei-me por dentro.
10ª. Oração para depois do nascimento:
Oh! Quanta ternura
me inspira ao tocar esta criança,
que um dia era guardada dentro da
minha santa mãe!
Salve, salve, minha santa mãe.
21. 11ª. Reza para virar uma criança que está de lado (sentada).
Rezo e eu a coloco certo para nascer
O mundo da incerteza,
mas também da esperança;
Um canto de ninar, a uma
criança que se entrega
totalmente aos meus braços
para dar-lhe o consolo de
virar em paz.
22. BENDITO SEJA O SENHOR!
BENZER É PASSAR FORÇA DAS ÁGUAS CLARAS DO SENHOR
Entoar as palavras mágicas para passar força é lidar com os remédios de Deus
Liberdade e caridade
Queria virar parteira para ser caridosa.
Olha esta mãe, esta pobre criatura.
Preserve-a de toda desventura,
fortalece seu lado piedoso
qual se de novo renascera.
Benze a sua santa serva,
meu Senhor. Amém.
“Eu era menina-mulher, ainda com oito a nove anos, quando as pessoas iam para casa
para eu lhes benzer, passar força. Logo, elas saravam. Eu fazia com aquele capricho, tudo bem
feitinho. Diziam que melhoravam e tanto que elas melhoravam mesmo, por isso elas mandavam
presentes para mim. Mandavam cabritos, leitões, galinhas, muitas vezes para eu criar. Dessa
maneira, tinha meus bichinhos. Eu me vestia, comprava roupa, calçados e comia através da venda
dos bichinhos que eu ganhava de minhas benzeduras. Outro tanto de bichinhos, eu ganhava
ensinando meus chás de ervas para as pessoas que se interessavam”. (D. Quitéria, 65 anos)
23. A INOCÊNCIA, A POBREZA E A REZA NO PARTO
A reza para receber a criança, o esfriamento do ventre materno e o parto dolorido serão
agraciados e perdoados por Deus. Estes são os fundamentos para o sincretismo religioso se
manter no coração das parteiras curiosas, parteiras benzedeiras, etc.
2. “Ah! Virgem do bom parto, bendize aos que vão receber e esfriar o parto...”. “Oh! Virgem do
parto dolorido, recebe, tu, a meu deus do esfriamento...”
24. 3. Com tais preces, as parteiras começam a ajudar as gestantes a darem à luz, ao contrário das
Mães d’Umbigo Raizeiras que mantem viva a Mãe do Fogo no ventre das Mães d’Água nos
renascimentos e nos nascimentos energéticos.
4. Assim, as parteiras curiosas e as benzedeiras curiosas transportam involuntariamente, em sua
prática e em sua memória, o maravilhoso passado da Terra Sem Males, o vislumbre das árvores
frondosas com suas sementes e raízes seculares, hoje, cobertas com uma névoa vagarosa. Essas
árvores, quando escutam o murmúrio dos ventos e contemplam o movimento das nuvens, intuem
que se aproximam os trovões, os raios, portanto, o fogo que gerará as tormentosas águas
maternais.
5. Contemplar as belezas naturais que o fogo gerou e que as águas magníficas fecundaram foi
para poucos, já que não foi possível preservá-las da barbárie dos homens civilizados religiosos
intervencionistas.
6. Que a presente geração das parteiras curiosas e das parteiras benzedeiras retorne aos
ensinamentos milenares da Medicina Tradicional Natural das Mães d’Umbigo Raizeiras. Que não
chegue a ver esses “troncos frondosos”, onde as colmeias abundavam, caídos no chão. Que as
mãos prodigiosas das parteiras curiosas e das parteiras benzedeiras não sejam mutiladas.
7. Que os civilizados e as civilizadas entendam que o século XX foi deles e percebam que
arrasaram o que durante milênios foi conservado pela ancestralidade amazônica e andina. Espera-
se que o civilizado religioso comece a conservar e a aceitar, na prática, as diferenças das
germinações tradicionais como a da Mãe d’Água e da Mãe do Fogo complementos que não se
podem dissolver.
26. Uma temática da política psicossocial autoritária com as
vítimas de assédio, do preconceito, da descriminação,
da repressão obstétrica e da omissão estatal
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IKA: Instituto Kallawaya de Pesquisa Andino
Jaxy Ovoguaçu, Lua Cheia, 27082018