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Universidade Presbiteriana Mackenzie


A BOA FÉ NO CÓDIGO CIVIL DE 2002 E O DIREITO CIVIL ALEMÃO
Rafael da Rocha Hermano (IC) e Maria Cecília Ladeira de Almeida (Orientadora)
Apoio: PIVIC Mackenzie


Resumo

O presente artigo científico ter por finalidade a análise, com base na legislação vigente e no direito
comparado, a concretização do princípio da boa fé nas relações jurídicas, mais precisamente no
campo dos negócios jurídicos, por meio do método dedutivo e procedimento dissertativo
argumentativo. O estudo tem como fundamento a comparação entre a forma de apresentação da boa
fé no direito civil brasileiro com a do direito civil alemão. Esse exercício comparativo é necessário,
pois, como é cediço na comunidade jurídica, o direito civil alemão é anterior ao brasileiro, e por isso
serviu de base para realização de boa parte do atual código civil brasileiro. Em verdade, mesmo o
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legislador brasileiro tendo se valido dos preceitos do BGB , o Código Civil de 2002 não ficou muito
atrás da maestria daquele. Outro aspecto interessante da boa fé a ser analisado é o fato de ser uma
cláusula geral, o que acarreta dificuldade ao operador do direito, por representar um conceito
plurissignificativo. Inúmeras interpretações são possíveis em nome da boa fé, e por isso a doutrina
precisa fixar parâmetros científicos para que não ocorram excessos hermenêuticos. Em decorrência
dessa multiplicidade de significados é que este texto traz à baila alguns institutos doutrinários criados
a partir da experiência alemã, que influenciaram o desenvolvimento deste princípio no Brasil.

Palavras-chave: boa fé, cláusula geral, BGB


Abstract

This article intends to analyze, based on current legislation and comparative law, the implementation
of the principle of good faith in the legal relations, specifically in the field of legal transactions, through
the deductive method and using dissertational argumentative. The study is based on a comparison
between the presentations of good faith in the Brazilian civil law with the German civil law. This
comparative exercise is necessary because the German civil law is prior to the Brazilian, and was the
basis for carrying out much of the current Brazilian Civil Code. In fact, even the Brazilian legislator
having used the precepts of the BGB, Civil Code of 2002 was not far behind that one in mastery.
Another interesting aspect of this principle to be analyzed is that is a general clause, wich causes
difficulties for lawyers and judges because represent a concept that has multiple meanings. Several
interpretations are possible in the name of good faith, and so the doctrine must establish scientific
parameters to avoid hermeneutical excesses to occur. Because of this multiplicity of meanings that
this text brings up some doctrinal institutes created from German experience, wich influenced the
development of this principle in Brazil.




1
    Bürgerliches Gesetzbuch; Código Ciivl Alemão


                                                                                                             1
VII Jornada de Iniciação Científica - 2011


INTRODUÇÃO

A boa fé é um princípio que à primeira vista pode parecer vago pelo fato de não haver em
nossa legislação um parâmetro concreto que possa trazer ao aplicador do Direito uma
definição do que é tal princípio, em que consiste, ou como deve ser aplicado.

Realmente não existem muitos subsídios legais que possam socorrer o operador do direito
na sua concreção. Isso ocorre não por uma desatenção do legislador, mas sim por uma
necessidade de viabilizar ao magistrado, em nome do princípio da operabilidade, um código
civil menos suscetível a depreciações por causa de mudanças sociais no tempo.

O principal objeto de estudo deste trabalho é o princípio da boa fé, bem como seus modos
de apresentação no mundo concreto e do “dever ser”, entendendo que em nosso
ordenamento jurídico a boa fé se encontra balizada nos fundamentos da Constituição
Federal de 1988.

Este princípio ganhou notoriedade no Direito Civil brasileiro com o tempo, mas ainda sim
pode ser mais bem implementado pelo legislador. A análise histórica da inserção deste
princípio nas leis brasileiras leva a concluir que o legislador passou a confiar mais no Poder
Judiciário, mas que ainda sim é necessária maior autonomia ao magistrado.

O direito alemão trabalha com um grande corpo de cláusulas gerais em seu bojo,
característica essa que a Comissão elaboradora do atual Código Civil adotou de forma
satisfatória, em contraposição ao antigo Código Civil de 1916.

Com maior presença no Direito Civil a partir do ano de 2002, a boa fé exigiu grande esforço
da doutrina e jurisprudência, necessários para definir seu conteúdo e identificar suas
conseqüências. Para isso, foi necessário socorro da experiência jurídica alemã.

REFENCIAL TEÓRICO

O Código Civil de 2002, inovou, trazendo princípios e diretrizes que inovaram o Direito
Privado, e que também exigiram diretamente, uma revisitação aos antigos institutos e a
análise dos novos. É correto afirmar que alguns desses princípios já existiam, se não
previstos expressamente, ao menos em sede doutrinária ou jurisprudencial. (Barros
Monteiro Filho, 2007)

A inclusão da boa-fé no Código Civil de 2002 foi imensamente festejada, pois no Código de
1916, a boa-fé só era mencionada no tocante ao estudo da posse. (Tartuce, 2001)

A doutrina, por vezes se utiliza dessa expressão “princípios constitucionais do direito
privado” para se referir a determinados valores ou determinados princípios, que foram
adotados pela Lex Matter e se referem especificamente a temas que são próprios do Direito
Privado, quer da tradicional prática disciplinar do direito privado, quer dos temas


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relacionados com o chamado direito de empresa.

Tratar desse tema é versar a presença da principiológica do direito constitucional na
formação estrutural do direito privado.

Miguel Reale (2003) realça esses valores, dizendo, que o Código Civil foi elaborado para
atualizar o direito privado, naquilo em que a experiência jurídica já esta consolidada pela
ciência, e para torná-lo compatível com a evolução da sociedade contemporânea,
agregando ao novo sistema jurídico as conquistas mais significativas e atuais da ciência e
do direito. Para isso o código adotou valores considerados essenciais para se atingir essa
atualização normativa, compatível com os anseios da sociedade contemporânea.

Tais valores são: a eticidade, a socialidade, a operabilidade. A CF/88 faz implícita alusão a
estes valores, em seus artigos 01º incs III e IV; 03 incs. I a IV; 04 inc. II e 05 caput e incs.;
110 e parágrafo; 127 e parágrafo; 170 incs. e parágrafo único; 183; 184; 186; 193; 196; 205;
220; 225; 227; 230.

Estes valores e fundamentos são dogmas; pontos de partida inegáveis e incontestáveis.
Conclui-se que tais valores são preceitos que devem ser respeitados sempre; jamais
deixados de lado, quanto menos desrespeitados na órbita daquilo que o Direito prospecta.
Estes, adotados como premissas que jamais podem ser suprimidas, funcionam como
vetores de todas as relações jurídicas presentes e futuras, e também condicionam efeitos de
relações jurídicas passadas.

Nenhuma Lei ou relação jurídica pode se esquivar de obedecer aos fundamentos
constitucionais, devendo tais, nestas situações, serem entendidos como limitações.

No Direito atual brasileiro, mais do que nunca, Constituição Federal e Código Civil
caminham, atualmente, de mãos dadas.

MÉTODO

Este estudo valeu-se de pesquisa bibliográfica, seguindo oito etapas de desenvolvimento da
pesquisa. As oito etapas são: escolha do tema; elaboração do plano de trabalho,
identificação; localização; compilação; fichamento; análise e interpretação, e redação. O
presente trabalho foi guiado por essas etapas, as quais contemplam as fases que partem do
levantamento bibliográfico, com a identificação das obras que interessaram; seguem para a
reunião dessas obras; o registro das leituras; a análise e interpretação crítica do material; e,
por fim, a redação.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Em 11 de janeiro de 2003 entrou em vigor o vigente Código Civil, de forma que o antigo
Código Civil de 1916 foi inteiramente revoado.


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A realização deste diploma legal foi encabeçada pelo ilustre jurista Miguel Reale, que em
seu pronunciamento na sessão de 29 de novembro de 2001, na Academia Paulista de
Letras - APL2 declarou que uma das diretrizes seguidas na elaboração do anteprojeto do
atual Código, foi a alteração geral no que se refere a certos valores considerados
essenciais, tais como o de eticidade, socialidade e operabilidade.

O filósofo explica que a eticidade se manifesta frequentemente no Código Civil de 2002
como referências à probidade e a boa fé, assim como a corretezza, ao contrário do que
acontecia no Código de 1916, que só cuidava da boa fé subjetiva. Quanto à operabilidade,
está se mostrou imprescindível, pois, além de tornar o manuseio da lei mais fácil (como no
caso de estabelecer em rol taxativo as hipóteses de prescrição para que não houvesse
aquela dificuldade entre diferenciar um prazo prescricional do decadencial), serviu para
incluir no novo texto, apenas quando necessário, algumas cláusulas gerais. No tocante à
socialidade, esta foi importante para superar o manifesto caráter individualista do antigo
Código de 1916.

Portanto, é possível perceber que o novo Código Civil representou um novo marco nas
relações jurídicas e sociais, uma vez que o seu objetivo era de caráter muito mais social que
o seu antecessor.

A influência do Bürgerliches Gesetzbuch (Código Civil alemão) na estruturação do Código
Civil brasileiro foi de suma importância. Um dos traços que é possível notar é a colocação
sequencial das matérias dispostas no Código Civil, que foi inspirado pelo BGB. Ademais a
inclusão de cláusulas gerais foi inovação celebrada pela comunidade jurista brasileira, que
enfim se viu livre das excessivas formalistas do Código Civil de 1916.

Panorama das Cláusulas Gerais no Direito Civil brasileiro e alemão

A presença de cláusulas gerais no novo Código Civil brasileiro também representa uma
influência do direito privado alemão. Ocorre que na Alemanha a presença dessas cláusulas
são muito mais frequentes. Isto porque a gênese do BGB alemão encontrou forte presença
da comunidade jurídica, arrefecendo a atuação do Legislativo. É cediço que o Poder
Legislativo não se sente muito a vontade em conferir amplas margens de atuação ao Poder
Judiciário, vez que teme certo ativismo judicial. Neste sentido Wanderlei de Paula Barreto
ensina que:

                             Na Alemanha, ambiente no qual as cláusulas gerais experimentam
                             seu maior desenvolvimento, a formação da sua ordem jurídica no
                             Estado de Direito pautou-se por maior autonomia do “Direito dos

2
  Pronunciamento do acadêmico Miguel Reale na sessão de 29 de novembro de 2001, na Academia Paulista de Letras – APL,
reconstituído pelo autor.


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                         Juristas”, cujas sementes remontam a 1814, contemporaneamente à
                         restauração do império alemão, em detrimento do “Direito do
                         Legislador”. (BARRETO, 2007. p. 67)

Histórico da boa fé

As origens do instituto da boa fé se encontram nos primórdios do Direito Romano. No
sistema romano, já se reconhecia a importância dos “pactos adjetos aos atos de boa-fé”.
Estes pactos representaram grande importância no desenvolvimento do sistema contratual,
pois contribuíram fortemente para o arrefecimento do antigo princípio do direito civil que não
reconhecia nenhuma eficácia ao pacto puro e simples (nudum pactum), despido de
formalidades.

Flávio Alves Martins (2001. p. 33) explica que a boa-fé no direito romano foi a ponte que
permitiu a passagem do formalismo para o consensualismo, uma vez que, desaparecendo a
certeza da forma, é a boa-fé entre os contratantes que dá sustentáculo à relação jurídico-
obrigacional.

Nos idos da Idade Média, o direito civil, com forte influência do direito canônico, a boa-fé
estava associada à ideia de ausência de pecado. Já na Idade Moderna, época em que se
desenvolveu o comércio, o consensualismo triunfou e foi adotado como base da clássica
teoria dos contratos, apoiando-se no princípio da autonomia da vontade em detrimento da
boa fé. (Hentz, 2007).

A boa-fé somente foi positivada com o advento do Código de Napoleão, em 1804. Todavia,
ela não se desenvolveu de forma eficaz, uma vez que a Escola da Exegese dominou o
pensamento jurídico na França durante o século XIX propugnando que interprete era mero
escravo da lei.

A boa fé passou a desenvolver de forma plena com o advento do Código Civil alemão
(Bugerliches Gesetzbuch – BGB) em 1900. Uma de suas maiores contribuições foi a
distinção entre a boa fé subjetiva (guter glauben) e a boa fé objetiva (treu und glauben).

Segundo Wanderley de Paula Barreto (2007. p. 67) o direito civil alemão fundamenta-se em
tríplice alicerce: o direito romano, a ética cristã e o direito germânico. Este último formou-se
como direito de estirpes e permaneceu, na essência, como direito consuetudinário, com
ênfase no espírito de comunidade e, consequentemente, caracterizado por consistente
proteção da confiança, a qual logrou acolhida no ordenamento positivo por meio do princípio
Treu und Glauben do § 242 do BGB, com a seguinte dicção: “O devedor é obrigado a
realizar a prestação como exigem a lealdade e a confiança em consideração aos costumes
do tráfico jurídico”.




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No Brasil, o primeiro dispositivo legal a prever a boa-fé no Direito brasileiro foi o artigo 131,
inciso I, do Código Comercial de 1850 (a inteligência simples e adequada, que for mais
conforme a boa-fé, e ao verdadeiro espírito e natureza do contrato devera sempre
prevalecer a rigorosa e restrita significação das palavras), sendo que este artigo fazia alusão
a boa-fé, todavia de pouca aplicabilidade.

A boa fé reapareceu no ordenamento jurídico brasileiro no Código Civil de 1916, ficando
restrita apenas às hipóteses de ignorância escusável, mormente em matéria de direito de
família e em questões possessórias (boa fé subjetiva).

Somente com o advento do Código de Defesa do Consumidor, em 1990, é que a boa fé
objetiva foi efetivamente consagrada pelo nosso ordenamento, motivada pela nova ordem
constitucional que se instalara dois anos antes.

Com o Código Civil de 2002, a boa fé alcança seu apogeu no ordenamento pátrio. Neste
diploma, encontram-se positivadas a boa fé subjetiva e a objetiva.

A boa-fé objetiva e subjetiva

Trata-se de uma dicotomia, que passou a existir a partir da entrada em vigor do Código Civil
alemão (Bürgerliches Gesetzbuch – BGB) em 1900, configurando uma de suas maiores
contribuições ao direito civil.

No estudo da boa fé do novo Código Civil Brasileiro, mister se faz distinguir os conceitos de
boa fé objetiva e de boa fé subjetiva.

Quando se busca a etimologia das palavras "subjetivo" e "objetivo", encontra-se os
seguintes significados:

Subjetivo: Segundo Houssais: relativo à vida psíquica do sujeito (latim). Aquilo que esta
dentro do individuo.

Objetivo: Segundo Houssais: diz-se do que está no campo da experiência sensível aquilo
que esta fora do individuo; (latim). Aquilo que é exterior ao individuo.

A boa fé subjetiva, diz respeito a um estado subjetivo ou psicológico do indivíduo, aplicável
no campo do Direito das Coisas (como por exemplo nos casos do possuidor de boa fé),
enquanto a boa fé objetiva corresponde a uma regra de conduta, um modelo de
comportamento social.

A boa-fé subjetiva denota estado de consciência, ou convencimento individual da parte ao
agir em conformidade ao direito, sendo aplicável, em regra, ao campo dos direitos reais,
especialmente em matéria possessória. Diz-se subjetiva porque, para a sua aplicação, deve
o intérprete considerar a intenção do sujeito da relação jurídica, o seu estado psicológico ou



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íntima convicção. Exemplo disso é a posse de boa fé, que gera usucapião e é protegida
contra terceiros, que consiste na ignorância de vicio ou obstáculo que impede a aquisição da
coisa. (Martins Costa, 2000)

Conclui-se que a boa fé subjetiva é aquela aplicada no campo do Direito Civil real, mais
especificamente ligada ao instituto da posse de coisa móvel e imóvel Não se olvide a sua
aplicabilidade no Direito de Família, mais precisamente na proteção ao cônjuge de boa fé,
nas hipóteses do casamento putativo.

Dito isto, concluí-se que a boa-fé subjetiva não se aplica apenas no campo do direito real,
mas também no campo do direito pessoal de família.

No que tange a boa-fé objetiva, que é aquela trazida pelo Código de Defesa do Consumidor
e o novo Código Civil no campo do direito pessoal, deve-se entendê-la como um principio
vetor de todas as relações jurídicas privadas, que exerce funções importantes ao salutar
desenvolvimento das relações obrigacionais.

Panorama da dicotomia boa fé objetivo-subjetiva no Direito Alemão

O que se entende por boa fé subjetiva no Código Civil brasileiro, o BGB, diploma civil
alemão, trata como sendo boa fé psicológica (guter Glaube). Seu campo de aplicação se
encontra principalmente em matéria de direito possessório (BGB, § 990 ss.), aquisição de
coisas móveis (BGB, § 926 ss.), prescrição (BGB, §§ 937 e 945), aquisição de frutos e
partes de coisas (BGB, § 955 ss.), usufruto (BGB, § 1.058), aquisição do penhor (BGB, §
1.208), posse de herança (BGB, § 2.024 s.).

Como é possível ver, o Brasil adota tratamento muito semelhante no tocante à boa fé
subjetiva, principalmente em sede de matéria possessória.

Por outro lado, a boa fé objetiva do Direito Brasileiro, presente no Código de Defesa do
Consumidor e Código Civil, é conhecida na Alemanha como boa fé ética (BGB, § 307).

Boa fé objetiva e suas funções

A boa fé objetiva exerce três funções nas relações jurídicas de direito privado, quais sejam:
a função interpretativa e de colmatação; função supletiva ou criadora de deveres jurídicos
anexos ou de proteção, e a função delimitadora do exercício de direitos subjetivos
(Gagliano; Pamplona Filho, 2009, p. 69).

A função interpretativa da boa-fé objetiva esta prevista no artigo 113 do atual Código Civil.
Esta tem como desiderato a busca do verdadeiro sentido da declaração contratual, quando
seus signatários divergirem na interpretação deste. Apesar de o contrato ser um acordo de
vontades, por vezes as cláusulas são obscuras ou de difícil interpretação. É aí que pode
entrar a figura do Estado-juiz, desde que provocado, como interveniente, que declarará o


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verdadeiro sentido da declaração negocial, pautado na boa-fé da realidade social.

Quanto a função supletiva, a boa-fé cria deveres anexos (também chamados laterais,
secundários ou instrumentais). Além dos deveres principais, que constituem o núcleo da
relação contratual, existem deveres que visam o perfeito cumprimento da prestação e a
plena satisfação dos interesses envolvidos no contrato. Esta se encontra presente no artigo
422 no novo Código Civil e nos artigos 04º e 51 do Código de Defesa do Consumidor. O
legislador se omitiu de incluir expressamente na fórmula do artigo 422 os períodos pré e
poscontratual, todavia tal omissão não implica negação da posterior ao contrato, pois é
cabível a interpretação extensiva, para atender ao espírito da lei.

Por fim, há a função delimitadora do exercício de direitos subjetivos. Nessa área, ela atua
principalmente no controle das cláusulas abusivas e com parâmetro para o exercício das
posições jurídicas. Muito comum em lides de relação de consumo que envolva bancos e
seus clientes, ou companhias de telefonia celular.

Função Interpretativa

Seguindo tendência socializante, prevê o artigo 113 do Novo Código Civil que os negócios
jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé e os usos do lugar da sua celebração.
Nesse dispositivo, a boa-fé é consagrada como meio auxiliador do aplicador da norma
quanto à interpretação dos negócios obrigacionais, particularmente dos contratos.

O   aludido comando legal não poderá ser              interpretado isoladamente, mas em
complementaridade com o artigo 112, que traz regra pela qual, nas declarações de vontade
se atenderá à intenção nela consubstanciadas do que ao sentido literal da linguagem.

Os dois dispositivos trazem a boa-fé como cláusula geral presente em todos os negócios e
contratos celebrados. É necessário, portanto, conhecer o sistema de cláusulas gerais para
melhor entender a dinâmica do funcionamento e do regramento do Código Civil no
encaminhamento e nas soluções dos problemas que o direito privado apresenta. Há
verdadeira interação entre as cláusulas gerais, os princípios gerais do direito, os conceitos
legais indeterminados e os conceitos determinados pela função. A solução dos problemas
reclama a atuação conjunta desse arsenal.

Não obstante, pelos artigos 112 e 113 do Novo Código Civil, percebe-se, uma relativização
daquilo que as partes fizeram constar no contrato. Eventualmente, interpretando-se os
negócios de acordo com a cláusula geral da boa-fé, e buscando muitas vezes o que as
partes quiseram ou pretendiam com o negócio –, e não necessariamente o que escreveram
no instrumento obrigacional -, o “pacta sunt servada” é mitigado.

Isso porque o artigo 113 traz a função interpretativa da boa-fé, que deverá nortear os



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destinatários do negócio jurídico, visando conferir o real significado que as partes lhe
atribuíram, procedendo com lisura, ou, na hipótese de cláusulas ambíguas, conferir
preferência ao significado que a boa-fé aponte como mais razoável.

Nossa melhor jurisprudência assim já vem procedendo, procurando sempre a verdade real e
a socialidade da norma, em detrimento da verdade formal e do tecnicismo exagerado.

Finalizando, deve ser entendida a boa-fé como forma auxiliar a guiar o magistrado na
aplicação da norma ao contrato, dentro da equidade e das regras de razão que se espera do
Poder Judiciário.

Função Supletiva (caracterizadora de deveres de conduta)

A cláusula geral de boa-fé traz aos contratos e aos negócios jurídicos deveres anexos para
as partes: de comportarem-se com a mais estrita lealdade, de agirem com probidade, de
informarem o outro contratante sobre todo o conteúdo do negócio. Nesse tom, a
colaboração está presente de forma inequívoca. Sob esse prisma, o enunciado número 24
do Conselho Superior da Justiça Federal, aprovado na I Jornada de Direito Civil, realizada
em setembro de 2002, prevê que o desrespeito desses deveres anexos gera a violação
positiva do contrato, espécie de inadimplemento a imputar responsabilidade contratual
objetiva àquele que viola um desses direitos anexos.

O sentido do princípio da boa-fé objetiva pode ser percebido da análise do artigo 422 do
Novo Código Civil, pelo qual “os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão
do contrato, como em sua execução, os princípios da probidade e da boa-fé”.

Pois bem, voltando ao artigo 422 do Novo Código Civil, este consagra a necessidade da
partes manterem em todas as fases contratuais, sua conduta dentro da mais estrita boa-fé.

A doutrina considera como deveres anexos: lealdade, confiança, equidade,           razoabilidade,
cooperação, colaboração, informação.

Quanto à eventual fundamentação constitucional do princípio, a fundamentação do princípio
da boa-fé assenta na cláusula geral de tutela da pessoa humana, constante principalmente
do artigo 1º, III, e de vários incisos do artigo 5º do Texto Maior.

Aliás, o próprio artigo 5º, inciso XIV, da Constituição Federal assegura a todos o direito à
informação, que deve ser concebida em sentido amplo, atingindo também o plano
contratual. Nesse dispositivo reside, especificamente, fundamento constitucional expresso
da boa-fé objetiva.

Mas não é só. Pela relação direta que mantém com a socialidade, a boa-fé objetiva também
encontra fundamento na função social da propriedade, prevista no artigo 5º, inciso XXIII e
artigo 170, III, da Constituição Federal de 1988. A confiança contratual, aliás, é conceito


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incito à própria manutenção da ordem econômica.

Função indicativa de limites para o exercício de direitos subjetivos

Esta função da boa fé objetiva esta intimamente ligada com a teoria do abuso de poder. No
atual Código Civil, o dispositivo que cuida da matéria está no artigo 187. Segundo este
artigo o agente que age em abuso de um direito subjetivo deve indenizar o prejudicado. O
princípio que brota deste artigo é o de que não existem direitos absolutos, portanto, todo
direito subjetivo deve respeitar seus limites. Quais são esses limites? Esses limites são os
direitos subjetivos de outros sujeitos de direito. Deve haver uma convivência salutar entre as
esferas de direitos de cada sujeito de direito, porque senão, seria impossível o convívio
pacífico destes.

Todavia nem sempre tais limites são respeitados, e com isso caracteriza-se o abuso de
direito. Essa violação gera àquele que teve sua esfera de direitos invadida o direito de ser
indenizado. Diferentemente do ato ilícito, que exige a prova do dano para ser caracterizado,
o abuso de direito é aferível objetivamente e pode não existir dano e existir ato abusivo. O
abuso de direito é aferível de modo objetivo, prescindindo do dolo ou culpa e também do
dano para caracterizar-se.

É dever de todo sujeito de direito valer-se do seu direito de maneira regular. São exemplos
concretos: (a-) proprietário que abre poço em seu terreno prejudicando uma nascente
existente em prédio vizinho; (b-) assembléia geral de sociedade toma, por maioria,
deliberação que visa não o interesse comum dos associados, mas antes interesses extra-
sociais dos sócios majoritários.

Percebe-se que o abuso de direito pode se dar em todo tipo de situação da vida humana, e
não apenas em relações contratuais. É claro que neste trabalho o que mais interessa ao
objeto de estudo são as situações negociais jurídicas.

Os atos abusivos geram os mesmos efeitos de todo ato ilícito: a obrigação de reparar os
danos por ele causados, morais e extrapatrimoniais; nulidade do negócio jurídico nos termos
do artigo 166, inc. VI do Código Civil.

A rica doutrina alemã desenvolveu institutos que denotam circunstâncias de abuso de
direito, que a lei e jurisprudência têm acolhido, quais sejam: supressio, surrectio, venire
contra factum proprium e tu coque.

Supressio

A supressio ou Verwirkung da doutrina alemã consiste na redução do conteúdo obrigacional
pela inércia de uma das partes em exercer direito ou faculdades, gerando na outra legítima
expectativa. (Mezzomo, 2006)


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Um bom exemplo é aquela situação em que o locador recebe o pagamento da locação, de
acordo com o contrato, todo o quinto dia útil do mês. Suponhamos que o locatário, por
quaisquer motivos, peça ao locador que o permita realizar o pagamento da locação em duas
parcelas no mês, ou seja, a primeira metade do quinto dia útil do mês, e a segunda metade
no décimo dia útil do mês. Aceita tal proposta, imagine-se que após alguns meses o locador
resolva receber o pagamento conforme o estipulado no contrato, pois não quer mais receber
em duas parcelas. Se o locatário se insurgir contra essa posição do locador, poderá, com
fundamento na supressio, continuar fazendo os pagamentos em duas parcelas.

Dois são os requisitos para a ocorrência dessa supressão de direito: decurso de prazo sem
exercício do direito com indícios de que o direito objetivo não seria exercido e, desequilíbrio
pela ação do tempo, entre o benefício do credor e o prejuízo do devedor. Também tem se
exigido a presença do desequilíbrio contratual.3

A supressio tem previsão legal em nosso Código Civil, e se encontra no artigo 330,
afirmando que o pagamento reiteradamente feito em outro local faz presumir renúncia do
credor relativamente ao previsto no contrato.

Trata-se de hipótese de previsão legal do instituto. Sendo assim, é possível classificarmos a
supressio de três formas: legal, judical e convencional.

A modalidade legal é justamente esta prevista no artigo 330 no atual Código Civil. A judicial
é aquela que pode ser reconhecida por sentença. A convencional decorre de mera
liberalidade das partes, seja por contrato ou acordo de cavalheiros.

Surrectio

Enquanto a supressio diz respeito a supressão do direito de uma das partes no negócio
jurídico, a surrectio e exatamente o oposto, ou seja, trata do surgimento de um direito.

Como a supressio, os requisitos exigidos são os mesmo (o lapso temporal; a criação da
legítima expectativa na outra de que a prestação será continuadamente cumprida; a
presença da possibilidade de geração de prejuízo ao beneficiário das prestações). A nosso
ver, a surrectio vem sempre acompanhada da supressio.

Venire contra factum proprium

Nesta hipótese, o contratante assume um determinado comportamento o qual é
posteriormente contrariado por outro comportamento seu.

A empresa Cica distribuía sementes a agricultores gaúchos, de modo a gerar-lhes a
expectativa de compra da safra futura, expectativa esta presente na fase pré-contratual, sem

3
 Apelação Cível nº 70003607231, Décima Quarta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: João
Armando Bezerra Campos, Julgado em 18/10/2002


                                                                                                       11
VII Jornada de Iniciação Científica - 2011


que qualquer contrato escrito fosse celebrado. Em determinados momentos, os agricultores
plantaram as sementes, que geraram tomates, mas a empresa não adquiriu a produção, o
que levou a sua perda. O TJ/RS responsabilizou a empresa por tais condutas de quebra da
confiança.4

Impende lembrar que os atos devem lícitos, não havendo assim abuso de direito nem ato
ilícito.

Tu quoque

A locução significa "tu também" e representa as situações nas quais a parte vem a exigir
algo que também foi por ela descumprido ou negligenciado.

Em síntese, a parte não pode exigir de outrem comportamento que ela própria não
observou. Exemplo do instituto está no artigo 150 do Código Civil, que diz que se ambas as
partes procederem com dolo, nenhuma pode alegá-lo para anular o negócio, ou reclamar
indenização.

Se a parte "a" descumpre determinada cláusula bilateral, está legitimando a parte "b"
pressupor que tal cláusula não é essencial ou que seu descumprimento será tolerado.
Gerada expectativa por fato próprio, não ressoa ético aquele que anteriormente não
observou um comportamento exigi-lo de outrem.

A boa fé objetiva nas relações precontratuais

O artigo 422 do atual Código Civil consagra a boa fé objetiva de forma expressa, e diz que
os contratantes são obrigados a observá-la tanto na conclusão como execução do contrato.

Ocorre que todo aquele que se ater de forma mais atenta ao texto do referido artigo,
perceberá que o legislador foi omisso ao não incluir no texto legal as fases pré e
poscontratuais.

Em verdade, esse assunto já foi pacificado na doutrina e na jurisprudência, no sentido de
que a boa fé deve ser respeitada nessas fases contratuais, dada a imperfeição do texto
legal.

É claro que o ideal seria uma alteração no texto do referido artigo, como a que na Alemanha.
Com a reforma no direito civil alemão das obrigações, de 2002, que resultou na inclusão no
BGB do § 311, 2ª alínea, constituem-se relações jurídicas obrigacionais, sem um contrato,
por meio de: entabulamento de negociações ou tratativas contratuais; encaminhamento de
celebração de um contrato; contratos negociais análogos aos anteriormente referidos.

4
    Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, Embargos Infringentes n. 591083357, Terceiro Grupo de Câmaras
      Cíveis, Rel. Juiz Adalberto Libório Barros, J. 01/11/91. Comarca de origem: Canguçu. Fonte: Jurisprudência
      TJ/RS, Cíveis, 1992, v. 2, T. 14, p. 1-22.


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CONCLUSÃO

O profundo estudo da presença da boa fé no direito privado brasileiro é capaz de revelar
diferentes mudanças na sociedade brasileira.

Percebe-se uma ínfima presença da boa fé no Código Comercial de 1850, e em seguida,
com o patriarcal Código Civil de 1916, uma aparição tímida no tocante à matéria
possessória. Até os idos de 1990, ou seja, após períodos de conturbações políticas e
instabilidades institucionais, o legislador brasileiro, em cumprimento ao disposto no artigo 5º,
inciso XXXII, e artigo 48 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, é que o Código
de Defesa do Consumidor se viu concretizado, contemplando de forma enfática o princípio
da boa fé objetiva. Em 11 de janeiro de 2003, entrou em vigor o Código Civil de 2002, inovou
ao trazer de forma expressa o princípio da boa fé objetiva no seu artigo 422.

A trajetória deste princípio mostra-se crescente no Direito brasileiro. As transformações
sociais do Brasil foram importantíssimas para esse desenvolvimento. O Código Civil de 1916
atendia as necessidades de um grupo dominador, formado por patriarcalistas e aristocratas
da época. Ademais insta salientar que a sociedade era essencialmente rural. Toda esta
conjuntura favorecia o surgimento de leis que beneficiavam apenas um pequeno grupo.

Com o advento da urbanização na metade do século XX, surgiu a necessidade de criação
de uma lei mais adaptada e flexível que se atendesse os anseios de toda sociedade
brasileira.

Com isso surgiu a Comissão elaboradora e revisora do Anteprojeto de 1972, encabeçada
pelo Professor Miguel Reale e composta pelos professores José Carlos Moreira Alves,
Agostinho de Arruda Alvim, Sylvio Marcondes, Ebert Viana Chaumon, Clóvis Couto e Silva e
Torquato Castro.

Para a realização desta nova lei, estes ilustres juristas se valeram das bases do Direito Civil
Alemão. O Bürgerliches Gesetzbuch, mais conhecido por BGB, é o código civil alemão, e
teve sua criação liderada por juristas, sem muita intromissão do legislativo, o que sem
dúvida propiciou uma melhor ambiente para a criação desta norma.

Portanto, o Direito Civil brasileiro é pautado nas diretrizes do Direito Civil Alemão, e por isso
contempla vertentes romanas e cristãs.

Outra importante característica que passou fazer parte do direito privado brasileiro é a
presença de cláusulas gerais, quais sejam, a boa fé objetiva e a função social dos contratos
e da propriedade. Como já analisado, estas são de caráter plurissignificativo, e dificilmente
se depreciam com as mudanças sociais em função do tempo.

A prática de inserção de cláusulas gerais nas leis tem sido mais utilizada no Brasil, o que


                                                                                              13
VII Jornada de Iniciação Científica - 2011


sem dúvida concede maiores poderes ao Poder Judiciário.

Não há dúvidas de que o direito brasileiro está se transformando para atender todos os
grupos sociais. A eticidade, socialidade e operabilidade estão se fazendo cada vez mais
presentes. A ética cristã já se faz presente em nossas leis, e não há mais espaço para
usurpações. O caminho é de progresso, e a comunidade jurídica precisa se mostrar apta a
essa evolução.

REFERÊNCIAS

ALVES, José Carlos Moreira. A parte Geral do Projeto de Código Civil Brasileiro
(Subsídios Históricos para o Novo Código Civil Brasileiro). 2 ed. São Paulo: Saraiva,
2003.

BARRETO, Wanderlei de Paula. O princípio da boa fé na experiência alemã. In: ALVIM,
Arruda; ALVIM, Angélica Arruda (Coords.). Revista Autônoma de Direito Privado, nº 2.
Coritiba: Juruá, 2007. p. 67.

BARROS MONTEIRO FILHO, Ralpho Waldo de. Negócio Jurídico: Vícios Sociais.
Curitiba: Editora Juruá 2007.

GAGLIANO, Pablo Stolze. Novo curso de direito civil, volume IV: contratos, tomo I: teoria
geral / Pablo Stolze Gagliano, Rodolfo Pamplona Filho. – 5ª ed. – São Paulo: Saraiva 2009.

HENTZ, André Soares. Origem e evolução histórica da boa-fé no ordenamento jurídico
brasileiro. Jus Navigandi, Teresina, ano 12, n. 1541, 20 set. 2007. Disponível em:
<http://jus.uol.com.br/revista/texto/10427>. Acesso em: 23 mar. 2011

MARTINS COSTA, Judith. A boa-fé no direito privado: sistema e tópica no processo
obrigacional, 1ª ed., 2ª tir., São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2000, p. 411.

MARTINS, Flávio Alves. A boa-fé objetiva e sua formalização do direito das obrigações
brasileiro. 2. ed. Rio de Janeiro: Lúmen Juirs, 2001.

MEZZOMO, Marcelo Colombelli. A boa-fé objetiva e seus institutos. Jus Navigandi,
Teresina,     ano       11,      n.       1212,     26     out.       2006.     Disponível       em:
<http://jus.uol.com.br/revista/texto/9087>. Acesso em: 22 mar. 2011

PEREIRA, CAIO MÁRIO DA SILVA. Instituições de Direito Civil. Volume III. Contratos. Rio de
Janeiro – São Paulo: Editora Forense, 2003, p. 20.

REALE, MIGUEL. Estudos Preliminares do Código Civil. São Paulo: Editora Saraiva, 2003.

TARTUCE,      Flávio.   O     Princípio    da     Boa-Fé   Objetiva    em     Matéria   Contratual.
Apontamentos em Relação ao Novo Código Civil e Visão do Projeto nº 6.960/02. São
Paulo. Disponível em: <www.flaviotartuce.adv.br/artigos/artigo-boafe-TARTUCE.doc>. Data


                                                                                                   14
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de acesso: 22 de mar. 2011.




Contato: rrhermano@hotmail.com e mariacecilia.almeida@mackenzie.br




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Rafael rocha

  • 1. Universidade Presbiteriana Mackenzie A BOA FÉ NO CÓDIGO CIVIL DE 2002 E O DIREITO CIVIL ALEMÃO Rafael da Rocha Hermano (IC) e Maria Cecília Ladeira de Almeida (Orientadora) Apoio: PIVIC Mackenzie Resumo O presente artigo científico ter por finalidade a análise, com base na legislação vigente e no direito comparado, a concretização do princípio da boa fé nas relações jurídicas, mais precisamente no campo dos negócios jurídicos, por meio do método dedutivo e procedimento dissertativo argumentativo. O estudo tem como fundamento a comparação entre a forma de apresentação da boa fé no direito civil brasileiro com a do direito civil alemão. Esse exercício comparativo é necessário, pois, como é cediço na comunidade jurídica, o direito civil alemão é anterior ao brasileiro, e por isso serviu de base para realização de boa parte do atual código civil brasileiro. Em verdade, mesmo o 1 legislador brasileiro tendo se valido dos preceitos do BGB , o Código Civil de 2002 não ficou muito atrás da maestria daquele. Outro aspecto interessante da boa fé a ser analisado é o fato de ser uma cláusula geral, o que acarreta dificuldade ao operador do direito, por representar um conceito plurissignificativo. Inúmeras interpretações são possíveis em nome da boa fé, e por isso a doutrina precisa fixar parâmetros científicos para que não ocorram excessos hermenêuticos. Em decorrência dessa multiplicidade de significados é que este texto traz à baila alguns institutos doutrinários criados a partir da experiência alemã, que influenciaram o desenvolvimento deste princípio no Brasil. Palavras-chave: boa fé, cláusula geral, BGB Abstract This article intends to analyze, based on current legislation and comparative law, the implementation of the principle of good faith in the legal relations, specifically in the field of legal transactions, through the deductive method and using dissertational argumentative. The study is based on a comparison between the presentations of good faith in the Brazilian civil law with the German civil law. This comparative exercise is necessary because the German civil law is prior to the Brazilian, and was the basis for carrying out much of the current Brazilian Civil Code. In fact, even the Brazilian legislator having used the precepts of the BGB, Civil Code of 2002 was not far behind that one in mastery. Another interesting aspect of this principle to be analyzed is that is a general clause, wich causes difficulties for lawyers and judges because represent a concept that has multiple meanings. Several interpretations are possible in the name of good faith, and so the doctrine must establish scientific parameters to avoid hermeneutical excesses to occur. Because of this multiplicity of meanings that this text brings up some doctrinal institutes created from German experience, wich influenced the development of this principle in Brazil. 1 Bürgerliches Gesetzbuch; Código Ciivl Alemão 1
  • 2. VII Jornada de Iniciação Científica - 2011 INTRODUÇÃO A boa fé é um princípio que à primeira vista pode parecer vago pelo fato de não haver em nossa legislação um parâmetro concreto que possa trazer ao aplicador do Direito uma definição do que é tal princípio, em que consiste, ou como deve ser aplicado. Realmente não existem muitos subsídios legais que possam socorrer o operador do direito na sua concreção. Isso ocorre não por uma desatenção do legislador, mas sim por uma necessidade de viabilizar ao magistrado, em nome do princípio da operabilidade, um código civil menos suscetível a depreciações por causa de mudanças sociais no tempo. O principal objeto de estudo deste trabalho é o princípio da boa fé, bem como seus modos de apresentação no mundo concreto e do “dever ser”, entendendo que em nosso ordenamento jurídico a boa fé se encontra balizada nos fundamentos da Constituição Federal de 1988. Este princípio ganhou notoriedade no Direito Civil brasileiro com o tempo, mas ainda sim pode ser mais bem implementado pelo legislador. A análise histórica da inserção deste princípio nas leis brasileiras leva a concluir que o legislador passou a confiar mais no Poder Judiciário, mas que ainda sim é necessária maior autonomia ao magistrado. O direito alemão trabalha com um grande corpo de cláusulas gerais em seu bojo, característica essa que a Comissão elaboradora do atual Código Civil adotou de forma satisfatória, em contraposição ao antigo Código Civil de 1916. Com maior presença no Direito Civil a partir do ano de 2002, a boa fé exigiu grande esforço da doutrina e jurisprudência, necessários para definir seu conteúdo e identificar suas conseqüências. Para isso, foi necessário socorro da experiência jurídica alemã. REFENCIAL TEÓRICO O Código Civil de 2002, inovou, trazendo princípios e diretrizes que inovaram o Direito Privado, e que também exigiram diretamente, uma revisitação aos antigos institutos e a análise dos novos. É correto afirmar que alguns desses princípios já existiam, se não previstos expressamente, ao menos em sede doutrinária ou jurisprudencial. (Barros Monteiro Filho, 2007) A inclusão da boa-fé no Código Civil de 2002 foi imensamente festejada, pois no Código de 1916, a boa-fé só era mencionada no tocante ao estudo da posse. (Tartuce, 2001) A doutrina, por vezes se utiliza dessa expressão “princípios constitucionais do direito privado” para se referir a determinados valores ou determinados princípios, que foram adotados pela Lex Matter e se referem especificamente a temas que são próprios do Direito Privado, quer da tradicional prática disciplinar do direito privado, quer dos temas 2
  • 3. Universidade Presbiteriana Mackenzie relacionados com o chamado direito de empresa. Tratar desse tema é versar a presença da principiológica do direito constitucional na formação estrutural do direito privado. Miguel Reale (2003) realça esses valores, dizendo, que o Código Civil foi elaborado para atualizar o direito privado, naquilo em que a experiência jurídica já esta consolidada pela ciência, e para torná-lo compatível com a evolução da sociedade contemporânea, agregando ao novo sistema jurídico as conquistas mais significativas e atuais da ciência e do direito. Para isso o código adotou valores considerados essenciais para se atingir essa atualização normativa, compatível com os anseios da sociedade contemporânea. Tais valores são: a eticidade, a socialidade, a operabilidade. A CF/88 faz implícita alusão a estes valores, em seus artigos 01º incs III e IV; 03 incs. I a IV; 04 inc. II e 05 caput e incs.; 110 e parágrafo; 127 e parágrafo; 170 incs. e parágrafo único; 183; 184; 186; 193; 196; 205; 220; 225; 227; 230. Estes valores e fundamentos são dogmas; pontos de partida inegáveis e incontestáveis. Conclui-se que tais valores são preceitos que devem ser respeitados sempre; jamais deixados de lado, quanto menos desrespeitados na órbita daquilo que o Direito prospecta. Estes, adotados como premissas que jamais podem ser suprimidas, funcionam como vetores de todas as relações jurídicas presentes e futuras, e também condicionam efeitos de relações jurídicas passadas. Nenhuma Lei ou relação jurídica pode se esquivar de obedecer aos fundamentos constitucionais, devendo tais, nestas situações, serem entendidos como limitações. No Direito atual brasileiro, mais do que nunca, Constituição Federal e Código Civil caminham, atualmente, de mãos dadas. MÉTODO Este estudo valeu-se de pesquisa bibliográfica, seguindo oito etapas de desenvolvimento da pesquisa. As oito etapas são: escolha do tema; elaboração do plano de trabalho, identificação; localização; compilação; fichamento; análise e interpretação, e redação. O presente trabalho foi guiado por essas etapas, as quais contemplam as fases que partem do levantamento bibliográfico, com a identificação das obras que interessaram; seguem para a reunião dessas obras; o registro das leituras; a análise e interpretação crítica do material; e, por fim, a redação. RESULTADOS E DISCUSSÃO Em 11 de janeiro de 2003 entrou em vigor o vigente Código Civil, de forma que o antigo Código Civil de 1916 foi inteiramente revoado. 3
  • 4. VII Jornada de Iniciação Científica - 2011 A realização deste diploma legal foi encabeçada pelo ilustre jurista Miguel Reale, que em seu pronunciamento na sessão de 29 de novembro de 2001, na Academia Paulista de Letras - APL2 declarou que uma das diretrizes seguidas na elaboração do anteprojeto do atual Código, foi a alteração geral no que se refere a certos valores considerados essenciais, tais como o de eticidade, socialidade e operabilidade. O filósofo explica que a eticidade se manifesta frequentemente no Código Civil de 2002 como referências à probidade e a boa fé, assim como a corretezza, ao contrário do que acontecia no Código de 1916, que só cuidava da boa fé subjetiva. Quanto à operabilidade, está se mostrou imprescindível, pois, além de tornar o manuseio da lei mais fácil (como no caso de estabelecer em rol taxativo as hipóteses de prescrição para que não houvesse aquela dificuldade entre diferenciar um prazo prescricional do decadencial), serviu para incluir no novo texto, apenas quando necessário, algumas cláusulas gerais. No tocante à socialidade, esta foi importante para superar o manifesto caráter individualista do antigo Código de 1916. Portanto, é possível perceber que o novo Código Civil representou um novo marco nas relações jurídicas e sociais, uma vez que o seu objetivo era de caráter muito mais social que o seu antecessor. A influência do Bürgerliches Gesetzbuch (Código Civil alemão) na estruturação do Código Civil brasileiro foi de suma importância. Um dos traços que é possível notar é a colocação sequencial das matérias dispostas no Código Civil, que foi inspirado pelo BGB. Ademais a inclusão de cláusulas gerais foi inovação celebrada pela comunidade jurista brasileira, que enfim se viu livre das excessivas formalistas do Código Civil de 1916. Panorama das Cláusulas Gerais no Direito Civil brasileiro e alemão A presença de cláusulas gerais no novo Código Civil brasileiro também representa uma influência do direito privado alemão. Ocorre que na Alemanha a presença dessas cláusulas são muito mais frequentes. Isto porque a gênese do BGB alemão encontrou forte presença da comunidade jurídica, arrefecendo a atuação do Legislativo. É cediço que o Poder Legislativo não se sente muito a vontade em conferir amplas margens de atuação ao Poder Judiciário, vez que teme certo ativismo judicial. Neste sentido Wanderlei de Paula Barreto ensina que: Na Alemanha, ambiente no qual as cláusulas gerais experimentam seu maior desenvolvimento, a formação da sua ordem jurídica no Estado de Direito pautou-se por maior autonomia do “Direito dos 2 Pronunciamento do acadêmico Miguel Reale na sessão de 29 de novembro de 2001, na Academia Paulista de Letras – APL, reconstituído pelo autor. 4
  • 5. Universidade Presbiteriana Mackenzie Juristas”, cujas sementes remontam a 1814, contemporaneamente à restauração do império alemão, em detrimento do “Direito do Legislador”. (BARRETO, 2007. p. 67) Histórico da boa fé As origens do instituto da boa fé se encontram nos primórdios do Direito Romano. No sistema romano, já se reconhecia a importância dos “pactos adjetos aos atos de boa-fé”. Estes pactos representaram grande importância no desenvolvimento do sistema contratual, pois contribuíram fortemente para o arrefecimento do antigo princípio do direito civil que não reconhecia nenhuma eficácia ao pacto puro e simples (nudum pactum), despido de formalidades. Flávio Alves Martins (2001. p. 33) explica que a boa-fé no direito romano foi a ponte que permitiu a passagem do formalismo para o consensualismo, uma vez que, desaparecendo a certeza da forma, é a boa-fé entre os contratantes que dá sustentáculo à relação jurídico- obrigacional. Nos idos da Idade Média, o direito civil, com forte influência do direito canônico, a boa-fé estava associada à ideia de ausência de pecado. Já na Idade Moderna, época em que se desenvolveu o comércio, o consensualismo triunfou e foi adotado como base da clássica teoria dos contratos, apoiando-se no princípio da autonomia da vontade em detrimento da boa fé. (Hentz, 2007). A boa-fé somente foi positivada com o advento do Código de Napoleão, em 1804. Todavia, ela não se desenvolveu de forma eficaz, uma vez que a Escola da Exegese dominou o pensamento jurídico na França durante o século XIX propugnando que interprete era mero escravo da lei. A boa fé passou a desenvolver de forma plena com o advento do Código Civil alemão (Bugerliches Gesetzbuch – BGB) em 1900. Uma de suas maiores contribuições foi a distinção entre a boa fé subjetiva (guter glauben) e a boa fé objetiva (treu und glauben). Segundo Wanderley de Paula Barreto (2007. p. 67) o direito civil alemão fundamenta-se em tríplice alicerce: o direito romano, a ética cristã e o direito germânico. Este último formou-se como direito de estirpes e permaneceu, na essência, como direito consuetudinário, com ênfase no espírito de comunidade e, consequentemente, caracterizado por consistente proteção da confiança, a qual logrou acolhida no ordenamento positivo por meio do princípio Treu und Glauben do § 242 do BGB, com a seguinte dicção: “O devedor é obrigado a realizar a prestação como exigem a lealdade e a confiança em consideração aos costumes do tráfico jurídico”. 5
  • 6. VII Jornada de Iniciação Científica - 2011 No Brasil, o primeiro dispositivo legal a prever a boa-fé no Direito brasileiro foi o artigo 131, inciso I, do Código Comercial de 1850 (a inteligência simples e adequada, que for mais conforme a boa-fé, e ao verdadeiro espírito e natureza do contrato devera sempre prevalecer a rigorosa e restrita significação das palavras), sendo que este artigo fazia alusão a boa-fé, todavia de pouca aplicabilidade. A boa fé reapareceu no ordenamento jurídico brasileiro no Código Civil de 1916, ficando restrita apenas às hipóteses de ignorância escusável, mormente em matéria de direito de família e em questões possessórias (boa fé subjetiva). Somente com o advento do Código de Defesa do Consumidor, em 1990, é que a boa fé objetiva foi efetivamente consagrada pelo nosso ordenamento, motivada pela nova ordem constitucional que se instalara dois anos antes. Com o Código Civil de 2002, a boa fé alcança seu apogeu no ordenamento pátrio. Neste diploma, encontram-se positivadas a boa fé subjetiva e a objetiva. A boa-fé objetiva e subjetiva Trata-se de uma dicotomia, que passou a existir a partir da entrada em vigor do Código Civil alemão (Bürgerliches Gesetzbuch – BGB) em 1900, configurando uma de suas maiores contribuições ao direito civil. No estudo da boa fé do novo Código Civil Brasileiro, mister se faz distinguir os conceitos de boa fé objetiva e de boa fé subjetiva. Quando se busca a etimologia das palavras "subjetivo" e "objetivo", encontra-se os seguintes significados: Subjetivo: Segundo Houssais: relativo à vida psíquica do sujeito (latim). Aquilo que esta dentro do individuo. Objetivo: Segundo Houssais: diz-se do que está no campo da experiência sensível aquilo que esta fora do individuo; (latim). Aquilo que é exterior ao individuo. A boa fé subjetiva, diz respeito a um estado subjetivo ou psicológico do indivíduo, aplicável no campo do Direito das Coisas (como por exemplo nos casos do possuidor de boa fé), enquanto a boa fé objetiva corresponde a uma regra de conduta, um modelo de comportamento social. A boa-fé subjetiva denota estado de consciência, ou convencimento individual da parte ao agir em conformidade ao direito, sendo aplicável, em regra, ao campo dos direitos reais, especialmente em matéria possessória. Diz-se subjetiva porque, para a sua aplicação, deve o intérprete considerar a intenção do sujeito da relação jurídica, o seu estado psicológico ou 6
  • 7. Universidade Presbiteriana Mackenzie íntima convicção. Exemplo disso é a posse de boa fé, que gera usucapião e é protegida contra terceiros, que consiste na ignorância de vicio ou obstáculo que impede a aquisição da coisa. (Martins Costa, 2000) Conclui-se que a boa fé subjetiva é aquela aplicada no campo do Direito Civil real, mais especificamente ligada ao instituto da posse de coisa móvel e imóvel Não se olvide a sua aplicabilidade no Direito de Família, mais precisamente na proteção ao cônjuge de boa fé, nas hipóteses do casamento putativo. Dito isto, concluí-se que a boa-fé subjetiva não se aplica apenas no campo do direito real, mas também no campo do direito pessoal de família. No que tange a boa-fé objetiva, que é aquela trazida pelo Código de Defesa do Consumidor e o novo Código Civil no campo do direito pessoal, deve-se entendê-la como um principio vetor de todas as relações jurídicas privadas, que exerce funções importantes ao salutar desenvolvimento das relações obrigacionais. Panorama da dicotomia boa fé objetivo-subjetiva no Direito Alemão O que se entende por boa fé subjetiva no Código Civil brasileiro, o BGB, diploma civil alemão, trata como sendo boa fé psicológica (guter Glaube). Seu campo de aplicação se encontra principalmente em matéria de direito possessório (BGB, § 990 ss.), aquisição de coisas móveis (BGB, § 926 ss.), prescrição (BGB, §§ 937 e 945), aquisição de frutos e partes de coisas (BGB, § 955 ss.), usufruto (BGB, § 1.058), aquisição do penhor (BGB, § 1.208), posse de herança (BGB, § 2.024 s.). Como é possível ver, o Brasil adota tratamento muito semelhante no tocante à boa fé subjetiva, principalmente em sede de matéria possessória. Por outro lado, a boa fé objetiva do Direito Brasileiro, presente no Código de Defesa do Consumidor e Código Civil, é conhecida na Alemanha como boa fé ética (BGB, § 307). Boa fé objetiva e suas funções A boa fé objetiva exerce três funções nas relações jurídicas de direito privado, quais sejam: a função interpretativa e de colmatação; função supletiva ou criadora de deveres jurídicos anexos ou de proteção, e a função delimitadora do exercício de direitos subjetivos (Gagliano; Pamplona Filho, 2009, p. 69). A função interpretativa da boa-fé objetiva esta prevista no artigo 113 do atual Código Civil. Esta tem como desiderato a busca do verdadeiro sentido da declaração contratual, quando seus signatários divergirem na interpretação deste. Apesar de o contrato ser um acordo de vontades, por vezes as cláusulas são obscuras ou de difícil interpretação. É aí que pode entrar a figura do Estado-juiz, desde que provocado, como interveniente, que declarará o 7
  • 8. VII Jornada de Iniciação Científica - 2011 verdadeiro sentido da declaração negocial, pautado na boa-fé da realidade social. Quanto a função supletiva, a boa-fé cria deveres anexos (também chamados laterais, secundários ou instrumentais). Além dos deveres principais, que constituem o núcleo da relação contratual, existem deveres que visam o perfeito cumprimento da prestação e a plena satisfação dos interesses envolvidos no contrato. Esta se encontra presente no artigo 422 no novo Código Civil e nos artigos 04º e 51 do Código de Defesa do Consumidor. O legislador se omitiu de incluir expressamente na fórmula do artigo 422 os períodos pré e poscontratual, todavia tal omissão não implica negação da posterior ao contrato, pois é cabível a interpretação extensiva, para atender ao espírito da lei. Por fim, há a função delimitadora do exercício de direitos subjetivos. Nessa área, ela atua principalmente no controle das cláusulas abusivas e com parâmetro para o exercício das posições jurídicas. Muito comum em lides de relação de consumo que envolva bancos e seus clientes, ou companhias de telefonia celular. Função Interpretativa Seguindo tendência socializante, prevê o artigo 113 do Novo Código Civil que os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé e os usos do lugar da sua celebração. Nesse dispositivo, a boa-fé é consagrada como meio auxiliador do aplicador da norma quanto à interpretação dos negócios obrigacionais, particularmente dos contratos. O aludido comando legal não poderá ser interpretado isoladamente, mas em complementaridade com o artigo 112, que traz regra pela qual, nas declarações de vontade se atenderá à intenção nela consubstanciadas do que ao sentido literal da linguagem. Os dois dispositivos trazem a boa-fé como cláusula geral presente em todos os negócios e contratos celebrados. É necessário, portanto, conhecer o sistema de cláusulas gerais para melhor entender a dinâmica do funcionamento e do regramento do Código Civil no encaminhamento e nas soluções dos problemas que o direito privado apresenta. Há verdadeira interação entre as cláusulas gerais, os princípios gerais do direito, os conceitos legais indeterminados e os conceitos determinados pela função. A solução dos problemas reclama a atuação conjunta desse arsenal. Não obstante, pelos artigos 112 e 113 do Novo Código Civil, percebe-se, uma relativização daquilo que as partes fizeram constar no contrato. Eventualmente, interpretando-se os negócios de acordo com a cláusula geral da boa-fé, e buscando muitas vezes o que as partes quiseram ou pretendiam com o negócio –, e não necessariamente o que escreveram no instrumento obrigacional -, o “pacta sunt servada” é mitigado. Isso porque o artigo 113 traz a função interpretativa da boa-fé, que deverá nortear os 8
  • 9. Universidade Presbiteriana Mackenzie destinatários do negócio jurídico, visando conferir o real significado que as partes lhe atribuíram, procedendo com lisura, ou, na hipótese de cláusulas ambíguas, conferir preferência ao significado que a boa-fé aponte como mais razoável. Nossa melhor jurisprudência assim já vem procedendo, procurando sempre a verdade real e a socialidade da norma, em detrimento da verdade formal e do tecnicismo exagerado. Finalizando, deve ser entendida a boa-fé como forma auxiliar a guiar o magistrado na aplicação da norma ao contrato, dentro da equidade e das regras de razão que se espera do Poder Judiciário. Função Supletiva (caracterizadora de deveres de conduta) A cláusula geral de boa-fé traz aos contratos e aos negócios jurídicos deveres anexos para as partes: de comportarem-se com a mais estrita lealdade, de agirem com probidade, de informarem o outro contratante sobre todo o conteúdo do negócio. Nesse tom, a colaboração está presente de forma inequívoca. Sob esse prisma, o enunciado número 24 do Conselho Superior da Justiça Federal, aprovado na I Jornada de Direito Civil, realizada em setembro de 2002, prevê que o desrespeito desses deveres anexos gera a violação positiva do contrato, espécie de inadimplemento a imputar responsabilidade contratual objetiva àquele que viola um desses direitos anexos. O sentido do princípio da boa-fé objetiva pode ser percebido da análise do artigo 422 do Novo Código Civil, pelo qual “os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios da probidade e da boa-fé”. Pois bem, voltando ao artigo 422 do Novo Código Civil, este consagra a necessidade da partes manterem em todas as fases contratuais, sua conduta dentro da mais estrita boa-fé. A doutrina considera como deveres anexos: lealdade, confiança, equidade, razoabilidade, cooperação, colaboração, informação. Quanto à eventual fundamentação constitucional do princípio, a fundamentação do princípio da boa-fé assenta na cláusula geral de tutela da pessoa humana, constante principalmente do artigo 1º, III, e de vários incisos do artigo 5º do Texto Maior. Aliás, o próprio artigo 5º, inciso XIV, da Constituição Federal assegura a todos o direito à informação, que deve ser concebida em sentido amplo, atingindo também o plano contratual. Nesse dispositivo reside, especificamente, fundamento constitucional expresso da boa-fé objetiva. Mas não é só. Pela relação direta que mantém com a socialidade, a boa-fé objetiva também encontra fundamento na função social da propriedade, prevista no artigo 5º, inciso XXIII e artigo 170, III, da Constituição Federal de 1988. A confiança contratual, aliás, é conceito 9
  • 10. VII Jornada de Iniciação Científica - 2011 incito à própria manutenção da ordem econômica. Função indicativa de limites para o exercício de direitos subjetivos Esta função da boa fé objetiva esta intimamente ligada com a teoria do abuso de poder. No atual Código Civil, o dispositivo que cuida da matéria está no artigo 187. Segundo este artigo o agente que age em abuso de um direito subjetivo deve indenizar o prejudicado. O princípio que brota deste artigo é o de que não existem direitos absolutos, portanto, todo direito subjetivo deve respeitar seus limites. Quais são esses limites? Esses limites são os direitos subjetivos de outros sujeitos de direito. Deve haver uma convivência salutar entre as esferas de direitos de cada sujeito de direito, porque senão, seria impossível o convívio pacífico destes. Todavia nem sempre tais limites são respeitados, e com isso caracteriza-se o abuso de direito. Essa violação gera àquele que teve sua esfera de direitos invadida o direito de ser indenizado. Diferentemente do ato ilícito, que exige a prova do dano para ser caracterizado, o abuso de direito é aferível objetivamente e pode não existir dano e existir ato abusivo. O abuso de direito é aferível de modo objetivo, prescindindo do dolo ou culpa e também do dano para caracterizar-se. É dever de todo sujeito de direito valer-se do seu direito de maneira regular. São exemplos concretos: (a-) proprietário que abre poço em seu terreno prejudicando uma nascente existente em prédio vizinho; (b-) assembléia geral de sociedade toma, por maioria, deliberação que visa não o interesse comum dos associados, mas antes interesses extra- sociais dos sócios majoritários. Percebe-se que o abuso de direito pode se dar em todo tipo de situação da vida humana, e não apenas em relações contratuais. É claro que neste trabalho o que mais interessa ao objeto de estudo são as situações negociais jurídicas. Os atos abusivos geram os mesmos efeitos de todo ato ilícito: a obrigação de reparar os danos por ele causados, morais e extrapatrimoniais; nulidade do negócio jurídico nos termos do artigo 166, inc. VI do Código Civil. A rica doutrina alemã desenvolveu institutos que denotam circunstâncias de abuso de direito, que a lei e jurisprudência têm acolhido, quais sejam: supressio, surrectio, venire contra factum proprium e tu coque. Supressio A supressio ou Verwirkung da doutrina alemã consiste na redução do conteúdo obrigacional pela inércia de uma das partes em exercer direito ou faculdades, gerando na outra legítima expectativa. (Mezzomo, 2006) 10
  • 11. Universidade Presbiteriana Mackenzie Um bom exemplo é aquela situação em que o locador recebe o pagamento da locação, de acordo com o contrato, todo o quinto dia útil do mês. Suponhamos que o locatário, por quaisquer motivos, peça ao locador que o permita realizar o pagamento da locação em duas parcelas no mês, ou seja, a primeira metade do quinto dia útil do mês, e a segunda metade no décimo dia útil do mês. Aceita tal proposta, imagine-se que após alguns meses o locador resolva receber o pagamento conforme o estipulado no contrato, pois não quer mais receber em duas parcelas. Se o locatário se insurgir contra essa posição do locador, poderá, com fundamento na supressio, continuar fazendo os pagamentos em duas parcelas. Dois são os requisitos para a ocorrência dessa supressão de direito: decurso de prazo sem exercício do direito com indícios de que o direito objetivo não seria exercido e, desequilíbrio pela ação do tempo, entre o benefício do credor e o prejuízo do devedor. Também tem se exigido a presença do desequilíbrio contratual.3 A supressio tem previsão legal em nosso Código Civil, e se encontra no artigo 330, afirmando que o pagamento reiteradamente feito em outro local faz presumir renúncia do credor relativamente ao previsto no contrato. Trata-se de hipótese de previsão legal do instituto. Sendo assim, é possível classificarmos a supressio de três formas: legal, judical e convencional. A modalidade legal é justamente esta prevista no artigo 330 no atual Código Civil. A judicial é aquela que pode ser reconhecida por sentença. A convencional decorre de mera liberalidade das partes, seja por contrato ou acordo de cavalheiros. Surrectio Enquanto a supressio diz respeito a supressão do direito de uma das partes no negócio jurídico, a surrectio e exatamente o oposto, ou seja, trata do surgimento de um direito. Como a supressio, os requisitos exigidos são os mesmo (o lapso temporal; a criação da legítima expectativa na outra de que a prestação será continuadamente cumprida; a presença da possibilidade de geração de prejuízo ao beneficiário das prestações). A nosso ver, a surrectio vem sempre acompanhada da supressio. Venire contra factum proprium Nesta hipótese, o contratante assume um determinado comportamento o qual é posteriormente contrariado por outro comportamento seu. A empresa Cica distribuía sementes a agricultores gaúchos, de modo a gerar-lhes a expectativa de compra da safra futura, expectativa esta presente na fase pré-contratual, sem 3 Apelação Cível nº 70003607231, Décima Quarta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: João Armando Bezerra Campos, Julgado em 18/10/2002 11
  • 12. VII Jornada de Iniciação Científica - 2011 que qualquer contrato escrito fosse celebrado. Em determinados momentos, os agricultores plantaram as sementes, que geraram tomates, mas a empresa não adquiriu a produção, o que levou a sua perda. O TJ/RS responsabilizou a empresa por tais condutas de quebra da confiança.4 Impende lembrar que os atos devem lícitos, não havendo assim abuso de direito nem ato ilícito. Tu quoque A locução significa "tu também" e representa as situações nas quais a parte vem a exigir algo que também foi por ela descumprido ou negligenciado. Em síntese, a parte não pode exigir de outrem comportamento que ela própria não observou. Exemplo do instituto está no artigo 150 do Código Civil, que diz que se ambas as partes procederem com dolo, nenhuma pode alegá-lo para anular o negócio, ou reclamar indenização. Se a parte "a" descumpre determinada cláusula bilateral, está legitimando a parte "b" pressupor que tal cláusula não é essencial ou que seu descumprimento será tolerado. Gerada expectativa por fato próprio, não ressoa ético aquele que anteriormente não observou um comportamento exigi-lo de outrem. A boa fé objetiva nas relações precontratuais O artigo 422 do atual Código Civil consagra a boa fé objetiva de forma expressa, e diz que os contratantes são obrigados a observá-la tanto na conclusão como execução do contrato. Ocorre que todo aquele que se ater de forma mais atenta ao texto do referido artigo, perceberá que o legislador foi omisso ao não incluir no texto legal as fases pré e poscontratuais. Em verdade, esse assunto já foi pacificado na doutrina e na jurisprudência, no sentido de que a boa fé deve ser respeitada nessas fases contratuais, dada a imperfeição do texto legal. É claro que o ideal seria uma alteração no texto do referido artigo, como a que na Alemanha. Com a reforma no direito civil alemão das obrigações, de 2002, que resultou na inclusão no BGB do § 311, 2ª alínea, constituem-se relações jurídicas obrigacionais, sem um contrato, por meio de: entabulamento de negociações ou tratativas contratuais; encaminhamento de celebração de um contrato; contratos negociais análogos aos anteriormente referidos. 4 Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, Embargos Infringentes n. 591083357, Terceiro Grupo de Câmaras Cíveis, Rel. Juiz Adalberto Libório Barros, J. 01/11/91. Comarca de origem: Canguçu. Fonte: Jurisprudência TJ/RS, Cíveis, 1992, v. 2, T. 14, p. 1-22. 12
  • 13. Universidade Presbiteriana Mackenzie CONCLUSÃO O profundo estudo da presença da boa fé no direito privado brasileiro é capaz de revelar diferentes mudanças na sociedade brasileira. Percebe-se uma ínfima presença da boa fé no Código Comercial de 1850, e em seguida, com o patriarcal Código Civil de 1916, uma aparição tímida no tocante à matéria possessória. Até os idos de 1990, ou seja, após períodos de conturbações políticas e instabilidades institucionais, o legislador brasileiro, em cumprimento ao disposto no artigo 5º, inciso XXXII, e artigo 48 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, é que o Código de Defesa do Consumidor se viu concretizado, contemplando de forma enfática o princípio da boa fé objetiva. Em 11 de janeiro de 2003, entrou em vigor o Código Civil de 2002, inovou ao trazer de forma expressa o princípio da boa fé objetiva no seu artigo 422. A trajetória deste princípio mostra-se crescente no Direito brasileiro. As transformações sociais do Brasil foram importantíssimas para esse desenvolvimento. O Código Civil de 1916 atendia as necessidades de um grupo dominador, formado por patriarcalistas e aristocratas da época. Ademais insta salientar que a sociedade era essencialmente rural. Toda esta conjuntura favorecia o surgimento de leis que beneficiavam apenas um pequeno grupo. Com o advento da urbanização na metade do século XX, surgiu a necessidade de criação de uma lei mais adaptada e flexível que se atendesse os anseios de toda sociedade brasileira. Com isso surgiu a Comissão elaboradora e revisora do Anteprojeto de 1972, encabeçada pelo Professor Miguel Reale e composta pelos professores José Carlos Moreira Alves, Agostinho de Arruda Alvim, Sylvio Marcondes, Ebert Viana Chaumon, Clóvis Couto e Silva e Torquato Castro. Para a realização desta nova lei, estes ilustres juristas se valeram das bases do Direito Civil Alemão. O Bürgerliches Gesetzbuch, mais conhecido por BGB, é o código civil alemão, e teve sua criação liderada por juristas, sem muita intromissão do legislativo, o que sem dúvida propiciou uma melhor ambiente para a criação desta norma. Portanto, o Direito Civil brasileiro é pautado nas diretrizes do Direito Civil Alemão, e por isso contempla vertentes romanas e cristãs. Outra importante característica que passou fazer parte do direito privado brasileiro é a presença de cláusulas gerais, quais sejam, a boa fé objetiva e a função social dos contratos e da propriedade. Como já analisado, estas são de caráter plurissignificativo, e dificilmente se depreciam com as mudanças sociais em função do tempo. A prática de inserção de cláusulas gerais nas leis tem sido mais utilizada no Brasil, o que 13
  • 14. VII Jornada de Iniciação Científica - 2011 sem dúvida concede maiores poderes ao Poder Judiciário. Não há dúvidas de que o direito brasileiro está se transformando para atender todos os grupos sociais. A eticidade, socialidade e operabilidade estão se fazendo cada vez mais presentes. A ética cristã já se faz presente em nossas leis, e não há mais espaço para usurpações. O caminho é de progresso, e a comunidade jurídica precisa se mostrar apta a essa evolução. REFERÊNCIAS ALVES, José Carlos Moreira. A parte Geral do Projeto de Código Civil Brasileiro (Subsídios Históricos para o Novo Código Civil Brasileiro). 2 ed. São Paulo: Saraiva, 2003. BARRETO, Wanderlei de Paula. O princípio da boa fé na experiência alemã. In: ALVIM, Arruda; ALVIM, Angélica Arruda (Coords.). Revista Autônoma de Direito Privado, nº 2. Coritiba: Juruá, 2007. p. 67. BARROS MONTEIRO FILHO, Ralpho Waldo de. Negócio Jurídico: Vícios Sociais. Curitiba: Editora Juruá 2007. GAGLIANO, Pablo Stolze. Novo curso de direito civil, volume IV: contratos, tomo I: teoria geral / Pablo Stolze Gagliano, Rodolfo Pamplona Filho. – 5ª ed. – São Paulo: Saraiva 2009. HENTZ, André Soares. Origem e evolução histórica da boa-fé no ordenamento jurídico brasileiro. Jus Navigandi, Teresina, ano 12, n. 1541, 20 set. 2007. Disponível em: <http://jus.uol.com.br/revista/texto/10427>. Acesso em: 23 mar. 2011 MARTINS COSTA, Judith. A boa-fé no direito privado: sistema e tópica no processo obrigacional, 1ª ed., 2ª tir., São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2000, p. 411. MARTINS, Flávio Alves. A boa-fé objetiva e sua formalização do direito das obrigações brasileiro. 2. ed. Rio de Janeiro: Lúmen Juirs, 2001. MEZZOMO, Marcelo Colombelli. A boa-fé objetiva e seus institutos. Jus Navigandi, Teresina, ano 11, n. 1212, 26 out. 2006. Disponível em: <http://jus.uol.com.br/revista/texto/9087>. Acesso em: 22 mar. 2011 PEREIRA, CAIO MÁRIO DA SILVA. Instituições de Direito Civil. Volume III. Contratos. Rio de Janeiro – São Paulo: Editora Forense, 2003, p. 20. REALE, MIGUEL. Estudos Preliminares do Código Civil. São Paulo: Editora Saraiva, 2003. TARTUCE, Flávio. O Princípio da Boa-Fé Objetiva em Matéria Contratual. Apontamentos em Relação ao Novo Código Civil e Visão do Projeto nº 6.960/02. São Paulo. Disponível em: <www.flaviotartuce.adv.br/artigos/artigo-boafe-TARTUCE.doc>. Data 14
  • 15. Universidade Presbiteriana Mackenzie de acesso: 22 de mar. 2011. Contato: rrhermano@hotmail.com e mariacecilia.almeida@mackenzie.br 15