Este documento discute o processo criativo do artista plástico japonês Yutaka Toyota e como suas esculturas podem inspirar a criação de jóias contemporâneas. O texto descreve as etapas do processo criativo de Toyota e características de suas esculturas geométricas de metal polido que criam ilusões ópticas e de espaço virtual. Essas características poderiam ser aplicadas no design de jóias para criar novas formas de expressão.
1. Universidade Presbiteriana Mackenzie
ESTUDO DO PROCESSO CRIATIVO DE YUTAKA TOYOTA: UMA INSPIRAÇÃO
À CRIAÇÃO DE JÓIAS
Júlia Prado (IC) e Regina Lara Silveira Mello (Orientadora)
Apoio: PIBIC Mackenzie
Resumo
Este artigo estuda o processo de criação do artista plástico Yutaka Toyota e aponta relações da arte
com a joalheria, mostrando características das esculturas de Toyota que poderiam ser utilizadas na
criação de joias. Para isto realizou-se uma entrevista com o artista, analisou-se algumas esculturas e
estudou-se o caminho da jóia contemporânea. Observa-se que as esculturas de Toyota possuem
uma ilusão de ótica, que se dá através de reflexos em metal polido, criando um espaço virtual,
ilusório. Essa ilusão é intencional, pois o artista deseja falar de outra dimensão.
Palavras-chave: Yutaka Toyota, joia contemporânea, processos criativos
Abstract
This article studies Yutaka Toyota´s creative process and points art and jewelry relations,
showing features from Toyota´s sculptures that could be used in jewelry design. For this
there was an interview with the artist, some sculptures were analyzed and the way to
contemporary jewelry was studied. Toyota´s sculptures have an optical illusion that occurs
through reflections in polished metal, creating a virtual space. This illusion is intentional,
because the artist wants to show another dimension.
Key-words: Yutaka Toyota, contemporary jewelry, creative processes
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INTRODUÇÃO
O presente estudo observa o processo criativo do artista plástico Yutaka Toyota e aponta
características de suas esculturas, interessantes para serem tratadas na joalheria. Ao
relacionar arte e joia, enriquece-se o universo joalheiro.
As esculturas de Toyota são formal e conceitualmente interessantes, possuem formas
contemporâneas geométricas, características interessantes para as joias. Suas esculturas
monumentais pelo mundo possuem chapas de aço côncavas e convexas, reflexos e cores
que despertam a curiosidade do espectador e algumas possuem movimentos acionados
pelo vento.
Esculturas do artista foram escolhidas e analisadas segundo a teoria da Gestalt1,
observando estrutura, forma e figura, relacionando as partes do todo e apontando os fatores
de equilíbrio, clareza e harmonia visual. Não se vê partes isoladas, a percepção é sempre
do todo, e a escola da Gestalt aponta alguns mecanismos de organização visual que a
mente reproduz espontaneamente ao observar qualquer imagem.
A idéia de processo criativo está ligada à um conceito de movimento, de algo dinâmico que
percorre um tempo. Kneller (1978, apud. Mello, 2008) definiu cinco etapas do processo
criativo: apreensão, preparação, incubação, iluminação e verificação. Esta concepção inclui
a atenção aos problemas, questões que exigem soluções criativas, ou simplesmente a idéia
do fazer (a apreensão). A preparação é o estudo da idéia inicial e, em seguida, a incubação
pode-se dizer que é uma fase de maturação, do cruzamento entre a idéia inicial e a
pesquisa, essa etapa ocorre inconscientemente, num momento de afastamento para relaxar
e renovar as idéias. Depois dessas etapas vem o clímax, quando o criador percebe a
solução do problema, o momento da descoberta. E finalmente a fase da verificação, em que
se retoma a inspiração para corrigir e modificar, conscientemente, pequenas coisas na obra,
com olhar de observador externo, pensando no público. Essas etapas, na realidade, não são
definidas e isoladas, elas acabam se sobrepondo.
Segundo Mihalyi Csikszentmihalyi (1998, p. 98) o processo criativo começa com o objetivo
de resolver um problema dado por uma pessoa, ou sugerido pelo estado da arte na área; e
quando esse problema é localizado, o processo passa para um nível subconsciente. Isso
provoca uma lembrança apenas do “insight”, deixando o processo, os passos para o
resultado, adormecidos. Isso é chamado pelo psicólogo Csikzentmihalyi de incubação do
processo consciente, que segundo ele é o momento mais criativo do processo. O “insight”
acontece quando uma conexão subconsciente entre idéias encaixa tão bem que é forçada a
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Escola de psicologia experimental, com o filósofo austríaco, de fins do século XIX, Christian Von Ehrenfels
como percursor (GOMES FILHO, 2008, p. 18).
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saltar ao consciente.
O principal conceito elaborado pelo psicólogo é o “flow”, definido como uma experiência de
prazer que também pode envolver atividades dolorosas, arriscadas e difíceis, que, no
entanto ampliam a capacidade da pessoa, trazendo elementos de novidade e descobertas –
o fluir de ideias, a profunda concentração, quando tudo se volta para um objetivo, e o
indivíduo passa por uma experiência interna. Csikzentmihalyi define (1998, p. 110) alguns
elementos que descrevem o que se sente quando uma experiência é prazerosa (flow): há
objetivos claros, passos a percorrer; as respostas às ações são imediatas; há equilíbrio
entre desafios e habilidades; a concentração é total no que se está fazendo; distrações não
atingem a consciência; não há preocupação em fracassar; a autoconsciência se recolhe,
não há preocupação em parecer bem, manter a pose; a percepção do tempo é distorcida,
perde-se a noção do tempo e horas parecem minutos; e a atividade se torna autotélica, se
auto alimenta com recompensas e satisfações em si mesma.
REFERENCIAL TEÓRICO
Yutaka Toyota
Yutaka Toyoda (com “d”) nasceu no dia 14 de maio de 1931, na cidade de Tendo, ao norte
do Japão. O sobrenome, herdado do pai, desde o início de sua carreira no Brasil foi trocado
pela imprensa por Toyota (com “t”), e posteriormente adotado.
Quando pequeno desenhava e fazia aquarelas das paisagens e estações do ano; na
infância também conviveu com a marcenaria do pai, tendo contato com a fabricação
artesanal de móveis. O irmão de sua mãe era pintor, Jin Ichi Oe, e Toyota gostava de
observá-lo. Ganhava as telas inutilizadas do tio, cobria com tinta branca e as reaproveitava.
O seu primeiro prêmio de pintura veio em 1946, aos quinze anos, com o quadro 'Outono',
que reutilizava uma das telas do tio.
Em 1950 foi para Tóquio, ingressou na Universidade de Artes, no curso de arte e artesanato.
Embora a maioria das disciplinas cursadas referia-se ao artesanato, aulas de desenho de
observação, de história da arte oriental e ocidental e de desenho industrial também fizeram
parte da sua graduação, completada em 1954. Fez um curso extraclasse de cenografia e
tornou-se assistente do mestre Kenkichi Yoshida, o que contribuiu para sua melhor
compreensão do espaço.
Tornou-se instrutor técnico do Instituto de Pesquisas Industriais, da cidade de Shizuoka – lá
utilizou seus conhecimentos adquiridos nas aulas de desenho industrial, pois visavam a
fabricação em série de móveis, bicicletas, esquis, entre outros objetos.
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Com a intenção de implantar uma fábrica de máquinas de costura, Toyota veio ao Brasil
junto com uma equipe de técnicos. A fábrica nunca veio a funcionar, mas o tempo que
Toyota ficou por aqui foi suficiente para querer retornar ao Brasil.
De volta a São Paulo, dedicou-se com maior entusiasmo à arte, sua pintura adquiriu formas
abstratas geométricas, carregadas de uma procura por uma expressão interior; há presença
do círculo, que representa harmonia, unidade – referência oriental (PRIETO, 2009, p. 29).
Este período, na década de 60, ele chamou de Círculo – Símbolo da Harmonia Cósmica (fig.
1). Essa persistência no signo círculo, Toyota acredita que fosse uma manifestação da
atitude zen-budista, princípios que acompanharam a sua criação, como a busca pela paz
interior e pela compreensão simples e profunda das coisas.
Fig. 1 – Toyota pintando círculos nos meados dos anos 60. Fonte: Prieto.
Em 1965 suas pinturas fizeram grande sucesso no Brasil, com premiações e obras aceitas
para a VIII Bienal Internacional de São Paulo. Mas o artista queria progredir mais, e resolveu
explorar a tradição cultural européia, mudando-se para Florença.
Na Europa obteve contato com o diretor do Museu de Arte de São Paulo, Pietro Maria Bardi,
que ajudou o casal convidando-os para permanecerem na Villa Beneviene, pertencente ao
MASP. Bardi também serviu como grande estímulo intelectual à Toyota. Neste período
começou a fazer experiências com diferentes materiais nas telas, como terra, areia e linho
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misturados à tinta.
Após o contato com a arte antiga de Florença Toyota resolveu conhecer os movimentos
atuais mudando-se para Milão, onde havia uma arte de vanguarda. É lá que nasce o
primeiro filho do casal Toyota, Gianni Yo. Durante este tempo em Milão (1966 a 1968) os
movimentos de op-art e arte cinética se afirmavam na Europa. Neste período Toyota teve
contato com diversos artistas, dos quais todos admiravam o pensamento de Lucio Fontana,
argentino radicado em Milão, um dos percussores da revelação de outra dimensão espacial
nas artes plásticas. Toyota se identificou em vários pontos do pensamento de Lucio Fontana
no “Manifesto Blanco” (1946), principalmente quando Fontana afirma que o conhecimento
experimental deve tomar o lugar do conhecimento imaginativo.
Ao cortar a tela, Fontana queria enxergar além dela, alcançar outra dimensão que
não fosse a do plano nem a do volume, mas a tetra dimensão. (...) O aspecto
estático do quadro e da escultura – em suas dimensionalidades tradicionais –
estavam assim sendo abandonadas por artistas que Toyota encontrava na Itália.
(PRIETO, 2010, p. 42)
Com a vida mais dinâmica, as idéias de rápido, contínuo e mutável foram introduzidas na
arte, fazendo com que se falasse de quarta dimensão. Nesta fase, o trabalho de Toyota ficou
mais limpo e a arte óptica apareceu. As figuras geométricas eram elemento principal –
quadrados, losangos e até o círculo, que se aproximava de elipses, sofrendo deformações –
em faixas paralelas de linhas finas, em tons luminosos, geralmente em um fundo claro (fig. 2
e 3). As formas eram concêntricas, repetidas a partir de um possível centro, lembrando a
propagação da água em lago ao cair uma pedra – com a ilusão de ótica as figuras iam se
tornando sólidas, avançando da tela.
Fig. 2 e 3 – Duas das primeiras pinturas ópticas, 1966. Fonte: Prieto.
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Depois acrescentou às suas pinturas outros elementos materiais. Deixando as tintas a óleo
e acrílicas de lado, e preocupado com as questões do espaço, procurou materiais da época
tecnológica: o alumínio e o poliéster. A madeira continua apenas como suporte. O artista
preocupava-se em mostrar uma dimensão que se relacionasse com a simplicidade do
pensamento zen – que sempre o acompanhou – transmitindo sua concepção de um mundo
cósmico. Gravava desenhos em placas de alumínio, geralmente círculos amassados.
“Perdurava o desejo de falar de algo incorpóreo – refúgio, nuance. Toyota desejava que
seus trabalhos passassem a traduzir o positivo e o negativo, para representarem o mundo”
(PRIETO, 2009, p.47). Procurava mostrar o visível e o imaterial ao mesmo tempo.
Os primeiros objetos que Toyota criou, fixou-os nas paredes – relevos côncavos, convexos,
com suporte de madeira forrado de alumínio na parte frontal. Não usava muito o poliéster
devido ao alto custo, e pelo mesmo motivo ainda não usava o aço inoxidável. O alumínio foi
o mais usado, pelo preço acessível e o utilizava espelhado para obter os reflexos. Sobre as
superfícies colocou esferas pintadas de branco, que se deformavam (mais que em seus
quadros) no reflexo.
Toyota pretendia comunicar um significado mental e espiritual do espaço. Essa fase de
preocupação com a questão espacial foi chamada de In-Yo – símbolo de elementos opostos
(fig. 4). O reflexo do alumínio espelhava a obra e o ambiente onde estivesse, deformando e
criando um novo espaço. A opção por não usar espelhos se deu pois estes, apenas,
reproduziriam a obra e o ambiente, sem deformá-los.
Fig. 4 – Espaço In Infinito, aço inoxidável, madeira e pintura, 1967. Fonte: Prieto.
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Para Prieto (2009, p. 50):
A arte de Toyota se tornava ambiental e enigmática em suas intenções e resultados.
Isso se dava graças à versatilidade das imagens virtuais constantes de cada obra, o
que dependia do local de sua inserção e do ponto de vista do observador. (...) Toyota
pretendia ir além do mundo visível. Partindo de motivações dualistas, que ele fez
coexistir nas suas obras – feminino/masculino, grande/pequeno, bem/mal,
positivo/negativo, ying/yang (in/yo em japonês) – ele sempre buscou a unidade, o
neutro, a harmonia do universo.
De volta ao Brasil, nasce seu segundo filho e a família Toyota se muda para uma casa
maior, rodeada pelo verde da natureza, lembrando-o de suas origens. Com exposições e
prêmios na sua volta ao Brasil, houve uma divulgação das propostas de tendência óptica.
Toyota estava entre os artistas convidados para expor na X Bienal Internacional de São
Paulo (1969), aonde apresentou seis criações, chamando atenção com as obras
opticocinéticas (fig. 5), fazendo enorme sucesso.
Fig. 5 – Sucesso das obras de Toyota na X Bienal Internacional de São Paulo, 1969. Fonte: Prieto.
Apesar de suas viagens e exposições por outros países, em 1971 obteve a naturalização
brasileira. No mesmo ano foi convidado para participar da XI Bienal na Bélgica,
representando o Brasil junto com outros artistas. Suas propostas tiveram o elemento cubo
tomando o lugar da esfera. Na simbologia chinesa do taoísmo, o círculo é o céu e o
quadrado a terra, encontrando o homem entre ambos. Para o artista, o cubo sugere a vida
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nas cidades grandes, o isolamento das pessoas em apartamentos, com os ângulos retos e
forma fechada.
Em 1974 viajou ao Japão, devido a uma exposição, e percebeu que ao viver em país
ocidental, onde a cultura é voltada para a lógica, conseguiu melhor compreender sua
ascendência e desenvolver o lado espiritual na arte.
Nos anos 70 a necessidade de criar volumes monumentais só aumentou, de criar formas
que se relacionassem com o espaço urbano. Toyota foi então sendo cada vez mais
reconhecido como escultor, participando de diversas exposições com suas esculturas
magníficas. Até que apresentou sua nova pintura, em uma mostra de um grupo nipônico
(Primeira Geração) em 1982, em São Paulo.
Percebia-se que suas esculturas e objetos transformavam-se, evoluíam. Nas peças
de médio ou pequeno porte, vistas em 1983, na Skultura Galeria de Arte (São
Paulo), um renovar criativo já havia sido demonstrado, como comentou o jornalista
Ivo Zanini: ' As esculturas em chapas de alumínio e aço de Toyota ganharam nova
dimensão na medida em que o artista conseguiu redimensionar formas e oferecer
novos espaços às cores no interior das peças'. (...) Por intermédio do metal, os
volumes continuavam a captar, espelhar, deformar o ambiente e o evanescente,
parâmetro da quarta dimensão de Toyota. (PRIETO, 2009, p. 97)
Em 1986 foi instalada a obra Espaço Vibração (fig. 6) no Hotel Tivoli Mofarrej, em São
Paulo. Uma obra magnífica que despertou um número enorme de encomendas
monumentais ao artista nos anos seguintes.
Fig. 6 – Espaço Vibração, inox e latão, Hotel Tivoli Mofarrej, São Paulo, 1985. Fonte: Prieto.
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Em 1988 foi estimulado a criar uma jóia para participar da exposição Arte em Joias: uma
nova expressão, na qual expôs junto com outros 14 artistas nipônicos para celebrar o 80˚
aniversário da imigração japonesa no Brasil. A exposição aconteceu na Skultura Galeria de
Arte. A joia projetada por Toyota (fig. 7) possui claramente sua linguagem, com sólidos
côncavos extremamente polidos, parece uma miniatura de uma de suas esculturas. Na
apresentação do convite da exposição, Olney Krüse (1988) diz:
Estamos, nós que vivemos em 1988, no apogeu da joia como obra de arte, vale
dizer, aquela que além de seu valor intrínseco passa ao corpo de quem a usa e aos
olhos de quem observa, um acúmulo de informações cultuais. A joia, hoje, é um
fichário da soma de nossos dias, desde Altamira e suas cavernas até Brasília e seus
palácios. A joia, agora, é arquitetura, é desenho industrial, é escultura.
Fig. 7 – Joia de Yutaka Toyota para a exposição Arte em Joias, São Paulo, 1988.
Em 1991 o artista recebeu da APCA (Associação Paulista dos Críticos de Arte) o prêmio de
Melhor Escultor de 1990. Reconhecido como escultor, Toyota volta a retomar a pintura,
desta vez as “folhas metálicas” revelam menos através das pontas viradas, a cor utilizada
então passa a ser o dourado, e surgem formas geométricas. Utilizando técnica mista, à base
de gesso, tinta a óleo, tinta acrílica, imitação de folhas de ouro (atualmente utiliza folhas de
ouro e de prata), cria texturas nas superfícies (fig. 8 e 9).
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Fig. 8 – Espaço Ilusão n˚2, técnica mista sobre tela, 1992. Fonte: Prieto.
Fig. 9 – Espaço Ilusão, técnica mista sobre tela, 1998. Fonte: Prieto.
Em 2003 Toyota fez algumas obras para o Hotel Matsubara, de São Paulo. Entre elas,
luminárias lindas e funcionais em aço inoxidável e alumínio (fig. 10). Relembrando um pouco
o desenho industrial, parte de sua formação.
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Fig. 10 – Lustre, chapa de aço inox escovado, tubos de alumínio, esferas cromadas, Hotel Matsubara, São
Paulo, 2001. Fonte: Prieto.
A cor volta a aparecer em suas esculturas, desta vez através de uma película de adesivo
vinílico a uma superfície (fig. 11).
Fig. 11 – Espaço Luz e Sombra, aço, madeira e plástico, 2001. Fonte: Prieto.
Em 2009, com curadoria de Jacob Klintowitz, no MuBE (Museu Brasileiro de Escultura),
Toyota teve uma retrospectiva na exposição A Leveza da Flor. Na apresentação do
prospecto da exposição, Klintowitz (2009) fala poeticamente a respeito do artista:
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É universal o Fascínio que a escultura do brasileiro Yutaka Toyota exerce, como o
demonstra a sua intensa presença pública em lugares tão díspares como o Japão, a
Itália e o Brasil. É curioso como a sutil combinação de materiais, o conceito espiritual
subjacente e a produção tecnológica, não afasta o público, mas o aproxima. A sua é
uma escultura de combinações inesperadas. (…) É possível dizer que a junção e a
aparente contradição entre a dureza e o macio, a espontaneidade e a reflexão, o
volume e a leveza, a geometria estável e o equilíbrio instável, são companheiros
constantes de Yutaka, fazem parte do mundo que inventou e são a origem da
empatia do público. (…) A alta tecnologia é indissociável da sua delicada concepção.
E temos a sensação de que este vôo só existe embalado nestes materiais e em
contrastes incomuns. Yutaka Toyota enriquece o nosso olhar neste jogo essencial
feito de aço, alumínio, reflexos cromáticos de pigmentos ocultos, e movimentos
eólicos. Éolo, deus dos ventos, filho de Zeus, e Yutaka Toyota, e algumas esculturas
tão próximas da natureza e do gesto humano. Vôo de prata. Carícia do vento e
reflexos das luzes. Linha geométrica a recortar e reconstruir o espaço. Paradoxo,
tudo parece natural.
O processo criativo de Toyota é bastante metódico, envolve uma rotina fixa. Seu tema de
trabalho se mantém o mesmo, com inovações em formas e, as vezes, técnica e material, o
que contribui para sua identidade e para o amadurecimento de suas idéias.
O Caminho à Joia Contemporânea
O universo da joalheria começou a se libertar do tradicionalismo a partir do século XX, na
Europa, quando dois movimentos artísticos influenciaram a joalheria e a moda: o Art
Nouveau, estilo com linhas simples, soltas, alongadas, assimétricas, sinuosas, e com
movimento, gerando formas orgânicas e temas florais, naturalista e feminino, estilo em que
as fronteiras entre a belas-artes e o artesanato estavam bem reduzidas. E o Art Déco, estilo
que surgiu em um período de mudança comportamental da população, em que havia novos
ricos, hotéis de luxo, e novas tendências (de massificação) da moda, um estilo luxuoso, que
se utilizou de materiais caros (diamantes, pérolas e platina), formas limpas e geométricas,
simétricas, e utilizou a luz (tema proveniente do cinema) como referência, inspiração.
Podemos observar esses estilos nos trabalhos de Lalique (fig. 12) – considerava que o valor
do material em suas jóias era irrelevante, adorando trabalhar com marfim, chifre, âmbar,
pedras semipreciosas e vidro, a criatividade superava o valor da matéria e por isso as joias
de Lalique são consideradas obras de arte (CAMPOS, 1997, p. 54) – e Cartier (fig. 13),
respectivamente.
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Fig. 12 - Pente Art Nouveau de marfim, chifre, ouro e topázio (1903-1904), René Lalique. Fonte: Gulbenkian.
Fig. 13 - Colar Art Deco de diamantes e citrinos (1934), Cartier. Fonte: Cartier.
Segundo Campos (1997, p. 61), a moda também provocou mudanças na joalheria, pois nos
anos 20 se tornava mais esportiva, casual, e deixou de combinar com as pedras preciosas,
precisando de um novo tipo de ornamento, o que fez surgir a joia de moda, produzida em
material não precioso. Essas joias de moda, criadas por estilistas, eram inspiradas nas
coleções anuais e nos movimentos artísticos, e posteriormente foram imitadas pela indústria
para serem objetos de consumo em massa.
Na década de 50 o abstracionismo e o expressionismo começaram a aparecer na produção
dos muitos artistas joalheiros que surgiam, envolvidos com os movimentos artísticos. Nos
anos 60 e 70 houve influência das conquistas espaciais – utilização do alumínio e titânio,
metais mais leves – da Pop e Op Art – geometrização das formas, utilização de plásticos – e
os movimentos hippies e pacifistas – tendências étnicas. Na década de 70, com a
exploração de novos metais, apareceu o aço. Nos anos 80, os artistas joalheiros começaram
a colaborar e promover encontros e demonstrar interesse por materiais diversos e novas
formas de expressão (CAMPOS, 1997, p. 65).
No Brasil, uma das pioneiras a criar joias como mini esculturas, como obra de arte foi a
francesa residente no Brasil Renée Sasson, segundo Magtaz (2008). Renée criava
acessórios exclusivos para grandes costureiros da época, era especialista em esmaltes e
mudou o conceito de fazer arte e joalheria.
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Fig. 14 - Colar de prata com turmalinas melancia, Renée Sasson. Fonte: Magtaz, 2008. p.153.
As joias passaram a ser pequenas obras de arte usadas para adornar o corpo, como
podemos ver documentado neste convite para a exposição Eucat Expo (fig. 15), realizada
em 1974, em São Paulo. Outros “artistas-joalheiros” que se destacaram no pioneirismo
foram: Ulla Johnsen, Caio Mourão e Reny Golcman (entre outros).
Fig. 15 - Documento da Eucat Expo, realizada em 1974. Fonte: Magtaz, 2008. p. 157.
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Fig. 16 - Colar de prata Crista de Galo, Caio Mourao. Fonte: Mourão.
A partir de então a joia ganhou espaço, no Brasil, ao lado de obras de artistas plásticos e
arquitetos, passou a fazer parte do circuito das artes, exposições foram incentivadas e
criadas por Pietro Maria Bardi no Museu de Arte Moderna de São Paulo. Além de ter
presença na Bienal de São Paulo.
Deixou de ser uma técnica que se passava exclusivamente em família e passou a ser
difundida em ateliês para novos interessados. Na década de setenta já havia cursos livres e
escolas de joalheria fundadas em São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro.
A joia é uma obra de arte. Expostas em diversas galerias, a joia única ou joia de
autor, assume uma identidade de obra de arte. Consideradas esculturas criadas para
adornar, e assinadas por seus criadores, transforma artistas em joalheiros e
joalheiros em artistas. (MAGTAZ, 2008, p. 156)
A joia de arte trabalha com materiais e formas experimentais, combinações inovadoras e
diferentes maneiras de utilizar a técnica.
Para se avaliar a estética de uma joia, que lida com as questões das artes liberais,
considera-se a essência do design, buscando por estruturas poéticas tanto na
concepção, quanto na composição da peça, e por elementos metafóricos e/ou
simbólicos significativos. Na joalheria, materiais alternativos são experimentados na
medida em que reafirmam as intenções das mensagens artísticas. (CLARKE, 2004)
Em 2007 surgiu, no Brasil, o Projeto Nova Joia2, um exemplo de joalheria experimental. O
projeto se preocupa com o valor do processo criativo, colocando em segundo plano o uso de
materiais preciosos (ouro e diamantes). Coloca um novo significado para a joia, buscando
com experimentações, materiais e técnicas diferentes, reflexões, propondo adornos com
significados mais íntimos, uma nova joalheria.
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Projeto com o objetivo de expandir e divulgar a arte-joalheria no Brasil.
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MÉTODO
Inicialmente leu-se a respeito do processo criativo segundo Mihalyi Czikzentmihalyi, e
procurou-se apreender o percurso de Toyota na arte. Então, um roteiro de entrevista foi
elaborado, visando obter algumas informações sobre o processo criativo do artista. A
entrevista foi realizada em fevereiro de 2011, no ateliê do artista, sendo gravada e transcrita
pela autora. Algumas obras do artista foram selecionadas para serem analisadas e as
características mais marcantes e comuns entre elas apontadas. O momento que possibilitou
maior entendimento a cerca de suas obras foi uma visita guiada com o artista à exposição
'Espaço Multidimensional' quando Toyota expos suas idéias apontando às obras. Reunindo
informações obtidas na entrevista à autora, acrescida de observações feitas durante a
exposição, analisadas à luz dos conceitos desenvolvidos por Csikzentmihalyi, resultou a
compreensão do processo criativo de desenvolvimento das formas.
Posteriormente leu-se a respeito da joalheria a partir de seu relacionamento com a arte, até
os dias atuais. E então, com as análises das obras do artista e pensando em uma jóia de
arte, estabeleceram-se algumas relações que permitem expor a riqueza das obras de Toyota
ao universo da joalheria.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
O Espaço
Yutaka Toyota traz referências culturais de sua origem japonesa, entre outras, do Zen-
budismo em suas obras. O tema que aborda é do espaço, do mundo cósmico, das
dimensões (quarta, quinta e até sexta!), assunto tratado no Zen-budismo. Essa abordagem
aparece com reflexos espelhados no aço, geralmente côncavo, super polido criando uma
ilusão de que há matéria além da superfície espelhada, despertando curiosidade no
observador, que chega mais perto tentando encontrar essa matéria. As formas que saem da
obra, cilindros, perfis quadrados, possuem a parte visível também em aço polido, e a parte
posterior, geralmente, em alguma cor vibrante. Esta cor refletida em meio ao metal polido se
distorce e cria imagens que parecem virtuais, imagens “flutuantes”, que na verdade são
apenas resultado de uma ilusão de ótica.
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Fig. 17 – Espaço Invisível, 2010, Yutaka Toyota. Fonte: Catálogo.
Esses reflexos transmitem uma sensação de que há um espaço além do espelho, que nos
observa, como observamos o espelho, que existe e nos engloba, mas que na verdade é
uma imagem intangível (a outra dimensão, segundo Toyota). Em uma visita guiada em sua
exposição ‘Espaço Multidimensional’, o artista revela parte de sua concepção de espaço
quando disse: “No mundo não tem cima e baixo, esquerda e direita, estamos no cósmico”,
apontando a obra Espaço Reflexo Infinito, 1994, e os reflexos invertidos do observador na
obra.
Toyota (2011, p. 2) fala das dimensões da ciência, da quarta dimensão - que por ser espaço
e tempo, já não é tangível - mas diz que as dimensões superiores possuem “um universo
invisível aos nossos olhos, porém elas existem e os seres mais evoluídos são capazes de
compreendê-las”.
Assim, ao penetrarmos neste espaço multidimensional, teremos
novas sensações, viajaremos para outros pontos deste imenso
universo e observaremos novos mundos – talvez um mundo de
esperança, onde exista respeito ao próximo e à lei natural. Gostaria
que minhas obras, onde o invisível se mostra visível nas cores
ocultas e formas anônimas, nos levassem a uma viagem sideral,
multidimensional, em que o positivo e o negativo e todos os
opostos, o masculino e o feminino, o In e o Yo e tudo mais
convivam em plena harmonia e o cosmos repleto de enigmas se
mostre claro e simples (TOYOTA, 2011, p. 2).
Yutaka Toyota é super organizado e técnico, seus pequenos rascunhos e desenhos matinais
transformam-se em desenhos detalhadamente pensados em papel milimetrado. Ao acordar
pela manhã, em torno das 4 ou 5 horas, Yutaka faz pequenas anotações, desenhos e
croquis. Depois lista suas atividades do dia, o que deve fazer, o que vai pintar, se deve
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continuar alguma obra. Os croquis e anotações, ao longo do dia, vão se transformar em
desenhos técnicos em papel milimetrado, para facilitar o dimensionamento da obra.
Com o desenho pronto e bem resolvido, o artista faz uma maquete, praticamente um
protótipo, em escala reduzida, já utilizando os materiais próprios da obra, às vezes
experimentando com esse material, observando suas características, como se comporta,
como o reflexo acontece. A busca pelo reflexo implica numa escolha de textura na
superfície, polida ou fosca, conforme o artista deseja. Os materiais são escolhidos conforme
o desenho e a forma se formam para o artista, juntos, e conforme as necessidades físicas
da obra, se externa precisará de um material mais resistente, por exemplo.
A utilização do papel milimetrado permite facilmente a ampliação - já que as obras de Toyota
são, em sua maioria, grandiosas – e remete também ao lado técnico do artista, que fez
aulas de desenho industrial e trabalhou no Instituto de Pesquisas Industriais em Shizuoka.
O artista, quando recebe uma encomenda, faz visitas ao local em que a obra será colocada;
estuda a luz, o clima, a dimensão que a obra poderá ter no local. Esse estudo é essencial
para uma boa integração da obra com o ambiente. Um fator muito importante para o artista é
se a obra será interna ou externa, pois isso influencia muito o material utilizado. Em
entrevista à autora o artista disse: “Ambiente é muito importante”, fazendo referência ao
respeito que ele mantém ao ambiente, harmonizando-o com suas obras através da
integração.
As Esculturas e a Joia:
A comparação imediata das esculturas de Toyota com joias é a utilização de metal polido,
mas diferentemente das joias tradicionais polidas, Toyota acrescenta um ar contemporâneo
às suas esculturas através de formas geométricas, curvas matemáticas e formas abstratas.
O diferencial do artista: os reflexos e as deformações das cores e formas são características
que podem trazer um novo olhar à uma joia, agregando um elemento surpresa, que
desperte curiosidade, chamando atenção à joia. Algumas esculturas trabalham a chapa –
muitas joias o fazem também - mas a maioria é sólida, embora feitas a partir de chapas,
resultam em formas fechadas, aproximando-se de sólidos. Embora sejam formas fechadas
(sólidos), a aparência se mantém leve. Talvez pelo movimento gerado pelos ventos, ou pela
disposição de módulos crescentes, gerando ritmo. Ergonomicamente é fundamental que
uma joia seja leve, já que, seu uso não deve incomodar jamais.
Outra questão importante, que aparece constantemente nas obras do artista, é o ritmo –
repetição, alternância ou progressão de elementos similares – que conduz o olhar, embala a
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percepção da obra, seduzindo o observador (fig. 18). Essa característica final enriquece a
joia, valorizando-a, já que seduz o olhar.
Fig. 18 – Espaço Reflexo Infinito, 1994, Yutaka Toyota. Fonte: Catálogo.
CONCLUSÃO
Este estudo mostra como é possível aproximar a joalheria da arte, utilizando-a como
referência projetual. Recolhendo características de sucesso em obras de artistas plásticos
pode-se fazer joias de sucesso, com uma referência rica em arte. Diferentemente de outros
objetos de design, o design de joias permite uma liberdade maior, a livre expressão de
conceitos que o aproximam das artes visuais.
As principais características encontradas nas esculturas de Yutaka Toyota, que podem
enriquecer o desenho da joia, são: o ritmo (repetição ou progressão de módulos); o
movimento (resultado de mecanismos entre os módulos); a utilização de côncavos; o
material diferenciado (o artista pesquisa materiais contemporâneos para sua criação); e
principalmente a utilização das cores no reflexo.
Na obra de Toyota transparecem elementos intangíveis como suas crenças, pensamento e
inspiração, através de materiais concretos e tangíveis como madeira, aço e tinta revelados
nas imagens formadas pela ilusão de ótica (percepções visuais). Concluímos que esta é a
principal característica de sua poética que pode ser importante referencia ao projeto de uma
joia: a liberdade na apropriação de elementos concretos de forma poética como linguagem
expressiva do design.
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20. VII Jornada de Iniciação Científica - 2011
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Contato: juliapradodesign@gmail.com e reginalara.vitral@gmail.com
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