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Curso “A Crise do Capitalismo”
CEPIS/ENFF/Depto. De Jornalismo da PUC
Curso “A Crise do Capitalismo”
O referencial teórico para compreender a Crise
29 de abril às 19h
Sergio Lessa (UFAL)
As Crises do Capitalismo
06 de maio às 19h
Márcio Pochmann (IPEA)
A Crise e os Trabalhadores
13 de maio às 19h
Ricardo Antunes (Unicamp)
Estado, poder e mídia na Crise do Capitalismo
20 de maio às 19h
Virginia Fontes (UFF)
José Arbex Jr. (PUC-SP)
Desafios dos trabalhadores diante da Crise
27 de maio às 19h
João Pedro Stedile (MST)
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Curso “A Crise do Capitalismo”
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Curso “A Crise do Capitalismo”
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Sumário
Sumário........................................................................................................................................................3
1º Texto - Comunismo: de que se trata? - Sergio Lessa .............................................................................4
2º Texto - Beyond Capital: Estado e Capital - Sérgio Lessa.....................................................................15
3º Texto - Intelectuais e mídia - quem dita a pauta? - Virgínia Fontes.....................................................29
4º Texto – A crise atual do sistema capitalista mundial – Paulo Nakatani................................................40
5º Texto – As dimensões da crise no mundo do trabalho – Ricardo Antunes...........................................58
6º Texto – Stedile diz que governo tem medo de entrar de cabeça no debate sobre crise.........................63
7º Texto – Análises da crise a partir de Marx............................................................................................68
8º Texto – Para combater a crise econômica, Reforma Agrária - MST....................................................81
9º Texto – A crise em desdobramento e a relevância de Marx – István Mészáros...................................83
10º Texto – O Circo Imundo de Horrores – José Arbex Jr........................................................................96
11º Texto – Desglobalização – Márcio Pochmann ...................................................................................98
São Paulo - 2009
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1º Texto - Comunismo: de que se trata? - Sergio Lessa
Depto. De Filosofia da UFAL e membro da editoria da Revista
Crítica Marxista1
Introdução
A relação entre a obra de Marx e a filosofia talvez possa ser mais claramente explicitada se partimos de
uma das categorias centrais, senão a central, do seu pensamento: o comunismo.
A humanidade, do ponto de vista do desenvolvimento das forças produtivas, conheceu duas revoluções
verdadeiramente decisivas.
A primeira foi a Revolução Neolítica, há aproximadamente 10 mil anos atrás. A descoberta da semente
tornou possível, pela primeira vez, que o indivíduo que trabalhasse produzisse mais do que o necessário para a
sua sobrevivência imediata.
Ao invés da situação precedente, na qual tudo o que era produzido era imediatamente consumido, com a
descoberta da agricultura abria-se a possibilidade de se acumular produtos resultantes do trabalho humano:
surgia, assim, a riqueza e a possibilidade de sua acumulação.
Para que fosse plenamente explorada, esta nova possibilidade histórica exigiu profundas alterações na
vida social. Foi necessário a passagem do nomadismo ao sedentarismo e exigiu o surgimento das primeiras
formas de exploração do homem pelo homem(escravismo e modo de produção asiático). A divisão da sociedade
em classes sociais tornou imprescindível a gênese e desenvolvimento de uma série de complexos para ordenar
a nova forma de reprodução social, como o Estado, o Direito e o casamento monogâmico. As potencialidades de
desenvolvimento inerentes à esta nova forma de reprodução social não podem ser exageradas: retirou a
humanidade do período pré-histórico e, no Ocidente, colocou o gênero humano em uma processo histórico que
conduziu, com avanços e recuos, ao capitalismo de nossos dias.
A nova sociabilidade surgida da Revolução Neolítica tinha, todavia, um forte limite: o "afastamento das
barreiras naturais" era ainda tão incipiente que as ferramentas e as técnicas que podiam ser empregadas eram
aquelas que um adulto médio poderia manejar. Ainda que algumas máquinas tenham sido empregadas neste
período histórico (o moinho de vento, por exemplo, ou então máquinas movidas pela tração animal), eram casos
excepcionais que apenas confirmam a regra geral: o corpo humano continuava sendo importante limite para o
desenvolvimento das forças produtivas. Este limite histórico fez com que tanto as sociedades do modo de
produção asiático, como do escravismo, do feudalismo e do período da acumulação primitiva (séculos XVI ao
XVIII), não conseguissem produzir o necessário e conhecessem objetivamente a escassez. Se toda a produção
1
Publicado em : Galvão, A. et alli (orgs) Marxismo e Socialismo no século XXI,
pp. 197-210, Cemarx/Xamá Ed, São Paulo, 2005
4
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fosse dividida igualmente, tratar-se-ia sempre de dividir a carência: todos passariam igualmente necessidade e
nada mais restaria para ser investido no desenvolvimento das forças produtivas.
Se, todavia, ao invés da primitiva divisão igualitária, a riqueza fosse acumulada nas mãos de uma
minoria sob forma da propriedade privada, poder-se-ia investir o excedente no desenvolvimento das forças
produtivas. De fato, na História Antiga, estes dois padrões de reprodução social se confrontaram; grosso modo,
os gregos e os romanos de um lado e os "bárbaros" de outro. A favor dos gregos e romanos estava a sua maior
capacidade para desenvolver as forças produtivas (pelo acúmulo de escravos; pela construção de portos,
estradas, redes comerciais e, também, pelos exércitos necessários para conquistar e defender territórios). Os
povos "bárbaros" foram, assim, paulatinamente convertidos em escravos e as sociedades mais igualitárias
primitivas foram sendo substituídas pelas sociedades de classe.
Foi por esse processo – e não porque os homens seriam essencialmente ruins ou, então, porque
teríamos todos, por essência, a propriedade privada – que a sociedade de classes, com todas as suas
ignomínias, suplantou as sociedades primitivas. A situação histórica de carência gera, necessariamente, a
propriedade privada e uma sociedade marcada pelo mercado e pela concorrência. Claro que esta conexão
ontológica entre carência e propriedade privada se afirma de forma diferenciada em cada modo de produção (há
diferenças significativas entre a mercadoria e a propriedade privada no feudalismo e no escravismo, entre o
mercado e o trabalho no escravismo e no capitalismo, etc., etc.), essas diferenças, contudo, não diminuem a
veracidade do afirmado: há uma relação ontológica entre a carência e a forma privada de apropriação da riqueza
socialmente produzida. Foi por isso que entre as primeiras sociedades de classe e o final do século XVIII a
propriedade privada reinou inconteste.
Esta situação foi, finalmente, modificada pela Revolução Industrial; é ela a segunda grande revolução
das forças produtivas que mencionávamos no primeiro parágrafo. A sua importância está em que, com a
aplicação de máquinas ao processo produtivo, as "barreiras naturais" são afastadas a tal ponto que o corpo
humano deixa de ser o limite para o desenvolvimento das ferramentas e das forças produtivas em geral
2
. Agora,
as ferramentas, as técnicas de produção (e, portanto, também as formas de organização do trabalho) não mais
precisam respeitar os limites da força física de um adulto médio. Uma prensa de muitas toneladas pode ser
movimentada mecanicamente, enquanto que antes um martelo não poderia ter mais do que alguns quilos para
poder ser manejado pelo trabalhador. As possibilidades de desenvolvimento das capacidades humanas,
principalmente para retirar da natureza os bens indispensáveis à sua própria reprodução, aumentam
exponencialmente. Pela primeira vez a humanidade vive a possibilidade histórica objetiva de produzir mais do
que o necessário para todas as pessoas que vivem no planeta Terra. A revolução industrial marca a passagem
de uma situação histórica de carência para uma de abundância (ou, quando esta não se estabeleceu
objetivamente, pela possibilidade real de vir a se estabelecer com facilidade). Dois exemplos para deixar mais
claro ao que nos referimos. A produção de alimentos no planeta já é suficiente para uma população duas vezes
maior a atual. Se há fome, portanto, não é porque faltam alimentos. A cidade de São Paulo possui 40 mil famílias
2
Karl Marx, O Capital, tomo I, vol II, São Paulo, Abril Cultural, 1985, p.8-10.
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sem moradia e 80 mil domicílios desocupados. Se, a cada família sem-teto fosse doada uma moradia, sobrariam
ainda 40 mil desocupadas; é inevitável a conclusão que não é a falta de moradia a causa de haver sem-tetos em
São Paulo.
Se moradias e comida em excesso convivem com famintos e sem-tetos é porque o modo de produção
capitalista não pode retirar todas as possibilidades históricas da passagem histórica da carência à abundância.
Examinemos mais de perto esta última afirmação.
A reprodução do capital
O capital é uma forma de propriedade privada que se caracteriza,entre outras coisas, pela absoluta
necessidade de se reproduzir de forma ampliada. Um capital que não aumenta no tempo é um capital em via de
extinção. Tal como uma bicicleta, como diz Mészáros, se parar de girar, cai. Esta sua característica decorre do
seu próprio ser, de suas leis imanentes. Ele apenas existe como uma riqueza que foi apropriada privadamente
pela mediação da mais-valia. Esta, por sua vez, apenas pode ser gerada pela separação do trabalhador dos
meios de produção e a conversão da força de trabalho em uma mercadoria como outra qualquer: o trabalho
assalariado.
Esta riqueza apropriada sob a forma do capital, todavia, tem apenas um valor de uso,e nenhum outro:
adquirir mais força de trabalho, quer pela compra direta; quer pela aquisição indireta através da compra dos
meios de produção, da matéria prima, etc., ou, ainda, pelo custeio do necessário para manter o sistema
capitalista em funcionamento, como é o caso do Estado e dos funcionários públicos, do exército, do complexo
judiciário, educacional e muitos outros.
A única função social do capital, portanto, é comprar a força de trabalho sob a forma assalariada;
simetricamente, a única utilidade da força de trabalho assalariada é produzir mais valia. Estamos frente a uma
determinação reflexiva: o capital, para existir, requer a compra incessante da força de trabalho; os assalariados,
por sua vez, apenas podem existir se constantemente puderem vender sua força de trabalho ao capital. Sem
força de trabalho para ser, direta ou indiretamente, comprada, o capital não tem qualquer utilidade;
analogamente, sem o capital para comprá-la, a força de trabalho assalariada não tem qualquer função social. É
este círculo vicioso, parte da essência do capital, que faz com que ele seja uma força social literalmente
incontrolável: destruiu todas as barreiras sociais ao seu desenvolvimento e, atualmente, destrói a própria
humanidade já que esta – paradoxalmente -- se converteu no principal obstáculo ao seu desenvolvimento futuro.
A reprodução do capital requer, portanto, a manutenção do mercado: é pela sua mediação que pode não
apenas comprar a força de trabalho como, ainda, vender as mercadorias produzidas convertendo-as na forma
dinheiro imprescindível para que novos investimentos sejam feitos na produção de novas mercadorias e assim
sucessivamente. E, no interior do mercado, uma mercadoria entre todas as outras joga um papel decisivo: a
força de trabalho, a única cujo valor de uso está em que, ao ser consumida, produz um valor maior do que o seu
próprio e, por isso, é a única fonte de mais valia.
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Curso “A Crise do Capitalismo”
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A manutenção do mercado, por sua vez, implica na manutenção da forma democrática de Estado
3
: a
concorrência da vida cotidiana na esfera produtiva se converte, com o tempo, no padrão de todas as relações
sociais, inclusive das relações políticas. A organização da concorrência pela administração desse poder tem sua
forma histórica mais madura na democracia. Tal como o mercado é a forma mais plena da concorrência entre
proprietários privados, a democracia é a forma mais explicitada da concorrência política entre proprietários
privados. E o Estado democrático é a moderna sociedade de proprietários privados que se organiza em poder
político.
Propriedade privada, Estado, democracia, capital e trabalho assalariado são, portanto, determinações
reflexivas: tal como não pode haver exploração do trabalho pelo capital sem a mediação política do Estado,
também não pode haver a forma madura da propriedade privada, a burguesa, sem a democracia; não pode
haver assalariamento sem a apropriação privada da riqueza socialmente produzida do mesmo modo pelo qual
não pode haver concorrência política entre os proprietários privados sem que sejam, todos eles, reduzidos ao
denominador comum de cidadãos. Enfim, para retomar os termos marxianos: a emancipação política
corresponde à passagem ao capitalismo maduro; corresponde à plena vigência do capital enquanto forma de
propriedade privada predominante na produção e à plena vigência da concorrência em todas as esferas da vida
social. Na política, a forma historicamente madura desta concorrência é a democracia.
É esta forma de reprodução social – que é muito mais do que o trabalho abstrato, ainda que tenha nele o
seu fundamento mais essencial – que é historicamente incapaz de explorar as potencialidades da situação
histórica de abundância na qual adentramos com a Revolução Industrial. A sociedade de classes, mesmo em
sua forma mais desenvolvida, a capitalista-democrática, por ser herdeira de um período histórico em que
predominava a carência, tem na abundância sua inimiga de morte. Ou o capitalismo destrói a abundância ou
será por ela destruído. E como, contraditoriamente, o capitalismo apenas pode se desenvolver pelo
desenvolvimento das forças produtivas e, portanto, pela geração de uma abundância cotidianamente cada vez
mais presente, vivemos uma situação histórica limite: o sistema do capital só pode existir se produzir uma
abundância cada vez maior e, ao mesmo tempo, ele apenas pode sobreviver se converter esta abundância em
carência.
É por isso que o problema econômico decisivo do modo de produção capitalista está na superprodução –
e não, como em todos os modos de produção precedentes, na produção insuficiente. E há, grosso modo, apenas
dois modos de enfrentarmos historicamente os novos desafios postos pela humanidade pela presença objetiva
da produção superior às necessidades.
As duas formas de se enfrentar a superprodução
3
"O Estado e a organização da sociedade não são, do ponto de vista político, duas coisas diferentes. O Estado é
o ordenamento da sociedade." Karl Marx, "Glosas ", Revista Práxis, Belo Horizonte, Ed. Joaquim de Oliveira, n.
5, 1995. Esta edição é precedida de um rigoroso comentário por Ivo Tonet.
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Curso “A Crise do Capitalismo”
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Há duas formas de a humanidade conviver historicamente com uma produção superior às necessidades.
A forma à qual estamos acostumados e conhecemos bem é a capitalista. A segunda, é o modo de produção
comunista.
No sistema capitalista, a abundância é enfrentada através da geração de uma carência artificial.
Inicialmente, por ser o mais simples, a concentração da riqueza na classe dominante é convertida em carências
artificiais por produtos de luxo. Passa-se a produzir artigos que apenas correspondem ao consumo perdulário
das classes dominantes. Esta forma, digamos, "espontânea" porque emerge da tendência inerente ao capital de
concentrar riqueza na classe dominante, tem limites muito estreitos. Com o passar do tempo, evidencia-se a
necessidade estrutural de outros mecanismos de geração artificial de carências que garantam um nível de
preços "saudável" à reprodução do capital. Momento decisivo neste desenvolvimento foi a crise de 1929. Ela
evidenciou o quanto a superprodução poderia abalar o sistema do capital e forçou-o a tentar uma alternativa: a
produção e o consumo de massas. O apogeu desta tentativa foram os "anos dourados" do capitalismo
desenvolvido: o Estado de Bem-Estar e o fordismo.
A lógica do Estado de Bem-Estar e da economia de consumo de massa era, sinteticamente, o círculo
vicioso pelo qual a produção em série derruba o preço do produto, o que aumenta o consumo o qual, por sua
vez, provoca um novo aumento da produção fazendo o preço cair uma vez mais – e assim sucessivamente. Num
segundo momento, utiliza-se a mão de obra muito mais barata do terceiro mundo para baixar ainda mais os
preços nos mercados dos países centrais. Este crescimento da lucratividade geral do sistema tem duas
importantes conseqüências no curto prazo: 1) possibilita o aumento dos salários nos países capitalistas centrais
praticamente sem qualquer distribuição de renda efetiva
4
; e, 2) o aumento da produção gera empregos
aumentando também por esta via o mercado consumidor. Com o aumento do mercado consumidor, pode-se
produzir ainda mais, e assim sucessivamente.
Esta dinâmica continuaria indefinidamente se, já na década de 1950, não se evidenciasse que o
consumo não aumentaria o suficiente para manter a acumulação capitalista. A saída do sistema do capital foi o
desenvolvimento de uma outra válvula de escape: o complexo industrial militar. Do ponto de vista do capital,
como bem argumenta Mészáros
5
, o complexo industrial militar é a saída perfeita.
Pois ele funciona com base em encomendas de um Estado facilmente controlável pelo grande capital e,
portanto, não sofre as inseguranças do mercado. Em segundo lugar, tem sua demanda determinada
politicamente e, não, pelo jogo da oferta e da procura: produz-se o que o Estado decide que será produzido e,
novamente, trata-se de um Estado "permeável" às demandas do grande capital. E, por fim, porque os produtos
do complexo industrial militar são não precisam ser utilizados para serem consumidos: à empresa basta vender
ao governo. Se o governo vai ou não empregar o que comprou em uma guerra ou se, pelo contrário, apenas
estocará o armamento, não faz a menor diferença.
4
Conferir Jeffrey Mandrick. The end of affluence. New York, Randon House, 1995.
5
István Mészáros, Para Além do Capital. São Paulo, Boitempo/Unicamp, 2002, em especial o capítulo 16.
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Curso “A Crise do Capitalismo”
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É esta particularidade do complexo industrial-militar que possibilitou, por exemplo, que entre os anos de
1950 e 1970 as armas nucleares acumuladas pelos EUA fossem suficientes para destruir o planeta 66 vezes e, o
estoque soviético, 33 vezes. Ou seja, em 20 anos, construímos bombas suficientes para destruir o planeta 99
vezes! Este enorme desperdício de força produtiva, força de trabalho, recursos econômicos etc. não pode ser
exagerado: a humanidade preparou milimetricamente, com o que tinha de melhor em termos de técnica e
inteligência, a extinção dos homens do planeta. E a razão desta barbaridade – pois não há outro nome para tal
feito – é a necessidade intrínseca ao capitalismo em gerar um consumo artificial que consuma a superprodução
que lhe fere de morte.
Processos análogos, também eficientes economicamente ainda que não tão dramáticos, permeiam
nosso dia a dia. A obsolescência planejada faz com que os produtos durem cada vez menos, a adoção de
embalagens que forçam um aumento do consumo (a embalagem de papel-alumínio faz com que se jogue fora
entre 4 e 7% dos produtos à base de tomate, com a embalagem de vidro a perda era praticamente nenhuma); a
propaganda maciça que faz com que uma roupa perca seu valor de uso e, portanto, não mais possa ser usada
muito antes que tenha sido de fato consumida; a adoção de tecnologias e produtos que geram carências
artificiais com o único objetivo de impulsionar o consumo (a indústria de informática é, hoje, provavelmente o
exemplo mais gritante, mas está longe de ser o único), etc., etc.
Todos estes mecanismos e a perdularidade resultante não foram suficientes para evitar equilibrar o
sistema e, em meados da década de 1970, após a derrota americana no Vietnã e as duas crises do petróleo, a
crise estrutural se instalou. E, com a crise, fusões, muito mais que novos investimentos, constituem a dinâmica
da acumulação de capital das últimas décadas: com os mercados abarrotados de mercadorias e com o terceiro
mundo exaurido pela intensificação da exploração de suas economias, a alternativa é expandir ocupando fatias
do mercado já existente e sob controle das empresas concorrentes. Para isso é necessário incorporar
tecnologias que permitem a diferenciação marginal dos produtos e, acima de tudo, possibilitam a produção mais
barato que o concorrente. Isto requer novas formas de produção que intensifiquem a exploração da mão de obra,
que retirem de cada hora trabalhada uma quantia cada vez maior de mais valia.
Foi nesta quadra histórica que o Japão explodiu na economia mundial. O sucesso momentâneo do
Japão estava em uma força de trabalho que aceitava condições de vida e trabalho inimagináveis para os países
capitalistas do Ocidente. Foi com base nesta maior fonte de mais valia que o toyotismo pode se apresentar como
o novo padrão produtivo internacional.
Os limites deste novo ciclo de acumulação, todavia, tardaram pouco para se manifestar: o aumento da
produtividade do trabalho levou à ampliação do desemprego.
A crise social daí decorrente teve sérias repercussões na própria reprodução do capital (aumento do
custo de manutenção das grandes cidades, custos crescentes decorrentes do esgotamento das reservas
naturais e da destruição do meio-ambiente, violência crescente, etc.) e a única resposta possível foi o
aprofundamento do padrão vigente: as políticas de privatização que marcam o neo-liberalismo nada mais
são que a rapina, pelo capital privado, do capital estatal acumulado nas décadas anteriores. Esta rapina,
não apenas não superou o descompasso entre a crescente produção e a generalização da miséria, como ainda
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Curso “A Crise do Capitalismo”
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tende a intensificá-lo no médio prazo. Ao retirar do Estado várias fontes de recursos e diminuir o seu peso na
economia, diminuiu ao mesmo tempo a sua capacidade para desenvolver políticas compensatórias que
poderiam auxiliar na atenuação momentânea dos efeitos da crise.
É assim que, nos dias em que vivemos, mais do que nunca o capital demonstra a sua desumanidade
fundamental. No contexto da superprodução estrutural, o capital apenas pode se acumular pelo binômio
desenvolvimento tecnológico – desemprego crescente. Desenvolvimento tecnológico para a exploração mais
intensa da força de trabalho e, desemprego crescente, porque esta exploração mais intensa significa menor
necessidade de força de trabalho em um mercado que não se amplia ou, no melhor dos casos, se amplia muito
lentamente. Assim, o desenvolvimento das forças produtivas que, durante toda a história da humanidade,
significou progresso, se converte nos nossos dias em fonte de crescente miséria material e espiritual. Não há
como a humanidade ser mais intensamente alienada: o que nos faz humanos (o processo histórico impulsionado
pelo desenvolvimento das forças produtivas) é, hoje, precisamente o que nos torna desumanos. E esta
desumanidade é a essência da forma como o capital pode absorver em sua reprodução a superprodução que ele
mesmo gera.
O modo comunista de produção
Como dizíamos, o capitalismo não é o única forma para se tratar a superprodução.
A outra forma, é a comunista. A mudança já começa pelo termo: o que é superprodução para o modo de
produção capitalista, para o comunismo é abundância.
Se vivemos em um mundo que já produz mais comida, roupa, moradias, energia, etc. do que o
necessário para o abastecimento de todos, o que falta fazer é colocar toda esta produção à serviço da
humanidade. Todo o produzido, coloca-se em depósitos dos quais todos os indivíduos, indiscriminadamente,
podem retirar tudo o que quiserem, na quantidade que desejarem, quando almejarem. Em uma sociedade em
que a oferta de produtos é superior à demanda – e este é o significado da abundância – o fundamento ontológico
da mercadoria, o valor de troca, não tem as condições históricas para continuar existindo. Se todos podem ter
acesso a tudo o que precisam – e mesmo mais do que precisam – a posse dos produtos deixa de ser poder
econômico para explorar os outros. Quem irá vender sua força de trabalho em troca de casa, roupa, comida,
remédios, etc., se pode ter acesso a tudo isso sem ter que pagar nada em troca? A mercadoria perde o seu
sentido, pois a função social do valor de troca desaparece com a abundância.
Este o primeiro aspecto fundamental da transformação do modo de produção capitalista ao modo de
produção comunista: o que era o problema central, a superprodução, se converte na grande solução para a
humanidade, a abundância.
A abundância gerada pelo capitalismo não é, todavia, a abundância mais adequada à sociedade
comunista. Em primeiro lugar, porque é uma abundância de determinados produtos, muitos dos quais não teriam
sentido em uma sociedade comunista (a indústria bélica, por exemplo). A abundância gerada pelo capitalismo
também não é a adequada ao modo de produção comunista porque é mal distribuída pelo planeta e pelas
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Curso “A Crise do Capitalismo”
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classes sociais. Os países imperialistas concentram a maior parte da produção e do consumo. As classes
dominantes, quase sempre sediadas nos grandes centros urbanos, concentram a maior parte do consumo. O
atual sistema de distribuição, portanto, terá que ser radicalmente transformado.
Por fim, a abundância gerada pelo capitalismo é tão desumana, submete de tal forma e com tal
intensidade o homem ao capital, que mesmo instrumentos banais como um martelo terão que ser re-
configurados. Hoje, o que se considera ao produzir um martelo é qual a melhor forma, distribuição de peso, etc.
que possibilite retirar do trabalhador a maior produção. Se, com o passar do tempo, este mesmo martelo
arrebenta as articulações do cotovelo, é um custo colateral que tem pouquíssima importância para a reprodução
do capital. No comunismo, as pessoas estão acima de qualquer outra consideração no ato de produção, de tal
modo que nem mesmo uma coisa tão simples como o martelo (ou os teclados de computadores) permanecerá o
mesmo quando forem, de fato, colocados à serviço da humanidade.
Uma reconfiguração de tal ordem da estrutura produtiva e distributiva não pode deixar intacta a categoria
central aqui envolvida: o trabalho. Superado o trabalho abstrato, isto é, o trabalho assalariado, as atividades
humanas, todas elas, passam a ter como eixo de gravidade as necessidades humanas. Quais serão estas
necessidades, e como elas serão atendidas, é algo que apenas a humanidade poderá dizer. Isto é o que
significa tomar a história em suas mãos: conscientemente, a humanidade decidirá, das necessidades, quais as
prioritárias e, das possibilidades, quais as melhores para atender às prioridades.
Com a decisão consciente e coletiva, e com o fruto do trabalho à disposição de todos sem qualquer
descriminação, o trabalho passa a ser, na vida cotidiana comunista, apenas e tão somente o que ele é: a
conexão primordial de cada indivíduo com a totalidade do gênero humano. Como não há indivíduo fora de
sociedade, o trabalho se converte, do ponto de vista de cada indivíduo, na sua primeira necessidade. É o que
torna o indivíduo um ser social: participar na produção coletiva dos bens indispensáveis à reprodução da
sociedade. Com todos trabalhando,a jornada de trabalho poderá ser incrivelmente encurtada, não mais do que
umas poucas horas por dia. Na época de Marx, ele imaginava que uma das condições para o comunismo era
uma jornada de trabalho de 48 horas semanais! Hoje, mesmo no capitalismo, não há necessidade de se
trabalhar tanto.
Se o fruto do trabalho já não mais gera o poder econômico que é a base da exploração do homem pelo
homem e, se o que e como será produzido é fruto de uma decisão coletiva, a administração passa a ser algo
muito mais simples e que requer muito menos energia e recursos sociais que hoje. Deixa de ser a administração
das pessoas (ou seja, uma forma de organização da luta de classes, com tudo o que isto implica) para ser "a
administração das coisas e a direção no processo de produção"
6
.
As energias sociais anteriormente despendidas no controle das pessoas (pensemos nos inúmeros
mecanismos de controle e em seus especialistas, no interior de uma fábrica; a quantidade de força de trabalho e
6
Friedrich Engels, Anti-Dühring. Apud, Vladimir Lênin, O Estado e a Revolução. São
Paulo, Hucitec, 1978, pg. 21. Este texto de Lênin, apesar de sua idade, é de uma
atualidade impressionante.
11
Curso “A Crise do Capitalismo”
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recursos inutilmente gastos nos aparelhos repressivos, etc.) serão liberadas para serem empregadas na
produção das coisas, o que reduzirá ainda mais a jornada de trabalho.
Decisão coletiva e consciente da organização da produção; livre usufruto de tudo o que for produzido;
administração das coisas e não mais das pessoas, portanto fim de todos os mecanismos de controle sobre os
indivíduos tanto nos locais de produção quanto na sociedade como um todo. Esta é a sociedade dos
trabalhadores livremente associados. E sua lógica deixa de ser a reprodução ampliada do capital para ser o
tempo disponível: a produção passará a ter como critério fundamental quantas horas estaremos dispostos,
coletivamente, a dedicar de nossas vidas à produção do que iremos consumir
7
. Ou, em outras palavras, a partir
da abundância, o que significa que as necessidades básicas de todos estão plenamente atendidas, a questão
decisiva na organização da economia deixa de ser o reino da necessidade para ser a liberdade: quantas horas
de tempo disponível para a liberdade será indispensável para a nova forma de ser dos homens? Quanto tempo
por semana estaremos dispostos à dedicar ao trabalho?
Quase nada restará da sociedade que conhecemos. O comunismo será uma sociedade que é tão
diferente da nossa quanto o somos das sociedades primitivas. Uma sociedade em que não conhece o valor de
troca verá o dinheiro apenas nos museus; uma sociedade que há poder do homem sobre o homem e que,
portanto, não possui polícia, nem judiciário, nem vigilantes, nem fechaduras, nem exércitos e nem países; uma
sociedade em que o trabalho se converteu na primeira necessidade humana desconhece o que seja trabalho
forçado pelo poder econômico de uma classe sobre a outra.
Como resultado desta organização livre e consciente do trabalho, a própria esfera da distribuição será ao
mesmo tempo muito mais complexa e simples. Complexa porque os indivíduos agora não mais terão as suas
necessidades padronizadas pelos processos alienantes do capitalismo – pela propaganda, para ficarmos apenas
no exemplo mais gritante -; mais complexa porque uma humanidade mais livre produzirá demandas muito mais
diferenciadas em cada local do planeta. E ainda mais complexa porque a produção de novas necessidades (o
"primeiro ato histórico dos homens", em A Ideologia Alemã) ocorrerá em escala muito mais ampla e intensa
quando a humanidade não encontrar no capital seu limite histórico.
Todavia, esta distribuição muito mais complexa será, também, muito mais simples.
Não mais haverá necessidade de qualquer forma de controle do que cada indivíduo retirará da riqueza
comum e, por outro lado, como o produto é agora apenas valor de uso e não traz com ele nenhum poder de
domínio sobre os outros indivíduos, não terá o menor sentido as pessoas pegarem mais do que necessitam.
Qual a utilidade de se ter 200 calças no guarda-roupa se elas não mais servem como valor para a compra de
força de trabalho? A distribuição será o complexo processo de distribuir espacialmente o produzido para atender
às necessidades de cada indivíduo e, não mais um processo de controle dos indivíduos enquanto tais.
Em uma sociedade comunista, por fim, não mais terá sentido a separação da humanidade em países.
Esta forma de controle social e de regulamentação da circulação de capital será absolutamente anacrônica. A
7
István Mészáros, op. cit., pp. 934 e ss.
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humanidade terá as peculiaridades históricas dos povos que a compõem desenvolvidas pelo rico processo de
intercâmbio em um mundo que não conhece as barreiras artificiais chamadas fronteiras.
Não vamos abordar, aqui, a questão que é certamente a mais urgente: como fazer-se a transição da
sociedade capitalista à comunista. Há uma lição da história do século XX que não poderá ser de modo algum
esquecida: todas as tentativas de controle do capital através da posse do aparelho estatal, isto é, pela mediação
da política, fracassaram rotundamente. Tanto na vertente soviética quanto na vertente socialdemocrata, os
exemplos demonstram o acerto da previsão marxiana segundo a qual o capital pode ser destruído, controlado
jamais. E a destruição do capital é, nem mais nem menos, a destruição da mercadoria, portanto do dinheiro, do
poder do homem sobre o homem. Este é o único conteúdo possível da única ruptura viável com o modo de
produção capitalista: a revolução comunista.
O que nos importa, para concluirmos esta nossa intervenção, é que a proposição da sociedade
comunista por Marx está articulada a uma concepção ontológica muito precisa. Como sobre isto nos detivemos
em "Lukács: por que uma ontologia no século XX?"
8
, apresentado no I Colóquio Marx e Engels, aqui apenas
faremos menção aos pontos mais importantes:
1) em primeiro lugar, a absoluta historicidade do ser em geral. Não há nada, rigorosamente nada, que
não seja um processo. Nada há no universo que não seja processual. Se é um processo, significa que é um
sequência de transformações que conduzem de um estado a outro, de uma situação a outra, de um ente a outro,
conforme o caso. Se tudo é processual, a essência, aqueles elementos de continuidade que particularizam cada
processo enquanto tal, é também rigorosamente histórica.
2) se a essência é histórica, ela é parte movida e movente da história. Significa que a essência de cada
ente é parte da história, ela surge e desaparece no curso da própria história do ente do qual é essência. Para a
reprodução do mundo dos homens, esta tese ontológica rigorosamente universal se particulariza pela afirmação
que a essência humana é o conjunto das relações sociais. Ela não precede a história dos homens, nem ocupa o
lugar dos homens na determinação da história humana: ela é resultante da síntese em totalidade dos atos dos
indivíduos concretamente determinados pela história. Esta síntese, em um pólo, é a personalidade de cada
indivíduo; no outro pólo, o gênero humano em sua dimensão a mais universal. Entre estes dois pólos, todas as
esferas e complexos particulares que compõem o mundo dos homens.
3) Se a essência humana é o conjunto das relações sociais, ela não pode representar o limite máximo do
desenvolvimento da humanidade. Se a humanidade produz novas relações sociais – mais ainda, se é capaz de
passar de uma sociabilidade a outra conforme transita de um modo de produção a outro – a essência humana
também passa por uma transformação semelhante. A humanidade, portanto, é o único limite para o seu próprio
desenvolvimento; as barreiras naturais poderão ser afastadas indefinidamente sem jamais desaparecem,
certamente.
8
Sergio Lessa, "Lukács: por que uma ontologia no século XX?". In: Armando Boito et
alli(orgs.), A obra teoria de Marx, São Paulo, Xamã, 2000.
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Curso “A Crise do Capitalismo”
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4) Isto significa uma nova e radical concepção da história dos homens, do papel dos indivíduos nesta
história, da determinação da produção material sobre as outrasesferas sociais, para ficarmos apenas com alguns
dos tópicos mais importantes, que Marx não poderia desenvolver de nenhum das concepções de mundo que
conheceu.
Como tentei argumentar no I Colóquio Marx e Engels, dos gregos, tal concepção de mundo não poderia
ser retirada, pois foram eles que, milhares de anos atrás, fundaram a concepção que associada essência e
eternidade. A concepção a-histórica da essência já está presente, com todas as letras, em Parmênides.
Dos pensadores medievais, muito menos. Além de terem identificado essência à eternidade,
converteram esta essência eterna no Deus demiurgo de todo o universo.
Os homens, pela sua essência de criaturas, sofreriam mais do que fariam a história. Dos pensadores
modernos, tal concepção absolutamente histórica não poderia sair.
Para eles, ser racional e ser proprietário privado eram determinações essenciais dos próprios homens.
Mais ainda, a racionalidade essencial dos homens era a que reconhecia a racionalidade da propriedade privada.
Ser humano era ser proprietário privado e racional. A sociedade mais desenvolvida possibilitaria que esta
essência humana se manifestasse livremente, sem obstáculos, mas não seria capaz de alterar sequer um átomo
desta essência porque, tal sociedade mais desenvolvida seria, ela própria, resultante do movimento desta
mesma essência. De Locke a Rousseau e, mutatis mutandis, Hegel, estão todos neste mesmo patamar.
Não resta, portanto, a Marx, senão elaborar uma nova, radicalmente nova, concepção de mundo. Única
e original. A superação do capitalismo, a forma mais desenvolvida possível da sociedade de classes, requer a
superação ideológica de todas as concepções de mundo que tais sociedades foram capazes de produzir. Nisto
esta em grande parte a contribuição de Marx para a humanidade: uma teoria social que é, ao mesmo tempo,
uma concepção filosófica única e uma proposta rigorosamente universal de emancipação da humanidade.
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2º Texto - Beyond Capital: Estado e Capital9
- Sérgio Lessa
Depart. de Filosofia da UFAL, membro das editorias das revistas Crítica Marxista e Práxis.
Beyond Capital: Estado e Capital
Para um amplo setor do Serviço Social, aquele tem por referência as chamadas obras com «intenção de
ruptura», o debate acerca das políticas públicas tem, de algum modo, como pano de fundo uma perspectiva
revolucionária. Na maior parte das vezes ela é indicada por eufemismos, tipo «transformação radical da
sociedade», outras vezes é citada explicitamente como busca por uma «sociedade emancipada» ou «socialista».
O Código de Ética da profissão, como demonstrou Lúcia Barroco em sua tese de doutoramento(Barroco,1997),
tem na superação do capitalismo um dos seus referenciais mais importantes.
Nenhuma profissão é um todo homogêneo e, entre os assistentes sociais, há disparidades entre a sua
liderança intelectual e os setores mais diretamente envolvidos com o ensino ou com a atuação no interior dos
órgãos estatais. Há, ainda, a presença de uma vertente mais conservadora, que adota os limites do capital por
horizonte histórico — contudo, apesar de todos esses problemas, além do Serviço Social, qual outra profissão
traçou como finalidade, expressa no seu Código de Ética, a superação do capitalismo?
Uma outra peculiaridade do Serviço Social no interior das Ciências Sociais está no fato de, por sua
própria natureza, possuir uma articulação muito íntima com as, assim denominadas, «políticas públicas». É no
espaço estatal, predominantemente, que o Serviço Social vai se desenvolver e atuar com maior expressão, o
que coloca para o conjunto da profissão, o difícil — e, em certo sentido, rico — problema de como articular,
numa práxis socialmente viável, o Estado e suas políticas públicas com uma atuação que adota por horizonte a
emancipação humana. A convivência quotidiana com essa questão faz do Serviço Social um palco privilegiado
para a discussão do papel do Estado na sociedade contemporânea, da relação possível do Estado com os
projetos emancipatórios e, por fim, do caráter do espaço porventura existente no interior do Estado para a
acumulação de forças sociais visando uma transformação revolucionária da sociedade.
É ao coração dessa questão que se dirige o presente artigo, com o único objetivo de chamar a atenção
para a importância do último livro de István Mészáros, Beyond Capital. Certamente, Beyond Capital nem tem o
Serviço Social por tema, nem mesmo as questões específicas da sua prática profissional são lá mencionadas.
Contudo, Mészáros realiza algumas reflexões acerca da relação entre Estado e capital às quais, me parece, o
Serviço Social deveria prestar alguma atenção.
1. A natureza do capital e o seu caráter destrutivo
9
Publicado em Serviço Social e Sociedade, v. 56, pp. 135-151, Ed.Cortez, São Paulo, 1998.
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Beyond Capital possui dois pilares conceituais decisivos. O primeiro, retirado diretamente da leitura que
faz de Marx, diz respeito à natureza do capital enquanto modo totalizante de controle da reprodução social. O
segundo se refere à essência destrutiva do capital, que Marx teria conhecido numa forma muito menos
desenvolvida do que a que convivemos nesse século. Vamos a cada um desses pilares. Mészáros, após Marx,
vai definir o capital como algo muito além de uma mera relação de poder entre a burguesia e os trabalhadores, a
qual poderia ser extinta com a «expropriação dos expropriadores». Argumenta que, mais que poder, o capital é
uma forma historicamente peculiar de controle do metabolismo social. Segundo ele, «As condições necessárias
de todas as formas desenvolvidas concebíveis da relação-capital /.../ são: 1) a separação e alienação das
condições objetivas do processo de trabalho do próprio trabalho; 2) a superimposição de tais condições
objetivadas e alienadas sobre os trabalhadores enquanto um poder separado exercendo comando sobre o
trabalho; 3) a personificação do capital enquanto um ‘valor egoísta’ /.../ [enquanto] estrutura internalizada [pelas
subjetividades] da finalidade de realizar os imperativos expansionistas do capital /.../; e, 4) a equivalente
personificação do trabalho /.../ que confina a identidade-de-sujeito (subject-identity) desse ‘trabalho’ às suas
atividades produtivas fragmentárias.» (Mészàros,1995:617)
As duas primeiras condições não são exatamente novidades: a submissão do trabalho vivo ao trabalho
morto, a produção pelo trabalho de uma riqueza a ele alienada
10
e que o subsume sob a forma da relação
capital-trabalho abstrato. Nessa estrutura produtiva, a alienação do trabalho se manifesta, também, pela
presença de um «comando sobre o trabalho» que se afirma enquanto um «poder separado» tanto do trabalhador
como do próprio processo de trabalho: o que e o como será produzido é determinado por forças que não
emanam nem da atividade produtiva estrito senso, nem do trabalhador diretamente envolvido.
A terceira condição necessária para a existência do capital, assinala Mészáros, é que a sua reprodução
implica na produção histórica de «personificações do capital», ou seja, de pessoas que, enquanto
individualidades e enquanto classe, assumem como finalidade de suas vidas, como sentido de suas existências,
os valores e fins que expressam as necessidades do processo de reprodução ampliada do capital. A forma
clássica dessa personificação tem sido, até agora, a figura do proprietário privado (concebido por Mészáros nos
moldes da contraposição entre citoyen e bourgeois exposta por Marx em A questão judáica).
Contudo, essa forma, por ser clássica, está longe de ser a única: as sociedade «pós-revolucionárias»,
todas elas, da URSS à China, deram origem a uma nova forma de personificação do capital sob a forma de uma
burocracia dirigente que se apoderou do poder do Estado
11
.
10
Entre os marxistas brasileiros, carecemos ainda de uma padronização adequada para a tradução do binômio
Entäusserung/Entfremdung. Alguns preferem a alternativa alienação/estranhamento; outros
exteriorização/alienação, respectivamente. Nesse artigo, tendo em vista maior clareza para o leitor não
especializado, optamos pela segunda alternativa. Assim, utilizaremos alienação no sentido negativo da produção
social de desumanidades.
11
«O capital pode /.../ mudar a forma de sua regência desde que essas quatro condições básicas — que são
constitutivas de seu ‘sistema orgânico’ e compatíveis com todos os tipos de transformação de detalhes sem
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A personificação do capital tem, como sua contrapartida necessária, a «personificação do trabalho», ou
seja, a interiorização de valores e finalidades que refletem as necessidades do capital ‘do ponto de vista do
trabalho’. Como o capital é a condição necessária e indispensável para a realização do trabalho abstrato, o
trabalhador, que constrói sua identidade polarizada pelo seu papel de vendedor de força de trabalho, não terá
como deixar de assumir, como suas necessidades, as condições indispensáveis para a reprodução do próprio
capital. A consciência reificada dos trabalhadores, tomando a aparência por essência, concebemo trabalho
apenas e tão somente como trabalho abstrato, e como não há trabalho abstrato sem capital, deduzem serem
capital e trabalho «parceiros» de uma mesma empreitada. Como sem a fábrica não há trabalhadores fabris,
entendem a defesa da última como a defesa de si próprios. É a defesa, pelo trabalhador, da extração da mais-
valia; em outras palavras, é o máximo da alienação concebível.
E por essa mediação que, se o metabolismo social regido pelo capital produz personificações do capital,
produz também o seu corolário necessário, personificações do trabalho abstrato. Nas palavras de Mészáros,
como o capital é um processo cuja essência é a «circularidade perversa /.../ [pela qual] o trabalho enquanto
trabalho objetivado e alienado se transforma em capital e, enquanto personificação do capital, confronta, assim
como domina, o trabalhador /.../[,] o poder que domina o trabalhador é, de forma circular, o próprio poder do
trabalho social transformado, que assume uma ‘forma fantasiada/travestida’ e funda a si próprio na ‘situação
fetichizada na qual o produto é o proprietário do produtor’.»(Mészáros,1995:607)
Esse «círculo vicioso», pelo qual as potências sociais do trabalho são dele alienadas no próprio ato da
sua reprodução, faz com que o sistema do capital se constitua em uma verdadeira «causa
sui»(Mészáros,1995:610): sua essência está na sua própria reprodução ampliada, sua existência repousa em
sua própria dinâmica e não em nenhuma outra causa externa à sua própria lógica. Nesse preciso sentido, o
capital consubstancia uma autêntica e verdadeira «causa sui»: muito mais que uma forma de poder entre os
homens, o capital é um modo sóciometabólico de controle social. A esfera do poder se desdobra entre as
«personificações» do capital e as do trabalho abstrato — e, por isso, a destruição de uma das formas
particulares dessas personificações não é condição suficiente para a superação do capital.
Faz parte da essência do capital, continua Mészáros, submeter à sualegalidade todas as relações
sociais com que se defronta. Essa sua lógica expansionista que, em contato com outras formas de sociabilidade,
as destroi para submetê-las às sua reprodução ampliada, faz parte do essencial de sua história desde as feiras
medievais até à globalização dos nossos dias. Sempre que ocorrer o confronto entre o capital e um complexo
social pré-capitalista desdobrar-se-á uma luta de morte entre o «velho» e o «novo», na qual as contradições
antagônicas que brotam desse confronto tenderão sempre a destruir um dos pólos. Até hoje, com uma ou outra
mediação, o resultado tem sido a vitória do capital.
Nas palavras de Mészáros, o «capital enquanto tal nada mais é que uma dinâmica, um modo e meio de
mediação reprodutiva que a tudo abarca e domina /.../. É um sistema claramente identificável de mediações o
alterar sua substância — não sejam radicalmente superadas pela formação de um sistema orgânico alternativo,
genuinamente socialista.»(Mészàros,1995:617)
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Curso “A Crise do Capitalismo”
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qual, nas suas formas adequadamente desenvolvidas, subordina estritamente todas as funções sócio-
reprodutivas — das relações de gênero e de família às relações materiais de produção, e até mesmo a criação
de obras de arte — à exigência absoluta da expansão do capital, isto é, da sua própria expansão contínua e
reprodução ampliada enquanto um sistema sócio-metabólico de mediação.»(Mészàros,1995:117)
Essa tendência expansiva do capital encontra em seus limites intrínsecos obstáculos intransponíveis à
sua perenidade. O desenvolvimento do capital, de forma necessária, termina, sempre segundo Mészáros, por
produzir os seus próprios e insuperáveis limites, de tal modo que sua expansão é, também, a ampliação
extensiva e intensiva do caráter destrutivo, perdulário, de sua própria essência. Esse seu caráter essencialmente
auto-destrutivo hoje se manifesta de forma plena e explícita sob a forma do dilema: ou a humanidade supera o
capital, ou terá que enfrentar ameaças crescentes à sua própria sobrevivência.
A afirmação por Mészáros da existência de «limites absolutos» à expansão do capital será,
provavelmente, um dos pontos mais polêmicos dessa sua obra. Em primeiro lugar, porque uma concepção
aparentemente mas só aparentemente — semelhante teve conseqüências nefastas para o movimento
revolucionário nesse século. Para sermos breves, lembremos das teorias catastrofistas da III Internacional que
previram sucessivos colapsos da ordem capitalista, bem como das equivocadas estratégias e táticas
revolucionárias que ocasionaram. Tornou-se como que senso comum, após esses anos todos de adaptação do
capitalismo às novas condições históricas, a afirmação da inexistência de limites à expansão do capital — a não
ser aquele limite socialmente imposto pela afirmação hegemônica de um projeto socialista.
Mészáros vai argumentar o equívoco dessas duas concepções. A primeira, da III Internacional, por não
ser capaz de identificar os reais limites à expansão do capital (fundamentalmente por ser, a própria III
Internacional, expressão da afirmação histórica de uma nova forma de regência do capital, aquela que se
explicitou na URSS); e, a segunda, por negar a existência de tais limites. Segundo Mészáros, o caráter
crescentemente destrutivo da produção capitalista, a intensificação da obsolescência planejada, a cada vez mais
intensa perdularidade do capital no trato dos recursos naturais e sociais se chocam, de modo escandaloso, com
o fato de sermos uma humanidade finita, que habita um planeta finito, com recursos finitos e com um equilíbrio
ecológico cada vez mais ameaçado. É inconcebível que possamos, ad infinitum, desconsiderar os limites
planetários e sociais à expansão da produção e do consumo e, por tabela e com urgência ainda maior, que
possamos desconsiderar a perdularidade do atual modo de produção (perdularidade, como veremos, que chega
ao absurdo de desperdiçar de modo criminoso não apenas os recursos naturais, mas inclusive pessoas sob a
forma de força de trabalho excedente).
Com base nessa constatação, Mészáros propõe seu tertium datur: a expansão do capital produz seus
próprios limites, que atuam enquanto tais, isto é, enquanto limites, na sua reprodução cotidiana. Eles delimitam o
horizonte de possibilidades no interior do qual o capital pode manobrar no sentido de deslocar suas contradições
antagônicas. O deslocamento, pelo capital, dos seus limites a patamares superiores não significa que eles não
existam, nem que não atuem, enquanto limites. Significa, apenas, que podem ser realocados de modo a
possibilitar a reprodução ampliada do capital por mais algum tempo. Contudo, isso a um preço crescente (com
uma taxa decrescente de acumulação) e com a tendência de cada deslocamento cria um esquilíbrio cada vez
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Curso “A Crise do Capitalismo”
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mais efêmero e instável, de tal modo que cada deslocamento significaria, também, uma aproximação aos limites
de expansão do próprio capital.
Para Mészáros, em suma, o deslocamento dos limites absolutos do capital não significa a inexistência
deles, mas apenas uma reconfiguração do sistema global que os eleva a patamares superiores de sociabilidade
— com a conseqüente agudização das contradições fundamentais da sociabilidade regida pelo capital.
Não é aqui o local para discutirmos essa tese de Mészáros, poi exigiria muito mais que um artigo
panorâmico de algumas das passagens centrais de Beyond Capital. Assinalaremos, apenas, que ela se
desdobra no interior de uma concepção ontológica que, a meu ver, é típica da vertente que, no marxismo
contemporâneo, é balizada pela articulação Marx-Lukács: a historicidade da essência (portanto, a rejeição in
limine de toda «natureza humana» a-histórica, como quer o liberalismo), o reconhecimento da peculiaridade
qualitativa da totalidade frente à particularidade (com a recusa de toda concepção mecanicista e estruturalista), o
reconhecimento do ser social enquanto causalidade posta pela práxis social (com o rompimento com as
concepções que não conseguem reconhecer o caráter ativo da subjetividade na história dos homens). Essa
continuidade entre Mészáros e Lukács de modo algum é indiscutível. Talvez — vale a pena sublinhar — o
próprio autor de Beyond Capital não a veja dessa forma.
Contudo, sem entrar ainda nessa polêmica, vale assinalar que essa concepção categorial mais geral de
Mészáros torna a sua tese acerca da existência de limites absolutos à expansão do capital em tudo e por tudo
distinta das teorizações aparentemente semelhantes que podemos encontrar em outros autores do nosso
século. Segundo ele, a aproximação do capital aos seus limites históricos resulta, hoje, na manutenção de uma
crise estrutural que assumiu, num primeiro momento (a dos anos cinqüenta e sessenta), a forma do Welfare
State e, num segundo momento, nos anos setenta até hoje, a forma de um «continunn de depressão»
(«depressed continunn») que tende a abolir até mesmo os mecanismos de controle das crises da etapa anterior.
Numa evidente oposição às teorias que, hoje, procuram idealizar os «anos dourados», produzindo uma imagem
do Welfare State enquanto período de apogeu da democracia e de segurança econômicas, Mészáros demonstra
que tanto hoje, como no pós-guerra, o gargalo da reprodução ampliada do capital era o mesmo: a
impossibilidade de, mantido o atual metabolismo social, ampliar o consumo na mesma amplitude com que se
desenvolve as forças produtivas. A saída encontrada pelo capital foi composta por três movimentos principais,
entre si complementares. Em primeiro lugar, ampliar o consumo pela estruturação de um mercado consumidor
de massas que teve no Welfare State sua necessária regulamentação política. Em segundo lugar, intensificar o
caráter destrutivo e perdulário do sistema pela adoção de uma escandalosa estratégia de obsolescência
planejada, de tal modo a amplia a venda pela redução do consumo das mercadorias (joga-se fora uma geladeira
ainda nova, compra-se roupas desnecessárias, etc.). Do ponto de vista do capital, a rigor há uma identidade
funcional entre consumo e destruição: uma vez vendida, o ideal seria que a mercadoria fosse imediatamente
destruída para dar lugar a uma nova compra. A intensificação da «obsolescência planejada» no pós-guerra
intensificou essa tendência de aproximação funcional entre consumo e destruição dos produtos sociais — e, no
seu limite, chegou mesmo a identificá-las em setores econômicos da maior importância, ainda que específicos,
como o Complexo Industrial Militar.
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Curso “A Crise do Capitalismo”
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Certamente a generalização para toda a sociabilidade da identificação entre consumo e destruição, tal
como ocorre com o Complexo Industrial Militar é uma absoluta impossibilidade. No complexo Industrial Militar tal
identificação possibilitou o deslocamento de dois dos mais significativos entraves para a expansão do capital.
Por um lado, liberta a produção dos limites do mercado consumidor: ao produzir novas armas, no contexto da
Guerra Fria, está garantido o mercado consumidor composto pelo Estado. Em segundo lugar, essas armas são
compradas para não serem utilizadas, pois sua utilização implicaria naextinção da humanidade. Elas se realizam
enquanto mercadorias não pelo consumo, mas pela sua venda: consumo zero com compra máxima! O
Complexo Industrial Militar, segundo Mészáros, possibilitou ao capital deslocar para um patamar superior dois
dos maiores obstáculos à sua expansão no pós-guerra: ampliou o consumo sem necessariamente ampliar o
mercado consumidor, e submeteu a demanda à produção, já que o mercado bélico é, não mais o consumidor
individual, mas sim o Estado que opera através de encomendas e contratos de longo prazo.
Esse é um dos resultados surpreendes de Beyond Capital. Longe dos «anos dourados», argumenta que
o Welfare State seria a primeira forma da crise estrutural em que o capital está mergulhado desde o
pósguerra(Mészàros,1995:53). É por isso que, ao lado de «políticas públicas» que deixam alguns saudosos, vale
lembrar que foi o Welfare State que produziu desde o macarthismo nos EUA ao gaullismo na França, momentos
de repressão política intensa no interior de países constitucionalmente democráticos; que foi na sua vigência que
ocorreu o renascimento da tortura como instrumento de perseguição política mesmo nos países democráticos
centrais, para não falar na periferia do sistema (Millet, 1994); e para terminar uma lista que poderia ser mais
longa, foi também contemporâneo ao planejamento em larga escala, com investimentos vultuosos (mais
vultuosos que em qualquer outro setor econômico considerado isoladamente), da destruição nuclear da
humanidade. E as «políticas públicas», ao fim e ao cabo, visavam não uma sociedade mais justa, mas sim a
incorporação dos trabalhadores a um mercado consumidor cuja expansão fazia parte da lógica mais global da
reprodução destrutiva do sistema do capital.
Ainda que amplo e profundo, o deslocamento das contradições pelo Welfare State demonstrou ter vida
curta, conduzindo na década de setenta e oitenta ao segundo momento da crise estrutural do capital, não
apenas com a desmontagem do Welfare State, mas também com a dissolução do outro sistema do capital
contemporâneo, o das sociedades pós-revolucionárias (URSS, etc.).
Mais uma vez, o que está no fundo dessa argumentação de Mészáros é a velha (e boa) concepção
marxiana segundo a qual a tendência do capital à expansão nada mais é, ao fim e ao cabo, que a tendência à
expansão de riqueza humana alienada, — e, nesse sentido, é uma tendência à expansão, intensiva e extensiva,
da destrutividade das relações sociais. Ao ampliarem suas forças produtivas sob a regência do capital, os
homens terminam por ampliar também sua desumanidade, o que se expressa concentradamente, hoje, na
ampliação de suas capacidades de autodestruição. Não apenas pela produção de armas de destruição maciça,
mas também pela destruição mais danosa para a humanidade: a de individualidades reduzidas à força de
trabalho excedente. Reprodução do capital e produção destrutiva se tornaram, para Mészáros, hoje sinônimos; e
essa tendência expansionista do capital e, por conseqüência, à potencialização da sua destrutividade e da sua
perdularidade são essencialmente incontroláveis. O capital só existe sob essa forma de expansão; o capital é
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Curso “A Crise do Capitalismo”
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essa dinâmica expansionista e tende a submeter à sua legalidade todas as relações sociais, sejam elas quais
forem. Em sendo assim, por mais que seja possível deslocar as contradições e prolongar no tempo o padrão
reprodutivo do capital, «/.../ no sistema do capital toda ‘harmonização’ só pode assumir a forma de um
balanceamento temporário — e nunca de uma verdadeira resolução — do conflito. /.../ O axioma bellum omnium
contra omnes é o modus operandi insuperável do sistema do capital. Pois, enquanto um sistema sócio-
metabólico de controle ele é antagonisticamente estruturado da menor à mais abrangente unidade política e
sócio-econômica. /.../»(55) A intensificação das contradições inerentes ao sistema do capital, com a sua
crescente destrutividade, à medida em que o capital se aproxima de forma cada vez mais aguda aos seus limites
absolutos, causou, segundo Mészáros, uma profunda modificação na relação entre o Estado e a sociedade. A
complexificação da reprodução social, com o surgimento de novos complexos mediadores, com a tendência à
crescente diversificação interna das classes sociais, etc., resultou na intensificação do papel econômico do
Estado — e não, como querem outros, na ampliação do espaço de autonomia do Estado frente às classes
sociais.
Em poucas palavras, para Mészáros, se na época de Marx o Estado era o comitê executivo das classes
dominantes, hoje ele é uma mediação economicamente indispensável para a reprodução ampliada do capital.
Com isso chegamos ao momento de Beyond Capital que tomamos por objeto desse artigo: a relação entre
Estado e capital.
2- Estado e Capital
Na exposição da tese de Mészáros acerca da relação entre Estado e capital, um dos possíveis pontos de
partida é sua afirmação segundo a qual o Estado não pode ser concebido como uma superestrutura, nos moldes
da clássica contraposição entre infra e superestrutura no marxismo contemporâneo. Tal como no passado, o
Estado continua como assegurador da propriedade e como instrumento para colocar os pobres a trabalhar.
Contudo, continua, «A radical diferença é /.../ [que] o Estado capitalista deve agora assumir um papel
intervencionista direto em todos os planos da vida social, ativamente promovendo e administrando o consumo
destrutivo e a dissipação da riqueza social numa escala monumental. Pois sem tal intervenção direta no
processo sóciometabólico, não mais em situações de emergência mas de forma contínua, não pode ser mantida
em existência a extremada capacidade de desperdício do sistema capitalista.»(Mészáros,1995:600 e 623).
Essa intervenção global do Estado em todos os setores da vida social cumpre a importantíssima função
de evitar a fragmentação do sistema do capital pela ação das tendências centrífugas que lhe são inerentes
12
.
Sempre segundo Mészáros, essas tendência brotariam, em primeiro lugar, do fato de a «produção e seu
controle /.../[serem] radicalmente separadas, de fato, diametralmente opostos, um ao outro.»(Mészáros,1995:48)
12
«O Estado moderno vem a ser na sua específica modalidade histórica, sobretudo para exercer um controle
global (comprehensive) sobre as incontroláveis forças centrífugas que emanam das separadas unidades
produtivas do capital enquanto um sistema reprodutivo social antagonicamente estruturado.»(Mészáros,1995:50)
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Para Mészáros, sem a atuação do Estado, hoje, «até mesmo o menor ‘microcosmos’ — antagonicamente
estruturado — do sistema do capital seria internamente rompido pela disputa constante, nulificando desse modo
sua eficiência econômica potencial.»(Mészáros,1995:50)
A segunda fonte de tendências que tendem a desarticular o sistema do capital está em que, pela sua
própria dinâmica, «/.../ produção e consumo adquirem uma independência extremamente problemática e uma
existência separada»(Mészáros,1995:48), de tal modo que as necessidades humanas cada vez mais deixam de
ser o referencial para a produção. Produz-se o que possibilita a maior acumulação de capital, e não o que é
humanamente necessário — e, na esfera da circulação, essa contradição se manifesta gerando uma absurda
justaposição ente o «sobreconsumo» destrutivo e perdulário e a «negação inumana das necessidades
elementares de incontáveis milhões.»(Mészáros,1995:48) Frente à essa contradição essencial ao capital, «/.../ o
papel totalizante do Estado moderno é fundamental. Ele deve sempre ajustar suas funções regulatórias /.../
complementando politicamente e reforçando a dominação do capital contra as forças que poderiam ousar
questionar as brutais iniquidades de distribuição e consumo. Além disso, o Estado também deve assumir a
importante função de comprador/consumidor direto numa escala sempre
crescente.»(Mészáros,1995:52)
E, em terceiro lugar, «Uma das mais óbvias e, ao fim, mais intratáveis contradições, continua Mészáros,
é que historicamente a estrutura de comando política do sistema do capital», bem como a moldura no interior da
qual são possíveis as medidas paliativas de deslocamento das contradições, são articuladas «na forma de
Estados nacionais, apesar de /.../ esse sistema [o do capital] não poder concebivelmente ser confinado a esses
limites.»(Mészáros,1995:53)
Em suma, para Mészáros, caberia ao Estado, antes de mais nada, contrarrestar as tendências
centrífugas que emergem dos três níveis de contradições do sistema do capital acima indicados. Sem o Estado,
tais contradições gerariam tendências à fragmentação que não seriam compensadas por tendências opostas no
curso da reprodução social, levando à desagregação da sociabilidade sob a regência do capital. Nesse sentido
preciso, o Estado é essencial à própria existência do capital. Como o capital é «incapaz de funcionar sem uma
estrutura de comando adequada», continua Mészáros, «/.../ seria muito desencaminhador descrever o próprio
Estado como uma superestrutura. Já que o Estado constitui a totalizante estrutura de comando político do capital
— a qual é absolutamente vital para a sustentabilidade material do sistema como um todo — ele não pode ser
reduzido a um status superestrutural.
Antes, o próprio Estado enquanto uma estrutura de comando compreensiva tem sua própria
superestrutura — apropriadamente denominada por Marx como ‘a superestrutura política e legal’ — tal como as
próprias estruturas reprodutivas diretamente materiais têm as suas próprias dimensões superestruturais. (Por
exemplo, as teorias e práticas de ‘relações públicas’ e ‘relações industriais’, ou a assim denominada
‘administração científica’, originada na iniciativa capitalista de Frederic Winslow Taylor).»(Mészáros,1995:59)
Não é necessário muito para que se perceba a novidade que essa tese representa, ao menos no debate
contemporâneo. Até agora, de modo geral, a relação economia-Estado era concebida tendo por mediação as
22
Curso “A Crise do Capitalismo”
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classes sociais. Algo como se entre a esfera da reprodução material e as relações políticas se interpusessem as
classes sociais e as suas lutas.
Tanto o marxismo vulgar, como até mesmo pensadores da estatura de um Lukács maduro (penso aqui
especialmente em Para uma Ontologia do Ser Social) de algum modo compartilharam dessa concepção. Se
Mészáros estiver com a razão, contudo, o Estado seria um elemento estrutural da própria reprodução ampliada
do capital — como vimos, uma autêntica causa sui que impõe ao metabolismo social a sua qualidade específica.
Em sendo assim, os elementos superestruturais do Estado (a política e o direito) representariam as exigências e
as necessidades imanentes ao capital em cada momento de sua história, se relacionando com as classes sociais
à medida em que todas elas seriam personificações ou do trabalho vivo (do trabalho abstrato) ou do trabalho
morto (do capital). Com essa leitura de Marx, Mészáros supera, por um lado, as concepções dicotômicas,
dualistas, que entendem capital e Estado como duas esferas mais ou menos independentes; e, de outro lado,
aquelas que tendem a reduzir o Estado à mero comitê executivo das classes dominantes. Nem o Estado é
independente do capital, nem representa direta e exclusivamente os interesses da classe dominante: ele
expressa as necessidades globais da manutenção da reprodução do metabolismo social regido pelo capital.
Mais uma vez, em que pese a tentação, não podemos nos alongar nem na exposição nem na discussão
dessa tese de Beyond Capital. O que a nós importa, para a continuidade desse artigo é que, dessa concepção
do Estado enquanto mediação infraestrutural do sistema do capital, Mészáros retira duas conseqüências da
maior importância para o debate no Serviço Social.
Em primeiro lugar, do ponto de vista teórico-metodológico, por ser o Estado uma mediação infraestrutural
do sistema do capital, «é futilidade desperdiçar tempo tentando tornar inteligível a especificidade do Estado em
termos da categoria da ‘autonomia’ (especialmente quando a noção é espichada para significar ‘independência’),
ou da sua negação. O Estado, enquanto uma estrutura abrangente de comando político não pode ter autonomia,
em qualquer sentido, do sistema do capital, já que é com este inestrincavelmente uno. Ao mesmo tempo, o
Estado está muito longe de poder ser redutível às determinações que emanam diretamente da funções
econômicas do capital.»(Mészáros,1995:60) O Estado nem é autônomo ao capital, nem é redutível às suas
«funções econômicas», em primeiro lugar por ser ele a estrutura global de comando do sistema do capital não
podendo, portanto, ser dele autônomo, muito menos independente
13
; e, em segundo lugar, e no sentido que ele
deve contrarrestar as tendência centrífugas que emanam das «funções econômicas do capital», não podendo
por isso ser redutível à elas
14
.
13
«Seria um grande erro, no entanto, igualar o Estado enquanto tal com a estrutura de comando do sistema do
capital.»(Mészáros,1995:64) Pois, «/.../ o capital enquanto tal é ele próprio sua própria estrutura de comando da
qual a dimensão política é uma parte integral, ainda que de nenhum modo uma parte subordinada. Novamente
aqui nós podemos enxergar a manifestação prática da reciprocidade dialética.»(Mészáros,1995:64)
14
«O Estado moderno — enquanto estrutura abrangente de comando do capital — é tanto o pré-requisito
necessário para a transformação das unidades primariamente fragmentadas em um sistema viável do capital, /.../
[como também é] a estrutura dominante para a completa articulação e manutenção /.../ [do capital] enquanto um
23
Curso “A Crise do Capitalismo”
CEPIS/ENFF/Depto. De Jornalismo da PUC
Tanto é assim, conclui Mészáros, que não apenas o capital é impensável sem o Estado moderno
15
, como
também «o próprio Estado, em si mesmo, é inconcebível sem o capital enquanto sua fundação
sóciometabólica.»(Mészáros,1995:65) Entre o Estado e a sociedade civil regida pelo capital temos um «círculo
de ferro» no interior do qual cada uma das partes reforça o todo, e em cuja reprodução todas as suas partes são
sempre momentos partícipes da expansão do capital enquanto autêntica causa sui.
É essa concepção de fundo que possibilita a Mészáros concluir, mais à frente, que a estratégia
reformista que predominou no movimento operário nesse século resultou, não no fortalecimento da luta dos
trabalhadores contra o capital mas, pelo contrário, na assimilação pelo Estado desses mesmos partidos e
sindicatos. Eles, também, terminaram por assumir como suas as necessidades do capital. Nas palavras de
Mészáros, «Os dois pilares da ação da classe trabalhadora no ocidente — partidos e sindicatos — são de fato
inseparavelmente articulados com o terceiro membro da estrutura institucional geral: o parlamento, através do
qual é fechado o círculo sociedade civil/Estado político, o qual se transforma naquele paralisador ‘círculo mágico’
do qual parece não haver escapatória. Considerar os sindicatos, junto com outras (muito menos importantes)
organizações setoriais, como de algum modo apenas pertencentes à ‘sociedade civil’, em virtude do que
poderiam ser usados contra o Estado político para uma profunda transformação socialista, não é mais que um
wishiful thinking. Pois o círculo institucional do capital é feito de totalizações recíprocas da sociedade civil/Estado
político que se interpenetram profundamente e se suportam poderosamente. Por isso, é necessário mais que
apenas derrubar um dos três pilares — o parlamento, por exemplo, para produzir a mudança
necessária.»(Mészáros,1995:678) Qualquer reforma política do sistema terminará por absorver a qualidade da
totalidade sistêmica do capital: tal como a parte é determinada pelo todo, sem por isso deixar de ser parte dessa
mesma totalidade, as reformas políticas podem, no máximo, ser a gênese de novas formas da regência do
capital, aboli-la jamais. Em sendo assim, continua argumentando Mészáros, à medida em que a tendência
histórica predominante em nossa época é a de crescente e incontrolável aproximação do capital aos seus
limites, é previsível um aumento da presença do Estado na vida cotidiana «ao invés do prometido ‘recuo dos
limites do Estado’».(Mészáros,1995:705) As mediações extraeconômicas, diretamente políticas, tendem a se
tornar cada vez mais decisivas para a reprodução do capital à medida em que suas tensões estruturais se
agudizarem. Portanto, para Beyond Capital, a incontrolabilidade inerente à auto-reprodução ampliada do capital
conduz, não à ampliação da regulamentação política sobre o capital (o sonho dos sociais-democratas), mas
justamente ao oposto, isto é, à intensificação da regulamentação do capital sobre o metabolismo social por meio
do Estado.
A segunda conseqüência da tese do caráter infraestrutural do Estado é que também
16
nela Mészáros se
apóia para argumentar a necessidade do defenecimento do Estado para a transição socialista. Para ele, a
sistema global. Nesse sentido fundamental, /.../ o Estado deve ser entendido como uma parte integral do próprio
solo material do capital.»(Mészáros,1995:61-5)
15
Tal Estado é «uma exigência absoluta tanto para assegurar quanto para salvaguardar, em uma base
permanente as realizações produtivas do sistema»(Mészáros,1995:49)
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Curso “A Crise do Capitalismo”
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abolição do Estado é uma exigência insuperável à realização do projeto socialista. Cita Marx («Existência do
Estado e a existência da escravidão são insuperáveis...»), e propõe o defenecimento do Estado com todas as
letras: «Dada a inseparabilidade dessas três dimensões do sistema do capital plenamente articulado — capital,
trabalho e o Estado — é inconcebível emancipar o trabalho sem simultaneamente superar também o capital e o
Estado. /.../ Enquanto as funções controladoras vitais do metabolismo social não forem efetivamente tomadas e
autonomamente exercidas pelos produtores associados, mas deixadas sob a autoridade de um pessoal de
controle separado (isto é, um novo tipo de personificação do capital), o trabalho enquanto tal continuará
reproduzindo o poder do capital sobre si próprio, materialmente mantendo e estendendo, portanto, a regência da
riqueza alienada sobre a sociedade.»(Mészáros,1995:494)
Sem o defenecimento do Estado não pode haver nem superação do capital nem, obviamente, do
trabalho abstrato. Pois o capital apenas pode existir se possuir no Estado uma mediação estrutural ao intrínseco
e absolutamente necessário processo de reprodução ampliada; sem o capital, o Estado que conhecemos jamais
poderia existir; e, obviamente, não há trabalho abstrato sem capital. O projeto marxiano de emancipação «/.../ é
possível apenas se todas as funções controladoras do metabolismo social /.../ [forem] progressivamente
apropriadas e positivamente exercidas pelos produtores associados. Nesse sentido, o deslocamento estrutural
objetivo /.../ das personificações do capital através de um sistema de genuíno auto-gerenciamento é a chave
para a restruturação exitosa das estruturas herdadas/.../» em direção à sociabilidade emancipada.
(Mészáros,1995:495)
É desse referencial que Mészáros parte para a análise da falência dos projetos reformistas de transição
para o socialismo. Observa que essa falência é de tal ordem que, de projetos de transição para o socialismo por
meio de reformas, terminam por se transformar em projetos de reformas para aquém do socialismo, em projetos
de reformas do próprio capitalismo. Se, na origem, eram revolucionários reformistas, com o tempo se
transformam em capitalistas reformistas. E, argumenta nosso autor, nem poderia ser de outra forma, pois
basearam a sua estratégia em uma concepção fundamentalmente falsa, ilusória: a de que poder-se-ia controlar o
capital através de reformas parciais que terminariam por conferir a este uma qualidade ontologicamente distinta
ao que é hoje.
O «projeto [dos sociais-democratas] de institucionalizar o socialismo por meios parlamentares estava
condenado ao fracasso deste o começo.
Pois eles visam o impossível. Eles prometiam transformar gradualmente em algo radicalmente diferente
— isto, em uma ordem socialista — um sistema de controle sócio-reprodutivo sobre o qual eles não tinham nem
poderiam ter qualquer controle significativo no e através do parlamento.»(Mészáros,1995:713) Por ser o capital,
por suas próprias determinações ontológicas, incontrolável, «investir energias de um movimento social em tentar
reformar um sistema substancialmente incontrolável, é um trabalho muito mais fútil que aquele de Sísifo, já que a
16
Ainda que não apenas nela, pois há em Beyond Capital extensas considerações acerca da incompatibilidade
ontológica entre qualquer forma de controle externo ao processo produtivo com a sociabilidade emancipada, às
quais não temos aqui espaço nem mesmo para uma menção muito rápida e superficial.
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Curso “A Crise do Capitalismo”
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viabilidade da reforma, mesmo a mais limitada, é inconcebível sem a habilidade de se exercer o controle sobre
aqueles aspectos ou dimensões do complexo social que se tenta reformar.»(Mészáros,1995:713)
Essa incontrolabilidade ontológica do capital significa, além de ele ser «irreformável» (as reformas
apenas podem conduzir a uma nova forma de regência do capital sobre a totalidade do metabolismo social), que
ele também «não pode compartilhar poder, mesmo no curto prazo, com forças que buscam, como seu ‘objetivo
último’, transcendê-lo não importa em quão longo prazo.»(Mészáros,1995:716) «Compreensível, portanto —
continua Mészáros — que as estratégias construídas apoiadas nos dois pilares de 1) reformar o incontrolável e
2) ‘conquistar os postos de comando’ do sistema estabelecido através de um ponto de apoio de um poder não-
existente [o poder de compartilhar o poder com o capital], teria que terminar com a derrota auto-imposta da
esquerda histórica.»(Mészáros,1995:716)
Uma terceira conseqüência que Mészáros retira desse complexo de questões, e que aqui apenas
mencionaremos já que o artigo já vai se tornando grande em demasia, é que, pelas mesmas razões, acima
apontadas, que tornam o capital irreformável do ponto de vista socialista, e incontrolável do ponto de vista de um
projeto emancipatório, — por essas mesmas razões o trabalho apenas pode ser politicamente representado no
Estado enquanto trabalho abstrato, enquanto personificação do trabalho do ponto de vista do capital. Em si
mesma, e por si só, a representação política das classes trabalhadores em um Estado burguês apenas é
possível enquanto representação da personificação do trabalho abstrato, e jamais enquanto representação de
um projeto emancipatório (Mészáros,1995:719-20). Por isso, argumenta Mészáros, a necessidade absoluta de
um forte movimento extraparlamentar que consiga contrarrestar pela luta social essa tendência à assimilação ao
status quo da representação político-parlamentar das classes trabalhadoras. O quanto essa tese tem de atual
pode ser percebida com um rápido olhar minimamente crítico da trajetória dos partidos trabalhistas tanto na
Europa como no Brasil.
Para concluir, vale assinalar o quanto é original, no debate contemporâneo, a concepção do Estado
exposta por Mészáros em Beyond Capital.
Em primeiro lugar, porque recoloca o debate acerca do Estado em um solo ontológico pouco explorado:
enquanto componente infraestrutural do sistema do capital, que expressa as necessidades da reprodução global
do capital em relação às (e não pela mediação das) classes sociais. O Estado teria seu fundamento de ser nas
contradições inerentes à reprodução ampliada do capital enquanto autêntica causa sui.
Se Mészáros estiver com a razão, uma boa parte do debate acerca da relação entre Estado e projetos
emancipatórios, revolucionários, estaria irremediavelmente desfocada. Por exemplo, estariam equivocadas as
propostas, tão conhecidas do Serviço Social, de transformar a sociedade pela organização dos movimentos
sociais locais, partindo do pressuposto que uma sociedade civil organizada seria o antípoda mais eficaz ao poder
centralizado do Estado. Se Beyond Capital se demonstrar minimamente correto, a relação entre sociedade civil e
Estado seria de tal ordem que o poder do último emergiria, não da desorganização da primeira, mas sim da sua
organização enquanto metabolismo regido pelo capital. Organização da sociedade civil e presença do Estado na
vida social não seriam pólos antinômicos, mas sim complementares. Toda a discussão, após uma dada leitura
de Gramsci, que propõe como transição ao socialismo a «organização» da sociedade civil estaria equivoca na
26
Curso “A Crise do Capitalismo”
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sua raiz: não há como se conquistar o «Estado» através de um seu cerco pela sociedade civil, pela razão de que
tanto a sociedade civil quanto o Estado são momentos complementares da ordem societária ordenada pela
reprodução ampliada do capital.
Em um outro pólo, as teses que propõem a superação do Estado afirmando seu caráter essencialmente
burguês estariam, elas também, desfocadas da questão decisiva. A destruição da burguesia, através da
«expropriação dos expropriadores», da eliminação da propriedade privada, é um passo necessário, certamente,
porém longe de ser suficiente para a emancipação humana, já que a relação burguesia-proletariado é apenas
uma forma particular, historicamente determinada, da regência do capital.
Para além da «expropriação dos expropriadores», o socialismo requer a própria superação do capital —
e, por si só, a abolição da propriedade privada pode levar apenas à estruturação de uma nova forma de regência
do capital, tal como demonstrou a experiência soviética. O que está em jogo na transição para o socialismo é a
consubstanciação de um novo metabolismo social, de uma totalidade social qualitativamente nova — e não uma
nova forma de domínio dos homens sobre os homens.
Estariam também equivocados aqueles que afirmam ser o Estado nada mais que um comitê executivo
das classes dominantes. Pois o Estado possui, argumenta Mészáros, uma evidente autonomia em relação aos
burgueses enquanto tais, e mesmo em relação às classes dominantes, mantendo com elas uma relação
contraditória. Do ponto de vista dos burgueses, o Estado é um poder que se exerce sobre eles e do qual,
contudo, não podem prescindir; é um mal necessário — necessário à manutenção da unidade global do sistema
do capital, necessário para contrarrestar as tendências desagregadoras, acima mencionadas, geradas no
coração do próprio sistema.
Se Mészáros tiver razão, repetimos, será necessário que refaçamos boa parte do debate acerca do
Estado, das políticas públicas e da relação deles com os movimentos sociais. Apenas isso já tornaria a obra da
maior importância para o debate contemporâneo. Contudo, com bem disse Daniel Singer(1996), Beyond Capital
é uma obra monumental. Além das inovadoras considerações acerca do Estado e do capital, propõe também
uma reavaliação da própria trajetória intelectual de Lukács, traz teses inovadoras acerca da relação entre capital
e reprodução social, avança interpretações muitas vezes bastante originais de Hegel e Marx, discute a fundo os
mais importantes pensadores conservadores e liberais que se apresentam no debate contemporâneo e, como se
não bastasse, ainda contém maravilhosas passagens de discussão de categorias ontológicas como causalidade,
temporalidade, continuidade, etc. Muito provavelmente
Beyond Capital será reconhecido, no futuro, como o texto mais significativo para o marxismo ontológico
(aquele que, na fragmentação do marxismo enquanto corrente teórica, é balizada por Marx-Gramsci-Lukács)
desde Para uma Ontologia do Ser Social de Lukács.
Nos resta apenas torcer que a tradução para o português dessa obra «monumental» não venha a sofrer
o mesmo destino da Ontologia de Lukács, e que as ciências sociais como um todo, e o Serviço Social em
particular, se apoderem sem delongas da enorme riqueza deste texto de Mészáros: sonhar sempre vale à pena!
Bibliografia
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Curso “A Crise do Capitalismo”
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Barroco, Lucia. «Ontologia Social e Reflexão Estética». Tese doutoramente, ServiçoSocial, PUC-São Paulo,
1997.
Meszáros, Istvan. Beyond Capital. Merlin Press, Londres e Nova
Iorque, 1995. Millet, K. The Politics of Cruelty. Norton & Cia, New York, 1994.
Singer, Daniel. Resenha de Beyond Capital. Práxis, nº7, 1996.
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Curso “A Crise do Capitalismo”
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3º Texto - Intelectuais e mídia - quem dita a pauta?*
- Virgínia Fontes
Virgínia Fontes
**
Não se deve reduzir a dimensão persuasiva da hegemonia a um momento puramente discursivo pois, se
a hegemonia envolve as maneiras de pensar (e, portanto, as idéias), implica também – e sobretudo – as formas
concretas como tais idéias são elaboradas por determinados sujeitos sociais, são difundidas por entidades e
organizações e convertem-se em atividade efetiva, através de práticas sociais específicas, que articulam
técnicas difundidas por diferentes meios. A hegemonia atravessa as formas da organização do processo de
trabalho em seu conjunto, assim como se espraia pela própria vida social. Refletir sobre as modalidades de
hegemonia e de contra-hegemonia supõe analisar as formas de convencimento, de formação e de pedagogia, de
comunicação e de difusão de visões de mundo, as diferentes modalidades de adestramento para o trabalho, as
formas peculiares de sociabilidade dominantes em cada período, as maneiras de ser coletivas e as clivagens
que as atravessam, averiguando sua adequação e aos processos de dominação, assim como as contradições
que suscita. Mas exige também não esquecer que a hegemonia se reveste de maneiras mais ou menos
discretas de exercício da coerção, através de violência aberta ou simbólica.
Aliás, a expansão de atividades e de meios voltados para o convencimento sob as mais variadas formas
(o que poderíamos chamar de formação humana para o capital) convive na atualidade com altas doses de
violência aberta. Vivemos um período aparentemente paradoxal, no qual ocorre um grande aumento de métodos
de persuasão paralelamente ao crescimento de procedimentos coercitivos. Este texto procura alertar exatamente
para essa enorme ampliação do número de entidades voltadas para organizar e convencer amplos setores
populares, forjando uma sociabilidade peculiar. Tal sociabilidade se apresenta como organizativa, ativa
(participante) e democrática (de cunho eleitoral). No entanto, reduz a participação popular aos âmbitos estreitos,
assim como bloqueia o horizonte democrático, blindando a política de forma a que não envolva transformações
substantivas na vida social. Essa configuração parece corresponder à hegemonia do grande capital monetário,
hoje dominante e dirigente. Em que pese ser este o nosso objetivo central, não é conveniente olvidar o
crescimento simultâneo da violência aberta, em especial no caso brasileiro. Mantém-se e agravam-se as
péssimas condições das populações carcerárias (a começar pela superlotação: em dezembro de 2006
registravam-se 339.580 presos para uma lotação padrão de 236.148
17
) e pela truculência do trato penitenciário,
tornado quase corriqueiro. A violência policial indiscriminada permanece rotineira. Em São Paulo, há exatamente
um ano atrás, em maio de 2006, por ocasião dos ataques do PCC (Primeiro Comando da Capital) à polícia, a
prática da vingança policial gerou uma impressionante onda de assassinatos.
*
Este artigo é versão expandida de exposição na Mesa-Redonda Mídia e empresariado no Brasil do século XXI
– as relações perigosas, da qual também participou Dênis de Moraes. O evento foi proposto pelo Núcleo de
Comunicação do P-Sol-RJ e realizado na Escola de Serviço Social-UFRJ, em março de 2007.
*
*Professora visitante da EPSJV/Fiocruz, docente da Pós Graduação em História da UFF, Pesquisadora do CNPq e
docente da Escola Nacional Florestan Fernandes/MST.
17
Ministério da Justiça.DEPEN-Departamento Penitenciário Nacional – Relatório de Gestão 2006.
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Naquela ocasião, segundo a Folha de São Paulo de 06.06.2006, o Conselho Regional de Medicina
assinalou 400 pessoas mortas por armas de fogo no Estado de São Paulo entre os dias 12 e 20 de maio. O
conselho incluiu na análise os 23 Institutos Médico-Legais do Estado, uma vez que vinham sendo computados
apenas os dados de um dos postos do IML, do bairro Pinheiros (zona oeste da capital paulistana), que registrou
132 mortes em razão de tiros. Os dados correspondem a uma média de 50 mortes por dia – quando a média do
Estado, no primeiro trimestre daquele ano, era de 20 assassinatos diários
18
.
Em 2007, foi manchete nos jornais do país a generalização de milícias no Rio de Janeiro que, com a
conivência da polícia, ocupam e dominam militarmente mais de 90 favelas. Em seu ex-blog, o prefeito da cidade,
Cesar Maia (PFL), sugeria que “os núcleos para-militares devem ser combatidos não diretamente, mas
indiretamente, com a repressão ampla, geral e irrestrita ao tráfico de drogas”
19
. Justificava portanto a convivência
entre policiais e para-militares, atribuindo mesmo um certo tom oficial a essa prática.
Essas situações são apresentadas pela imprensa como aparentemente excepcionais, pois ocupam de
forma escandalosa as manchetes dos jornais, sendo porém rapidamente banalizadas. Discretamente
desaparecem, como se o silêncio da imprensa correspondesse ao fim da truculência. Além dessas evidências
mais gritantes, prosseguem no cotidiano as ações arbitrárias de caveirões, no Rio de Janeiro
20
, as chacinas em
São Paulo
21
, a atuação brutal da Rota (Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar), como parte de uma certa
“normalidade”.
Essa correlação inquietante entre violência e convencimento não deve desaparecer de nosso horizonte.
Um dos maiores estudiosos no país sobre formas de organização empresariais brasileiras, René Dreifuss,
realizou uma pesquisa muito original. Em plena ditadura militar, preocupou-se em evidenciar a elaboração, no
pré-1964, de uma extensa rede de entidades empresariais que propunham novas diretrizes para a economia e a
política brasileiras. A implementação de tais entidades empresariais desdobrou-se em farto material de
propaganda e de divulgação de seus propósitos. Os processos de persuasão forneciam também os argumentos
para a truculência militar. Boa parte dessas entidades empresariais - os aparelhos privados de hegemonia
gestados sobretudo a partir de 1961 - seria posteriormente incorporada ao próprio Estado (Dreifuss, 1987).
18
O total de mortos dos IMLs inclui todos os tipos de morte por arma de fogo, como suicídios e crimes
passionais, assinalando um aumento de 150% em óbitos violentos em São Paulo durante os 8 dias
mencionados.
19
Ex-blog de Cesar Maia - http://cesarmaia.blogspot.com/
20
Em uma opera ção contra traficantes na Vila Cruzeiro e no complexo de favelas do Alemão, Rio de Janeiro,
ao longo dos primeiros dias de maio de 2007, 15 pessoas morreram e 43 ficaram feridas por “balas
perdidas”, até o dia 13/05/2007. Engelbrecht, D. e Duran, S. Balas perdidas atingem mais quatro no
alemão. O Globo, 13/05/2007, p. 15.
21
“Em 2001, foram contabilizadas 43 chacinas no estado, com 154 mortes. Desde então, o número vem caindo.
Em 2002, foram 40 atentados, com 134 vítimas; em 2003, 23 crimes e 80 mortos; em 2004, 22 chacinas e 81
vítimas e, no ano passado, 15 crimes, com 55 mortos.” (...) “As chacinas ocorridas entre as 22h de terça-feira
e as 3h de ontem tiveram características semelhantes: homens armados em moto usando capacetes ou tocas
ninjas [sic], concentração de clientes em bares na periferia, tiros na cabeça em vários casos e, entre as
vítimas, alguns com passagens pela polícia, mas muitos inocentes também.” 2006-05-maio-dia 18-O GLOBO –p
9. – Chico de Góis – Chacinas deixam dez mortos, inclusive inocentes.
30
Curso “A Crise do Capitalismo”
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Ora, que projetos econômicos, políticos, sociais, culturais e ideológicos são formulados pelas entidades
empresariais que se constituem no Brasil contemporâneo? Quem define as pautas a partir das quais os meios de
difusão as reelaboram, traduzem e propagandeiam? Nos Cursos Anuais do Núcleo Piratininga de Comunicação
(NPC), essa tem sido uma reflexão freqüente, pois diz respeito direta e indiretamente à comunicação e ao que
chamamos corriqueiramente de “intelectuais”. Esta categoria, aliás, precisa sempre ser retomada à luz do
desafio que nos coloca o marxismo: explicar o mundo tal como ele é, não perdendo de vista o eixo central – a
exploração do sobretrabalho e a existência correlata de classes sociais, assim como das lutas reais entre elas.
Intelectuais não são apenas os que escrevem – são sobretudo os que definem o que os escrevinhadores
devem escrever. Já no livro A Ideologia Alemã, escrito por Marx e Engels em meados do século XIX, intelectuais
não são os que se reservam o mundo do pensamento, mas os que atuam socialmente sob duas formas: na
concentração da produção do conhecimento e na apropriação daquele conhecimento socialmente produzido,
existente de forma prática. De maneira similar e em paralelo às modalidades da exploração de classes,
asseguram a atualização dos conhecimentos anteriores, assim como produzem (e se apoderam) dos novos
conhecimentos, tornando-os disponíveis para os setores dominantes. Formulam a legitimação do mundo
existente como se fosse o mundo necessário, assegurando, assim, a perpetuação dos setores dominantes.
Muitas vezes tais intelectuais parecem encerrados numa torre de marfim, no ato etéreo de elaboração de
um puro pensar, e esquecem-se que suas ilhas de excelência devem ser ligadas por um cordão umbilical que as
mantêm vivas, irrigadas e, sobretudo, ilhas. Em segundo lugar, como pretendem continuar “excelentes” e se
consideram singularidades geniais, precisam, eles próprios, justificar o mundo tal como ele é, uma vez que tal
exercício conforta e legitima sua própria existência
22
.
Com Gramsci, as formulações de Marx e Engels ganharam novas determinações, enfatizando
exatamente a função social que cumprem os intelectuais. Embora extrair citações seja insuficiente para
apresentar o pensamento gramsciano, que exige um trabalho de leitura sistemática, vale lembrar dois pequenos
excertos de seu texto mais conhecido sobre os intelectuais, com o intuito de estimular a ida ao texto:
“Todo grupo social, nascendo no terreno originário de uma função essencial no mundo da produção
econômica, cria para si, ao mesmo tempo, organicamente, uma ou mais camadas de intelectuais que lhe
dão homogeneidade e consciência da própria função, não apenas no campo econômico, mas também no
social e político: o empresário capitalista cria consigo o técnico da indústria, o cientista da economia
política, o organizador de uma nova cultura, de um novo direito, etc.” (GRAMSCI: 16)
“Estas funções [sociais dos intelectuais] são precisamente organizativas e conectivas. Os intelectuais são
os “prepostos” do grupo dominante para o exercício das funções subalternas da hegemonia social e do
governo político” (idem: 20-1).
22
Sobre esse fenômeno, os textos de Pierre Bourdieu auxiliam em muito a compreensão. Ver, em especial, “O
campo científico” (in: BOURDIEU, 1982).
31
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  • 1. Curso “A Crise do Capitalismo” CEPIS/ENFF/Depto. De Jornalismo da PUC Curso “A Crise do Capitalismo” O referencial teórico para compreender a Crise 29 de abril às 19h Sergio Lessa (UFAL) As Crises do Capitalismo 06 de maio às 19h Márcio Pochmann (IPEA) A Crise e os Trabalhadores 13 de maio às 19h Ricardo Antunes (Unicamp) Estado, poder e mídia na Crise do Capitalismo 20 de maio às 19h Virginia Fontes (UFF) José Arbex Jr. (PUC-SP) Desafios dos trabalhadores diante da Crise 27 de maio às 19h João Pedro Stedile (MST) 1
  • 2. Curso “A Crise do Capitalismo” CEPIS/ENFF/Depto. De Jornalismo da PUC Curso “A Crise do Capitalismo” 2
  • 3. Curso “A Crise do Capitalismo” CEPIS/ENFF/Depto. De Jornalismo da PUC Sumário Sumário........................................................................................................................................................3 1º Texto - Comunismo: de que se trata? - Sergio Lessa .............................................................................4 2º Texto - Beyond Capital: Estado e Capital - Sérgio Lessa.....................................................................15 3º Texto - Intelectuais e mídia - quem dita a pauta? - Virgínia Fontes.....................................................29 4º Texto – A crise atual do sistema capitalista mundial – Paulo Nakatani................................................40 5º Texto – As dimensões da crise no mundo do trabalho – Ricardo Antunes...........................................58 6º Texto – Stedile diz que governo tem medo de entrar de cabeça no debate sobre crise.........................63 7º Texto – Análises da crise a partir de Marx............................................................................................68 8º Texto – Para combater a crise econômica, Reforma Agrária - MST....................................................81 9º Texto – A crise em desdobramento e a relevância de Marx – István Mészáros...................................83 10º Texto – O Circo Imundo de Horrores – José Arbex Jr........................................................................96 11º Texto – Desglobalização – Márcio Pochmann ...................................................................................98 São Paulo - 2009 3
  • 4. Curso “A Crise do Capitalismo” CEPIS/ENFF/Depto. De Jornalismo da PUC 1º Texto - Comunismo: de que se trata? - Sergio Lessa Depto. De Filosofia da UFAL e membro da editoria da Revista Crítica Marxista1 Introdução A relação entre a obra de Marx e a filosofia talvez possa ser mais claramente explicitada se partimos de uma das categorias centrais, senão a central, do seu pensamento: o comunismo. A humanidade, do ponto de vista do desenvolvimento das forças produtivas, conheceu duas revoluções verdadeiramente decisivas. A primeira foi a Revolução Neolítica, há aproximadamente 10 mil anos atrás. A descoberta da semente tornou possível, pela primeira vez, que o indivíduo que trabalhasse produzisse mais do que o necessário para a sua sobrevivência imediata. Ao invés da situação precedente, na qual tudo o que era produzido era imediatamente consumido, com a descoberta da agricultura abria-se a possibilidade de se acumular produtos resultantes do trabalho humano: surgia, assim, a riqueza e a possibilidade de sua acumulação. Para que fosse plenamente explorada, esta nova possibilidade histórica exigiu profundas alterações na vida social. Foi necessário a passagem do nomadismo ao sedentarismo e exigiu o surgimento das primeiras formas de exploração do homem pelo homem(escravismo e modo de produção asiático). A divisão da sociedade em classes sociais tornou imprescindível a gênese e desenvolvimento de uma série de complexos para ordenar a nova forma de reprodução social, como o Estado, o Direito e o casamento monogâmico. As potencialidades de desenvolvimento inerentes à esta nova forma de reprodução social não podem ser exageradas: retirou a humanidade do período pré-histórico e, no Ocidente, colocou o gênero humano em uma processo histórico que conduziu, com avanços e recuos, ao capitalismo de nossos dias. A nova sociabilidade surgida da Revolução Neolítica tinha, todavia, um forte limite: o "afastamento das barreiras naturais" era ainda tão incipiente que as ferramentas e as técnicas que podiam ser empregadas eram aquelas que um adulto médio poderia manejar. Ainda que algumas máquinas tenham sido empregadas neste período histórico (o moinho de vento, por exemplo, ou então máquinas movidas pela tração animal), eram casos excepcionais que apenas confirmam a regra geral: o corpo humano continuava sendo importante limite para o desenvolvimento das forças produtivas. Este limite histórico fez com que tanto as sociedades do modo de produção asiático, como do escravismo, do feudalismo e do período da acumulação primitiva (séculos XVI ao XVIII), não conseguissem produzir o necessário e conhecessem objetivamente a escassez. Se toda a produção 1 Publicado em : Galvão, A. et alli (orgs) Marxismo e Socialismo no século XXI, pp. 197-210, Cemarx/Xamá Ed, São Paulo, 2005 4
  • 5. Curso “A Crise do Capitalismo” CEPIS/ENFF/Depto. De Jornalismo da PUC fosse dividida igualmente, tratar-se-ia sempre de dividir a carência: todos passariam igualmente necessidade e nada mais restaria para ser investido no desenvolvimento das forças produtivas. Se, todavia, ao invés da primitiva divisão igualitária, a riqueza fosse acumulada nas mãos de uma minoria sob forma da propriedade privada, poder-se-ia investir o excedente no desenvolvimento das forças produtivas. De fato, na História Antiga, estes dois padrões de reprodução social se confrontaram; grosso modo, os gregos e os romanos de um lado e os "bárbaros" de outro. A favor dos gregos e romanos estava a sua maior capacidade para desenvolver as forças produtivas (pelo acúmulo de escravos; pela construção de portos, estradas, redes comerciais e, também, pelos exércitos necessários para conquistar e defender territórios). Os povos "bárbaros" foram, assim, paulatinamente convertidos em escravos e as sociedades mais igualitárias primitivas foram sendo substituídas pelas sociedades de classe. Foi por esse processo – e não porque os homens seriam essencialmente ruins ou, então, porque teríamos todos, por essência, a propriedade privada – que a sociedade de classes, com todas as suas ignomínias, suplantou as sociedades primitivas. A situação histórica de carência gera, necessariamente, a propriedade privada e uma sociedade marcada pelo mercado e pela concorrência. Claro que esta conexão ontológica entre carência e propriedade privada se afirma de forma diferenciada em cada modo de produção (há diferenças significativas entre a mercadoria e a propriedade privada no feudalismo e no escravismo, entre o mercado e o trabalho no escravismo e no capitalismo, etc., etc.), essas diferenças, contudo, não diminuem a veracidade do afirmado: há uma relação ontológica entre a carência e a forma privada de apropriação da riqueza socialmente produzida. Foi por isso que entre as primeiras sociedades de classe e o final do século XVIII a propriedade privada reinou inconteste. Esta situação foi, finalmente, modificada pela Revolução Industrial; é ela a segunda grande revolução das forças produtivas que mencionávamos no primeiro parágrafo. A sua importância está em que, com a aplicação de máquinas ao processo produtivo, as "barreiras naturais" são afastadas a tal ponto que o corpo humano deixa de ser o limite para o desenvolvimento das ferramentas e das forças produtivas em geral 2 . Agora, as ferramentas, as técnicas de produção (e, portanto, também as formas de organização do trabalho) não mais precisam respeitar os limites da força física de um adulto médio. Uma prensa de muitas toneladas pode ser movimentada mecanicamente, enquanto que antes um martelo não poderia ter mais do que alguns quilos para poder ser manejado pelo trabalhador. As possibilidades de desenvolvimento das capacidades humanas, principalmente para retirar da natureza os bens indispensáveis à sua própria reprodução, aumentam exponencialmente. Pela primeira vez a humanidade vive a possibilidade histórica objetiva de produzir mais do que o necessário para todas as pessoas que vivem no planeta Terra. A revolução industrial marca a passagem de uma situação histórica de carência para uma de abundância (ou, quando esta não se estabeleceu objetivamente, pela possibilidade real de vir a se estabelecer com facilidade). Dois exemplos para deixar mais claro ao que nos referimos. A produção de alimentos no planeta já é suficiente para uma população duas vezes maior a atual. Se há fome, portanto, não é porque faltam alimentos. A cidade de São Paulo possui 40 mil famílias 2 Karl Marx, O Capital, tomo I, vol II, São Paulo, Abril Cultural, 1985, p.8-10. 5
  • 6. Curso “A Crise do Capitalismo” CEPIS/ENFF/Depto. De Jornalismo da PUC sem moradia e 80 mil domicílios desocupados. Se, a cada família sem-teto fosse doada uma moradia, sobrariam ainda 40 mil desocupadas; é inevitável a conclusão que não é a falta de moradia a causa de haver sem-tetos em São Paulo. Se moradias e comida em excesso convivem com famintos e sem-tetos é porque o modo de produção capitalista não pode retirar todas as possibilidades históricas da passagem histórica da carência à abundância. Examinemos mais de perto esta última afirmação. A reprodução do capital O capital é uma forma de propriedade privada que se caracteriza,entre outras coisas, pela absoluta necessidade de se reproduzir de forma ampliada. Um capital que não aumenta no tempo é um capital em via de extinção. Tal como uma bicicleta, como diz Mészáros, se parar de girar, cai. Esta sua característica decorre do seu próprio ser, de suas leis imanentes. Ele apenas existe como uma riqueza que foi apropriada privadamente pela mediação da mais-valia. Esta, por sua vez, apenas pode ser gerada pela separação do trabalhador dos meios de produção e a conversão da força de trabalho em uma mercadoria como outra qualquer: o trabalho assalariado. Esta riqueza apropriada sob a forma do capital, todavia, tem apenas um valor de uso,e nenhum outro: adquirir mais força de trabalho, quer pela compra direta; quer pela aquisição indireta através da compra dos meios de produção, da matéria prima, etc., ou, ainda, pelo custeio do necessário para manter o sistema capitalista em funcionamento, como é o caso do Estado e dos funcionários públicos, do exército, do complexo judiciário, educacional e muitos outros. A única função social do capital, portanto, é comprar a força de trabalho sob a forma assalariada; simetricamente, a única utilidade da força de trabalho assalariada é produzir mais valia. Estamos frente a uma determinação reflexiva: o capital, para existir, requer a compra incessante da força de trabalho; os assalariados, por sua vez, apenas podem existir se constantemente puderem vender sua força de trabalho ao capital. Sem força de trabalho para ser, direta ou indiretamente, comprada, o capital não tem qualquer utilidade; analogamente, sem o capital para comprá-la, a força de trabalho assalariada não tem qualquer função social. É este círculo vicioso, parte da essência do capital, que faz com que ele seja uma força social literalmente incontrolável: destruiu todas as barreiras sociais ao seu desenvolvimento e, atualmente, destrói a própria humanidade já que esta – paradoxalmente -- se converteu no principal obstáculo ao seu desenvolvimento futuro. A reprodução do capital requer, portanto, a manutenção do mercado: é pela sua mediação que pode não apenas comprar a força de trabalho como, ainda, vender as mercadorias produzidas convertendo-as na forma dinheiro imprescindível para que novos investimentos sejam feitos na produção de novas mercadorias e assim sucessivamente. E, no interior do mercado, uma mercadoria entre todas as outras joga um papel decisivo: a força de trabalho, a única cujo valor de uso está em que, ao ser consumida, produz um valor maior do que o seu próprio e, por isso, é a única fonte de mais valia. 6
  • 7. Curso “A Crise do Capitalismo” CEPIS/ENFF/Depto. De Jornalismo da PUC A manutenção do mercado, por sua vez, implica na manutenção da forma democrática de Estado 3 : a concorrência da vida cotidiana na esfera produtiva se converte, com o tempo, no padrão de todas as relações sociais, inclusive das relações políticas. A organização da concorrência pela administração desse poder tem sua forma histórica mais madura na democracia. Tal como o mercado é a forma mais plena da concorrência entre proprietários privados, a democracia é a forma mais explicitada da concorrência política entre proprietários privados. E o Estado democrático é a moderna sociedade de proprietários privados que se organiza em poder político. Propriedade privada, Estado, democracia, capital e trabalho assalariado são, portanto, determinações reflexivas: tal como não pode haver exploração do trabalho pelo capital sem a mediação política do Estado, também não pode haver a forma madura da propriedade privada, a burguesa, sem a democracia; não pode haver assalariamento sem a apropriação privada da riqueza socialmente produzida do mesmo modo pelo qual não pode haver concorrência política entre os proprietários privados sem que sejam, todos eles, reduzidos ao denominador comum de cidadãos. Enfim, para retomar os termos marxianos: a emancipação política corresponde à passagem ao capitalismo maduro; corresponde à plena vigência do capital enquanto forma de propriedade privada predominante na produção e à plena vigência da concorrência em todas as esferas da vida social. Na política, a forma historicamente madura desta concorrência é a democracia. É esta forma de reprodução social – que é muito mais do que o trabalho abstrato, ainda que tenha nele o seu fundamento mais essencial – que é historicamente incapaz de explorar as potencialidades da situação histórica de abundância na qual adentramos com a Revolução Industrial. A sociedade de classes, mesmo em sua forma mais desenvolvida, a capitalista-democrática, por ser herdeira de um período histórico em que predominava a carência, tem na abundância sua inimiga de morte. Ou o capitalismo destrói a abundância ou será por ela destruído. E como, contraditoriamente, o capitalismo apenas pode se desenvolver pelo desenvolvimento das forças produtivas e, portanto, pela geração de uma abundância cotidianamente cada vez mais presente, vivemos uma situação histórica limite: o sistema do capital só pode existir se produzir uma abundância cada vez maior e, ao mesmo tempo, ele apenas pode sobreviver se converter esta abundância em carência. É por isso que o problema econômico decisivo do modo de produção capitalista está na superprodução – e não, como em todos os modos de produção precedentes, na produção insuficiente. E há, grosso modo, apenas dois modos de enfrentarmos historicamente os novos desafios postos pela humanidade pela presença objetiva da produção superior às necessidades. As duas formas de se enfrentar a superprodução 3 "O Estado e a organização da sociedade não são, do ponto de vista político, duas coisas diferentes. O Estado é o ordenamento da sociedade." Karl Marx, "Glosas ", Revista Práxis, Belo Horizonte, Ed. Joaquim de Oliveira, n. 5, 1995. Esta edição é precedida de um rigoroso comentário por Ivo Tonet. 7
  • 8. Curso “A Crise do Capitalismo” CEPIS/ENFF/Depto. De Jornalismo da PUC Há duas formas de a humanidade conviver historicamente com uma produção superior às necessidades. A forma à qual estamos acostumados e conhecemos bem é a capitalista. A segunda, é o modo de produção comunista. No sistema capitalista, a abundância é enfrentada através da geração de uma carência artificial. Inicialmente, por ser o mais simples, a concentração da riqueza na classe dominante é convertida em carências artificiais por produtos de luxo. Passa-se a produzir artigos que apenas correspondem ao consumo perdulário das classes dominantes. Esta forma, digamos, "espontânea" porque emerge da tendência inerente ao capital de concentrar riqueza na classe dominante, tem limites muito estreitos. Com o passar do tempo, evidencia-se a necessidade estrutural de outros mecanismos de geração artificial de carências que garantam um nível de preços "saudável" à reprodução do capital. Momento decisivo neste desenvolvimento foi a crise de 1929. Ela evidenciou o quanto a superprodução poderia abalar o sistema do capital e forçou-o a tentar uma alternativa: a produção e o consumo de massas. O apogeu desta tentativa foram os "anos dourados" do capitalismo desenvolvido: o Estado de Bem-Estar e o fordismo. A lógica do Estado de Bem-Estar e da economia de consumo de massa era, sinteticamente, o círculo vicioso pelo qual a produção em série derruba o preço do produto, o que aumenta o consumo o qual, por sua vez, provoca um novo aumento da produção fazendo o preço cair uma vez mais – e assim sucessivamente. Num segundo momento, utiliza-se a mão de obra muito mais barata do terceiro mundo para baixar ainda mais os preços nos mercados dos países centrais. Este crescimento da lucratividade geral do sistema tem duas importantes conseqüências no curto prazo: 1) possibilita o aumento dos salários nos países capitalistas centrais praticamente sem qualquer distribuição de renda efetiva 4 ; e, 2) o aumento da produção gera empregos aumentando também por esta via o mercado consumidor. Com o aumento do mercado consumidor, pode-se produzir ainda mais, e assim sucessivamente. Esta dinâmica continuaria indefinidamente se, já na década de 1950, não se evidenciasse que o consumo não aumentaria o suficiente para manter a acumulação capitalista. A saída do sistema do capital foi o desenvolvimento de uma outra válvula de escape: o complexo industrial militar. Do ponto de vista do capital, como bem argumenta Mészáros 5 , o complexo industrial militar é a saída perfeita. Pois ele funciona com base em encomendas de um Estado facilmente controlável pelo grande capital e, portanto, não sofre as inseguranças do mercado. Em segundo lugar, tem sua demanda determinada politicamente e, não, pelo jogo da oferta e da procura: produz-se o que o Estado decide que será produzido e, novamente, trata-se de um Estado "permeável" às demandas do grande capital. E, por fim, porque os produtos do complexo industrial militar são não precisam ser utilizados para serem consumidos: à empresa basta vender ao governo. Se o governo vai ou não empregar o que comprou em uma guerra ou se, pelo contrário, apenas estocará o armamento, não faz a menor diferença. 4 Conferir Jeffrey Mandrick. The end of affluence. New York, Randon House, 1995. 5 István Mészáros, Para Além do Capital. São Paulo, Boitempo/Unicamp, 2002, em especial o capítulo 16. 8
  • 9. Curso “A Crise do Capitalismo” CEPIS/ENFF/Depto. De Jornalismo da PUC É esta particularidade do complexo industrial-militar que possibilitou, por exemplo, que entre os anos de 1950 e 1970 as armas nucleares acumuladas pelos EUA fossem suficientes para destruir o planeta 66 vezes e, o estoque soviético, 33 vezes. Ou seja, em 20 anos, construímos bombas suficientes para destruir o planeta 99 vezes! Este enorme desperdício de força produtiva, força de trabalho, recursos econômicos etc. não pode ser exagerado: a humanidade preparou milimetricamente, com o que tinha de melhor em termos de técnica e inteligência, a extinção dos homens do planeta. E a razão desta barbaridade – pois não há outro nome para tal feito – é a necessidade intrínseca ao capitalismo em gerar um consumo artificial que consuma a superprodução que lhe fere de morte. Processos análogos, também eficientes economicamente ainda que não tão dramáticos, permeiam nosso dia a dia. A obsolescência planejada faz com que os produtos durem cada vez menos, a adoção de embalagens que forçam um aumento do consumo (a embalagem de papel-alumínio faz com que se jogue fora entre 4 e 7% dos produtos à base de tomate, com a embalagem de vidro a perda era praticamente nenhuma); a propaganda maciça que faz com que uma roupa perca seu valor de uso e, portanto, não mais possa ser usada muito antes que tenha sido de fato consumida; a adoção de tecnologias e produtos que geram carências artificiais com o único objetivo de impulsionar o consumo (a indústria de informática é, hoje, provavelmente o exemplo mais gritante, mas está longe de ser o único), etc., etc. Todos estes mecanismos e a perdularidade resultante não foram suficientes para evitar equilibrar o sistema e, em meados da década de 1970, após a derrota americana no Vietnã e as duas crises do petróleo, a crise estrutural se instalou. E, com a crise, fusões, muito mais que novos investimentos, constituem a dinâmica da acumulação de capital das últimas décadas: com os mercados abarrotados de mercadorias e com o terceiro mundo exaurido pela intensificação da exploração de suas economias, a alternativa é expandir ocupando fatias do mercado já existente e sob controle das empresas concorrentes. Para isso é necessário incorporar tecnologias que permitem a diferenciação marginal dos produtos e, acima de tudo, possibilitam a produção mais barato que o concorrente. Isto requer novas formas de produção que intensifiquem a exploração da mão de obra, que retirem de cada hora trabalhada uma quantia cada vez maior de mais valia. Foi nesta quadra histórica que o Japão explodiu na economia mundial. O sucesso momentâneo do Japão estava em uma força de trabalho que aceitava condições de vida e trabalho inimagináveis para os países capitalistas do Ocidente. Foi com base nesta maior fonte de mais valia que o toyotismo pode se apresentar como o novo padrão produtivo internacional. Os limites deste novo ciclo de acumulação, todavia, tardaram pouco para se manifestar: o aumento da produtividade do trabalho levou à ampliação do desemprego. A crise social daí decorrente teve sérias repercussões na própria reprodução do capital (aumento do custo de manutenção das grandes cidades, custos crescentes decorrentes do esgotamento das reservas naturais e da destruição do meio-ambiente, violência crescente, etc.) e a única resposta possível foi o aprofundamento do padrão vigente: as políticas de privatização que marcam o neo-liberalismo nada mais são que a rapina, pelo capital privado, do capital estatal acumulado nas décadas anteriores. Esta rapina, não apenas não superou o descompasso entre a crescente produção e a generalização da miséria, como ainda 9
  • 10. Curso “A Crise do Capitalismo” CEPIS/ENFF/Depto. De Jornalismo da PUC tende a intensificá-lo no médio prazo. Ao retirar do Estado várias fontes de recursos e diminuir o seu peso na economia, diminuiu ao mesmo tempo a sua capacidade para desenvolver políticas compensatórias que poderiam auxiliar na atenuação momentânea dos efeitos da crise. É assim que, nos dias em que vivemos, mais do que nunca o capital demonstra a sua desumanidade fundamental. No contexto da superprodução estrutural, o capital apenas pode se acumular pelo binômio desenvolvimento tecnológico – desemprego crescente. Desenvolvimento tecnológico para a exploração mais intensa da força de trabalho e, desemprego crescente, porque esta exploração mais intensa significa menor necessidade de força de trabalho em um mercado que não se amplia ou, no melhor dos casos, se amplia muito lentamente. Assim, o desenvolvimento das forças produtivas que, durante toda a história da humanidade, significou progresso, se converte nos nossos dias em fonte de crescente miséria material e espiritual. Não há como a humanidade ser mais intensamente alienada: o que nos faz humanos (o processo histórico impulsionado pelo desenvolvimento das forças produtivas) é, hoje, precisamente o que nos torna desumanos. E esta desumanidade é a essência da forma como o capital pode absorver em sua reprodução a superprodução que ele mesmo gera. O modo comunista de produção Como dizíamos, o capitalismo não é o única forma para se tratar a superprodução. A outra forma, é a comunista. A mudança já começa pelo termo: o que é superprodução para o modo de produção capitalista, para o comunismo é abundância. Se vivemos em um mundo que já produz mais comida, roupa, moradias, energia, etc. do que o necessário para o abastecimento de todos, o que falta fazer é colocar toda esta produção à serviço da humanidade. Todo o produzido, coloca-se em depósitos dos quais todos os indivíduos, indiscriminadamente, podem retirar tudo o que quiserem, na quantidade que desejarem, quando almejarem. Em uma sociedade em que a oferta de produtos é superior à demanda – e este é o significado da abundância – o fundamento ontológico da mercadoria, o valor de troca, não tem as condições históricas para continuar existindo. Se todos podem ter acesso a tudo o que precisam – e mesmo mais do que precisam – a posse dos produtos deixa de ser poder econômico para explorar os outros. Quem irá vender sua força de trabalho em troca de casa, roupa, comida, remédios, etc., se pode ter acesso a tudo isso sem ter que pagar nada em troca? A mercadoria perde o seu sentido, pois a função social do valor de troca desaparece com a abundância. Este o primeiro aspecto fundamental da transformação do modo de produção capitalista ao modo de produção comunista: o que era o problema central, a superprodução, se converte na grande solução para a humanidade, a abundância. A abundância gerada pelo capitalismo não é, todavia, a abundância mais adequada à sociedade comunista. Em primeiro lugar, porque é uma abundância de determinados produtos, muitos dos quais não teriam sentido em uma sociedade comunista (a indústria bélica, por exemplo). A abundância gerada pelo capitalismo também não é a adequada ao modo de produção comunista porque é mal distribuída pelo planeta e pelas 10
  • 11. Curso “A Crise do Capitalismo” CEPIS/ENFF/Depto. De Jornalismo da PUC classes sociais. Os países imperialistas concentram a maior parte da produção e do consumo. As classes dominantes, quase sempre sediadas nos grandes centros urbanos, concentram a maior parte do consumo. O atual sistema de distribuição, portanto, terá que ser radicalmente transformado. Por fim, a abundância gerada pelo capitalismo é tão desumana, submete de tal forma e com tal intensidade o homem ao capital, que mesmo instrumentos banais como um martelo terão que ser re- configurados. Hoje, o que se considera ao produzir um martelo é qual a melhor forma, distribuição de peso, etc. que possibilite retirar do trabalhador a maior produção. Se, com o passar do tempo, este mesmo martelo arrebenta as articulações do cotovelo, é um custo colateral que tem pouquíssima importância para a reprodução do capital. No comunismo, as pessoas estão acima de qualquer outra consideração no ato de produção, de tal modo que nem mesmo uma coisa tão simples como o martelo (ou os teclados de computadores) permanecerá o mesmo quando forem, de fato, colocados à serviço da humanidade. Uma reconfiguração de tal ordem da estrutura produtiva e distributiva não pode deixar intacta a categoria central aqui envolvida: o trabalho. Superado o trabalho abstrato, isto é, o trabalho assalariado, as atividades humanas, todas elas, passam a ter como eixo de gravidade as necessidades humanas. Quais serão estas necessidades, e como elas serão atendidas, é algo que apenas a humanidade poderá dizer. Isto é o que significa tomar a história em suas mãos: conscientemente, a humanidade decidirá, das necessidades, quais as prioritárias e, das possibilidades, quais as melhores para atender às prioridades. Com a decisão consciente e coletiva, e com o fruto do trabalho à disposição de todos sem qualquer descriminação, o trabalho passa a ser, na vida cotidiana comunista, apenas e tão somente o que ele é: a conexão primordial de cada indivíduo com a totalidade do gênero humano. Como não há indivíduo fora de sociedade, o trabalho se converte, do ponto de vista de cada indivíduo, na sua primeira necessidade. É o que torna o indivíduo um ser social: participar na produção coletiva dos bens indispensáveis à reprodução da sociedade. Com todos trabalhando,a jornada de trabalho poderá ser incrivelmente encurtada, não mais do que umas poucas horas por dia. Na época de Marx, ele imaginava que uma das condições para o comunismo era uma jornada de trabalho de 48 horas semanais! Hoje, mesmo no capitalismo, não há necessidade de se trabalhar tanto. Se o fruto do trabalho já não mais gera o poder econômico que é a base da exploração do homem pelo homem e, se o que e como será produzido é fruto de uma decisão coletiva, a administração passa a ser algo muito mais simples e que requer muito menos energia e recursos sociais que hoje. Deixa de ser a administração das pessoas (ou seja, uma forma de organização da luta de classes, com tudo o que isto implica) para ser "a administração das coisas e a direção no processo de produção" 6 . As energias sociais anteriormente despendidas no controle das pessoas (pensemos nos inúmeros mecanismos de controle e em seus especialistas, no interior de uma fábrica; a quantidade de força de trabalho e 6 Friedrich Engels, Anti-Dühring. Apud, Vladimir Lênin, O Estado e a Revolução. São Paulo, Hucitec, 1978, pg. 21. Este texto de Lênin, apesar de sua idade, é de uma atualidade impressionante. 11
  • 12. Curso “A Crise do Capitalismo” CEPIS/ENFF/Depto. De Jornalismo da PUC recursos inutilmente gastos nos aparelhos repressivos, etc.) serão liberadas para serem empregadas na produção das coisas, o que reduzirá ainda mais a jornada de trabalho. Decisão coletiva e consciente da organização da produção; livre usufruto de tudo o que for produzido; administração das coisas e não mais das pessoas, portanto fim de todos os mecanismos de controle sobre os indivíduos tanto nos locais de produção quanto na sociedade como um todo. Esta é a sociedade dos trabalhadores livremente associados. E sua lógica deixa de ser a reprodução ampliada do capital para ser o tempo disponível: a produção passará a ter como critério fundamental quantas horas estaremos dispostos, coletivamente, a dedicar de nossas vidas à produção do que iremos consumir 7 . Ou, em outras palavras, a partir da abundância, o que significa que as necessidades básicas de todos estão plenamente atendidas, a questão decisiva na organização da economia deixa de ser o reino da necessidade para ser a liberdade: quantas horas de tempo disponível para a liberdade será indispensável para a nova forma de ser dos homens? Quanto tempo por semana estaremos dispostos à dedicar ao trabalho? Quase nada restará da sociedade que conhecemos. O comunismo será uma sociedade que é tão diferente da nossa quanto o somos das sociedades primitivas. Uma sociedade em que não conhece o valor de troca verá o dinheiro apenas nos museus; uma sociedade que há poder do homem sobre o homem e que, portanto, não possui polícia, nem judiciário, nem vigilantes, nem fechaduras, nem exércitos e nem países; uma sociedade em que o trabalho se converteu na primeira necessidade humana desconhece o que seja trabalho forçado pelo poder econômico de uma classe sobre a outra. Como resultado desta organização livre e consciente do trabalho, a própria esfera da distribuição será ao mesmo tempo muito mais complexa e simples. Complexa porque os indivíduos agora não mais terão as suas necessidades padronizadas pelos processos alienantes do capitalismo – pela propaganda, para ficarmos apenas no exemplo mais gritante -; mais complexa porque uma humanidade mais livre produzirá demandas muito mais diferenciadas em cada local do planeta. E ainda mais complexa porque a produção de novas necessidades (o "primeiro ato histórico dos homens", em A Ideologia Alemã) ocorrerá em escala muito mais ampla e intensa quando a humanidade não encontrar no capital seu limite histórico. Todavia, esta distribuição muito mais complexa será, também, muito mais simples. Não mais haverá necessidade de qualquer forma de controle do que cada indivíduo retirará da riqueza comum e, por outro lado, como o produto é agora apenas valor de uso e não traz com ele nenhum poder de domínio sobre os outros indivíduos, não terá o menor sentido as pessoas pegarem mais do que necessitam. Qual a utilidade de se ter 200 calças no guarda-roupa se elas não mais servem como valor para a compra de força de trabalho? A distribuição será o complexo processo de distribuir espacialmente o produzido para atender às necessidades de cada indivíduo e, não mais um processo de controle dos indivíduos enquanto tais. Em uma sociedade comunista, por fim, não mais terá sentido a separação da humanidade em países. Esta forma de controle social e de regulamentação da circulação de capital será absolutamente anacrônica. A 7 István Mészáros, op. cit., pp. 934 e ss. 12
  • 13. Curso “A Crise do Capitalismo” CEPIS/ENFF/Depto. De Jornalismo da PUC humanidade terá as peculiaridades históricas dos povos que a compõem desenvolvidas pelo rico processo de intercâmbio em um mundo que não conhece as barreiras artificiais chamadas fronteiras. Não vamos abordar, aqui, a questão que é certamente a mais urgente: como fazer-se a transição da sociedade capitalista à comunista. Há uma lição da história do século XX que não poderá ser de modo algum esquecida: todas as tentativas de controle do capital através da posse do aparelho estatal, isto é, pela mediação da política, fracassaram rotundamente. Tanto na vertente soviética quanto na vertente socialdemocrata, os exemplos demonstram o acerto da previsão marxiana segundo a qual o capital pode ser destruído, controlado jamais. E a destruição do capital é, nem mais nem menos, a destruição da mercadoria, portanto do dinheiro, do poder do homem sobre o homem. Este é o único conteúdo possível da única ruptura viável com o modo de produção capitalista: a revolução comunista. O que nos importa, para concluirmos esta nossa intervenção, é que a proposição da sociedade comunista por Marx está articulada a uma concepção ontológica muito precisa. Como sobre isto nos detivemos em "Lukács: por que uma ontologia no século XX?" 8 , apresentado no I Colóquio Marx e Engels, aqui apenas faremos menção aos pontos mais importantes: 1) em primeiro lugar, a absoluta historicidade do ser em geral. Não há nada, rigorosamente nada, que não seja um processo. Nada há no universo que não seja processual. Se é um processo, significa que é um sequência de transformações que conduzem de um estado a outro, de uma situação a outra, de um ente a outro, conforme o caso. Se tudo é processual, a essência, aqueles elementos de continuidade que particularizam cada processo enquanto tal, é também rigorosamente histórica. 2) se a essência é histórica, ela é parte movida e movente da história. Significa que a essência de cada ente é parte da história, ela surge e desaparece no curso da própria história do ente do qual é essência. Para a reprodução do mundo dos homens, esta tese ontológica rigorosamente universal se particulariza pela afirmação que a essência humana é o conjunto das relações sociais. Ela não precede a história dos homens, nem ocupa o lugar dos homens na determinação da história humana: ela é resultante da síntese em totalidade dos atos dos indivíduos concretamente determinados pela história. Esta síntese, em um pólo, é a personalidade de cada indivíduo; no outro pólo, o gênero humano em sua dimensão a mais universal. Entre estes dois pólos, todas as esferas e complexos particulares que compõem o mundo dos homens. 3) Se a essência humana é o conjunto das relações sociais, ela não pode representar o limite máximo do desenvolvimento da humanidade. Se a humanidade produz novas relações sociais – mais ainda, se é capaz de passar de uma sociabilidade a outra conforme transita de um modo de produção a outro – a essência humana também passa por uma transformação semelhante. A humanidade, portanto, é o único limite para o seu próprio desenvolvimento; as barreiras naturais poderão ser afastadas indefinidamente sem jamais desaparecem, certamente. 8 Sergio Lessa, "Lukács: por que uma ontologia no século XX?". In: Armando Boito et alli(orgs.), A obra teoria de Marx, São Paulo, Xamã, 2000. 13
  • 14. Curso “A Crise do Capitalismo” CEPIS/ENFF/Depto. De Jornalismo da PUC 4) Isto significa uma nova e radical concepção da história dos homens, do papel dos indivíduos nesta história, da determinação da produção material sobre as outrasesferas sociais, para ficarmos apenas com alguns dos tópicos mais importantes, que Marx não poderia desenvolver de nenhum das concepções de mundo que conheceu. Como tentei argumentar no I Colóquio Marx e Engels, dos gregos, tal concepção de mundo não poderia ser retirada, pois foram eles que, milhares de anos atrás, fundaram a concepção que associada essência e eternidade. A concepção a-histórica da essência já está presente, com todas as letras, em Parmênides. Dos pensadores medievais, muito menos. Além de terem identificado essência à eternidade, converteram esta essência eterna no Deus demiurgo de todo o universo. Os homens, pela sua essência de criaturas, sofreriam mais do que fariam a história. Dos pensadores modernos, tal concepção absolutamente histórica não poderia sair. Para eles, ser racional e ser proprietário privado eram determinações essenciais dos próprios homens. Mais ainda, a racionalidade essencial dos homens era a que reconhecia a racionalidade da propriedade privada. Ser humano era ser proprietário privado e racional. A sociedade mais desenvolvida possibilitaria que esta essência humana se manifestasse livremente, sem obstáculos, mas não seria capaz de alterar sequer um átomo desta essência porque, tal sociedade mais desenvolvida seria, ela própria, resultante do movimento desta mesma essência. De Locke a Rousseau e, mutatis mutandis, Hegel, estão todos neste mesmo patamar. Não resta, portanto, a Marx, senão elaborar uma nova, radicalmente nova, concepção de mundo. Única e original. A superação do capitalismo, a forma mais desenvolvida possível da sociedade de classes, requer a superação ideológica de todas as concepções de mundo que tais sociedades foram capazes de produzir. Nisto esta em grande parte a contribuição de Marx para a humanidade: uma teoria social que é, ao mesmo tempo, uma concepção filosófica única e uma proposta rigorosamente universal de emancipação da humanidade. 14
  • 15. Curso “A Crise do Capitalismo” CEPIS/ENFF/Depto. De Jornalismo da PUC 2º Texto - Beyond Capital: Estado e Capital9 - Sérgio Lessa Depart. de Filosofia da UFAL, membro das editorias das revistas Crítica Marxista e Práxis. Beyond Capital: Estado e Capital Para um amplo setor do Serviço Social, aquele tem por referência as chamadas obras com «intenção de ruptura», o debate acerca das políticas públicas tem, de algum modo, como pano de fundo uma perspectiva revolucionária. Na maior parte das vezes ela é indicada por eufemismos, tipo «transformação radical da sociedade», outras vezes é citada explicitamente como busca por uma «sociedade emancipada» ou «socialista». O Código de Ética da profissão, como demonstrou Lúcia Barroco em sua tese de doutoramento(Barroco,1997), tem na superação do capitalismo um dos seus referenciais mais importantes. Nenhuma profissão é um todo homogêneo e, entre os assistentes sociais, há disparidades entre a sua liderança intelectual e os setores mais diretamente envolvidos com o ensino ou com a atuação no interior dos órgãos estatais. Há, ainda, a presença de uma vertente mais conservadora, que adota os limites do capital por horizonte histórico — contudo, apesar de todos esses problemas, além do Serviço Social, qual outra profissão traçou como finalidade, expressa no seu Código de Ética, a superação do capitalismo? Uma outra peculiaridade do Serviço Social no interior das Ciências Sociais está no fato de, por sua própria natureza, possuir uma articulação muito íntima com as, assim denominadas, «políticas públicas». É no espaço estatal, predominantemente, que o Serviço Social vai se desenvolver e atuar com maior expressão, o que coloca para o conjunto da profissão, o difícil — e, em certo sentido, rico — problema de como articular, numa práxis socialmente viável, o Estado e suas políticas públicas com uma atuação que adota por horizonte a emancipação humana. A convivência quotidiana com essa questão faz do Serviço Social um palco privilegiado para a discussão do papel do Estado na sociedade contemporânea, da relação possível do Estado com os projetos emancipatórios e, por fim, do caráter do espaço porventura existente no interior do Estado para a acumulação de forças sociais visando uma transformação revolucionária da sociedade. É ao coração dessa questão que se dirige o presente artigo, com o único objetivo de chamar a atenção para a importância do último livro de István Mészáros, Beyond Capital. Certamente, Beyond Capital nem tem o Serviço Social por tema, nem mesmo as questões específicas da sua prática profissional são lá mencionadas. Contudo, Mészáros realiza algumas reflexões acerca da relação entre Estado e capital às quais, me parece, o Serviço Social deveria prestar alguma atenção. 1. A natureza do capital e o seu caráter destrutivo 9 Publicado em Serviço Social e Sociedade, v. 56, pp. 135-151, Ed.Cortez, São Paulo, 1998. 15
  • 16. Curso “A Crise do Capitalismo” CEPIS/ENFF/Depto. De Jornalismo da PUC Beyond Capital possui dois pilares conceituais decisivos. O primeiro, retirado diretamente da leitura que faz de Marx, diz respeito à natureza do capital enquanto modo totalizante de controle da reprodução social. O segundo se refere à essência destrutiva do capital, que Marx teria conhecido numa forma muito menos desenvolvida do que a que convivemos nesse século. Vamos a cada um desses pilares. Mészáros, após Marx, vai definir o capital como algo muito além de uma mera relação de poder entre a burguesia e os trabalhadores, a qual poderia ser extinta com a «expropriação dos expropriadores». Argumenta que, mais que poder, o capital é uma forma historicamente peculiar de controle do metabolismo social. Segundo ele, «As condições necessárias de todas as formas desenvolvidas concebíveis da relação-capital /.../ são: 1) a separação e alienação das condições objetivas do processo de trabalho do próprio trabalho; 2) a superimposição de tais condições objetivadas e alienadas sobre os trabalhadores enquanto um poder separado exercendo comando sobre o trabalho; 3) a personificação do capital enquanto um ‘valor egoísta’ /.../ [enquanto] estrutura internalizada [pelas subjetividades] da finalidade de realizar os imperativos expansionistas do capital /.../; e, 4) a equivalente personificação do trabalho /.../ que confina a identidade-de-sujeito (subject-identity) desse ‘trabalho’ às suas atividades produtivas fragmentárias.» (Mészàros,1995:617) As duas primeiras condições não são exatamente novidades: a submissão do trabalho vivo ao trabalho morto, a produção pelo trabalho de uma riqueza a ele alienada 10 e que o subsume sob a forma da relação capital-trabalho abstrato. Nessa estrutura produtiva, a alienação do trabalho se manifesta, também, pela presença de um «comando sobre o trabalho» que se afirma enquanto um «poder separado» tanto do trabalhador como do próprio processo de trabalho: o que e o como será produzido é determinado por forças que não emanam nem da atividade produtiva estrito senso, nem do trabalhador diretamente envolvido. A terceira condição necessária para a existência do capital, assinala Mészáros, é que a sua reprodução implica na produção histórica de «personificações do capital», ou seja, de pessoas que, enquanto individualidades e enquanto classe, assumem como finalidade de suas vidas, como sentido de suas existências, os valores e fins que expressam as necessidades do processo de reprodução ampliada do capital. A forma clássica dessa personificação tem sido, até agora, a figura do proprietário privado (concebido por Mészáros nos moldes da contraposição entre citoyen e bourgeois exposta por Marx em A questão judáica). Contudo, essa forma, por ser clássica, está longe de ser a única: as sociedade «pós-revolucionárias», todas elas, da URSS à China, deram origem a uma nova forma de personificação do capital sob a forma de uma burocracia dirigente que se apoderou do poder do Estado 11 . 10 Entre os marxistas brasileiros, carecemos ainda de uma padronização adequada para a tradução do binômio Entäusserung/Entfremdung. Alguns preferem a alternativa alienação/estranhamento; outros exteriorização/alienação, respectivamente. Nesse artigo, tendo em vista maior clareza para o leitor não especializado, optamos pela segunda alternativa. Assim, utilizaremos alienação no sentido negativo da produção social de desumanidades. 11 «O capital pode /.../ mudar a forma de sua regência desde que essas quatro condições básicas — que são constitutivas de seu ‘sistema orgânico’ e compatíveis com todos os tipos de transformação de detalhes sem 16
  • 17. Curso “A Crise do Capitalismo” CEPIS/ENFF/Depto. De Jornalismo da PUC A personificação do capital tem, como sua contrapartida necessária, a «personificação do trabalho», ou seja, a interiorização de valores e finalidades que refletem as necessidades do capital ‘do ponto de vista do trabalho’. Como o capital é a condição necessária e indispensável para a realização do trabalho abstrato, o trabalhador, que constrói sua identidade polarizada pelo seu papel de vendedor de força de trabalho, não terá como deixar de assumir, como suas necessidades, as condições indispensáveis para a reprodução do próprio capital. A consciência reificada dos trabalhadores, tomando a aparência por essência, concebemo trabalho apenas e tão somente como trabalho abstrato, e como não há trabalho abstrato sem capital, deduzem serem capital e trabalho «parceiros» de uma mesma empreitada. Como sem a fábrica não há trabalhadores fabris, entendem a defesa da última como a defesa de si próprios. É a defesa, pelo trabalhador, da extração da mais- valia; em outras palavras, é o máximo da alienação concebível. E por essa mediação que, se o metabolismo social regido pelo capital produz personificações do capital, produz também o seu corolário necessário, personificações do trabalho abstrato. Nas palavras de Mészáros, como o capital é um processo cuja essência é a «circularidade perversa /.../ [pela qual] o trabalho enquanto trabalho objetivado e alienado se transforma em capital e, enquanto personificação do capital, confronta, assim como domina, o trabalhador /.../[,] o poder que domina o trabalhador é, de forma circular, o próprio poder do trabalho social transformado, que assume uma ‘forma fantasiada/travestida’ e funda a si próprio na ‘situação fetichizada na qual o produto é o proprietário do produtor’.»(Mészáros,1995:607) Esse «círculo vicioso», pelo qual as potências sociais do trabalho são dele alienadas no próprio ato da sua reprodução, faz com que o sistema do capital se constitua em uma verdadeira «causa sui»(Mészáros,1995:610): sua essência está na sua própria reprodução ampliada, sua existência repousa em sua própria dinâmica e não em nenhuma outra causa externa à sua própria lógica. Nesse preciso sentido, o capital consubstancia uma autêntica e verdadeira «causa sui»: muito mais que uma forma de poder entre os homens, o capital é um modo sóciometabólico de controle social. A esfera do poder se desdobra entre as «personificações» do capital e as do trabalho abstrato — e, por isso, a destruição de uma das formas particulares dessas personificações não é condição suficiente para a superação do capital. Faz parte da essência do capital, continua Mészáros, submeter à sualegalidade todas as relações sociais com que se defronta. Essa sua lógica expansionista que, em contato com outras formas de sociabilidade, as destroi para submetê-las às sua reprodução ampliada, faz parte do essencial de sua história desde as feiras medievais até à globalização dos nossos dias. Sempre que ocorrer o confronto entre o capital e um complexo social pré-capitalista desdobrar-se-á uma luta de morte entre o «velho» e o «novo», na qual as contradições antagônicas que brotam desse confronto tenderão sempre a destruir um dos pólos. Até hoje, com uma ou outra mediação, o resultado tem sido a vitória do capital. Nas palavras de Mészáros, o «capital enquanto tal nada mais é que uma dinâmica, um modo e meio de mediação reprodutiva que a tudo abarca e domina /.../. É um sistema claramente identificável de mediações o alterar sua substância — não sejam radicalmente superadas pela formação de um sistema orgânico alternativo, genuinamente socialista.»(Mészàros,1995:617) 17
  • 18. Curso “A Crise do Capitalismo” CEPIS/ENFF/Depto. De Jornalismo da PUC qual, nas suas formas adequadamente desenvolvidas, subordina estritamente todas as funções sócio- reprodutivas — das relações de gênero e de família às relações materiais de produção, e até mesmo a criação de obras de arte — à exigência absoluta da expansão do capital, isto é, da sua própria expansão contínua e reprodução ampliada enquanto um sistema sócio-metabólico de mediação.»(Mészàros,1995:117) Essa tendência expansiva do capital encontra em seus limites intrínsecos obstáculos intransponíveis à sua perenidade. O desenvolvimento do capital, de forma necessária, termina, sempre segundo Mészáros, por produzir os seus próprios e insuperáveis limites, de tal modo que sua expansão é, também, a ampliação extensiva e intensiva do caráter destrutivo, perdulário, de sua própria essência. Esse seu caráter essencialmente auto-destrutivo hoje se manifesta de forma plena e explícita sob a forma do dilema: ou a humanidade supera o capital, ou terá que enfrentar ameaças crescentes à sua própria sobrevivência. A afirmação por Mészáros da existência de «limites absolutos» à expansão do capital será, provavelmente, um dos pontos mais polêmicos dessa sua obra. Em primeiro lugar, porque uma concepção aparentemente mas só aparentemente — semelhante teve conseqüências nefastas para o movimento revolucionário nesse século. Para sermos breves, lembremos das teorias catastrofistas da III Internacional que previram sucessivos colapsos da ordem capitalista, bem como das equivocadas estratégias e táticas revolucionárias que ocasionaram. Tornou-se como que senso comum, após esses anos todos de adaptação do capitalismo às novas condições históricas, a afirmação da inexistência de limites à expansão do capital — a não ser aquele limite socialmente imposto pela afirmação hegemônica de um projeto socialista. Mészáros vai argumentar o equívoco dessas duas concepções. A primeira, da III Internacional, por não ser capaz de identificar os reais limites à expansão do capital (fundamentalmente por ser, a própria III Internacional, expressão da afirmação histórica de uma nova forma de regência do capital, aquela que se explicitou na URSS); e, a segunda, por negar a existência de tais limites. Segundo Mészáros, o caráter crescentemente destrutivo da produção capitalista, a intensificação da obsolescência planejada, a cada vez mais intensa perdularidade do capital no trato dos recursos naturais e sociais se chocam, de modo escandaloso, com o fato de sermos uma humanidade finita, que habita um planeta finito, com recursos finitos e com um equilíbrio ecológico cada vez mais ameaçado. É inconcebível que possamos, ad infinitum, desconsiderar os limites planetários e sociais à expansão da produção e do consumo e, por tabela e com urgência ainda maior, que possamos desconsiderar a perdularidade do atual modo de produção (perdularidade, como veremos, que chega ao absurdo de desperdiçar de modo criminoso não apenas os recursos naturais, mas inclusive pessoas sob a forma de força de trabalho excedente). Com base nessa constatação, Mészáros propõe seu tertium datur: a expansão do capital produz seus próprios limites, que atuam enquanto tais, isto é, enquanto limites, na sua reprodução cotidiana. Eles delimitam o horizonte de possibilidades no interior do qual o capital pode manobrar no sentido de deslocar suas contradições antagônicas. O deslocamento, pelo capital, dos seus limites a patamares superiores não significa que eles não existam, nem que não atuem, enquanto limites. Significa, apenas, que podem ser realocados de modo a possibilitar a reprodução ampliada do capital por mais algum tempo. Contudo, isso a um preço crescente (com uma taxa decrescente de acumulação) e com a tendência de cada deslocamento cria um esquilíbrio cada vez 18
  • 19. Curso “A Crise do Capitalismo” CEPIS/ENFF/Depto. De Jornalismo da PUC mais efêmero e instável, de tal modo que cada deslocamento significaria, também, uma aproximação aos limites de expansão do próprio capital. Para Mészáros, em suma, o deslocamento dos limites absolutos do capital não significa a inexistência deles, mas apenas uma reconfiguração do sistema global que os eleva a patamares superiores de sociabilidade — com a conseqüente agudização das contradições fundamentais da sociabilidade regida pelo capital. Não é aqui o local para discutirmos essa tese de Mészáros, poi exigiria muito mais que um artigo panorâmico de algumas das passagens centrais de Beyond Capital. Assinalaremos, apenas, que ela se desdobra no interior de uma concepção ontológica que, a meu ver, é típica da vertente que, no marxismo contemporâneo, é balizada pela articulação Marx-Lukács: a historicidade da essência (portanto, a rejeição in limine de toda «natureza humana» a-histórica, como quer o liberalismo), o reconhecimento da peculiaridade qualitativa da totalidade frente à particularidade (com a recusa de toda concepção mecanicista e estruturalista), o reconhecimento do ser social enquanto causalidade posta pela práxis social (com o rompimento com as concepções que não conseguem reconhecer o caráter ativo da subjetividade na história dos homens). Essa continuidade entre Mészáros e Lukács de modo algum é indiscutível. Talvez — vale a pena sublinhar — o próprio autor de Beyond Capital não a veja dessa forma. Contudo, sem entrar ainda nessa polêmica, vale assinalar que essa concepção categorial mais geral de Mészáros torna a sua tese acerca da existência de limites absolutos à expansão do capital em tudo e por tudo distinta das teorizações aparentemente semelhantes que podemos encontrar em outros autores do nosso século. Segundo ele, a aproximação do capital aos seus limites históricos resulta, hoje, na manutenção de uma crise estrutural que assumiu, num primeiro momento (a dos anos cinqüenta e sessenta), a forma do Welfare State e, num segundo momento, nos anos setenta até hoje, a forma de um «continunn de depressão» («depressed continunn») que tende a abolir até mesmo os mecanismos de controle das crises da etapa anterior. Numa evidente oposição às teorias que, hoje, procuram idealizar os «anos dourados», produzindo uma imagem do Welfare State enquanto período de apogeu da democracia e de segurança econômicas, Mészáros demonstra que tanto hoje, como no pós-guerra, o gargalo da reprodução ampliada do capital era o mesmo: a impossibilidade de, mantido o atual metabolismo social, ampliar o consumo na mesma amplitude com que se desenvolve as forças produtivas. A saída encontrada pelo capital foi composta por três movimentos principais, entre si complementares. Em primeiro lugar, ampliar o consumo pela estruturação de um mercado consumidor de massas que teve no Welfare State sua necessária regulamentação política. Em segundo lugar, intensificar o caráter destrutivo e perdulário do sistema pela adoção de uma escandalosa estratégia de obsolescência planejada, de tal modo a amplia a venda pela redução do consumo das mercadorias (joga-se fora uma geladeira ainda nova, compra-se roupas desnecessárias, etc.). Do ponto de vista do capital, a rigor há uma identidade funcional entre consumo e destruição: uma vez vendida, o ideal seria que a mercadoria fosse imediatamente destruída para dar lugar a uma nova compra. A intensificação da «obsolescência planejada» no pós-guerra intensificou essa tendência de aproximação funcional entre consumo e destruição dos produtos sociais — e, no seu limite, chegou mesmo a identificá-las em setores econômicos da maior importância, ainda que específicos, como o Complexo Industrial Militar. 19
  • 20. Curso “A Crise do Capitalismo” CEPIS/ENFF/Depto. De Jornalismo da PUC Certamente a generalização para toda a sociabilidade da identificação entre consumo e destruição, tal como ocorre com o Complexo Industrial Militar é uma absoluta impossibilidade. No complexo Industrial Militar tal identificação possibilitou o deslocamento de dois dos mais significativos entraves para a expansão do capital. Por um lado, liberta a produção dos limites do mercado consumidor: ao produzir novas armas, no contexto da Guerra Fria, está garantido o mercado consumidor composto pelo Estado. Em segundo lugar, essas armas são compradas para não serem utilizadas, pois sua utilização implicaria naextinção da humanidade. Elas se realizam enquanto mercadorias não pelo consumo, mas pela sua venda: consumo zero com compra máxima! O Complexo Industrial Militar, segundo Mészáros, possibilitou ao capital deslocar para um patamar superior dois dos maiores obstáculos à sua expansão no pós-guerra: ampliou o consumo sem necessariamente ampliar o mercado consumidor, e submeteu a demanda à produção, já que o mercado bélico é, não mais o consumidor individual, mas sim o Estado que opera através de encomendas e contratos de longo prazo. Esse é um dos resultados surpreendes de Beyond Capital. Longe dos «anos dourados», argumenta que o Welfare State seria a primeira forma da crise estrutural em que o capital está mergulhado desde o pósguerra(Mészàros,1995:53). É por isso que, ao lado de «políticas públicas» que deixam alguns saudosos, vale lembrar que foi o Welfare State que produziu desde o macarthismo nos EUA ao gaullismo na França, momentos de repressão política intensa no interior de países constitucionalmente democráticos; que foi na sua vigência que ocorreu o renascimento da tortura como instrumento de perseguição política mesmo nos países democráticos centrais, para não falar na periferia do sistema (Millet, 1994); e para terminar uma lista que poderia ser mais longa, foi também contemporâneo ao planejamento em larga escala, com investimentos vultuosos (mais vultuosos que em qualquer outro setor econômico considerado isoladamente), da destruição nuclear da humanidade. E as «políticas públicas», ao fim e ao cabo, visavam não uma sociedade mais justa, mas sim a incorporação dos trabalhadores a um mercado consumidor cuja expansão fazia parte da lógica mais global da reprodução destrutiva do sistema do capital. Ainda que amplo e profundo, o deslocamento das contradições pelo Welfare State demonstrou ter vida curta, conduzindo na década de setenta e oitenta ao segundo momento da crise estrutural do capital, não apenas com a desmontagem do Welfare State, mas também com a dissolução do outro sistema do capital contemporâneo, o das sociedades pós-revolucionárias (URSS, etc.). Mais uma vez, o que está no fundo dessa argumentação de Mészáros é a velha (e boa) concepção marxiana segundo a qual a tendência do capital à expansão nada mais é, ao fim e ao cabo, que a tendência à expansão de riqueza humana alienada, — e, nesse sentido, é uma tendência à expansão, intensiva e extensiva, da destrutividade das relações sociais. Ao ampliarem suas forças produtivas sob a regência do capital, os homens terminam por ampliar também sua desumanidade, o que se expressa concentradamente, hoje, na ampliação de suas capacidades de autodestruição. Não apenas pela produção de armas de destruição maciça, mas também pela destruição mais danosa para a humanidade: a de individualidades reduzidas à força de trabalho excedente. Reprodução do capital e produção destrutiva se tornaram, para Mészáros, hoje sinônimos; e essa tendência expansionista do capital e, por conseqüência, à potencialização da sua destrutividade e da sua perdularidade são essencialmente incontroláveis. O capital só existe sob essa forma de expansão; o capital é 20
  • 21. Curso “A Crise do Capitalismo” CEPIS/ENFF/Depto. De Jornalismo da PUC essa dinâmica expansionista e tende a submeter à sua legalidade todas as relações sociais, sejam elas quais forem. Em sendo assim, por mais que seja possível deslocar as contradições e prolongar no tempo o padrão reprodutivo do capital, «/.../ no sistema do capital toda ‘harmonização’ só pode assumir a forma de um balanceamento temporário — e nunca de uma verdadeira resolução — do conflito. /.../ O axioma bellum omnium contra omnes é o modus operandi insuperável do sistema do capital. Pois, enquanto um sistema sócio- metabólico de controle ele é antagonisticamente estruturado da menor à mais abrangente unidade política e sócio-econômica. /.../»(55) A intensificação das contradições inerentes ao sistema do capital, com a sua crescente destrutividade, à medida em que o capital se aproxima de forma cada vez mais aguda aos seus limites absolutos, causou, segundo Mészáros, uma profunda modificação na relação entre o Estado e a sociedade. A complexificação da reprodução social, com o surgimento de novos complexos mediadores, com a tendência à crescente diversificação interna das classes sociais, etc., resultou na intensificação do papel econômico do Estado — e não, como querem outros, na ampliação do espaço de autonomia do Estado frente às classes sociais. Em poucas palavras, para Mészáros, se na época de Marx o Estado era o comitê executivo das classes dominantes, hoje ele é uma mediação economicamente indispensável para a reprodução ampliada do capital. Com isso chegamos ao momento de Beyond Capital que tomamos por objeto desse artigo: a relação entre Estado e capital. 2- Estado e Capital Na exposição da tese de Mészáros acerca da relação entre Estado e capital, um dos possíveis pontos de partida é sua afirmação segundo a qual o Estado não pode ser concebido como uma superestrutura, nos moldes da clássica contraposição entre infra e superestrutura no marxismo contemporâneo. Tal como no passado, o Estado continua como assegurador da propriedade e como instrumento para colocar os pobres a trabalhar. Contudo, continua, «A radical diferença é /.../ [que] o Estado capitalista deve agora assumir um papel intervencionista direto em todos os planos da vida social, ativamente promovendo e administrando o consumo destrutivo e a dissipação da riqueza social numa escala monumental. Pois sem tal intervenção direta no processo sóciometabólico, não mais em situações de emergência mas de forma contínua, não pode ser mantida em existência a extremada capacidade de desperdício do sistema capitalista.»(Mészáros,1995:600 e 623). Essa intervenção global do Estado em todos os setores da vida social cumpre a importantíssima função de evitar a fragmentação do sistema do capital pela ação das tendências centrífugas que lhe são inerentes 12 . Sempre segundo Mészáros, essas tendência brotariam, em primeiro lugar, do fato de a «produção e seu controle /.../[serem] radicalmente separadas, de fato, diametralmente opostos, um ao outro.»(Mészáros,1995:48) 12 «O Estado moderno vem a ser na sua específica modalidade histórica, sobretudo para exercer um controle global (comprehensive) sobre as incontroláveis forças centrífugas que emanam das separadas unidades produtivas do capital enquanto um sistema reprodutivo social antagonicamente estruturado.»(Mészáros,1995:50) 21
  • 22. Curso “A Crise do Capitalismo” CEPIS/ENFF/Depto. De Jornalismo da PUC Para Mészáros, sem a atuação do Estado, hoje, «até mesmo o menor ‘microcosmos’ — antagonicamente estruturado — do sistema do capital seria internamente rompido pela disputa constante, nulificando desse modo sua eficiência econômica potencial.»(Mészáros,1995:50) A segunda fonte de tendências que tendem a desarticular o sistema do capital está em que, pela sua própria dinâmica, «/.../ produção e consumo adquirem uma independência extremamente problemática e uma existência separada»(Mészáros,1995:48), de tal modo que as necessidades humanas cada vez mais deixam de ser o referencial para a produção. Produz-se o que possibilita a maior acumulação de capital, e não o que é humanamente necessário — e, na esfera da circulação, essa contradição se manifesta gerando uma absurda justaposição ente o «sobreconsumo» destrutivo e perdulário e a «negação inumana das necessidades elementares de incontáveis milhões.»(Mészáros,1995:48) Frente à essa contradição essencial ao capital, «/.../ o papel totalizante do Estado moderno é fundamental. Ele deve sempre ajustar suas funções regulatórias /.../ complementando politicamente e reforçando a dominação do capital contra as forças que poderiam ousar questionar as brutais iniquidades de distribuição e consumo. Além disso, o Estado também deve assumir a importante função de comprador/consumidor direto numa escala sempre crescente.»(Mészáros,1995:52) E, em terceiro lugar, «Uma das mais óbvias e, ao fim, mais intratáveis contradições, continua Mészáros, é que historicamente a estrutura de comando política do sistema do capital», bem como a moldura no interior da qual são possíveis as medidas paliativas de deslocamento das contradições, são articuladas «na forma de Estados nacionais, apesar de /.../ esse sistema [o do capital] não poder concebivelmente ser confinado a esses limites.»(Mészáros,1995:53) Em suma, para Mészáros, caberia ao Estado, antes de mais nada, contrarrestar as tendências centrífugas que emergem dos três níveis de contradições do sistema do capital acima indicados. Sem o Estado, tais contradições gerariam tendências à fragmentação que não seriam compensadas por tendências opostas no curso da reprodução social, levando à desagregação da sociabilidade sob a regência do capital. Nesse sentido preciso, o Estado é essencial à própria existência do capital. Como o capital é «incapaz de funcionar sem uma estrutura de comando adequada», continua Mészáros, «/.../ seria muito desencaminhador descrever o próprio Estado como uma superestrutura. Já que o Estado constitui a totalizante estrutura de comando político do capital — a qual é absolutamente vital para a sustentabilidade material do sistema como um todo — ele não pode ser reduzido a um status superestrutural. Antes, o próprio Estado enquanto uma estrutura de comando compreensiva tem sua própria superestrutura — apropriadamente denominada por Marx como ‘a superestrutura política e legal’ — tal como as próprias estruturas reprodutivas diretamente materiais têm as suas próprias dimensões superestruturais. (Por exemplo, as teorias e práticas de ‘relações públicas’ e ‘relações industriais’, ou a assim denominada ‘administração científica’, originada na iniciativa capitalista de Frederic Winslow Taylor).»(Mészáros,1995:59) Não é necessário muito para que se perceba a novidade que essa tese representa, ao menos no debate contemporâneo. Até agora, de modo geral, a relação economia-Estado era concebida tendo por mediação as 22
  • 23. Curso “A Crise do Capitalismo” CEPIS/ENFF/Depto. De Jornalismo da PUC classes sociais. Algo como se entre a esfera da reprodução material e as relações políticas se interpusessem as classes sociais e as suas lutas. Tanto o marxismo vulgar, como até mesmo pensadores da estatura de um Lukács maduro (penso aqui especialmente em Para uma Ontologia do Ser Social) de algum modo compartilharam dessa concepção. Se Mészáros estiver com a razão, contudo, o Estado seria um elemento estrutural da própria reprodução ampliada do capital — como vimos, uma autêntica causa sui que impõe ao metabolismo social a sua qualidade específica. Em sendo assim, os elementos superestruturais do Estado (a política e o direito) representariam as exigências e as necessidades imanentes ao capital em cada momento de sua história, se relacionando com as classes sociais à medida em que todas elas seriam personificações ou do trabalho vivo (do trabalho abstrato) ou do trabalho morto (do capital). Com essa leitura de Marx, Mészáros supera, por um lado, as concepções dicotômicas, dualistas, que entendem capital e Estado como duas esferas mais ou menos independentes; e, de outro lado, aquelas que tendem a reduzir o Estado à mero comitê executivo das classes dominantes. Nem o Estado é independente do capital, nem representa direta e exclusivamente os interesses da classe dominante: ele expressa as necessidades globais da manutenção da reprodução do metabolismo social regido pelo capital. Mais uma vez, em que pese a tentação, não podemos nos alongar nem na exposição nem na discussão dessa tese de Beyond Capital. O que a nós importa, para a continuidade desse artigo é que, dessa concepção do Estado enquanto mediação infraestrutural do sistema do capital, Mészáros retira duas conseqüências da maior importância para o debate no Serviço Social. Em primeiro lugar, do ponto de vista teórico-metodológico, por ser o Estado uma mediação infraestrutural do sistema do capital, «é futilidade desperdiçar tempo tentando tornar inteligível a especificidade do Estado em termos da categoria da ‘autonomia’ (especialmente quando a noção é espichada para significar ‘independência’), ou da sua negação. O Estado, enquanto uma estrutura abrangente de comando político não pode ter autonomia, em qualquer sentido, do sistema do capital, já que é com este inestrincavelmente uno. Ao mesmo tempo, o Estado está muito longe de poder ser redutível às determinações que emanam diretamente da funções econômicas do capital.»(Mészáros,1995:60) O Estado nem é autônomo ao capital, nem é redutível às suas «funções econômicas», em primeiro lugar por ser ele a estrutura global de comando do sistema do capital não podendo, portanto, ser dele autônomo, muito menos independente 13 ; e, em segundo lugar, e no sentido que ele deve contrarrestar as tendência centrífugas que emanam das «funções econômicas do capital», não podendo por isso ser redutível à elas 14 . 13 «Seria um grande erro, no entanto, igualar o Estado enquanto tal com a estrutura de comando do sistema do capital.»(Mészáros,1995:64) Pois, «/.../ o capital enquanto tal é ele próprio sua própria estrutura de comando da qual a dimensão política é uma parte integral, ainda que de nenhum modo uma parte subordinada. Novamente aqui nós podemos enxergar a manifestação prática da reciprocidade dialética.»(Mészáros,1995:64) 14 «O Estado moderno — enquanto estrutura abrangente de comando do capital — é tanto o pré-requisito necessário para a transformação das unidades primariamente fragmentadas em um sistema viável do capital, /.../ [como também é] a estrutura dominante para a completa articulação e manutenção /.../ [do capital] enquanto um 23
  • 24. Curso “A Crise do Capitalismo” CEPIS/ENFF/Depto. De Jornalismo da PUC Tanto é assim, conclui Mészáros, que não apenas o capital é impensável sem o Estado moderno 15 , como também «o próprio Estado, em si mesmo, é inconcebível sem o capital enquanto sua fundação sóciometabólica.»(Mészáros,1995:65) Entre o Estado e a sociedade civil regida pelo capital temos um «círculo de ferro» no interior do qual cada uma das partes reforça o todo, e em cuja reprodução todas as suas partes são sempre momentos partícipes da expansão do capital enquanto autêntica causa sui. É essa concepção de fundo que possibilita a Mészáros concluir, mais à frente, que a estratégia reformista que predominou no movimento operário nesse século resultou, não no fortalecimento da luta dos trabalhadores contra o capital mas, pelo contrário, na assimilação pelo Estado desses mesmos partidos e sindicatos. Eles, também, terminaram por assumir como suas as necessidades do capital. Nas palavras de Mészáros, «Os dois pilares da ação da classe trabalhadora no ocidente — partidos e sindicatos — são de fato inseparavelmente articulados com o terceiro membro da estrutura institucional geral: o parlamento, através do qual é fechado o círculo sociedade civil/Estado político, o qual se transforma naquele paralisador ‘círculo mágico’ do qual parece não haver escapatória. Considerar os sindicatos, junto com outras (muito menos importantes) organizações setoriais, como de algum modo apenas pertencentes à ‘sociedade civil’, em virtude do que poderiam ser usados contra o Estado político para uma profunda transformação socialista, não é mais que um wishiful thinking. Pois o círculo institucional do capital é feito de totalizações recíprocas da sociedade civil/Estado político que se interpenetram profundamente e se suportam poderosamente. Por isso, é necessário mais que apenas derrubar um dos três pilares — o parlamento, por exemplo, para produzir a mudança necessária.»(Mészáros,1995:678) Qualquer reforma política do sistema terminará por absorver a qualidade da totalidade sistêmica do capital: tal como a parte é determinada pelo todo, sem por isso deixar de ser parte dessa mesma totalidade, as reformas políticas podem, no máximo, ser a gênese de novas formas da regência do capital, aboli-la jamais. Em sendo assim, continua argumentando Mészáros, à medida em que a tendência histórica predominante em nossa época é a de crescente e incontrolável aproximação do capital aos seus limites, é previsível um aumento da presença do Estado na vida cotidiana «ao invés do prometido ‘recuo dos limites do Estado’».(Mészáros,1995:705) As mediações extraeconômicas, diretamente políticas, tendem a se tornar cada vez mais decisivas para a reprodução do capital à medida em que suas tensões estruturais se agudizarem. Portanto, para Beyond Capital, a incontrolabilidade inerente à auto-reprodução ampliada do capital conduz, não à ampliação da regulamentação política sobre o capital (o sonho dos sociais-democratas), mas justamente ao oposto, isto é, à intensificação da regulamentação do capital sobre o metabolismo social por meio do Estado. A segunda conseqüência da tese do caráter infraestrutural do Estado é que também 16 nela Mészáros se apóia para argumentar a necessidade do defenecimento do Estado para a transição socialista. Para ele, a sistema global. Nesse sentido fundamental, /.../ o Estado deve ser entendido como uma parte integral do próprio solo material do capital.»(Mészáros,1995:61-5) 15 Tal Estado é «uma exigência absoluta tanto para assegurar quanto para salvaguardar, em uma base permanente as realizações produtivas do sistema»(Mészáros,1995:49) 24
  • 25. Curso “A Crise do Capitalismo” CEPIS/ENFF/Depto. De Jornalismo da PUC abolição do Estado é uma exigência insuperável à realização do projeto socialista. Cita Marx («Existência do Estado e a existência da escravidão são insuperáveis...»), e propõe o defenecimento do Estado com todas as letras: «Dada a inseparabilidade dessas três dimensões do sistema do capital plenamente articulado — capital, trabalho e o Estado — é inconcebível emancipar o trabalho sem simultaneamente superar também o capital e o Estado. /.../ Enquanto as funções controladoras vitais do metabolismo social não forem efetivamente tomadas e autonomamente exercidas pelos produtores associados, mas deixadas sob a autoridade de um pessoal de controle separado (isto é, um novo tipo de personificação do capital), o trabalho enquanto tal continuará reproduzindo o poder do capital sobre si próprio, materialmente mantendo e estendendo, portanto, a regência da riqueza alienada sobre a sociedade.»(Mészáros,1995:494) Sem o defenecimento do Estado não pode haver nem superação do capital nem, obviamente, do trabalho abstrato. Pois o capital apenas pode existir se possuir no Estado uma mediação estrutural ao intrínseco e absolutamente necessário processo de reprodução ampliada; sem o capital, o Estado que conhecemos jamais poderia existir; e, obviamente, não há trabalho abstrato sem capital. O projeto marxiano de emancipação «/.../ é possível apenas se todas as funções controladoras do metabolismo social /.../ [forem] progressivamente apropriadas e positivamente exercidas pelos produtores associados. Nesse sentido, o deslocamento estrutural objetivo /.../ das personificações do capital através de um sistema de genuíno auto-gerenciamento é a chave para a restruturação exitosa das estruturas herdadas/.../» em direção à sociabilidade emancipada. (Mészáros,1995:495) É desse referencial que Mészáros parte para a análise da falência dos projetos reformistas de transição para o socialismo. Observa que essa falência é de tal ordem que, de projetos de transição para o socialismo por meio de reformas, terminam por se transformar em projetos de reformas para aquém do socialismo, em projetos de reformas do próprio capitalismo. Se, na origem, eram revolucionários reformistas, com o tempo se transformam em capitalistas reformistas. E, argumenta nosso autor, nem poderia ser de outra forma, pois basearam a sua estratégia em uma concepção fundamentalmente falsa, ilusória: a de que poder-se-ia controlar o capital através de reformas parciais que terminariam por conferir a este uma qualidade ontologicamente distinta ao que é hoje. O «projeto [dos sociais-democratas] de institucionalizar o socialismo por meios parlamentares estava condenado ao fracasso deste o começo. Pois eles visam o impossível. Eles prometiam transformar gradualmente em algo radicalmente diferente — isto, em uma ordem socialista — um sistema de controle sócio-reprodutivo sobre o qual eles não tinham nem poderiam ter qualquer controle significativo no e através do parlamento.»(Mészáros,1995:713) Por ser o capital, por suas próprias determinações ontológicas, incontrolável, «investir energias de um movimento social em tentar reformar um sistema substancialmente incontrolável, é um trabalho muito mais fútil que aquele de Sísifo, já que a 16 Ainda que não apenas nela, pois há em Beyond Capital extensas considerações acerca da incompatibilidade ontológica entre qualquer forma de controle externo ao processo produtivo com a sociabilidade emancipada, às quais não temos aqui espaço nem mesmo para uma menção muito rápida e superficial. 25
  • 26. Curso “A Crise do Capitalismo” CEPIS/ENFF/Depto. De Jornalismo da PUC viabilidade da reforma, mesmo a mais limitada, é inconcebível sem a habilidade de se exercer o controle sobre aqueles aspectos ou dimensões do complexo social que se tenta reformar.»(Mészáros,1995:713) Essa incontrolabilidade ontológica do capital significa, além de ele ser «irreformável» (as reformas apenas podem conduzir a uma nova forma de regência do capital sobre a totalidade do metabolismo social), que ele também «não pode compartilhar poder, mesmo no curto prazo, com forças que buscam, como seu ‘objetivo último’, transcendê-lo não importa em quão longo prazo.»(Mészáros,1995:716) «Compreensível, portanto — continua Mészáros — que as estratégias construídas apoiadas nos dois pilares de 1) reformar o incontrolável e 2) ‘conquistar os postos de comando’ do sistema estabelecido através de um ponto de apoio de um poder não- existente [o poder de compartilhar o poder com o capital], teria que terminar com a derrota auto-imposta da esquerda histórica.»(Mészáros,1995:716) Uma terceira conseqüência que Mészáros retira desse complexo de questões, e que aqui apenas mencionaremos já que o artigo já vai se tornando grande em demasia, é que, pelas mesmas razões, acima apontadas, que tornam o capital irreformável do ponto de vista socialista, e incontrolável do ponto de vista de um projeto emancipatório, — por essas mesmas razões o trabalho apenas pode ser politicamente representado no Estado enquanto trabalho abstrato, enquanto personificação do trabalho do ponto de vista do capital. Em si mesma, e por si só, a representação política das classes trabalhadores em um Estado burguês apenas é possível enquanto representação da personificação do trabalho abstrato, e jamais enquanto representação de um projeto emancipatório (Mészáros,1995:719-20). Por isso, argumenta Mészáros, a necessidade absoluta de um forte movimento extraparlamentar que consiga contrarrestar pela luta social essa tendência à assimilação ao status quo da representação político-parlamentar das classes trabalhadoras. O quanto essa tese tem de atual pode ser percebida com um rápido olhar minimamente crítico da trajetória dos partidos trabalhistas tanto na Europa como no Brasil. Para concluir, vale assinalar o quanto é original, no debate contemporâneo, a concepção do Estado exposta por Mészáros em Beyond Capital. Em primeiro lugar, porque recoloca o debate acerca do Estado em um solo ontológico pouco explorado: enquanto componente infraestrutural do sistema do capital, que expressa as necessidades da reprodução global do capital em relação às (e não pela mediação das) classes sociais. O Estado teria seu fundamento de ser nas contradições inerentes à reprodução ampliada do capital enquanto autêntica causa sui. Se Mészáros estiver com a razão, uma boa parte do debate acerca da relação entre Estado e projetos emancipatórios, revolucionários, estaria irremediavelmente desfocada. Por exemplo, estariam equivocadas as propostas, tão conhecidas do Serviço Social, de transformar a sociedade pela organização dos movimentos sociais locais, partindo do pressuposto que uma sociedade civil organizada seria o antípoda mais eficaz ao poder centralizado do Estado. Se Beyond Capital se demonstrar minimamente correto, a relação entre sociedade civil e Estado seria de tal ordem que o poder do último emergiria, não da desorganização da primeira, mas sim da sua organização enquanto metabolismo regido pelo capital. Organização da sociedade civil e presença do Estado na vida social não seriam pólos antinômicos, mas sim complementares. Toda a discussão, após uma dada leitura de Gramsci, que propõe como transição ao socialismo a «organização» da sociedade civil estaria equivoca na 26
  • 27. Curso “A Crise do Capitalismo” CEPIS/ENFF/Depto. De Jornalismo da PUC sua raiz: não há como se conquistar o «Estado» através de um seu cerco pela sociedade civil, pela razão de que tanto a sociedade civil quanto o Estado são momentos complementares da ordem societária ordenada pela reprodução ampliada do capital. Em um outro pólo, as teses que propõem a superação do Estado afirmando seu caráter essencialmente burguês estariam, elas também, desfocadas da questão decisiva. A destruição da burguesia, através da «expropriação dos expropriadores», da eliminação da propriedade privada, é um passo necessário, certamente, porém longe de ser suficiente para a emancipação humana, já que a relação burguesia-proletariado é apenas uma forma particular, historicamente determinada, da regência do capital. Para além da «expropriação dos expropriadores», o socialismo requer a própria superação do capital — e, por si só, a abolição da propriedade privada pode levar apenas à estruturação de uma nova forma de regência do capital, tal como demonstrou a experiência soviética. O que está em jogo na transição para o socialismo é a consubstanciação de um novo metabolismo social, de uma totalidade social qualitativamente nova — e não uma nova forma de domínio dos homens sobre os homens. Estariam também equivocados aqueles que afirmam ser o Estado nada mais que um comitê executivo das classes dominantes. Pois o Estado possui, argumenta Mészáros, uma evidente autonomia em relação aos burgueses enquanto tais, e mesmo em relação às classes dominantes, mantendo com elas uma relação contraditória. Do ponto de vista dos burgueses, o Estado é um poder que se exerce sobre eles e do qual, contudo, não podem prescindir; é um mal necessário — necessário à manutenção da unidade global do sistema do capital, necessário para contrarrestar as tendências desagregadoras, acima mencionadas, geradas no coração do próprio sistema. Se Mészáros tiver razão, repetimos, será necessário que refaçamos boa parte do debate acerca do Estado, das políticas públicas e da relação deles com os movimentos sociais. Apenas isso já tornaria a obra da maior importância para o debate contemporâneo. Contudo, com bem disse Daniel Singer(1996), Beyond Capital é uma obra monumental. Além das inovadoras considerações acerca do Estado e do capital, propõe também uma reavaliação da própria trajetória intelectual de Lukács, traz teses inovadoras acerca da relação entre capital e reprodução social, avança interpretações muitas vezes bastante originais de Hegel e Marx, discute a fundo os mais importantes pensadores conservadores e liberais que se apresentam no debate contemporâneo e, como se não bastasse, ainda contém maravilhosas passagens de discussão de categorias ontológicas como causalidade, temporalidade, continuidade, etc. Muito provavelmente Beyond Capital será reconhecido, no futuro, como o texto mais significativo para o marxismo ontológico (aquele que, na fragmentação do marxismo enquanto corrente teórica, é balizada por Marx-Gramsci-Lukács) desde Para uma Ontologia do Ser Social de Lukács. Nos resta apenas torcer que a tradução para o português dessa obra «monumental» não venha a sofrer o mesmo destino da Ontologia de Lukács, e que as ciências sociais como um todo, e o Serviço Social em particular, se apoderem sem delongas da enorme riqueza deste texto de Mészáros: sonhar sempre vale à pena! Bibliografia 27
  • 28. Curso “A Crise do Capitalismo” CEPIS/ENFF/Depto. De Jornalismo da PUC Barroco, Lucia. «Ontologia Social e Reflexão Estética». Tese doutoramente, ServiçoSocial, PUC-São Paulo, 1997. Meszáros, Istvan. Beyond Capital. Merlin Press, Londres e Nova Iorque, 1995. Millet, K. The Politics of Cruelty. Norton & Cia, New York, 1994. Singer, Daniel. Resenha de Beyond Capital. Práxis, nº7, 1996. 28
  • 29. Curso “A Crise do Capitalismo” CEPIS/ENFF/Depto. De Jornalismo da PUC 3º Texto - Intelectuais e mídia - quem dita a pauta?* - Virgínia Fontes Virgínia Fontes ** Não se deve reduzir a dimensão persuasiva da hegemonia a um momento puramente discursivo pois, se a hegemonia envolve as maneiras de pensar (e, portanto, as idéias), implica também – e sobretudo – as formas concretas como tais idéias são elaboradas por determinados sujeitos sociais, são difundidas por entidades e organizações e convertem-se em atividade efetiva, através de práticas sociais específicas, que articulam técnicas difundidas por diferentes meios. A hegemonia atravessa as formas da organização do processo de trabalho em seu conjunto, assim como se espraia pela própria vida social. Refletir sobre as modalidades de hegemonia e de contra-hegemonia supõe analisar as formas de convencimento, de formação e de pedagogia, de comunicação e de difusão de visões de mundo, as diferentes modalidades de adestramento para o trabalho, as formas peculiares de sociabilidade dominantes em cada período, as maneiras de ser coletivas e as clivagens que as atravessam, averiguando sua adequação e aos processos de dominação, assim como as contradições que suscita. Mas exige também não esquecer que a hegemonia se reveste de maneiras mais ou menos discretas de exercício da coerção, através de violência aberta ou simbólica. Aliás, a expansão de atividades e de meios voltados para o convencimento sob as mais variadas formas (o que poderíamos chamar de formação humana para o capital) convive na atualidade com altas doses de violência aberta. Vivemos um período aparentemente paradoxal, no qual ocorre um grande aumento de métodos de persuasão paralelamente ao crescimento de procedimentos coercitivos. Este texto procura alertar exatamente para essa enorme ampliação do número de entidades voltadas para organizar e convencer amplos setores populares, forjando uma sociabilidade peculiar. Tal sociabilidade se apresenta como organizativa, ativa (participante) e democrática (de cunho eleitoral). No entanto, reduz a participação popular aos âmbitos estreitos, assim como bloqueia o horizonte democrático, blindando a política de forma a que não envolva transformações substantivas na vida social. Essa configuração parece corresponder à hegemonia do grande capital monetário, hoje dominante e dirigente. Em que pese ser este o nosso objetivo central, não é conveniente olvidar o crescimento simultâneo da violência aberta, em especial no caso brasileiro. Mantém-se e agravam-se as péssimas condições das populações carcerárias (a começar pela superlotação: em dezembro de 2006 registravam-se 339.580 presos para uma lotação padrão de 236.148 17 ) e pela truculência do trato penitenciário, tornado quase corriqueiro. A violência policial indiscriminada permanece rotineira. Em São Paulo, há exatamente um ano atrás, em maio de 2006, por ocasião dos ataques do PCC (Primeiro Comando da Capital) à polícia, a prática da vingança policial gerou uma impressionante onda de assassinatos. * Este artigo é versão expandida de exposição na Mesa-Redonda Mídia e empresariado no Brasil do século XXI – as relações perigosas, da qual também participou Dênis de Moraes. O evento foi proposto pelo Núcleo de Comunicação do P-Sol-RJ e realizado na Escola de Serviço Social-UFRJ, em março de 2007. * *Professora visitante da EPSJV/Fiocruz, docente da Pós Graduação em História da UFF, Pesquisadora do CNPq e docente da Escola Nacional Florestan Fernandes/MST. 17 Ministério da Justiça.DEPEN-Departamento Penitenciário Nacional – Relatório de Gestão 2006. 29
  • 30. Curso “A Crise do Capitalismo” CEPIS/ENFF/Depto. De Jornalismo da PUC Naquela ocasião, segundo a Folha de São Paulo de 06.06.2006, o Conselho Regional de Medicina assinalou 400 pessoas mortas por armas de fogo no Estado de São Paulo entre os dias 12 e 20 de maio. O conselho incluiu na análise os 23 Institutos Médico-Legais do Estado, uma vez que vinham sendo computados apenas os dados de um dos postos do IML, do bairro Pinheiros (zona oeste da capital paulistana), que registrou 132 mortes em razão de tiros. Os dados correspondem a uma média de 50 mortes por dia – quando a média do Estado, no primeiro trimestre daquele ano, era de 20 assassinatos diários 18 . Em 2007, foi manchete nos jornais do país a generalização de milícias no Rio de Janeiro que, com a conivência da polícia, ocupam e dominam militarmente mais de 90 favelas. Em seu ex-blog, o prefeito da cidade, Cesar Maia (PFL), sugeria que “os núcleos para-militares devem ser combatidos não diretamente, mas indiretamente, com a repressão ampla, geral e irrestrita ao tráfico de drogas” 19 . Justificava portanto a convivência entre policiais e para-militares, atribuindo mesmo um certo tom oficial a essa prática. Essas situações são apresentadas pela imprensa como aparentemente excepcionais, pois ocupam de forma escandalosa as manchetes dos jornais, sendo porém rapidamente banalizadas. Discretamente desaparecem, como se o silêncio da imprensa correspondesse ao fim da truculência. Além dessas evidências mais gritantes, prosseguem no cotidiano as ações arbitrárias de caveirões, no Rio de Janeiro 20 , as chacinas em São Paulo 21 , a atuação brutal da Rota (Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar), como parte de uma certa “normalidade”. Essa correlação inquietante entre violência e convencimento não deve desaparecer de nosso horizonte. Um dos maiores estudiosos no país sobre formas de organização empresariais brasileiras, René Dreifuss, realizou uma pesquisa muito original. Em plena ditadura militar, preocupou-se em evidenciar a elaboração, no pré-1964, de uma extensa rede de entidades empresariais que propunham novas diretrizes para a economia e a política brasileiras. A implementação de tais entidades empresariais desdobrou-se em farto material de propaganda e de divulgação de seus propósitos. Os processos de persuasão forneciam também os argumentos para a truculência militar. Boa parte dessas entidades empresariais - os aparelhos privados de hegemonia gestados sobretudo a partir de 1961 - seria posteriormente incorporada ao próprio Estado (Dreifuss, 1987). 18 O total de mortos dos IMLs inclui todos os tipos de morte por arma de fogo, como suicídios e crimes passionais, assinalando um aumento de 150% em óbitos violentos em São Paulo durante os 8 dias mencionados. 19 Ex-blog de Cesar Maia - http://cesarmaia.blogspot.com/ 20 Em uma opera ção contra traficantes na Vila Cruzeiro e no complexo de favelas do Alemão, Rio de Janeiro, ao longo dos primeiros dias de maio de 2007, 15 pessoas morreram e 43 ficaram feridas por “balas perdidas”, até o dia 13/05/2007. Engelbrecht, D. e Duran, S. Balas perdidas atingem mais quatro no alemão. O Globo, 13/05/2007, p. 15. 21 “Em 2001, foram contabilizadas 43 chacinas no estado, com 154 mortes. Desde então, o número vem caindo. Em 2002, foram 40 atentados, com 134 vítimas; em 2003, 23 crimes e 80 mortos; em 2004, 22 chacinas e 81 vítimas e, no ano passado, 15 crimes, com 55 mortos.” (...) “As chacinas ocorridas entre as 22h de terça-feira e as 3h de ontem tiveram características semelhantes: homens armados em moto usando capacetes ou tocas ninjas [sic], concentração de clientes em bares na periferia, tiros na cabeça em vários casos e, entre as vítimas, alguns com passagens pela polícia, mas muitos inocentes também.” 2006-05-maio-dia 18-O GLOBO –p 9. – Chico de Góis – Chacinas deixam dez mortos, inclusive inocentes. 30
  • 31. Curso “A Crise do Capitalismo” CEPIS/ENFF/Depto. De Jornalismo da PUC Ora, que projetos econômicos, políticos, sociais, culturais e ideológicos são formulados pelas entidades empresariais que se constituem no Brasil contemporâneo? Quem define as pautas a partir das quais os meios de difusão as reelaboram, traduzem e propagandeiam? Nos Cursos Anuais do Núcleo Piratininga de Comunicação (NPC), essa tem sido uma reflexão freqüente, pois diz respeito direta e indiretamente à comunicação e ao que chamamos corriqueiramente de “intelectuais”. Esta categoria, aliás, precisa sempre ser retomada à luz do desafio que nos coloca o marxismo: explicar o mundo tal como ele é, não perdendo de vista o eixo central – a exploração do sobretrabalho e a existência correlata de classes sociais, assim como das lutas reais entre elas. Intelectuais não são apenas os que escrevem – são sobretudo os que definem o que os escrevinhadores devem escrever. Já no livro A Ideologia Alemã, escrito por Marx e Engels em meados do século XIX, intelectuais não são os que se reservam o mundo do pensamento, mas os que atuam socialmente sob duas formas: na concentração da produção do conhecimento e na apropriação daquele conhecimento socialmente produzido, existente de forma prática. De maneira similar e em paralelo às modalidades da exploração de classes, asseguram a atualização dos conhecimentos anteriores, assim como produzem (e se apoderam) dos novos conhecimentos, tornando-os disponíveis para os setores dominantes. Formulam a legitimação do mundo existente como se fosse o mundo necessário, assegurando, assim, a perpetuação dos setores dominantes. Muitas vezes tais intelectuais parecem encerrados numa torre de marfim, no ato etéreo de elaboração de um puro pensar, e esquecem-se que suas ilhas de excelência devem ser ligadas por um cordão umbilical que as mantêm vivas, irrigadas e, sobretudo, ilhas. Em segundo lugar, como pretendem continuar “excelentes” e se consideram singularidades geniais, precisam, eles próprios, justificar o mundo tal como ele é, uma vez que tal exercício conforta e legitima sua própria existência 22 . Com Gramsci, as formulações de Marx e Engels ganharam novas determinações, enfatizando exatamente a função social que cumprem os intelectuais. Embora extrair citações seja insuficiente para apresentar o pensamento gramsciano, que exige um trabalho de leitura sistemática, vale lembrar dois pequenos excertos de seu texto mais conhecido sobre os intelectuais, com o intuito de estimular a ida ao texto: “Todo grupo social, nascendo no terreno originário de uma função essencial no mundo da produção econômica, cria para si, ao mesmo tempo, organicamente, uma ou mais camadas de intelectuais que lhe dão homogeneidade e consciência da própria função, não apenas no campo econômico, mas também no social e político: o empresário capitalista cria consigo o técnico da indústria, o cientista da economia política, o organizador de uma nova cultura, de um novo direito, etc.” (GRAMSCI: 16) “Estas funções [sociais dos intelectuais] são precisamente organizativas e conectivas. Os intelectuais são os “prepostos” do grupo dominante para o exercício das funções subalternas da hegemonia social e do governo político” (idem: 20-1). 22 Sobre esse fenômeno, os textos de Pierre Bourdieu auxiliam em muito a compreensão. Ver, em especial, “O campo científico” (in: BOURDIEU, 1982). 31