O documento discute as eleições municipais de 2008 e a necessidade da esquerda socialista criar uma alternativa política real para as eleições presidenciais de 2010. Argumenta que a frente de esquerda formada em 2006 foi insuficiente e que é preciso constituir uma frente política mais ampla, baseada num programa comum e na unidade de ação, que incorpore movimentos sociais e outras organizações populares.
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Alternativa esquerda eleições 2010
1. AS ELEIÇÕES DE 2008 E AS ALTERNATIVAS DA
ESQUERDA SOCIALISTA NO BRASIL
(Ivan Pinheiro*)
As eleições municipais deste ano, apesar de absolutamente
despolitizadas, acabaram por armar o cenário em que se dará a batalha
eleitoral de 2010. Se a esquerda socialista não aprender com os resultados
de 2008, vai continuar assistindo o jogo institucional de fora do campo, pela
televisão, uma briga de cachorro grande entre dois projetos, cada vez mais
parecidos, ambos se apresentando como a melhor alternativa para
destravar e alavancar o capitalismo: o campo majoritário do PT e o PSDB. O
centro do debate serão números macro-econômicos, ou seja, a comparação
entre os governos FHC e Lula do ponto de vista do "risco Brasil", do preço
do dólar, da balança comercial, das reservas internacionais, de quem criou
mais (e piores) empregos e captou mais investimentos estrangeiros. Para
usar uma expressão dos comentaristas econômicos burgueses, "quem fez
melhor o dever de casa", leia-se, quem mais favoreceu o capital, que
continua, no governo Lula, a aumentar sua participação na riqueza nacional,
em detrimento do trabalho.
E o pior é que, se a esquerda socialista e os movimentos populares
não criarem uma alternativa, quem vai decidir o jogo será o PMDB, o
partido que sai mais fortalecido dessas eleições e que já começa a falar
grosso, querendo as Presidências do Senado e da Câmara, ameaçando
candidatura própria em 2010, para negociar mais espaço de poder, além
dos seis ministérios que já ocupa. E é bom lembrar que o PMDB só tem
compromisso com Lula até 2010 e assim mesmo se o partido continuar
confortável em seu governo.
Aliás, esse jogo pode ser resolvido antes de começar o primeiro
tempo. Alguns fatores podem levar a um consenso burguês que imponha,
em 2010, uma solução de "união nacional", em torno de alguém como Aécio
Neves, que se apresenta "acima das classes e dos partidos", reencarnando
seu avô, Tancredo Neves, a julgar pela experiência piloto vitoriosa em Belo
Horizonte, onde haverá um governo de "coabitação" PT/PSDB, na barriga de
aluguel da legenda do PSB. Se este governo for um sucesso, a burguesia
pode forçar a edição nacional dessa experiência. Afinal, os dois partidos
fizeram aliança em mais de 1.000 municípios nestas eleições.
O fator com mais potencial para pressionar uma solução desse tipo é
a imprevisível crise mundial do capitalismo, que já "atravessou o Atlântico"
e começa a trazer turbulências para a economia brasileira. O agravamento
da crise e o risco de Lula ficar refém do PMDB podem levar o governo
federal para posições mais conservadoras.
Até porque a força do PMDB fica maior ainda, quando se verifica que
a disputa pelo segundo lugar, nestas eleições, entre PTxPSDB, não teve
vencedor. Não havendo uma segunda força incontestável, a primeira paira
acima das duas. Ambos saem destas eleições mais ou menos do mesmo
tamanho, em número de prefeitos e vereadores. Serra teve uma vitória em
2. São Paulo, mas com um candidato "terceirizado" , filiado ao DEM, partido
derrotado nacionalmente, condenado a sublegenda do PSDB, que consolidou
sua hegemonia na oposição de direita, que inclui (quem diria!) o PPS.
O PT ficou do mesmo tamanho, mas perdeu qualidade, saindo das
capitais mais importantes para a periferia. Perdeu três segundos turnos em
capitais para o PMDB. Não se pode dizer que Lula foi derrotado nestas
eleições, mas saiu com menos peso político. A falácia da transferência de
votos se esfarelou, praticamente tirando do páreo a candidata a "poste",
Dilma Russef, gerente principal do "choque de capitalismo" . Outro potencial
candidato da base do governo, o indefectível Cyro Gomes, pilotou um
terceiro lugar na campanha em Fortaleza, que considerava seu quintal. E
como deu trabalho para Lula eleger Luiz Marinho, em São Bernardo, onde o
Presidente mora, vota e tem seu berço político: foram necessários dois
turnos e a campanha mais cara de todo o país, na relação custo/eleitor! A
situação do PT em 2010 pode não ser confortável. Pela primeira vez, Lula
não será candidato a Presidente e até agora não apareceu o "candidato
natural" do Partido.
Diante deste quadro, deve saltar aos olhos de quem se considera de
esquerda a necessidade de se tentar criar uma alternativa à bipolaridade
conservadora ou ao consenso burguês. A primeira coisa é abandonar a
ilusão de uma candidatura "de esquerda" do PT à sucessão de Lula (que
nem é "de esquerda"), até porque qualquer candidatura do PT só terá
alguma possibilidade se aprovada pelo PMDB. Aliás, pode acontecer de o
PMDB oferecer a Vice ao PT em 2010, pois, com a crise econômica, a
tendência é que Lula, na ocasião, já não desfrute mais do atual índice de
popularidade.
A segunda questão é reconhecer que a frente de esquerda formada
em 2006 é absolutamente insuficiente para se auto-proclamar alternativa
de poder. Não se trata aqui de analisar a questão somente pelo resultado
eleitoral dos três partidos que a compuseram (PCB, PSOL e PSTU), que foi
abaixo da expectativa, sobretudo no caso do PSOL, partido-frente, herdeiro
de uma tradição eleitoral da antiga esquerda do PT, portador de quatro
mandatos no Congresso Nacional. Os resultados matemáticos desses
partidos foram fracos, principalmente pela desigualdade de condições frente
aos partidos burgueses e reformistas, que dispõem de recursos fabulosos
dos setores do capital que os financiam. Mas o fato é que esses três
partidos, mesmo juntos, não se tem apresentado como uma real alternativa
de poder.
Tanto é que a frente de esquerda não se reproduziu nacionalmente
nestas eleições exatamente porque em 2006 não passou de uma coligação
eleitoral, sem sequer um programa, sem continuidade, sem se transformar
numa FRENTE POLÍTICA real, permanente. Uma frente de esquerda tem
que apresentar um projeto político alternativo, para além das eleições, e
não ser um mero expediente para eleger parlamentares e dar musculatura a
máquinas partidárias.
A criação de uma alternativa real de poder em 2010 não pode ser
apenas um ato de vontade da esquerda. Se o movimento de massas não se
3. reanimar, a reedição de uma frente de partidos com registro em 2010 (PCB,
PSOL e PSTU) será apenas um gesto burocrático, mais uma coligação
eleitoral, fadada novamente à derrota. O que precisamos, além de apostar
no movimento de massas, é constituir uma FRENTE POLÍTICA, baseada num
programa comum e na unidade de ação, uma frente muito mais ampla do
que esses três partidos citados e que incorpore outras organizações
populares, movimentos sociais, personalidades e correntes de esquerda não
registradas no TSE, até para enfrentar as conseqüências da crise do
capitalismo, que certamente recairão nas costas dos trabalhadores e do
povo em geral.
Mas não pode ser uma frente política apenas para disputar eleições,
mas para unir, organizar e mobilizar os setores populares num bloco
histórico para lutar por uma alternativa de esquerda para o país, capaz de
galvanizar os trabalhadores pelas transformações econômicas, sociais e
políticas, na construção de uma sociedade fraterna e solidária. As
experiências recentes na América Latina mostram que a esquerda socialista
só tem possibilidade de se tornar alternativa de poder e de realizar
mudanças a partir de eleições, se a vitória eleitoral for produto do avanço
do movimento de massas e se vier a enfrentar os inimigos de classe e
romper os limites da legalidade burguesa.
(*) Ivan Pinheiro é Secretário Geral do PCB (Partido Comunista Brasileiro)