1. A vitória da democracia
Por Jaques Wagner, governador da Bahia.
01/04/2012
Na greve dos PMs da Bahia, evitamos um novo Eldorado dos
Carajás ou um Carandiru; o corporativismo não pode afrontar
os interesses coletivos.
Foi a vitória não do governo, mas da democracia. Ao final de 12 dias, às vésperas do Carnaval,
a greve da Polícia Militar da Bahia terminou sem choques frontais entre as Forças Armadas e
os integrantes de um movimento inconstitucional, amotinados na Assembleia Legislativa.
Esse desfecho exprime a prática da política democrática, com firmeza de posicionamentos e,
ao mesmo tempo, o exercício da autoridade.
Foi a política, no sentido da mediação racional, que conferiu consistência ao uso adequado da
força pelo Estado para proteger a população, conter a violência dos grevistas e assegurar o
restabelecimento da ordem pública.
Por que venceu a democracia? Primeiro, o governo não poderia se render a chantagem dos
grevistas que provocaram medo na tentativa de alcançar os seus objetivos. Não enfrentar o
movimento, decretado ilegal pela Justiça, seria a negação da autoridade constituída pelo povo,
a mais legítima na democracia.
Por outro lado, a ausência de visão política, que procurasse superar o conflito a partir do uso
exclusivo da força pelo Estado, seria, certamente, antidemocrática.
Na pior das hipóteses, reeditaria fatos dolorosos como o Carandiru ou Eldorado dos Carajás.
Segundo, os grevistas estavam confundindo liberdade de associação, que aponta o caminho
para a solução dos seus problemas, com a liberdade de fazer greve, vetada, por força de lei, a
policiais militares.
Nas sociedades democráticas, as liberdades de palavra e reunião são concedidas mesmo aos
inimigos mais irredutíveis. Não é nem nunca foi o caso da Polícia Militar da Bahia, com o fluxo
da interlocução sempre aberto com o seu comando.
O terceiro aspecto é consequência direta dos dois primeiros - uma greve ilegal e a confusão
entre liberdade de associação e direito de greve.
2. A mediação entre autoridade e grevistas se tornou, portanto, um imperativo. Mediação, em
momento algum, significou inércia ou passividade, tibieza ou falta de foco. Tanto que o
governo manteve os seus princípios, sem recuar de posições fundamentadas em fatos, fosse
nas reivindicações salariais, fosse na punição para os líderes grevistas. A opinião pública se
posicionou contra o movimento, em um ambiente em que a mídia trabalhou com liberdade.
Nesse episódio, uma questão fundamental de referência era o significado nacional do
movimento.
O ponto essencial encontrava-se na forma como a greve seria enfrentada. Se fora dos
preceitos democráticos, tenderia a acender o estopim da revolta. Caso contrário, como
ocorreu, dissuadiria movimentos similares como o que estava para eclodir no Rio de Janeiro. O
revés da greve na Bahia protegeu o Brasil dos excessos de um corporativismo que afronta aos
interesses coletivos.
A sociedade é mais moderna, mais livre e mais assemelhada. Os brasileiros buscam uma vida
segura e elegem governos democráticos para participar, não para minar a sua autoridade.
Entendem que direito de greve e diálogo são valores universais e que um não pode existir sem
o outro, pois o direito de greve é como se fosse o barro da história da democracia.
Não existe respeito ao direito de greve, de um lado, e respeito pela democracia, do outro.
Existe, sim, uma coincidência entre direito de greve e democracia. É por isso que existem
greves legais e greves inconstitucionais. Esse limite é que assegura o Estado democrático. É a
única garantia de respeito à constituição pelos governantes, da liberdade para a sociedade e
segurança do cidadão.
JAQUES WAGNER, 61, é governador da Bahia pelo PT.
Publicado na Folha de São Paulo em 01/04/2012.