2. O Ano da Morte de Ricardo Reis, José Saramago
Representações do
século XX
3. O ESPAÇO DA CIDADE: LISBOA
O Ano da Morte de Ricardo Reis, José Saramago
Representações do século XX
Cidade envolta pela chuva, triste, cinzenta, sem
qualquer atrativo, deserta e imóvel.
Metáfora do regime do Estado Novo, que cerca os
seus cidadãos, maioritariamente «súbditos, escravos,
submissos, reprimidos, oprimidos», sem vontade
para lutar e para sair da situação em que se
encontram.
4. O Ano da Morte de Ricardo Reis, José Saramago
Representações do século XX
CIDADE DE CONTRASTES:
• A opulência dos cafés históricos e
dos teatros restaurados;
• o progresso (a capa dourada).
• A sujidade e o barulho dos
mercados;
• os bairros pobres e degradados (o
real);
• os bairros dos proscritos: a
Mouraria (o real recusado).
• Uma burguesia rica;
• uma classe média remediada.
• A pobreza extrema – os bodos: os
incómodos da sociedade (o real a
ocultar).
5. O Ano da Morte de Ricardo Reis, José Saramago
Representações do século XX
CIDADE DE CONTRASTES:
As festividades
(Ano Novo, Carnaval e Páscoa)
• A festa
• A alegria
• A efusão
• A esperança
• A tristeza
• O desalento
VERSUS
• A riqueza
• As festas da
alta sociedade
• A fome
• As vítimas das
inundações
6. Período marcado por uma ditadura interna e por várias externas
O Ano da Morte de Ricardo Reis, José Saramago
Representações do século XX
1936 (29 de dezembro de 1935 – 8 de setembro de 1936)
Portugal Europa
França
Itália Alemanha Espanha
O TEMPO HISTÓRICO E OS ACONTECIMENTOS POLÍTICOS
7. O Ano da Morte de Ricardo Reis, José Saramago
Representações do século XX
EM PORTUGAL:
A imagem do poder autoritário.
Imagem do pai: proteção, acolhimento, força,
guia incontestado – fundamenta a estrutura
familiar patriarcal e ratifica o modelo Deus-
Pátria-Família (a base ideológica de todo o
sistema).
Mitificação pela Igreja: caráter modelar
fundado numa mística cristã.
Ditadura e centralidade da figura de Salazar
8. O Ano da Morte de Ricardo Reis, José Saramago
Representações do século XX
Discurso parcial e tendencioso, capaz de
louvar as qualidades da ditadura salazarista e
de encobrir as suas falhas.
Salazar
Exercício da influência do poder sobre
aqueles que submete, convencendo-os da
validade dos seus propósitos.
EM PORTUGAL:
Discurso do poder – a alienação e a contestação
9. O Ano da Morte de Ricardo Reis, José Saramago
Representações do século XX
EM PORTUGAL:
O discurso do poder: a alienação e a contestação
Veículos de intervenção e instrumentos de
ação e de propaganda do Regime
(comprometimento com o discurso da
ideologia e a sua ratificação):
• A imprensa
• A literatura
• A telefonia (rádio)
• O cinema
10. O Ano da Morte de Ricardo Reis, José Saramago
Representações do século XX
Ordem
Formas de
(re)pressão
Um dos valores da burguesia. Discurso ideológico
Criação de órgãos de controlo: a
atuação da PVDE (Polícia de
Vigilância e Defesa do Estado).
EM PORTUGAL:
A ordem e a repressão
Aspeto valorizado pela ideologia
capitalista, por conduzir à
progressão do mundo do
trabalho
11. O Ano da Morte de Ricardo Reis, José Saramago
Representações do século XX
A Mocidade Portuguesa
• Atos individuais
• Atos concretos de oposição organizada
(«Revolta dos Marinheiros»)
EM PORTUGAL:
O engajamento dos jovens Os movimentos contra o regime
(a consciência lúcida)
12. O Ano da Morte de Ricardo Reis, José Saramago
Representações do século XX
A «Revolta dos Marinheiros»
Único levantamento militar contra a administração de Salazar
Objetivos: Consequências:
A libertação dos presos políticos
dos Açores;
A fomentação de levantamentos
no continente a partir dessa
ação e, caso tal não acontecesse,
a junção ao governo espanhol;
Sublevação da população.
A morte de doze marinheiros,
incluindo a do irmão de Lídia;
A prisão de muitos outros
marinheiros.
13. O Ano da Morte de Ricardo Reis, José Saramago
Representações do século XX
NA EUROPA:
Regime de esquerda
(Frente Popular)
A influência fascista e nacionalista
(o sonho da hegemonia europeia)
França Itália
14. O Ano da Morte de Ricardo Reis, José Saramago
Representações do século XX
NA EUROPA:
Semelhanças ideológicas entre os dois
regimes (Alemanha e Portugal), que
mantêm relações próximas
Modelo verbal veiculado pelas
Juventudes Hitlerianas («Nós não somos
nada») como fundamento ideológico da
Mocidade Portuguesa
Alemanha
15. O Ano da Morte de Ricardo Reis, José Saramago
Representações do século XX
NA EUROPA:
Espanha (1936)
• Vitória da esquerda nas eleições
(agitação social)
• Proximidade geográfica ameaçadora
para o regime português
Golpe de Estado conducente ao início da
Guerra Civil: batalhas e massacres.
16. O Ano da Morte de Ricardo Reis, José Saramago
Representações do
amor
17. O Ano da Morte de Ricardo Reis, José Saramago
Representações do amor
Lídia
Homónima da musa mais referida nas odes de Ricardo Reis, cuja beleza o atrai.
Criada de hotel, trabalhadora, independente e responsável (aceita as
consequências dos seus atos).
Representa a vida e a ligação com o mundo quotidiano e real.
É uma mulher excecional: apesar da sua
condição sociocultural, produz
juízos/comentários de valor singular.
Simboliza o amor incondicional,
desinteressado e libertador.
18. O Ano da Morte de Ricardo Reis, José Saramago
Representações do amor
Nome «gerundivo», original e fatídico («aquela que deve
murchar»).
Proveniente de Coimbra, de boas famílias; bela e débil.
A sua mão esquerda está paralisada desde a morte da mãe.
Submissa ao pai e incapaz de tomar as suas próprias decisões,
afigura-se como espelho de Ricardo Reis.
Simboliza o amor imaterial e impossível de se concretizar.
Marcenda
19. O Ano da Morte de Ricardo Reis, José Saramago
Representações do amor
Incapacidade de decisão e de se adaptar ao mundo real:
não vive plenamente nenhum destes casos amorosos;
acobarda-se perante a gravidez de Lídia e de perfilhar o
filho;
escreve um poema a Marcenda, sem revelar a sua
identidade de poeta.
Lídia Marcenda
Ricardo Reis
20. O Ano da Morte de Ricardo Reis, José Saramago
Deambulação geográfica e
viagem literária
21. A deambulação sugere um jogo de realidade/irrealidade:
itinerários reais definidos versus recriações labirínticas e
simbólicas da cidade.
Recuperação de uma Lisboa paisagística, em que mortos e
vivos circulam.
Mapeamento geográfico e social do centro urbano da
metrópole.
O Ano da Morte de Ricardo Reis, José Saramago
Deambulação geográfica e viagem literária
Lisboa (1935-36)
22. Encontros com o fantasma de
Pessoa proporcionam
discussões de índole filosófica,
literária, existencialista,…
A deambulação geográfica catalisa a viagem literária.
Monumentos, ruas, o rio Tejo, a população lisboeta sugerem escritores e ficções
literárias.
O Ano da Morte de Ricardo Reis, José Saramago
Deambulação geográfica e viagem literária
Contaminação real/ficcional
Revisitação da própria obra de
Ricardo Reis.
23. O Ano da Morte de Ricardo Reis, José Saramago
Intertextualidade:
José Saramago, leitor de Luís de Camões,
Cesário Verde e Fernando Pessoa
24. O Ano da Morte de Ricardo Reis, José Saramago
Intertextualidade: José Saramago, leitor de Luís
de Camões, Cesário Verde e Fernando Pessoa
Intertextualidade
Aparece explícita no texto através de
versos que podemos facilmente
identificar como sendo de um outro
autor, «convidado» a participar no
universo literário de Saramago.
Surge também de forma mais
«camuflada», sendo o elo com o autor
do hipotexto mais difícil de
estabelecer pelo leitor comum.
Lírica e épica de Camões.
Universo literário de Fernando
Pessoa (ortónimo, heterónimo e
semi-heterónimo).
Poética de Cesário Verde
(sobretudo de O Sentimento dum
Ocidental).
25. O Ano da Morte de Ricardo Reis, José Saramago
Intertextualidade: José Saramago, leitor de Luís
de Camões, Cesário Verde e Fernando Pessoa
A intertextualidade é conseguida através de diferentes processos linguísticos:
Citação
Alusão
Paródia
Epígrafe
Paráfrase
Imitação criativa
26. O Ano da Morte de Ricardo Reis, José Saramago
Intertextualidade: José Saramago, leitor de Luís
de Camões, Cesário Verde e Fernando Pessoa
Capítulo I
«Mestre, são plácidas todas as horas
que nós perdemos, se no perdê-las,
qual numa jarra, nós pomos flores, e
seguindo concluía, Da vida iremos
tranquilos, tendo nem o remorso de
ter vivido.»
José Saramago, O Ano da Morte de Ricardo Reis, Lisboa,
Editorial Caminho, 2013, p. 27.
Citação
«Mestre, são plácidas
Todas as horas
Que nós perdemos,
Se no perdê-las,
Qual numa jarra,
Nós pomos flores.
[…]
Da vida iremos
Tranquilos, tendo
Nem o remorso
De ter vivido.»
Ricardo Reis, Poesia (edição Manuela Parreira da Silva),
Lisboa, Assírio & Alvim, 2007, p. 41.
Exemplos:
27. O Ano da Morte de Ricardo Reis, José Saramago
Intertextualidade: José Saramago, leitor de Luís
de Camões, Cesário Verde e Fernando Pessoa
Alusão
«a apagada e vil tristeza»
José Saramago, O Ano da Morte de Ricardo Reis, Lisboa,
Editorial Caminho, 2013, p. 490.
«Duma austera, apagada e vil tristeza.»
Luís de Camões, Os Lusíadas, Canto X, est. 145, v. 8.
Paráfrase
Exemplos:
«Aqui o mar acaba e a terra principia.»
José Saramago, O Ano da Morte de Ricardo Reis, Lisboa,
Editorial Caminho, 2013, p. 9.
«Onde a terra acaba e o mar começa.»
Luís de Camões, Os Lusíadas, Canto III, est. 20, v. 3.
28. O Ano da Morte de Ricardo Reis, José Saramago
Intertextualidade: José Saramago, leitor de Luís
de Camões, Cesário Verde e Fernando Pessoa
«[…] regresso eu à pátria, ó pátria,
chamou-me a voz dos teus egrégios
avós […]»
José Saramago, O Ano da Morte de Ricardo Reis, Lisboa,
Editorial Caminho, 2013, p. 319
Paródia
«Ó Pátria, sente-se a voz
Dos teus egrégios avós.»
Versos do hino nacional, A Portuguesa
«todos os caminhos portugueses vão
dar a Camões»
José Saramago, O Ano da Morte de Ricardo Reis, Lisboa,
Editorial Caminho, 2013, p. 248
Imitação criativa
«Todos os caminhos vão dar a Roma».
Provérbio popular
Exemplos:
29. O Ano da Morte de Ricardo Reis, José Saramago
Linguagem e estilo
30. Estrutura da obra
Externa Interna
19 capítulos não numerados • Chegada de Ricardo Reis a Lisboa;
«aparecimento» de Fernando
Pessoa;
O Ano da Morte de Ricardo Reis, José Saramago
Linguagem e estilo
• Relação com Lídia e Marcenda;
• «Desaparecimento» de Ricardo
Reis e Fernando Pessoa.
31. O tom oralizante e a pontuação
Marcas essenciais Exemplo
Ausência de verbos introdutores
do relato do discurso; dos dois
pontos e travessão a introduzir o
discurso direto;
«[…] Encontrei-a da última vez que
esteve em Lisboa, o mês passado,
Você gosta dela, Não sei, E da Lídia,
gosta, É diferente, Mas gosta, ou
não gosta, […]» (p. 381).
Separação dos enunciadores
marcada apenas pela maiúscula
inicial da palavra que surge depois
de uma vírgula;
Substituição de pontos finais ou
reticências e pontos de
interrogação por vírgulas.
O Ano da Morte de Ricardo Reis, José Saramago
Linguagem e estilo
32. O tom oralizante e a pontuação
O Ano da Morte de Ricardo Reis, José Saramago
Linguagem e estilo
Onomatopeias
Clichés
Palavras/
expressões populares
«[…] vai o elétrico quase vazio, dlim-dlim […]» (p. 376).
«[…] Feliz ano novo, Pimenta, Um novo ano muito
próspero, senhor doutor, frases de cartões de boas-festas
[…]» (p. 99).
«A mala pesa mais do que o meu dinheiro […]» (p. 22);
«[…] Ó patego, olha o balão […]» (p. 398).
33. Discurso direto
«[…] Salvador respondeu que não,
que sempre ouvia as badaladas da
meia-noite em casa, era uma
tradição da família, comiam doze
passas de uva, uma a cada badalada,
ouvira dizer que dava sorte para o
ano seguinte, no estrangeiro usa-se
muito, São países ricos, e a si, acha
que lhe dá realmente sorte, Não sei,
não posso comparar […]» (p. 95).
Discurso indireto
Discurso indireto livre
O Ano da Morte de Ricardo Reis, José Saramago
Linguagem e estilo
Exemplo:
Hibridismo de tipologias discursivas
34. Recursos expressivos
Antítese
Comparação
Hipérbole
Enumeração
«Bebia de mais, levantava-se da mesa a cair, repare-se na
curiosa expressão, levantar-se da mesa a cair […] (p. 379).
«[…] um hotel é como uma casa de vidro […]» (p. 155).
«Respira-se uma atmosfera composta de mil cheiros intensos
[…]» (p. 54).
«Andam aí pelas mãos das mães, das tias, das avós, mostram
as máscaras, mostram-se […]» (p. 219).
O Ano da Morte de Ricardo Reis, José Saramago
Linguagem e estilo
35. Recursos expressivos
Ironia
«[...] lá está D. Sebastião no seu nicho de pontaria, rapazito
mascarado para um carnaval que há de vir [...], então
teremos de reexaminar a importância do sebastianismo, com
nevoeiro ou sem ele, é patente que o desejado virá de
comboio, sujeito a atrasos.» (p. 102).
Metáfora
«A multidão cresceu […]. É um enxame negro gigantesco que
veio ao divino mel, zumbe, murmura, crepita, move-se
vagarosamente, entorpecido pela sua própria massa.» (p.
437).
O Ano da Morte de Ricardo Reis, José Saramago
Linguagem e estilo
36. Recursos expressivos
Personificação
«[…] a chama, dividida em mil pequenas línguas azuis,
murmurava sem parar.» (p. 168).
Uso expressivo
do adjetivo
«[…] violento odor de cebola, era o agente Victor,
reconheceu-o logo, há cheiros que são assim, eloquentes,
valem cada um por cem discursos […]» (p. 384).
O Ano da Morte de Ricardo Reis, José Saramago
Linguagem e estilo