METODOLOGIA ELANA* – ENSINO LEVA AUTONOMIA NO APRENDIZADO. UMA PROPOSTA COMP...
Comentário: 12° Domingo Tempo Comum - Ano A
1. É NECESSÁRIO CORAGEM PARA SER FIEL AO PROJETO DE DEUS
BORTOLINE e Paulo BAZAGLIA – Revista Vida Pastoral, Paulus, São Paulo – maio / junho de 2002
* LIÇÃO DA SÉRIE: LECIONÁRIO DOMINICAL *
ANO: A – TEMPO LITÚRGICO: 12° DOMINGO TEMPO COMUM – COR: VERDE
I. INTRODUÇÃO GERAL
1. A Eucaristia, encontro privilegiado da comunidade com seu
Deus, é momento para celebrar a vida tal como a vivemos, com os
conflitos que enfrentamos e as conquistas que realizamos. Nele apre-
sentamos os conflitos pessoais e comunitários, ao mesmo tempo em
que somos convidados a reavivar nossa voz profética na sociedade e
dentro da própria Igreja. Somos convidados a superar todo e qualquer
medo para continuar hoje o projeto de vida iniciado por Jesus, viven-
do relações de gratuidade que expressem a graça de Deus agindo em
nós.
II. COMENTÁRIO DOS TEXTOS BÍBLICOS
1ª leitura (Jr 20,10-13): Javé defende das mãos dos malvados o
pobre que profetiza
2. Em Jr 20,7-18 encontramos a quinta das cinco confissões do
profeta Jeremias (cf. 11,18-12,6; 15,10-21; 17,14-18; 18,18-23).
Nesta confissão, o profeta apresenta a Deus o conflito interior pelo
qual está passando.
3. Estamos entre os anos 609-586 a.C., durante o reinado de Joa-
quim ou Sedecias, anos antes da ruína de Jerusalém e do exílio babi-
lônico. Jeremias havia sido chamado por Deus para profetizar segun-
do sua palavra. O profeta critica as autoridades e alerta a respeito da
infidelidade para com a Aliança, a respeito das injustiças sociais que
conduziriam Israel à ruína. Fassur, sacerdote administrador-chefe do
Templo, ouvindo a predição de Jeremias sobre a destruição do Tem-
plo, chegara a açoitá-lo e lançá-lo na prisão. Isso custou a Fassur o
anúncio de seu exílio e morte na Babilônia (cf. 20,1-6), quando todas
as autoridades de Israel caíram sob o poder babilônico.
4. O episódio que abre Jr 20 serve para dar-nos uma idéia da situa-
ção social em que vivia o profeta Jeremias e permite-nos, assim,
compreender seu conflito interior e sua confissão a Deus. Jeremias
sente-se seduzido por Javé, é obrigado a profetizar segundo a palavra
de Javé, mas isso nada lhe agrada, pois sua profecia é sempre "vio-
lência" e "opressão", trazendo-lhe vergonha e gozação o dia todo. E
mesmo decidido a não mais profetizar, ele sente como que um fogo
no coração (é preciso ler o início da confissão, nos vv. 7-9, que não
entram na liturgia de hoje).
5. O que Jeremias faz nos vv. 7-9 é uma queixa contra Javé, que o
seduziu. E, assim seduzido, por ser profeta verdadeiro se vê forçado a
profetizar as desgraças decorrentes das injustiças, criticando as auto-
ridades e alertando para a violência, a opressão e a ruína, já que a
injustiça social, o desrespeito à Aliança, a idolatria estavam na ordem
do dia.
6. Os vv. do texto de hoje iniciam-se quando a queixa de Jeremias
se orienta contra os amigos (v. 10). Quem seriam esses amigos? A
expressão hebraica ‘enosh shlômi, "homem de minha paz", que se
costuma traduzir por "amigo", numa situação de sedução e engano
como aqui, refere-se às pessoas que aparentemente desejam o bem do
profeta, obrigando-o a calar, mas que na verdade querem dele se
vingar, fazendo-o tropeçar. Querem seduzi-lo, para obrigá-lo a se
calar, já que sua profecia não era nada agradável aos ouvidos. De
fato, muitos comentavam a respeito de sua predição a Fassur, quando
Jeremias mudara o nome do sacerdote para "Terror-ao-redor" (20,3).
Querem denunciar Jeremias como aquele que prenuncia somente o
terror para o povo de Israel.
7. A perseguição sentida na pele pelo profeta o faz compreender
que, apesar da situação insuportável em que se encontra (20,9) por
causa do chamado divino, seu verdadeiro inimigo não é Javé, e sim
aqueles que o perseguem. Javé, que vencera o profeta e o seduzira
(20,7), não é seu inimigo, mas o valente guerreiro que está a seu
favor, mesmo porque o profeta age em seu nome. E é assim que, do
lamento contra os inimigos (v. 10), brota no profeta a confiança de
que Deus está a seu lado e fará fracassar os planos de seus persegui-
dores (v. 11). O profeta, já seduzido por Javé, não será seduzido
também pelos inimigos, pois em Jeremias está a consciência de que
os planos de Deus são planos de vida, enquanto os planos dos que o
perseguem são planos de morte. Daí que a vergonha do profeta
(20,8), com o Deus que é valente guerreiro agindo em favor dele,
cairá exatamente sobre seus inimigos.
8. Do lamento à confissão da confiança em Deus, vem o pedido do
profeta a Javé para ver fracassar os planos dos inimigos (v. 12), já
que toda a sua vida profética está orientada pelo plano de Deus. O
fundamento desse pedido está na consciência de que Deus, conhe-
cendo o íntimo das pessoas, age com justiça. De fato, a expressão
"ver os rins e o coração", na Bíblia, indica a sede dos desejos e dos
pensamentos ou decisões. Deus pode fazer justiça por enxergar o
íntimo de cada pessoa em seus desejos, planos, pensamentos e op-
ções.
9. Por fim o profeta pode dirigir um louvor a Javé (v. 13), por ter
experimentado a ação de Deus em seu favor: Deus, que livra a vida
do pobre das mãos dos malvados, o livrou dos que o perseguiam.
10. Essa confissão de Jeremias nos faz pensar nas dificuldades de
toda e qualquer missão profética: conflitos interiores, perseguição de
inimigos (pois a profecia verdadeira não "põe panos quentes"), difi-
culdades até para distinguir entre os verdadeiros e falsos amigos. O
profeta de Javé é alguém que se vê obrigado a ler os fatos à luz do
plano divino de liberdade e vida, denunciando as injustiças que tra-
zem violência e terror para anunciar algo novo. À custa de muitos
conflitos. A confiança do profeta é que Deus luta ao seu lado, defen-
dendo-o das mãos dos malvados, assim como defende a vida de todos
os pobres e miseráveis, em favor dos quais sua missão profética é
direcionada.
Evangelho (Mt 10,26-33): Sem medo para testemunhar Jesus
11. As palavras que Jesus dirige aos discípulos situam-se na seção
conhecida no evangelho de Mateus como "discurso da missão", de
9,35—11,1. Jesus chama seus discípulos e, tendo constituído um
grupo de doze, os envia em missão como apóstolos para agir em seu
nome com sua mesma autoridade e assim continuar suas ações de
libertação e vida. Além disso, Jesus alerta os enviados a respeito da
perseguição de que serão alvo, se forem realmente fiéis à sua missão.
12. Nos vv. 26-33 Jesus consola e encoraja os enviados, que sofre-
rão perseguição e tribulação. Depois de três motivações para que eles
não tenham medo, Jesus fala do juízo futuro.
a. "Não tenham medo"(vv. 26-31)
13. A expressão "não tenham medo" aparece três vezes, nos vv. 26,
28 e 31. É uma expressão bíblica importante, que se encontra na
maioria das vezes na boca de Deus para garantir sua proteção e enco-
rajar em situações difíceis, tal como em Is 41,10; 41,13; 43,5; 44,2; Jr
1,8; 30,10; Ez 2,6. Aqui, a cada convite a não ter medo Jesus dá uma
motivação.
14. O primeiro convite (vv. 26-27), a não ter medo dos perseguido-
res, baseia-se no fato de a mensagem de Jesus estar destinada a al-
cançar todo o universo. Nada conseguirá impedir a difusão dessa
mensagem por meio daqueles que Jesus envia com sua mesma auto-
ridade. Nada do que Jesus disse ao grupo restrito dos discípulos
ficará sem ser revelado, pois Jesus não vem fundar uma seita esotéri-
ca, um grupo fechado de iniciados que seguem rituais secretos. O que
foi dito aos ouvidos deles será revelado a todos, sobre os telhados. Os
seguidores de Jesus, exatamente por continuarem a mesma atividade
libertadora do Mestre da Justiça, provocarão transformação no mun-
do, sendo por isso perseguidos e mortos pelos que dominam e não
querem perder privilégios num sistema injusto e de morte. A ação
dos enviados por Jesus, assim, revelará ao mundo tudo o que Jesus
disse e fez, trazendo às claras o que significa agir em favor da justiça
e da vida e o que significa agir em favor do sistema dominante de
injustiça e de morte. As palavras e ações de Jesus estão destinadas a
se espalhar por todo o mundo, e nenhum medo por parte dos seguido-
res se justifica ou pode deter tal expansão.
15. O segundo convite (v. 28) baseia-se no fato de que a persegui-
ção, tribulação e mesmo a morte não representam o fim de tudo.
Quando fala de corpo e alma/psique, Mt não está usando a distinção
grega, mas simplesmente se referindo à dimensão histórica e contin-
gente do ser humano (corpo) e à dimensão que transcende o corpo e é
a força vital (alma, psique, vida) que permitirá a comunhão plena do
2. discípulo com Deus mesmo após a morte. Os enviados em missão
não têm motivo de ter medo dos que os perseguem, fazem sofrer e
matam: o máximo que estes conseguirão é matar o corpo, não o
dinamismo vital que supera a morte física. O único motivo de medo é
a ruína definitiva da vida, ou seja, a impossibilidade de alcançar, no
fim dos tempos, a comunhão plena com Deus.
16. A expressão "tenham medo daquele que pode arruinar a alma e
o corpo no inferno" não é clara. Pode referir-se ao Maligno, ou seja,
uma personificação do sistema dominante de morte diante do qual os
enviados podem ceder e acabar traindo a tarefa que lhes fora confiada
por Jesus — em última instância, ter medo e se conformar ao sistema
de morte significaria arruinar definitivamente toda uma vida... Mas
provavelmente aqui Jesus está falando do Pai do Mestre da Justiça
que agirá como Juiz, a exemplo de 25,31-46. Não são os homens, e
sim Deus quem pode dar ou tirar a vida para sempre. A geena, ou
seja, o destino das vidas arruinadas pela infidelidade ao projeto de
Jesus, é traduzida por inferno ou fogo, derivada de "vale do Enom"
(em hebraico gê-hinnom), ao sul de Jerusalém, onde o lixo era con-
sumido por um fogo que nunca se apagava.
17. O terceiro convite (vv. 29-31) baseia-se na consciência de que
Deus cuida de cada um dos seus filhos. Para fortalecer esta confiança
nos discípulos, Jesus menciona o agir de Deus para com dois insigni-
ficantes pardais que se vendem por algumas moedas. Para chegar à
comparação: assim como a vida de cada um dos pardais está no plano
de Deus, que decide sobre tudo, muito mais a vida de cada um dos
enviados por seu Filho para continuar sua missão no mundo. A certe-
za de ser filhos de um Pai cuidadoso que se preocupa até com nossos
fios de cabelo não justifica o medo por parte dos discípulos.
b. Jesus testemunha diante do Pai em favor de suas testemunhas (vv.
32-33)
18. As últimas palavras de Jesus, retomando o tema do juízo do v.
28, referem-se ao testemunho como fator decisivo. O testemunho em
favor de Jesus, ou seja, a fidelidade à missão que ele confia aos que
envia, é condição necessária para que também Jesus dê testemunho
deles diante do Pai. Jesus renegará os que, tendo a missão de conti-
nuar no mundo seu plano de libertação e vida, o renegaram buscando
ou seguindo outros projetos.
19. Ou seja, os enviados por Jesus, sendo perseguidos, atribulados e
mortos, não têm motivos para temer, desde que permaneçam fiéis e
testemunhem Jesus ao mundo, com palavras e ações. E aqui não
existe meio-termo. Ou sucumbimos no medo, renegamos Jesus e
pomos tudo a perder, ou superamos o medo, testemunhamos Jesus e
o teremos a nosso favor diante de Deus.
2ª leitura (Rm 5,12-15): Em Jesus somos livres do poder do peca-
do e da morte
20. Depois de ter apresentado a nova situação de justificação e
reconciliação com Deus em que nos encontramos (5,1-11), Paulo
revela, nos vv. 12-21, como se dá a superação do pecado com a
aquisição da graça e da vida.
21. Para tanto, nestes vv. de difícil interpretação que já suscitaram
tanta discussão, Paulo contrapõe as figuras de Adão e Jesus Cristo,
usando o que se costuma chamar de argumento literário antitético.
Adão é figura, por contraposição, daquele que devia vir, Jesus Cristo
(v. 14).
22. No v. 12 Paulo fala da entrada do pecado e da morte no mundo
por meio de um só homem, Adão. Adão é figura da humanidade que,
sob o domínio do pecado, vive dentro de um sistema em que a mal-
dade e a injustiça não permitem ao ser humano ser plenamente bom,
realizar-se plenamente em comunhão fraterna. A situação do pecado
é, assim, uma situação que conduz inevitavelmente à morte.
23. Aqui é necessário distinguir entre pecado como toda uma situa-
ção complexa de maldade e injustiça (no grego hamartia) e pecado
como transgressão isolada, ação pessoal e contingente, própria de
todo ser humano (no grego parabasis ou paraptoma). Paulo se refere
aqui ao pecado como situação que encerra o ser humano numa força
negativa de injustiça e de morte que não é conforme à vida de Deus.
24. Com Adão, que na etiologia de Gn 3 representa o primeiro ser
humano e é assim figura de toda a humanidade, o pecado e a morte
entram no mundo; portanto, toda a humanidade está condicionada
pelo pecado que é hamartia e pela morte. A partícula eph’hô, que
introduz a última parte do v. 12, é de difícil tradução. Já se deram a
ela ao menos onze traduções, entre as quais "porque todos pecaram"
e "no qual todos pecaram". A tradução mais provável, no entanto,
deveria ser "com o resultado que todos pecaram". Ou seja, Paulo está
falando não da causa, mas do resultado, da conseqüência do pecado
de Adão sobre toda a humanidade. Paulo não fala aqui do que a
teologia posterior chamará de "pecado original", que considera o
primeiro pecado como fatalidade e que se transmite por herança de
pai para filho. A teologia do "pecado original" tem origem em Agos-
tinho, em sua oposição a Pelágio. Paulo, ademais, conhecia a mitolo-
gia gnóstica que considerava a humanidade como vítima ignorante de
um acontecimento original trágico e contagioso. O que importa, aqui,
no entanto, é notar que a reflexão de Paulo não tem como objetivo
falar do pecado de Adão, mas mostrar como, por liberdade e decisão
pessoal, as pessoas podem romper com o pecado e, pela fé em um só,
Jesus Cristo, chegar à graça e à vida.
25. A contraposição entre Adão e Jesus Cristo serve, assim, tão-
somente para mostrar a abundante superioridade da graça de Deus
que, gratuitamente, se derrama sobre todos (v. 15). O dom de Deus
supera de longe os pecados humanos, faz romper com toda uma
situação de pecado e morte.
26. Os vv. 13-14 são uma digressão exegética em que Paulo tenta
explicar a existência do pecado ainda antes que houvesse a Lei. Ou
seja, para que uma transgressão seja considerada como tal, é necessá-
ria uma lei que regule as ações. De Adão a Moisés, mesmo que as
ações de maldade e injustiça não fossem consideradas pecado por não
existir a Lei, todos se encontravam sob uma força negativa que não
permitia a libertação e a vida plena.
27. Enfim, com Jesus, aquele que veio revelar e realizar um projeto
de libertação e vida, todos os seres humanos têm agora acesso à
libertação e à vida. O caminho está aberto a nós, gratuitamente, como
dom de Deus. Porque libertação e vida são a um só tempo dom de
Deus e conquista humana. Não se transmitem geneticamente ou por
contágio. A graça derramada abundantemente sobre todos exige uma
resposta condizente ao dinamismo de vida que Jesus revelou e mos-
trou com a doação até a morte. Se com Adão vivíamos o círculo
vicioso do pecado que gerava a morte, agora somos chamados a
aceitar livremente o dom da graça que nos leva à vida plena, entre
nós e com Deus.
III. PISTAS PARA REFLEXÃO
28. A profecia não anda em moda nos últimos tempos, nem dentro nem fora da Igreja. E, se isso acontece, é porque falsos
amigos estão conseguindo seduzir e fazer tropeçar os verdadeiros profetas. A Igreja, como instituição, meio e não fim, é
constantemente chamada a renovar-se pelas vozes proféticas que apontam as infidelidades ao projeto divino. É chamada
também a acolher os que, pela coragem profética, são perseguidos e sofrem conflitos e humilhações. Deus sempre age no di-
namismo da profecia para que, no que há de inerte nas instituições, possamos ser fiéis ao seu projeto de vida.
29. O verdadeiro testemunho cristão é ação em favor da libertação e da vida que traz à luz, para todos verem, o sistema de
injustiça e morte. É desse tipo o nosso testemunho? Quais são os medos a superar nas comunidades cristãs? A confiança fun-
damental de ser filhos de um Deus que ama nos leva a relativizar até mesmo nossa existência terrena em vista do projeto de
Jesus, que é liberdade e vida para todos, que é ação em favor dos pequenos e empobrecidos?
30. Tanta injustiça e morte nos faz pensar que o "pecado que entrou no mundo" ainda está nele, apesar da força
abundantemente superior da graça de Deus. Vivemos ainda sob o domínio de uma situação de pecado que não
nos permite agir conforme o projeto de vida de Deus? É importante distinguir entre pecado como ação ou opção
fundamental pelo mal e pecados como ações contingentes, a fim de ter consciência do direcionamento funda-
mental de nossa vida. Pois a graça de Deus não é um passe de mágica que nos permite cruzar os braços. Com a
liberdade que dê razão a esse dinamismo de vida em nós, e com o empenho na construção de novas relações de
gratuidade e vida, estaremos vencendo o pecado e a morte.