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"Suponha que ao atravessar uma mata tropeço numa
pedra e me perguntam como foi ela ali parar. Poderia talvez responder que,
tanto quanto me é dado a saber, a pedra sempre ali esteve; e talvez não fosse
muito fácil mostrar o absurdo desta resposta. Mas suponha que eu tinha
encontrado um relógio no chão e procurava saber como podia ele estar naquele
lugar. Muito dificilmente me poderia ocorrer a resposta que tinha dado antes —
que, tanto quanto me era dado saber, o relógio poderia sempre ali ter estado.
Contudo, por que razão esta resposta, que serviu para a pedra, não serve para o
relógio? Por que razão não é esta resposta tão admissível no segundo caso como
no primeiro? Por esta razão e por nenhuma outra: a saber, quando
inspecionamos o relógio, vemos (o que não poderia acontecer no caso da pedra)
que as suas diversas partes estão forjadas e associadas com um propósito; por
exemplo, vemos que as suas diversas partes estão fabricadas e ajustadas de
modo a produzir movimento e que esse movimento está regulado de modo a
assinalar a hora do dia; e vemos que se as suas diversas partes tivessem uma
forma diferente da que têm, se tivessem um tamanho diferente do que têm ou
tivessem sido colocadas de forma diferente daquela em que estão colocadas ou
se estivessem colocadas segundo uma outra ordem qualquer, a máquina não
produziria nenhum movimento ou não produziria nenhum movimento que
servisse para o que este serve. (...) Tendo este mecanismo sido observado (...),
pensamos que a inferência é inevitável: o relógio teve de ter um criador; teve de
existir num tempo e num ou noutro espaço, um artífice ou artífices que o
fabricaram para o propósito que vemos ter agora e que compreenderam a sua
construção e projetaram o seu uso. (...) Pois todo o sinal de invenção, toda a
manifestação de desígnio, que existia no relógio, existe nas obras da natureza,
com a diferença de que na natureza são mais, maiores e num grau tal que
excede toda a computação. Quero dizer que os artefactos da natureza
ultrapassam os artefactos da arte em complexidade, em subtileza e em
curiosidade do mecanismo; e, se possível, ainda vão mais além deles em número
e variedade; e, no entanto, num grande número de casos não são menos
claramente mecânicos, não são menos claramente artefactos, não são menos
claramente adequados ao seu fim ou menos claramente adaptados à sua função
do que as produções mais perfeitas do engenho humano. (...) Em suma, após
todos os esquemas e lutas de uma filosofia relutante, temos necessariamente de
recorrer a uma Deidade. Os sinais de desígnio são demasiado fortes para serem
ignorados. O desígnio tem de ter um projetista. Esse projetista tem de ser uma
pessoa. Essa pessoa é DEUS.”
William Paley, Teologia Natural, 1802, Cap. 1, 3 e 27

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Texto_argumento do desígnio

  • 1. "Suponha que ao atravessar uma mata tropeço numa pedra e me perguntam como foi ela ali parar. Poderia talvez responder que, tanto quanto me é dado a saber, a pedra sempre ali esteve; e talvez não fosse muito fácil mostrar o absurdo desta resposta. Mas suponha que eu tinha encontrado um relógio no chão e procurava saber como podia ele estar naquele lugar. Muito dificilmente me poderia ocorrer a resposta que tinha dado antes — que, tanto quanto me era dado saber, o relógio poderia sempre ali ter estado. Contudo, por que razão esta resposta, que serviu para a pedra, não serve para o relógio? Por que razão não é esta resposta tão admissível no segundo caso como no primeiro? Por esta razão e por nenhuma outra: a saber, quando inspecionamos o relógio, vemos (o que não poderia acontecer no caso da pedra) que as suas diversas partes estão forjadas e associadas com um propósito; por exemplo, vemos que as suas diversas partes estão fabricadas e ajustadas de modo a produzir movimento e que esse movimento está regulado de modo a assinalar a hora do dia; e vemos que se as suas diversas partes tivessem uma forma diferente da que têm, se tivessem um tamanho diferente do que têm ou tivessem sido colocadas de forma diferente daquela em que estão colocadas ou se estivessem colocadas segundo uma outra ordem qualquer, a máquina não produziria nenhum movimento ou não produziria nenhum movimento que servisse para o que este serve. (...) Tendo este mecanismo sido observado (...), pensamos que a inferência é inevitável: o relógio teve de ter um criador; teve de existir num tempo e num ou noutro espaço, um artífice ou artífices que o fabricaram para o propósito que vemos ter agora e que compreenderam a sua construção e projetaram o seu uso. (...) Pois todo o sinal de invenção, toda a manifestação de desígnio, que existia no relógio, existe nas obras da natureza, com a diferença de que na natureza são mais, maiores e num grau tal que excede toda a computação. Quero dizer que os artefactos da natureza ultrapassam os artefactos da arte em complexidade, em subtileza e em curiosidade do mecanismo; e, se possível, ainda vão mais além deles em número e variedade; e, no entanto, num grande número de casos não são menos claramente mecânicos, não são menos claramente artefactos, não são menos claramente adequados ao seu fim ou menos claramente adaptados à sua função do que as produções mais perfeitas do engenho humano. (...) Em suma, após todos os esquemas e lutas de uma filosofia relutante, temos necessariamente de recorrer a uma Deidade. Os sinais de desígnio são demasiado fortes para serem ignorados. O desígnio tem de ter um projetista. Esse projetista tem de ser uma pessoa. Essa pessoa é DEUS.” William Paley, Teologia Natural, 1802, Cap. 1, 3 e 27