2. Conta a lenda que, uma vez, uma serpente começou a perseguir um vaga-lume.
Este fugia rápido, com medo da feroz predadora, e a serpente nem pensava em
desistir. Fugiu um dia e ela não desistia. Dois dias, e nada. No terceiro dia, já
sem forças, o vaga-lume parou e disse à cobra:
- Posso lhe fazer três perguntas?
- Não costumo abrir esse precedente para ninguém, mas, já que vou lhe
devorar mesmo, pode perguntar.
- Pertenço à sua cadeia alimentar?
- Não!
- Eu lhe fiz algum mal?
- Não!
3. - Então, por que você quer acabar comigo?
-Porque não suporto ver você brilhar!
A fábula vale pela reflexão. É bem triste constatar que ainda existem pessoas
como a serpente desta estória. O ideal seria que soubéssemos ajudar os outros a
brilhar para que, assim, o nosso próprio brilho pudesse aumentar e servir de
farol para outros tantos que ainda precisam de uma “estrela guia” à frente para
saber o caminho a seguir.
A inveja é um sentimento de infelicidade constante; é um sentimento de tristeza
perante o que o outro tem e a própria pessoa não tem. O outro é aquilo que tal
pessoa gostaria de ser ou ter. Pode ser tanto coisas materiais como qualidades
inerentes ao ser. É um complexo de inferioridade: o outro é melhor do que eu.
4. Qual é o perfil da inveja no ser? Preocupação maior com a vida alheia do que
com a sua. Ao invés de tentar progredir, crescer, tanto materialmente quanto
espiritualmente, prefere ficar sofrendo com o sucesso dos outros. A inveja é
originária desde tempos antigos. A inveja pode ser definida como uma vontade
frustrada de possuir os atributos ou qualidades de um outro ser, pois, aquele
que deseja tais virtudes ou qualidades é incapaz de alcançá-las. Dos sete
pecados capitais, a inveja é o pecado que ninguém admite ter, mas que todos
juram conhecer. Esse pecado é o mais antigo e o mais atual de todos os outros..
A inveja nada mais é do que um fenômeno psicológico muito comum que causa
um grande sofrimento, tanto para os invejosos quanto para suas vítimas.
5. A inveja é uma das fissuras morais bastante comuns da Humanidade. A inveja é
tristeza que o indivíduo tem em relação às coisas boas dos outros. O invejoso
se sente mal porque o próximo tem sucesso. Ele apenas se considera diminuído
com a grandeza alheia. Bem mais difícil é ser feliz com a felicidade do
semelhante. A inveja está muito presente em nossa sociedade. Somos tão cegos
em nosso orgulho e egoísmo que não percebemos que, ao invejar o brilho do
outro, tentando impedi-lo de emitir sua luz, embotamos nosso próprio brilho,
escondendo a nossa luz sob as trevas de nosso próprio ego. Não percebemos
que também brilhamos, que em nós há a mesma luz e que só depende de nós
fazê-la brilhar mais e mais longe e com mais intensidade, na medida em que
colocamos o nosso brilho à disposição dos outros.
6. Não entendemos que o nosso crescimento espiritual é diretamente proporcional
ao crescimento espiritual dos que estão à nossa volta e, que, para crescermos é
necessário que tudo o que está ao nosso redor também cresça. E o cúmulo da
nossa ignorância é que não nos damos conta de que, por mais que a nossa luz
seja abafada, por mais que nós a sabotemos com sentimentos pequenos,
mesquinhos e egoístas, ela nunca deixa de brilhar. Deus não permite que ela se
apague por completo, porque sabe que, mais cedo ou mais tarde, nós vamos
despertar desse torpor doentio e vamos precisar dessa pequena faísca para saber
por onde recomeçar.
Mestre em desnudar as paixões humanas, o escritor Rubem Alves já escreveu
sobre todas elas. Especificamente em relação à inveja.
7. Teceu considerações que suscitam algumas reflexões. Ele associa a inveja ao
“olhar torto”, advindo do latim “in videre”. Exatamente aí se origina a palavra
“inveja” – o olhar torto, enviesado, que se opõe ao olhar franco, direto. “Sei
que olhos agitados revelam um coração perturbado. Quando o coração está
tranquilo, tranquilos também ficam os olhos. Mas eu não sabia que a inveja tem
o poder para agitar o olhar”, ressaltou Rubem Alves em “A Inveja” – uma das
crônicas do livro “O Retorno e Terno”.
Nessa perspectiva dá para afirmar que o olhar do invejoso é exatamente como o
seu coração: intranquilo. Mais até: tudo nele ronda a intranquilidade. Ao
mesmo tempo em que seu ego é mais inflado do que seu espirito (ao ponto de
ofuscá-lo), ele não consegue olhar para si sob o prisma da contemplação dos
sábios.
8. O invejoso olha para si à procura do que falta, do vazio que precisa ser
preenchido de qualquer jeito. Se ele acha o que está procurando, guarda para si
– somente para si – a sete chaves. Ele se sente realizado por isto e até orgulhoso
da conquista. No entanto, no momento em que percebe que alguém mais possui
o que ele conseguiu, ou que este alguém conseguiu o que ele não possui, seus
olhos saltam para fora, e é como se fossem imensas bocas cheias de caninos. É
assim mesmo o olhar do invejoso: uma boca pronta para devorar o outro. Num
determinado momento de sua crônica, Rubem Alves lembra de uma história na
vertente das fábulas de As Mil e Uma Noites. Um homem encontra uma garrafa
que estava enterrada e, ao abri-la, surpreende-se com a saída de um gênio, que
se coloca ao seu serviço.
9. O gênio diz ao homem que pode transformar em realidade todos os seus
sonhos. Tão logo percebe que aquilo era mesmo possível, o felizardo começa a
imaginar tudo o que poderia pedir: a juventude, uma beleza física irresistível,
palácios deslumbrantes nos quatro cantos do mundo, serviçais, as mais belas
mulheres, os melhores vinhos, as comidas mais saborosas, os amigos fiéis.
Seus olhos brilham, pois ele sabe que tem nas mãos a chave para a felicidade.
Os rumos dessa história mudam quando o gênio diz que havia se esquecido de
mencionar apenas um detalhe: tudo aquilo que o homem pedisse para si o seu
pior inimigo receberia em dobro. Como que por encanto, a face do sortudo
muda de expressão, tornando-se mais séria e mais sombria. Ele para, pensa e,
novamente com um sorriso de realização, dirige-se ao gênio para fazer seu
único pedido: “quero que me fure um olho”.
10. De fato, o invejoso não quer a própria felicidade; deseja tão-somente que o
outro não seja mais feliz do que ele. Por isso o seu olhar é torto, inquieto. Na
sua ótica a realidade será sempre uma imagem distorcida, que ele jura ser a
certa e a única possível. Para ele o céu (do outro) é sempre o limite.
REFLEXÃO:
A inveja sempre foi uma emoção sutilmente disfarçada em nossa sociedade,
assumindo aspectos ignorados pela própria criatura humana. As atitudes de
rivalidade, antagonismo e hostilidade dissimulam muito bem a inveja, ou seja,
a própria “prepotência da competição”, que tem como origem todo um séquito
de antigas frustrações e fracassos não resolvidos e interiorizados.
11. O invejoso é inseguro e supersensível, irritadiço e desconfiado, observador
minucioso e detetive da vida alheia até a exaustão, sempre armado e alerta
contra tudo e todos. Faz o gênero de superior, quando, em realidade, se sente
inferiorizado; por isso, quase sempre deixa transparecer um ar de sarcasmo e
ironia em seu olhar, para ocultar dos outros seu precário contato com a
felicidade. Acreditamos que, apesar de a inveja e o ciúme possuírem definições
diferentes, quase sempre não são diferenciados ou corretamente percebidos por
nós. As convenções religiosas nos ensinaram que jamais deveríamos sentir
inveja, pelo fato de ela se encontrar ligada à ganância e à cobiça dos bens
alheios. Em relação ao ciúme, os padrões estabeleceram que ele estaria,
exclusivamente, ligado ao amor. É por isso que passamos a acreditar que ele é
aceitável e perfeitamente admissível em nossas atitudes pessoais.
12. Analisando as origens atávicas e inatas da evolução humana, podemos afirmar
que a emoção da inveja não é uma necessidade aprendida. Não foi adquirida
por experiência nem por força da socialização, mas é uma reação instintiva e
natural, comum a qualquer criatura do reino animal. O agrado e carinho a um
cão pode provocar agressividade e irritação em outro, por despeito.
Nos adultos essas manifestações podem ser disfarçadas e transformadas em
atos simulados de menosprezo ou de indiferença. Já as crianças, por serem
ingênuas e naturais, mordem, batem, empurram, choram e agridem.
A inveja entre irmãos é perfeitamente normal. Em muitas ocasiões, ela surge
com a chegada de um irmão recém-nascido, que passa a obter, no ambiente
familiar, toda a atenção e carinho.
13. Ela vem à tona também nas comparações de toda espécie, feitas pelos amigos e
parentes, sobre a aparência física privilegiada de um deles. Muitas vezes, a
inveja manifesta-se em razão da forma de tratamento e relacionamento entre
pais e filhos. Por mais que os pais se esforcem para tratá-los com igualdade,
não o conseguem, pois cada criança é uma alma completamente diferente da
outra. Em vista disso, o modo de tratar é consequentemente desigual, nem
poderia ser de outra maneira, mas os filhos se sentem indignados com isso.
A emoção da inveja no adulto é produto das atitudes internas de indivíduos de
idade psicológica bem inferior à idade cronológica, os quais, embora ocupem
corpos desenvolvidos, são verdadeiras almas de crianças mimadas, impotentes
e inseguras, que querem chamar a atenção dos maiores no lar.
14. O Mestre de Lyon interroga os Espíritos: “Será possível e já ter existido a
igualdade absoluta das riquezas?” E eles, com muita sabedoria, informam:
“(…) Há, no entanto, homens que julgam ser esse o remédio aos males da
sociedade (…) São sistemáticos esses tais, ou ambiciosos cheios de inveja
(…)”¹ A necessidade de poder e de prestígio desmedidos que encontramos cm
inúmeros homens públicos nas áreas religiosa, política, profissional, esportiva,
filantrópica, de lazer e outras tantas, deriva de uma “aspiração de dominar” ou
de um “sentimento de onipotência”, com o que tentam contrabalançar
emocionalmente o complexo de inferioridade que desenvolveram na fase
infantil. Encontramos esses indivíduos, aos quais os Espíritos se reportam na
questão acima, nas lutas partidárias, em que, só aparentemente, buscam a
igualdade dos “direitos humanos”, prometem a “valorização da educação”,
asseguram a melhoria da “saúde da população” e a “divisão de terras e rendas”.
15. O caráter invejoso conduz o indivíduo a uma imitação perpétua à originalidade
e criação dos outros e, como consequência lógica, à frustração. Isso acarreta
uma sensação crônica de insatisfação, escassez, imperfeição e perda, além de
estimular sempre uma crescente dor moral e prejudicar o crescimento espiritual
das almas em evolução.
Muita Paz!
Meu Blog: http://espiritual-espiritual.blogspot.com.br
Com estudos comentados de O Livro dos Espíritos, de O Livro dos Médiuns, e
de O Evangelho Segundo o Espiritismo.